sábado, 24 de dezembro de 2022

NATAL AL MARE

Esse ano resolvi fazer algo diferente: Passar o Natal em Ilhabela. Mentira, já é a terceira vez que venho passar o nascimento do menino Jesus aqui. Chegamos na quinta-feira, dia 22, e ficaremos até terça, dia 27. A ilha segue bela, como sempre foi desde que a conheci. Amo este lugar e sou muito grato por ter a oportunidade de passar data tão significativa aqui. Viemos Weidy, eu e nossa gatinha Lina. Por sorte, conseguimos alugar o mesmo chalé em que já havíamos ficado com ela, assim a pobrezinha não estranha tanto. Sabe como são os gatos: Cheios de tocs e de rotinas. Igualzinho ao papai... Hoje começamos o dia com uma visita ao Parque das Cachoeiras, lugar incrivelmente energizado, onde a gente sente a natureza muito próxima, em comunhão raramente alcançada, principalmente para habitantes das grandes metrópoles, bichos urbanos como nós. Não tem como não se sentir infinitamente grato a Deus, aos céus, às divindades todas, ao criador universal. Nosso chalé fica na Praia do Curral, minha preferida aqui da ilha, sobre a montanha e com vista de tirar o fôlego logo pela manhã, ao acordar. Dessa vez resolvi não fazer uma ceia de Natal e sim um happy hour. Tudo já está devidamente preparado, esperando o final da tarde para ser degustado. Weidy esteve recentemente em Milão, onde foi coreografar um evento para o lançamento de uma famosa marca de celulares, e me trouxe lemoncello e champanhe francês. Acho uma redundância falar champanhe francês, posto que somente em terras francesas, mais especificamente na região de Champagne, essa bebida é produzida. Mas, enfim, com o limoncello tenho feito refrescantes Lemoncello Spritz e com o champanhe brindaremos o Natal logo mais no fim da tarde. Aproveito para desejar a todos os que me leem um Natal incrivelmente bom, alegre, revigorante, inspirador e cheio de boas perspectivas para o ano vindouro. Amo todos com quem tenho a chance de dividir aqui o que vivo ou gostaria de viver. É no sentido da melhora, da cura, da evolução, da transcendência que me posiciono. E desejo o mesmo para todos os que me são caros. Um axé especial para meu saudoso amigo Marcel Bahlis, com quem eu tinha um pacto de sempre lembrarmos um do outro no dia 24 de dezembro, onde quer que estivéssemos. Feliz Natal a todos! E quando digo todos, creiam, incluo todos mesmo. Sem perder tempo dizendo todos, todas e todes. Acho isso uma bobagem. Nossa inculta e bela língua portuguesa é inclusiva na sua origem. Beijos natalinos... Nas fotos, meu libertador banho de cachoeira e nossa vista da Praia do Curral.

segunda-feira, 19 de dezembro de 2022

BODAS DE LINHO OU RENDA

Hoje meu blog completa treze anos de existência. São as nossas bodas de linho ou renda. Perfeito para definir tanto o blog quanto seu autor: Temos a leveza do linho e a transparência da renda. E, claro, somos chics, finos. Aqui não tem chitão! Rsrsrs… Brincadeiras à parte, completar mais um aniversário de blog me faz muito feliz. Confesso que quando decidi criar esse espaço de compartilhamento de ideias nunca pensei que seria tão longevo. Digo isso por me conhecer bem e ter consciência da minha inconstância. Sim, sou volúvel. Dessas mulheres que só dizem sim, para citar Chico. Achei que em pouco tempo me cansaria e, aos poucos desistiria. (Como vi acontecer com vários dos blogs que eu seguia). Mas cá estou, firme e forte, vestido de linho e renda para brindar mais um aniversário. Agradeço, mais uma vez e sempre, a todos que me seguem, me leem, me comentam, me curtem. Esse é o meu maior incentivo para seguir alimentando o blog. Ainda mais nesses tempos de abismo cognitivo que vivemos (Salve Gabeira!) em que nunca se sabe ao certo o que está sendo dito nem por quem, muito menos com qual objetivo... Dividir o que vejo, penso, crio, sonho, lembro e imagino é um prazer enorme para mim, me traz muito autoconhecimento e a sensação de pertencer a algo e a alguém. No caso, alguéns, que são vocês leitores... Grande parte da minha vida já foi exposta aqui. Quem tiver paciência de voltar aos primeiros anos e ler o que postei por lá, verá que sempre me doei por inteiro e sem medo de ser feliz… Um brinde à longevidade do meu blog! Ao linho e à renda! Para encerrar cito Gilberto Gil, nos versos da canção A Linha e o Linho: “é a sua vida que eu quero bordar na minha; como se eu fosse o pano e você fosse a linha; e a agulha do real nas mãos da fantasia, fosse bordando ponto a ponto nosso dia a dia” … Vida longa ao blog! Na foto, detalhe da toalha de tricô redondo feita por minha mãe: Uma verdadeira renda.

terça-feira, 13 de dezembro de 2022

FELIZES DEZEMBROS

Quando chega o mês de dezembro dá aquela vontade de sair fazendo tudo o que pretendíamos ter feito durante o ano e não deu tempo. Como geralmente é impossível - trinta e um dias não são trezentos e sessenta e cinco - a gente usa esses últimos dias do ano para celebrar o que de fato deu para fazer. E também para rever quem a gente não via faz tempo, confraternizar, celebrar, brindar e fazer projeções para o ano novo que logo mais irá chegar. Eu, particularmente, adoro essa época do ano. É quando me permito ser menos espartano nos meus hábitos diários, menos taurino na minha obsessão por rotinas e menos controlado em relação às minhas tentações. Pois, como já preconizou Oscar Wilde, a única maneira de libertar-se de uma tentação é entregar-se a ela. Em dezembro costumo dormir e acordar mais tarde. Me permito faltar à academia. Aceito todos os convites para drinks e jantares. Enfeito mais a casa, compro flores, tiro tudo da cristaleira para uma limpeza anual caprichada. Separo roupas e coisas que não uso mais para doar. Começo a planejar onde irei passar o meu aniversário, que é no mês de abril. Ah, e fico muito mais memorialista do que normalmente já sou. Cheiros, cores, sensações, músicas e atmosferas do passado me invadem. Me vem à mente os últimos dezembros e também aqueles bem antigos, da minha infância e juventude. Fico impressionado ao constatar que estão guardados com tamanha riqueza de detalhes e com tanto amor. Essa constatação, por mais trivial que possa parecer, me faz sentir que sou uma pessoa muito feliz. Desfruto, então, cada dia do meu mês. E é com incontida emoção que aguardo o próximo mês de dezembro chegar… Bom mês de dezembro a todos! Na foto, minha árvore já enfeitada para o Natal.

domingo, 4 de dezembro de 2022

DÉCEMBRE EST ARRIVÉ

Dezembro chegou e a vontade de escrever felizmente voltou. Meus dedos tocam o teclado do computador como os de um pianista a extrair música de seu instrumento. Já não era sem tempo... Novembro nos levou muita gente boa. Perdemos grandes talentos, artistas inesquecíveis, seres humanos maravilhosos. Como Gal, Erasmo Carlos, Rolando Boldrin e, mais recentemente de forma trágica e prematura, Rochelle Costi. Tive o privilégio de conviver com Rochele, ainda que de forma breve e em raros momentos. Talvez por isso mesmo, trago esses momentos carinhosamente guardados na memória. Em um deles, fui fotografado por ela dentro do caixão que foi usado no filme Beijo Ardente Overdose, de Flavia Moraes. Rochelle instalou o fúnebre objeto cenográfico no Bar Ocidente, em Porto Alegre, e convidava as pessoas que chegavam para serem retratadas dentro dele. Lembro que topei na hora. Tirei a camisa e pedi emprestados os óculos de minha amiga Lucia Serpa, que estava comigo. O resultado é um pequeno monóculo, bem vintage, daqueles que a gente fazia na escola (e com aqueles fotógrafos itinerantes em carrocinhas puxadas por pôneis, como me lembrou Sergio Lulkin). Evidentemente que o guardo comigo até hoje... E já comecei o último mês do ano da maneira que mais gosto: No palco. Mais especificamente em duas apresentações da Terça Insana para a Secretaria de Cultura de São Paulo, no lindo Teatro Paulo Eiró, que por incrível que pareça eu ainda não conhecia. Tirei do armário dois dos meus personagens mais queridos: Salvador Lévi-Strauss, o antropólogo franco-baiano, e a sempre atualizada precursora LGBTQIA+ Betina Botox. Uma felicidade sem tamanho ver que esses tipos urbanos, criados há mais de vinte anos, se mantém queridos pelo público que também se renova e se recicla ao longo do tempo. É como uma vez brincou Grace Gianoukas, nossa diretora e criadora do projeto: "Casamentos são desfeitos, governos caem e a Terça Insana permanece"... Que o mês de dezembro nos seja leve, cheio de graça, paz, alegrias e bem-aventurança. Amém. Nas fotos, minha tentativa de transformar em fotografia o diapositivo de Rochelle Costi; Gace, Agnes e eu após o espetáculo de sábado e a linda plateia do Teatro Paulo Eiró.

sexta-feira, 11 de novembro de 2022

BYE, BYE GAL

A morte de Gal me deixou mudo. Sem texto. Sem lenço nem documento. Senti como se uma parte de mim tivesse morrido. Aliás, uma não, várias. O consolo é que a voz, as músicas, os LPs, os CDs e as lembranças ficam. No caso de Gal, para sempre. É incrível como nesses momentos a vida volta toda à mente. Flashbacks se sucedem na minha memória ao som da voz de Gal. O álbum Água Viva tocando no toca-discos do meu quarto até gastar as faixas. Palavras, calas, nada fiz... Sua antológica participação na novela Dancing Days, cantando Folhetim, de Chico, a pedido da megera Yolanda Pratini. Se acaso me quiseres, sou dessas mulheres que só dizem sim... As férias de verão de 1981 em Soledade embaladas pelos hits do álbum Fantasia. Era a própria Festa do Interior… O especial dela na Globo, no qual convidou ninguém menos do que Elis para cantar a seu lado. E as duas mandaram ver juntas... O show do disco Baby Gal, a que assisti no Rio de Janeiro. Nunca esqueci o momento em que o teto do Canecão, todo iluminado por micro-luzinhas, se transformava em um imenso céu estrelado enquanto ela cantava Eternamente: Só mesmo o tempo pode revelar o lado oculto das paixões… Anos depois a assisti no Scala, também no Rio, na fase auge da beleza e da voz cristalina, já com cabelos mais curtos, saia justa e scarpins. Diva da canção popular… Seus discos, assim como sua figura, marcaram diversas fases da minha vida. Gal é Brasil e Brasil é Gal. Gal canta Caymmi, Gal canta Ary Barroso, Gal canta Tom Jobim... Como é triste ver pessoas como Gal nos deixando. Artistas do seu calibre. E o pior: Não ver ninguém do mesmo nível surgir para preencher essas lacunas… Estamos empobrecendo, para além da economia, da fome, da miséria: Empobrecendo do que alimenta a alma. Pois, como cantam os Titãs, a gente não quer só comida, a gente quer comida, diversão e arte… Bye, bye, Baby Gal. Comigo está tudo azul. Contigo está tudo em paz. Vivemos na maior cidade da América do Sul... Mas, por favor, volta! Vem viver outra vez ao meu lado. Ressucita-me, quero acabar de viver o que me cabe. E o resto desse romance, só sabe Deus...

sábado, 29 de outubro de 2022

NATUREZA MORTA

No último domingo, como sempre faço, fui à feira e comprei várias frutas. As que já estavam maduras foram sendo comidas ao longo da semana. Até que restaram somente algumas peras, que ainda precisavam de mais alguns dias para ficarem no ponto. Olhando para essas peras depositadas na fruteira sobre a mesa, sua perfeição de formas, texturas, cores e o perfume suave que exalavam me fizeram lembrar da minha infância... No pátio da minha casa tinha um pé de pera. A gente não apenas comia as peras colhidas na hora, fresquinhas: Também subíamos na árvore para brincar e, além de tudo, comê-las. E mais: Não havia somente esse pé de pera mas, também, laranjeiras, bergamoteiras, uma ameixeira, além de pés de caqui, limão e abacate. Fiquei pensando - enquanto admirava as peras calmamente instaladas na fruteira - nas crianças de hoje em dia, crescidas em prédios de apartamentos, sem ao menos conhecer um pé do que quer que seja. Imagine subir em árvores para brincar! Havia também, no quintal de casa, um pé de vime. Esse pertencia à minha tia Branca, que morava no terreno ao lado. Mas a árvore ficava rente à cerca e os galhos cresceram para o nosso lado também. Nessa, subíamos pela cerca mesmo, até onde ela alcançava, e depois escalávamos os galhos cada um em direção ao seu "lugar" na árvore. Como era muito alta, minha mãe vivia nos pedindo para ter cuidado para não cair: Não subam muito alto! Gritava ela de dentro de casa e nós, ávidos por aventuras, aí sim é que subíamos mais... A ameixeira era uma árvorezinha pequena, na verdade era um pé de nêsperas, mas as chamávamos de ameixas amarelas. Nesse, subíamos para comer mesmo. E minha mãe dizia que só via os carocinhos caindo lá de cima... Uma das laranjeiras era de laranja do céu. Essas eram as nossas preferidas, por serem muito doces, sem aquele azedinho típico das frutas cítricas... Não era para ser um post saudosista. Comecei pretendendo fazer uma espécie de estudo comparativo entre as crianças de antigamente e as de hoje em dia; as diferenças entre a vida ao ar livre, no interior, e a vida entre paredes da cidade grande, com crianças mergulhadas no metaverso, interagindo através de avatares em um inóspito ciberespaço; o crescimento descontrolado da construção civil que "ergue e destrói coisas belas", para citar Caetano. Mas não teve jeito. Foi só lembrar da quantidade inacreditável de árvores que havia só no terreno da minha casa para me lançar no mundo da memória... Acho que as peras já estão no ponto. Vou descascar uma delas e viajar ainda mais.Só que no mundo real... Para ser lido ao som de Um Gosto de Sol, de Milton e Lô Borges.

terça-feira, 25 de outubro de 2022

CAIO ENTRE NÓS

Semana passada participei de um sarau on-line para o lançamento do site Caio Entre Nós, dedicado à memória do escritor gaúcho Caio Fernando Abreu, falecido em 1996. Muito já falei aqui no blog da minha admiração e amizade por ele. Comecei como fã, desde a mais tenra idade, quando li Triângulo das Águas e fiquei completamente encantado. Um escritor que falava a minha língua! E não é - obviamente - à língua portuguesa que me refiro. Digamos que era um escritor que me representava, me definia, me incluía. Anos mais tarde, em 1991, quando eu estava morando em Paris, tive o privilégio de conhecê-lo e me tornar seu amigo. Foi Luis Artur Nunes quem fez a nossa aproximação e até hoje sou imensamente grato a ele por isso. Pois é mais uma vez através do Luis Artur que me aproximo de Caio. Ele está me dirigindo em Caio em Revista, um solo que farei com textos que ele escrevia para revistas nos anos oitenta. Desde 2017 venho trabalhando na pesquisa e adaptação dessas crônicas, um trabalho de formiguinha que me fez percorrer casas de amigos colecionadores em busca das tais revistas de onde extraí os textos. Entre os amigos que me receberam em suas casas para revirar suas coleções estão Cida Moreira e Luiz Normanda. Outros me enviaram textos por e-mail ou WhatsApp, como Odilon Henriques, Marcos Breda e Samuel Oliveira. Tem sido um enorme prazer voltar a ensaiar teatro. Depois de dois anos de isolamento, após os quais só voltei ao teatro no ano passado como diretor em O L Perdido (peça em que dirigi Grace Gianoukas e Agnes Zuliani), retomar o trabalho de ator em um projeto que me é tão caro tem sido grandemente inspirador. Aprendo sempre tanto com Luis Artur e com a palavra de Caio. E o melhor de tudo para nós, que o conhecíamos intimamente, é trazer ao conhecimento do público essa faceta menos conhecida do escritor: O Caio solar, leve e bem humorado revelado pelas revistas. Diferente daquele mais denso e dramático das obras literárias. O processo de trabalho em si tem me realizado muito como artista. Como é bom transformar palavras impressas em falas, gestos, ações e intenções. Ainda mais sob a condução delicada, sensível e irretocável de Luis Artur. Reler Caio sempre me reconecta com a vida, suas vicissitudes e idiossincrasias. É sempre transformador. E transmiti-lo on-line para todo o mundo em um sarau virtual é uma experiência que ele mesmo, se ainda estivesse conosco, acharia no mínimo interessantíssima. Pois minha participação no sarau foi justamente com uma das crônicas que compõem o nosso espetáculo: Torturas de Natal. O projeto Caio na Memória Viva tem organização de Rodi Neres, Cristiane Cubas e Ivana Dalle. Quem quiser visitar o site - ainda em construção - é só acessar www.caiofentrenos.com.br e viajar pela memória de Caio Fernando Abreu... Para terminar citando o próprio, “a única coisa que posso fazer é escrever - essa é a certeza que te envio, se conseguir passar esta carta para além dos muros. Escuta bem, vou repetir no teu ouvido, muitas vezes: a única coisa que posso fazer é escrever, a única coisa que posso fazer é escrever”… Na foto, Caio e seu irmão em um Natal em Santiago do Boqueirão.

segunda-feira, 10 de outubro de 2022

DIÁRIO DE OUTUBRO

Olá, leitores. Desculpem a minha ausência. Não ando inspirado para escrever. O mês de outubro insiste em arrastar primavera adentro um inverno que não quer ir embora. São Paulo tem estado cinza e gelada como se ainda estivéssemos na estação mais fria do ano… Outubro chegou acirrando divergências políticas e eu só querendo fazer a Iza: Viajar e dizer tchau pro tbt… Outubro também chegou levando irmãos de amigos queridos. No mesmo dia nos deixaram Jorge, irmão da minha amiga e eterna partner Marione Reckziegel, e Helinho Teixeira, irmão dos meus amados amigos soledadenses Paulo, Celeste e Carminha. A vida e sua total impermanência... A cinema e a teatro não tenho ido, embora eu tenha amado o último espetáculo a que assisti: Brenda Lee e o Palácio das Princesas, da dupla Zé Henrique de Paula e Fernanda Maia, com quem tive o prazer de trabalhar em É Vinte, As Folias do Século, minha única incursão no teatro musical até hoje. Mas, nunca se sabe. É preciso manter acesa a chama da esperança. Desistindo é que não acontece mais nada mesmo… Minhas leituras seguem. Por indicação do amigo e professor Beto Ruas estou lendo O Romance Luminoso, do escritor uruguaio Mario Levrero. O romance em si ainda não comecei, mas o diário que o antecede. O curioso é que o livro tem quase setecentas páginas e pouco mais de cem são dedicadas ao romance propriamente dito. A maior parte da obra é um diário que o escritor desenvolve enquanto não consegue escrever o romance pelo qual está sendo pago por uma bolsa de estudos. Mais ou menos o que estou fazendo agora, enquanto a inspiração para um novo post não vem. A diferença é que não estou sendo pago. Muito interessante acompanhar esse diário íntimo, no qual vamos fazendo parte da rotina do escritor, sua luta contra a insônia, a falta de inspiração, o vício em jogos e pornografia na internet. Mais curioso ainda é o fato do diário ter sido escrito quando a internet ainda engatinhava e era discada, usando a linha telefônica. Alguém se lembra desse passado recente e já distante? Sigo ensaiando, com a direção de Luis Artur Nunes, os textos de Caio Fernando Abreu que - um dia - irão compor meu solo chamado Caio em Revista. No próximo dia 20 teremos a pré-estreia de um desses textos no sarau on-line de lançamento do site em homenagem à memória do escritor gaúcho. Dou notícias por aqui e pelas redes sociais... No mais, bem, no mais mais nada. Paro por aqui. Bom mês de outubro a todos! Nas fotos, o escritor Mario Levrero e a capa de seu Romance Luminoso.

quinta-feira, 22 de setembro de 2022

SONHOS

Uma densa neblina encobria o quintal da casa da minha infância em Soledade. Na área dos fundos, olhei para a frente da casa e vi que o prédio do Clube Avenida estava totalmente encoberto pela neblina e chamei minha mãe para ver. Quando ela chegou, a neblina já tinha se dissipado e podíamos ver o prédio do velho clube... Cheguei na rua Garibaldi, onde morei toda a minha juventude em Porto Alegre. Ela, a rua, estava irreconhecível. Todas as casas e pequenos prédios antigos tinham sido demolidos para dar lugar a novos empreendimentos imobiliários. Os poucos terrenos ainda sem novas construções estavam tomados por traficantes e pessoas mal-encaradas, que me deram medo. Custei a encontrar o prédio onde morei, o Edifício Navarra. Ele tinha ficado tão pequeno em relação aos novos arranha-céus, que parecia uma casa de três pisos e não um edifício... Eu tinha que fazer um buquê de florezinhas amarelas com galhos daquela rúcula bem fininha. Como tinha muitos, para conseguir amarrar o buquê eu comi alguns galhos da rúcula... Eu caminhava subindo uma ladeira estreita, uma viela, conversando com alguém que não me lembro quem era. Durante a caminhada, passei três vezes pelo cabeleireiro da minha mãe. Na terceira vez eu perguntei: Como assim? Você fica indo e vindo? Ele respondeu: Não. Vocês param para conversar e eu passo. Aí vocês retomam a caminhada, me alcançam de novo e assim sucessivamente. Ele estava jovem e cabeludo como era na minha infância nos anos setenta... Estava andando de skate. De repente, chega um menino da minha infância, também de skate, fazendo altas manobras na minha frente. Então eu disse (ou pensei): Tá, mas eu aprendi a andar de skate depois de velho. Nisso, o skate escapa do meu pé e sai andando sozinho em alta velocidade. Saio correndo atrás, mas não consigo alcançá-lo. Até que vejo ele virar à esquerda numa rua e algumas pessoas conseguem pará-lo. Quando me aproximo tentando dizer que é meu, elas somem com ele. Me dou conta de que a rua é a entrada de uma favela e não vou poder fazer nada, perdi o skate. Fico com muita raiva e me lembro que o skate era chiquérrimo, do Alexandre Herchkovitch, presente de um amigo muito querido de Porto Alegre... Estava dentro de um ônibus, em Salvador, indo de um lugar para outro. De repente, me dei conta de que estava sem máscara. Pedi para descer e percebi que estava sem carteira, sem dinheiro, documentos, nada. A motorista do ônibus me acusa de ter saído sem pagar. Digo que achei que ela tinha me dado uma carona e que, mesmo que quisesse, não teria como pagar... Queria atravessar uma grande e movimentada avenida, mas não podia porque estava tudo alagado. Tinha que ficar esperando a água baixar... Estava assistindo à performance de uma cantora que, enquanto cantava, a letra da música passava pelo seu corpo, como uma projeção. Às vezes vinha um cara abraçá-la, se debruçava sobre ela e a letra ficava toda amassada. Gostei do efeito e quis fazer esse número também. Depois pensei: Pra que fazer isso se ela já faz? Tenho que fazer algo meu, original. Acho que a cantora era Marília Pera. Um outro número com um trio formado por uma mulher e dois homens também acontecia. Era uma música antiga e eles a cantavam como os antigos cantores do rádio. O chão do local era inclinado, lembrava a rampa da garagem da minha casa em Soledade... Muitos dias sem conseguir anotar meus sonhos. Um pouco antes de acordar completamente, fico meio que recapitulando o que sonhei para poder tomar nota. (Num estado de semiconsciência). Quando acordo, fica só uma sensação. O que me lembro é que, em geral, são situações em que me encontro preso e das quais não consigo sair. Mas não consigo lembrar que situações são essas. Não chegam a ser pesadelos, mas são sonhos angustiantes por estes dois motivos: Não conseguir sair das situações e não conseguir lembrar delas para anotar... Na foto, o elenco de Sonho de Uma Noite de Verão, de Shakespeare, em montagem da Comédie-Française.

terça-feira, 13 de setembro de 2022

BARBÁRIE

Correndo na esteira pela manhã, a TV da academia inevitavelmente ligada em algum canal que exibe um programa sensacionalista, daqueles que escorrem sangue. Homem mata ex-mulher e filho pequeno a tiros em frente à escola da criança. Jesus, por misericórdia, me estende a mão! Me puxa ou me empurra pra frente, que tá difícil sentir ânimo de continuar diante de tamanha barbárie. Vivemos em um mundo bárbaro, cercados de barbaridades por todos os lados. O que não é privilégio de nenhum extrato social em específico, mas de todos. Da base ao topo da pirâmide. Estamos, como espécie humana, corrompidos, condenados. Contaminados, perdidos. Sem nenhuma possibilidade de redenção. Na vida real não dá para trocar de canal... Haja disposição para levantar da cama pela manhã e sair pra rua para fazer o que tem que ser feito. E quem não pode se dar o luxo desse questionamento e, antes mesmo do dia clarear, já está correndo atrás de um ônibus, para depois entrar no metrô e num trem para, finalmente, chegar no trabalho sem o qual não come nem paga as contas? Alguém me pergunta alguma coisa sobre o funcionamento da esteira, faz uma ou duas observações sobre o tempo lá fora, trocamos sorrisos. Bom treino. Volto a olhar para a TV, que agora exibe a preparação de um lombo assado com batatas e maçãs. Impossível não lembrar dos versos dos Titãs: Você vai morrer e não vai pro céu. É bom aprender, a vida é cruel... Na foto, a obra Criança Morta, de Candido Portinari.

domingo, 4 de setembro de 2022

SETEMBRO FRIO

Domingo frio. Chuvinha fina. Saí cedo de casa. Rua Augusta vazia. Avenida Paulista vazia. Metrô vazio. Me pergunto se estou mesmo em São Paulo... O Conjunto Nacional também está vazio. Como vazio – e fechado ainda, claro – está o antigo Viena, agora Ráscal, na esquina da Augusta com a Alameda Santos. Impossível não lembrar do confinamento, que esvaziou cidades mundo afora. O que gerou uma certa beleza. Triste, porém beleza. No filme francês Mais que Amigos: Vizinhos, por exemplo, que se passa durante o lockdown, vemos imagens de Paris completamente deserta que são de tirar o fôlego... Que saudade me deu de curtir o frio no sul. Rever Porto Alegre, Soledade. Tomar chimarrão, comer bergamotas, beber um bom vinho... O inverno começa a se despedir para dar lugar à primavera, toda florida e auspiciosa. E quando ela chega, vocês já sabem: É dois, três e acabou o ano. Busco então minhas memórias do frio, para fazer durar mais um pouco a estação mais glacial do ano que, para nós tropicais, nem chega a ser tanto: A sopa servida no grupo escolar na hora do recreio. Lembro até hoje do cheiro e do gosto. O chão branco de geada de manhã cedo indo para a escola. O pinhão assado na chapa do fogão à lenha e depois maceteado com o martelo (Meu Deus, por onde andava o verbo macetear??). Sem falar nas noites frias, melhor dizendo geladas, na praça de Soledade com os amigos. Nem o rigor do inverno nos fazia ficar em casa. (Ah, a juventude!). De Porto Alegre também guardo na memória diversos invernos. Um pouco mais amenos que os de Soledade, diga-se. Madrugadas de boemia e – pasmem! – cerveja gelada. Não admira que eu vivesse com crise de rinite e bronquite... A lareira acesa na casa dos meus pais. Todo mundo assistindo televisão debaixo de cobertores. Pores de sol gelados, tanto em Porto Alegre quanto em Soledade, trago muitos comigo. O post, que inicialmente era uma tentativa de saudar a chegada do mês de setembro e da primavera, enveredou por searas geladas que me levaram à mais tenra idade. Coisa boa a memória conservar lembranças, ainda que congeladas. Esse texto funcionou como uma espécie de micro-ondas que as deixou fresquinhas para serem compartilhadas com vocês... Me trouxe também a lembrança do livro Neve na Manhã de São Paulo, de José Roberto Walker, que aproveito para indicar a leitura. Ótimo mês de setembro a todos! Na foto, Sampa fria e deserta na manhã de domingo.

segunda-feira, 22 de agosto de 2022

ROMANTISMO EXACERBADO

Jão é minha nova descoberta musical no pop romântico. Jovem cantor/compositor que canta e encanta pelas letras e melodias carregadas de romantismo. A comparação com Cazuza é imediata e inevitável. Quando descobri Cazuza, mais ou menos na metade da década de oitenta, o que me pegou foi justamente o romantismo exacerbado. Apesar dele ser roqueiro, para mim soava como Dolores Duran. (Pra quem não sabe, Dolores compôs sua profícua obra musical ainda muito jovem, morreu aos 29 anos). Diferente de Cazuza, que berrava a plenos pulmões, disparando sua metralhadora giratória, Jão canta. Lindamente. Como se usava cantar e hoje em dia não se canta mais. E, como Cazuza, apaixona à primeira audição. Descobri por acaso, através do hit Idiota, no qual ele entoa: Vou te amar como um idiota ama, vou te pendurar num quadro bem do lado da minha cama... Me soou um tanto Morrisey também. Lembram, do The Smiths? Não apenas pelo vasto e altíssimo topete, mas também por aquele tom chorado na voz, que imprime melancolia ao canto. Anos oitenta na veia. Não consigo imaginar, visualizar o possível link desse "menino" com uma década já tão longínqua (que pra mim parece que foi ontem)... E Jão segue cantando coisas como: "Ai Meu Deus eu vou morrer sozinho". "Me diz em qual bar você vai estar". "O nosso pra sempre dura a noite inteira". "Não me ponha no altar, que eu sou meio desonesto. Eu te juro amor eterno, mas no fundo eu não presto". "Nunca acredite no que eu te juro quando você está em cima de mim". E, para mexer com a gente - que viveu a década de oitenta - e acordar a juventude adormecida: "Eu vou te abraçar tão bêbado, sua mão dentro da minha calça me faz graça e esquece o medo"... Imperdível em álbuns como Pirata, Anti-herói e Lobo. Vale a pena conferir. Na foto, Jão em si na capa do álbum Pirata.

terça-feira, 16 de agosto de 2022

UM LIVRO SÓ?

Acabo de terminar a leitura do livro Uma Rosa Só, de Muriel Barbery, a autora do festejado e mundialmente traduzido A Elegância do Ouriço. É um belo romance, muito bem escrito, sensível, delicado, com descrições detalhadas de paisagens, templos e jardins japoneses. Mas não me arrebatou como A Elegância do Ouriço. Aliás, depois dele li também outro romance da autora, A Morte do Gourmet, e sucedeu-se o mesmo: Gosto, mas não amo. Fiquei me perguntando se ela seria autora de um romance só. Como aqueles cantores que fazem sucesso com uma música e depois somem, sabe? Não é o caso, ela não sumiu. Pelo contrário, continua a publicar romances. Só não encontrei mais em suas obras aquele lirismo cotidiano que tanto me encantou em A Elegância do Ouriço. Aquela zeladora de um prédio de ricos em Paris, cuja aparente simplicidade escondia um interior rico e fascinante. Aquela adolescente que, através de um diário, planeja o dia de sua morte. E o misterioso novo morador japonês que intriga ambas. Já falei desse livro aqui no blog, em post de mesmo título. Em uma das minhas idas a Paris encontrei o filme em DVD. Comprei e, chegando aqui em casa, fui correndo assistir. Qual nada, o DVD não roda fora da França! Dommage pour moi... Alguns escritores conseguem provocar em mim esse arrebatamento ao longo da obra toda. Foi assim com Monteiro Lobato, no começo. Depois com Castañeda. Mais tarde Clarice Lispector. Na sequência vieram Caio Fernando Abreu, Antonio Bivar e, mais recentemente, Murakami. Já perdi a conta de quantos romances desse escritor japonês eu li e amei. Mas não vou desistir de Muriel Barbery. Essa francesa nascida em Casablanca, no Marrocos, que aos dois meses de idade se mudou para a França. Há algo na sua escrita que me envolve, mesmo quando a identificação ou o interesse pela história não é total. Preciso descobrir o que é... Enquanto isso, seguirei a ler seus romances. Na expectativa de encontrar uma nova Elegância do Ouriço... Na foto, a bela capa de Uma Rosa Só.

sábado, 6 de agosto de 2022

AGOSTO INCONSTANTE

O mês de agosto chegou de mansinho e, já nos primeiros dias, nos levou Jô Soares. Que lástima! Perder Jô é como perder alguém muito próximo, um ente querido, um familiar. Um avô querido! Desde a minha mais tenra infância lembro de assistir aos seus shows de humor na televisão, com personagens marcantes e inesquecíveis. Faça Humor, Não Faça Guerra (nada mais adequado para os dias de hoje), Satiricon, O Planeta dos Homens, Viva o Gordo. Personagens como Norminha, Bo Francineide e sua pornô mãe (A saudosa e inesquecível Henriqueta Brieba), o precursor defensor das minorias Capitão Gay e tantos outros. A lista não caberia em um post. Aliás, a importância de Jô para a cultura desse país não caberia em um post. Mas vivemos uma espécie de devastação de figuras deste quilate. E não se vê ninguém à altura chegando para substituí-las. E assim seguimos, cada vez mais desfalcados... Como tudo tem um lado bom, tenho trabalhado, com a direção impecável e sempre atenta a mínimos detalhes de Luis Artur Nunes, os textos de Caio Fernando Abreu que irão compor meu solo Caio em Revista. Projeto já antigo que retomamos agora com a intenção de fazer com que finalmente saia da gaveta. (Para quem não sabe o teatro, assim como o inferno, está cheio de boas intenções)... Caio escreve tão bem que nos inspira a ser criativos, poéticos e talvez tão bons quanto ele foi. Digo escreve, no presente, porque ele ainda vive através de seus textos. E de amigos como nós, que fazemos questão de manter viva a sua memória. Dia desses, em um dos nossos encontros/ensaios – que, vez por outra, se estendem em happy hours regadas a drinks – comentávamos que até mesmo uma lista de supermercado feita por Caio deveria ser muito bem escrita, conter poesia. Fiquei imaginando: Pragmáticos papéis higiênicos, insensatas beringelas, intensas bergamotas e dúbias batatas doces... Ainda no lado bom das coisas, agosto também explode em inebriantes floradas de ipês e cerejeiras pela cidade, conferindo cor à cinza Pauliceia que a gente ama e odeia em igual intensidade. Mentira, eu a amo muito mais do que odeio. São Paulo me acolhe, me inspira, me representa. Como dizia Caio, também tenho essas Zonas Lestes, esses Jardins, Moocas e Morumbis esquizoidemente divididos sobre a pele asfaltada... Bom mês de agosto a todos! Nas fotos, Luis e eu brindando à amizade, Jô como Carlitos e Caio em si.

domingo, 31 de julho de 2022

AU REVOIR, JUILLET!

O mês de julho, por incrível que pareça, já se despede hoje. Não queria deixá-lo partir tendo apenas um post no blog. Então vamos lá... Julho, esse mês significativo e, porque não dizer, cabalístico, já que é o mês de número sete. A metade do ano. O inverno tropical, o verão do Hemisfério Norte. Queria me despedir de julho falando de igualdade, fraternidade e liberdade, já que nesse mês se comemora o dia 14 dos franceses. Como esses três artigos andam em falta no mercado por aqui, vou me limitar a falar da Liberdade, o bairro japonês de São Paulo. Quem me conhece ou segue o blog já sabe que tenho duas casas aqui na Pauliceia: A minha, nos Jardins, e a do meu companheiro Weidy, na Liberdade. Na verdade, Weidy mora em um ponto qualquer entre a Liberdade, a Aclimação e o Cambuci. Cada correspondência marca um desses bairros como sendo o dele. Como ele é japonês e adoramos a Liberdade, adotamos esse como sendo o nosso bairro... Até bem pouco tempo atrás ainda era possível curtirmos a Liberdade quando bem entendêssemos. Agora, não sei como nem porquê, ela foi descoberta e invadida por uma horda de turistas. Nos fins de semana já não é mais possível frequentá-la. Uma enorme aglomeração de pessoas e carros torna tudo intransitável. Irrespirável. Invivível, para citar Caio Fernando Abreu... Estou assistindo a uma série na Netflix chamada Expectros, que se passa toda na Liberdade. É bem trash, um triller sobre fantasmas que habitam o bairro. Mas o que me prende a ela são as imagens. A Liberdade é altamente fotogênica! Parece que a série se passa no Japão mesmo. E o engraçado, para quem como eu conhece bem a cidade, é que os personagens andam de um lado para o outro, fogem da polícia, perseguem bandidos, correm de carro pra lá e pra cá e nunca saem do bairro! Como se São Paulo inteira fosse uma Liberdade sem fim. Que bom que ao menos essa Liberdade ainda temos por aqui... É também no mês de julho que as cerejeiras florescem. No Parque do Carmo, aqui em São Paulo, a comunidade japonesa cultiva um bosque de cerejeiras onde todo ano é realizada uma festa que comemora a sua florada. Imperdível para turistas e locais. Weidy e eu vamos todos os anos. Paro por aqui, antes que o mês de julho acabe e eu ainda não tenha feito mais um post. Bom segundo semestre de 2022 a todos! Nas fotos, entardecer na Liberdade e a florada das cerejeiras no Parque do Carmo.

domingo, 17 de julho de 2022

AQUÁTICA

No solo Virginia, em cartaz no Sesc 24 de Maio, Claudia Abreu nos convida a um mergulho. Não apenas literal, na água, como faz a personagem retratada ao cometer o suicídio, mas também no sentido figurado, do mergulho no interior de si. O texto, escrito pela própria atriz, apresenta pinceladas da vida e da obra de Virgínia Woolf, escritora inglesa cuja escrita modernista foi precursora do chamado fluxo de consciência, já nos primórdios do século vinte. É nesse fluxo que Claudia embarca ao mergulhar de cabeça no universo Virginiano. E de maneira encantadoramente simples, nos leva com ela nesse mergulho arrebatador. Como uma Ofélia reencarnada. (Tudo está em Shakespeare, diz o irmão de Virgínia em determinado momento da narrativa). São sessenta agradáveis minutos que passamos na companhia de uma atriz que domina o palco e a arte da interpretação. Sozinha no espaço cênico. Claudia é Virgínia, seu pai, sua mãe, seus irmãos e irmãs para depois retornar a ela própria, condutora dessa narrativa rica, interessante e cheia de revelações. Mulher à frente de seu tempo, Virginia Woolf já levantava e dissecava questões de gênero, ainda hoje tão assustadoras para determinados segmentos da população... Os aliados de Claudia Abreu nessa viagem pelo palco nu são apenas a trilha sonora de Dany Roland, a excelente iluminação de Beto Bruel e a direção sensível e inteligente de Hamir Haddad e Malu Valle. Um espetáculo inspirador e necessário. Traz de volta o teatro na sua melhor forma e essência. Imperdível! Nas fotos, Claudia agradece os calorosos aplausos.

sexta-feira, 24 de junho de 2022

AU REVOIR, DANUZA!

Morreram Danuza Leão, como disse Drummond ao se referir à morte de Cacilda Becker. Digo isso porque com ela morreram a modelo internacional, a atriz de Glauber, a promoter, a femme du monde, a escritora, a jornalista, a jurada de programa de auditório e toda uma era de glamur, inteligência e bom humor. Impossível ser Danuza hoje em dia, com o fantasma do politicamente correto batendo à porta; com as patrulhas ideológicas reeditadas; com a pobreza e a ignorância dominantes... Hoje em dia cancela-se por apenas uma má impressão que se tem da pessoa. Ninguém se dá o trabalho de ler ou estudar algo antes de discordar e condenar. Mulher à frente de seu tempo, Danuza foi cancelada antes do cancelamento... Seus livros são pérolas em um mercado literário destinado a porcos. Digo, a poucos. Suas crônicas, um deleite. Seu livro de memórias, Quase Tudo, laureado com um Jabuti, um comovente e sensível autorretrato. Adoro a história que ela conta, em um de seus livros de viagens, de quando perguntou ao barman do Ritz de Paris qual era o segredo daquele Dry Martini perfeito e ele teria respondido: O segredo é sussurrar "vermouth" junto à coqueteleira após colocar o gelo e o gin. Adorable... Eu já andava sentindo falta da sua escrita. Era com incontida ansiedade que aguardava o lançamento de seus livros. Quanto desejei conhecê-la pessoalmente e vir a ser seu amigo! Dommage pour moi! Ela se foi. E eu não tive o prazer de estar na sala com Danuza... Na foto, retrato de Danuza em bico de pena de Luiz Jasmin, de 1969.

segunda-feira, 20 de junho de 2022

TRISTESSE

Meu amigo está triste. Ele perdeu alguém que amava muito. Fico sem palavras na tentativa de consolá-lo. Mas também, o que pode confortar o coração de alguém que acaba de perder um ser amado? Lembro então das minhas perdas, as recentes e as mais antigas. Do quanto me fizeram sofrer. De como aquelas dores pareciam não ter fim. Com o tempo percebi que o sofrimento dá lugar a uma imensa saudade povoada de lembranças boas vividas com quem partiu. É uma saudade infinda, posto que não irei mais encontrar essas pessoas por aqui. Mas, quem sabe, em um outro lugar ou dimensão? Digo mais: Algumas vezes as pessoas que perdi me visitam em sonho. Nessas ocasiões é como se não tivessem morrido. Sinto o cheiro, a presença. A voz é a mesma. O toque, o abraço. Minha mãe é a que mais me visita. Está sempre comigo; meu amigo Marcelo, que já partiu há vinte e oito anos; minha irmã astral Lidoka, que perdi há seis anos; a querida Sandra Güez, que nos deixou já se vão quinze anos... Estão todos comigo. Não é modo de falar e sim a mais pura verdade. Às vezes, quando a saudade aperta, ouço músicas que me fazem lembrar momentos vividos juntos. Ou músicas que me emocionem por falar do assunto, como For a Friend, de Jimmy Somerville, que diz: I never cried the way I cried over you. Que a dor do meu amigo passe logo. Que se transforme na tal saudade infinda repleta de lembranças boas a que me referi. Ainda mais ele, que é pura festa e joie de vivre... E, para encerrar, mais Jimmy Somerville: As I watch the sun go down, watching the world fade away, all the memories of you come rushing back to me... Na foto, a tristeza de Jimmy Somerville em si.

domingo, 12 de junho de 2022

SIMPLESMENTE CLÔ

Finalmente, depois de incontáveis alternâncias de medidas restritivas e flexibilizações, fui assitir ao espetáculo Simplesmente Clô, solo do ator Eduardo Martini em cartaz no Teatro União Cultural aqui em São Paulo. Digo isso porque a peça estreou ainda antes da pandemia, saiu de cartaz quando todos os teatros fecharam e foi das primeiras, senão a primeira, a voltar com todos os protocolos de segurança. Que pena que não fui antes! Martini incorpora o estilista Clodovil da cabeça aos pés, passando pela voz, a maneira de falar, os trejeitos, a entonação, enfim, a "façon de bouger" do plêmico criador de moda e comunicador. Figura controversa - para dizer o mínimo - Clô era implacável em seus julgamentos e opiniões. Para além do estilista, o apresentador de televisão era amado e odiado na mesma proporção pelos milhares de espectadores da tevê aberta quando essa era a única plataforma de divulgação ao alcance de toda a população. Hoje, com a internet, ele faria a festa dos haters e canceladores de plantão... Mas o que importa, aqui, é o impecável trabalho de ator de Eduardo Martini. Sua composição é minuciosa. Rica. Divertida. Um trabalho de pesquisa antropológica. A gente tem a impressão de estar vendo o próprio Clodovil Hernandez sur la scène. E olha que eu já assisti ao Clô em si fazendo show. Nenhuma grande suspresa para mim, que sou fã de Eduardo desde que ele fazia o Querubim, ao lado de Dercy Gonçalves, na novela Deus nos Acuda. Se não me engano, desde antes, quando o vi em um dos inúmeros musicais de Claudia Raia. A peça é curta, envolvente do início ao fim, e quando acaba a gente fica querendo ver um pouco mais do carismático personagem defendido com igual carisma pelo seu brilhante intérprete. Não sei até quando fica em cartaz. Mas, olhando para a lente da verdade, recomendo não perder... Na foto, Martini esbanja semelhança com Clodovil sobre a cena.

domingo, 5 de junho de 2022

CAIXA PRETA

Olha o mês de junho aí gente! A gente nem se deu conta de que o ano já estava chegando na metade... Fui visitar a exposição/bazar/festa em homenagem a Vania Toledo organizada por seu filho Juliano, que lhe deu o nome de Caixa Preta. E é o que a gente sente ao adentrar o espaço da True Love Tattoo, no centro de São Paulo: Como se estivéssemos abrindo a caixa preta que revela os segredos da fotógrafa. Está tudo lá. Fotografias ampliadas emolduradas, as câmeras auto-focus que ela carregava na bolsa, as capas dos LPs que fez, os livros fora de catálogo, vídeos de entrevistas que ela deu no programa da Hebe e até mesmo objetos pessoais como roupas, sapatos e acessórios de seu closet. Os personagens dos anos setenta e oitenta do século passado estão todos fotografados e revelados pelo olhar inquieto de Vania. Logo na entrada, o amigo Bivar bebe e fuma sentado a uma mesa de boite; Caio Fernando Abreu abraça Cazuza; Rite Lee e Roberto de Carvalho observam a Avenida Paulista do alto de um terraço; Elis Regina faz caras e bocas exclusivas. E, para além dos famosos e nem tanto, Vania revela os anônimos que abrilhantavam as noites paulistanas e mundanas. Cada drink, um flash. O antológico ensaio Homens, no qual ela despiu corajosamente os amigos, resiste em dois formatos. Capa dura com as fotos soltas, prontas para serem emolduradas, e capa mole em brochura. Ambos há muito fora de catálogo. Assim como Personagens Femininos, ensaio com atrizes interpretando personagens especialmente para os cliques dela. Por um triz não trabalhamos juntos. Vania aceitou participar do meu projeto solo Caio em Revista, no qual interpretarei textos que Caio Fernando Abreu escrevia para as revistas AZ e Around, de Joyce Pascowitch. Ela faria as fotos do material gráfico e da divulgação. Imagino o luxo que seria ter fotos minhas de cena feitas por ela. Na última vez que nos encontramos - no Ritz, evidentemente - agradeci por ela ter aceitado o convite e ela respondeu: Mas vamos fazer logo! Essa coisa de ficar só no projeto não dá! Pois é, dona Vania tinha razão. Ficar só no projeto não dá. Ela já nos deixou há mais de um ano e meu solo segue em projeto... Mas, o importante é que sua vasta obra permanece. Assim como os personagens retratados por ela. Um belo texto escrito pelo inseparável amigo Mario Mendes apresenta a exposição. Entre outras coisas, a gente fica sabendo que Gilberto Gil apelidou a câmera Yashica de Vania de Tia Xica. Adorable... Fui cedo, logo no começo da tarde. Mas a festa se estenderia noite adentro, com DJs tocando e tudo mais. Vi depois, pelas postagens das amigas, que as clubbers todas passaram por lá. Pena que a minha velhice precoce não permite mais esses abusos. Voltei cedinho pra casa. Com o coração aquecido pelas lembranças. E hoje ainda tem mais. Viva Vania Toledo! Nas fotos, a entrada da exposição, Elis brincando de modelo, as câmeras de Vania e o amigo Bivar em bons drinks.

domingo, 22 de maio de 2022

BABY, VÁ AO TEATRO

Ontem eu fui ao teatro. A pé mesmo, aqui pertinho, três quadras da minha casa, na Livraria Cultura do Conjunto Nacional. Gostei muito da sensação de andar pela rua numa noite fria de outono, que mais parecia uma noite de inverno. Fui assistir ao espetáculo Baby, Você Precisa Saber de Mim. Texto e atuação de Rafael Primot. Durante quase uma hora e meia ele conduz a plateia pelos labirintos da memória, revendo a casa onde viveu com a família no interior, os pais, os irmãos, as relações familiares. Tudo permeado de emoção e, claro, pequenas doses de humor. Que família não tem um personagem engraçado ou que, pelo menos, não tenha sempre uma frase espirituosa na ponta da língua? Assim são todas elas e a identificação da plateia é imediata. Carismático e sensível. Delicadezas muito bem-vindas em tempos de tanta agressão. Olho no olho em tempos de olho na tela do celular... Esse passeio pela memória proposto pela peça ativa a memória do expectador. Fiquei revisitando a minha infância no interior. A casa dos meus pais, minhas irmãs, nossa infância e juventude. Lembrei também que conheci Rafael Primot quando ensaiava o espetáculo É Vinte, as Folias do Século, com Zé Henrique de Paula e Fernanda Maia, no começo dos anos dois mil. Meu Deus, lá se vão mais de vinte anos! O Rafa era um menino, estava sempre por lá, nos ensaios, acho que tinha feito um curso com o Zé ou ensaiava um outro espetáculo no local. Tinha várias salas de ensaio e uma de espetáculos, acho que se chamava Teatro do Centro da Terra, no Sumaré. A memória é um tema que sempre me inspirou, um negócio que a gente não controla muito, quando vê se enredou por alamedas e becos e portas que dão para outras portas e tudo vai sendo acionado, revisto, revisitado... Saí do teatro com uma sensação muito boa de recomeço, de retomada. Da vida mesmo. Do que a gente pode fazer com ela. Aproveito o post para pedir às pessoas que vão mais ao teatro. É sempre tão bom! Mesmo quando é ruim! Rsrsrs. Brincadeira à parte, o teatro nos reconecta. É perto, é barato, é o maior barato. Gasta-se muito com roupas de grife, restaurantes estrelados, jogos de futebol, viagens, ok, tudo isso é bom. Mas na hora de ir ao teatro todo mundo acha que é caro. Não é. Pode ir. Você verá que o tal do “custo-benefício” (expressão que detesto) é ótimo. Ainda mais quando se tem uma bela surpresa como esse Baby do Rafa, super bem escrito e dirigido. Rico em imagens e emoções. Está em cartaz no Teatro Eva Herz aos sábados às 20 horas e domingos às 15. Ótimos horários para sair daquele já rotineiro 21 horas. Ah! A ótima trilha sonora inclui o hit de Gal citado no título do espetáculo. E é a mais pura verdade: Baby, você pre-ci-sa saber de mim. Nas fotos, Gal na capa do álbum de Baby e Rafael agradecendo os apalusos.

quinta-feira, 12 de maio de 2022

OUTONAL

Manhã friazinha de outono, sol entre nuvens, São Paulo sendo São Paulo nessa época tão agradável do ano. Uma preguicinha de ir para a academia treinar me fez ficar em casa curtindo a manhã em repouso. Me dou conta de que posso me permitir esse descanso. Tenho créditos, digamos assim. Ou, para usar uma expressão da moda entre marombeiros, tá pago. Rsrsrs... Faço um chimarrão, hábito gauchesco que depois de mais de vinte anos morando por aqui, dispensei. Mas, como tenho todos os acessórios e uma erva velha guardada na geladeira, quando bate um friozinho preparo um bom mate. E, como estou sem nada para ler, escrevo. Na verdade, acabo de terminar a leitura de dois pequenos livros que muito me agradaram. Ambos presentes de aniversário que meu amigo Odilon me enviou da Bahia, onde mora. Digo pequenos porque possuem poucas páginas, no mais eles são é grandes. A saber: A Pediatra, de Andréa del Fuego, e Vamos Comprar um Poeta, de Afonso Cruz. Ambos envolventes da primeira à última página e de estilos completamente diferentes. Não quero dizer mais para não entregar o ouro. Mas são obras que recomendo entusiasticamente... Também terminei essa semana a minha participação na série da TV Cultura em homenagem aos duzentos anos da Independência do Brasil, na qual tive o privilégio de ser dirigido por Luis Fernando Carvalho e o prazer de contracenar com minha amiga de longa data Ilana Kaplan. A estreia será em setembro e até lá não podemos postar nada. O que, em tempos de histeria digital, nos deixa bem nervosos, para dizer o mínimo. Rsrsrs. Vem aí um trabalho feito com esmero e de uma riqueza de detalhes impensável para a atual indústria do entretenimento em que tudo é feito a toque de caixa... No mais, sigo levando a vida com todos os cuidados e protocolos e máscara. A louca da máscara, devem pensar os demais habitantes da cidade ao me verem passar. Rsrsrs... Bom outono a todos! Na foto, minha gatinha Lina et moi curtindo a manhã outonal.

quarta-feira, 27 de abril de 2022

DIÁRIO DA PRAIA

Vim passar meu aniversário de cinquenta e nove anos junto ao mar. Em Camburi, no litoral norte de São Paulo, para onde tenho vindo desde que não pude mais passá-lo em Paris… Saí cedo de São Paulo, no primeiro ônibus. Mas, por uma série de contratempos, ele atrasou e acabei chegando quase ao meio-dia. Larguei tudo no flat, vesti uma sunga e fui correndo para a praia. Pedi licença a Iemanjá, a Netuno e a todas as outras entidades desse elemento que me fascina e me joguei no mar. Sem medo. E foi libertador… Os dias por aqui tem sido belos e ensolarados. Assim como as noites, belas e estreladíssimas, como as da minha infância em Soledade… Recebi uma infinidade de mensagens e carinhos de amigos, familiares, fãs e admiradores em geral. Paulo Vicente, como sempre, me fez chorar. De emoção e de rir... João Faria me mandou a foto de um terreno baldio coberto de flores pela chegada da primavera na pequena cidade litorânea do sul da França, onde mora. Como ele mesmo disse, a primavera é mágica... Ouço a trilha sonora do seriado Bridgerton. Divertidas e inspiradoras versões de sucessos da pop music com arranjos de orquestra e cordas, como se fossem músicas de época. Minha preferida é Material Girl, de Maddona. Tenho escutado à la mort... Hoje pela manhã uma moça esperava pela onda sentada sobre a prancha, de frente para o horizonte e de costas para a praia. Usava uma blusa de lycra preta de mangas compridas para se proteger do sol. E mais nada. Como assim? Mais nada? Juro, estava nua da cintura para baixo, com os glúteos sinalizando como faróis sob o sol da manhã. Observando melhor, me dei conta de que ela usava essa instituição brasileira, o fio dental, que na parte de trás não tem nada, apenas um breve cordão que some entre as nádegas, e que é socialmente aceito até mesmo pelos mais tradicionais e conservadores representantes da família brasileira. Moças de família e mesmo jovens senhoras recatadas e do lar podem desfilar seu bumbum, a “preferência nacional”, sem nenhum constrangimento para os demais. Experimenta um homem vir à praia de bunda de fora para ver a polêmica que vai suscitar. Ou, a mesma moça, experimentar fazer um topless… A moral e os bons costumes são coisas que desde a mais tenra idade me intrigaram. Nunca entendi direito o que podia e o que não podia ser feito. E, sobretudo, o porquê... Mas, vamos em frente que nessa vida a gente pode tudo, menos desistir de tentar. Afinal de contas, como cantavam os velhos Novos Baianos, não foi em vão que Einstein disse que o saber vem do infinito... Na foto, a pequena amostra da primavera francesa que meu amigo João me enviou.

sábado, 23 de abril de 2022

RANZINZICES

Rita Lee se curou de um câncer de pulmão. Só isso já seria a prova da existência divina. Mas é, também, a prova da evolução da medicina e da ciência como um todo. Há vinte e cinco anos meu pai morria da mesma doença cujo diagnóstico, na ocasião, lhe foi impingido como uma sentença de morte. Estamos saindo (?) de uma pandemia que se prolonga por já inacreditáveis dois anos. Mas, ao menos, já temos vacinas que nos impedem de morrer da doença. A prova é a queda dos números de contágio e de mortes. Quarenta anos atrás uma outra epidemia, a da Aids, ceifou vidas e até hoje não foi descoberta a cura. Nem sequer uma vacina. E assim, entre boas e más notícias, vamos levando a vida... Estou me aproximando da terceira idade. Em abril do ano que vem já passarei a ser considerado idoso. Sei que isso me trará vantagens. Poucas. Vou pagar meia entrada em todos os shows, espetáculos e filmes a que for assistir. Poderei estacionar o carro nas vagas mais próximas aos elevadores nos shopping centers. Isso, para mim, nem chega a ser vantagem, posto que não gosto de frequentar shopping centers. Felizmente tenho físico e disposição de alguém de bem menos idade... Me inquieta o fato de as pessoas se deixarem levar por modismos e tendências do momento. Me incomoda a linguagem, os gostos pessoais, a roupa, a malfadada polarização. As redes sociais, os grupos em aplicativos de mensagens, o vocabulário. Os cancelamentos, a lacração, tudo isso me isola. Me sinto um extraterrestre. Nada nem ninguém me representa. A solidão em que essa condição me coloca é por vezes desesperadora... Estou participando de uma série de televisão - uma participação muito pequena, diga-se de passagem - e, dia desses, durante as incontáveis horas de espera para gravar, escutei um ator dando uma entrevista e fiquei chocado com a quantidade de vezes que ele pronunciou a palavra lugar. "É um lugar de investigação, o diretor te leva para um lugar de pesquisa, você sai daquele lugar de conforto", foi tanto que precisei sair do recinto e ir para "um lugar" aberto para tomar ar. Esse sim era um lugar de verdade. Ao contrário de todos os outros a que o ator se referiu. Esses eram estados, atmosferas, situações... Sei que estou ficando velho e chato. Melhor, uma vieille tante, como diriam os franceses. Gosto de silêncio e de tranquilidade. De vinho e de boa música. De livros e filmes e séries. De gatos. De boa comida. De praia. De sexo, também, se possível... Me desculpem os mais espiritualmente evoluídos e desapegados. Mas, como já cantou Maddona lá nos oitenta, vivemos em mundo materialista e eu sou uma garota materialista. E já nem sei mais do que se tratava esse post. Ou, para encerrar com mais um detestável jargão do momento: É sobre isso. Rsrsrs... Na foto, a Material Girl sendo a própria.

segunda-feira, 4 de abril de 2022

DRÔLE D'AVRIL

Eis que chega o mês tão ansiosamente esperado por mim: Abril. O mês do meu aniversário. Que traz consigo minha estação do ano preferida: O outono. No dia vinte e cinco próximo irei completar cinquenta e nove anos de idade. Cinquenta e nove outonos, como gosto de dizer. Quem me conhece ou me segue aqui sabe que adoro comemorar o dia dos meus anos. Ainda não me animei a voltar a receber amigos em casa. Mas, se Deus quiser, irei passar o meu aniversário junto ao mar, outra coisa que adoro fazer nessa data. O bom da passagem dos anos é que a gente vai se conhecendo cada vez melhor. Quase mais nada é totalmente inédito para nós. Já temos vivência suficiente para não cair em certas armadilhas que a vida nos apresenta. E, principalmente, não cair em certas conversas de quem tenta nos convencer a fazer o que não queremos... Quem me lê assim, pensa que sou muito maduro, bem resolvido e seguro de mim. Mas, cá entre nós, sou quase o oposto disso. Rsrsrs... Sofro com incertezas e inseguranças como um adolescente. Às vezes minha fobia social é tamanha que me refugio no meu mundo interior, cercado de música, literatura e Netflix. E por falar em Netflix, ando completamente apaixonado pela série francesa Drôle - Faz-me Rir, no título em português - que conta as aventuras de quatro amigos que fazem stand up comedy em Paris. Já assisti aos seis episódios, primeiro com legendas em português. Agora estou revendo tudo com legendas em francês. É que os personagens são jovens, falam rápido e usam muitas gírias, o que me faz perder grande parte do texto original. Não deixa de ser uma maneira de praticar o francês e, por que não dizer, aprender um pouco mais. Isso é outra coisa que me veio com a idade: Quanto mais sei, sinto que menos sei. Sobre o que quer que seja. O francês, inclusive. Estou especialmente apaixonado por dois dos personagens dessa série: Aïssatou e Nezir. Ambos se iniciam na trajetória artística e veem suas carreiras deslancharem rumo ao sucesso. Maior identificação, impossível. Postei uma foto dos atores que os representam - Mariama Gueye e Younès Boucif, respectivamente – nos meus stories do Instagram e, vejam só, fui repostado por Mariama! Que ainda me agradeceu pelo retorno. O que me deixou extremamente feliz. Das pequenas alegrias da vida moderna... Diria um presentinho antecipado de aniversário, para não fugir do tema. Mas é isso, abril chegou drôle e outonal, me trazendo a consciência da passagem de mais um ano de vida. Se continuar assim como está, já terá sido uma bela vida. Se melhorar, então, nem se fala... Bom mês de abril a todos! Na foto, meu story repostado pela atriz Mariama Gueye. Ah! Eles estão comendo o famoso falafel da Rue des Rosiers, juste à côtté de chez moi. (Bem ao lado da minha casa). Quando eu morava lá, bien sûr.

terça-feira, 22 de março de 2022

MARÇO AO MAR

Acabo de voltar de uma semana junto ao mar de Santa Catarina na companhia de minhas irmãs Raquél e Regina. Regina nos recebeu em seu apartamento na Meia Praia, em Itapema, e nos proporcionou passeios inesquecíveis lá mesmo e nas redondezas. O litoral de Santa Catarina sempre me encantou com sua natureza exuberante. Tivemos dias de sol e noites de lua cheia que me recarregaram energias e me abasteceram para retornar à minha rotina na Pauliceia. Rimos, brindamos, relembramos nossa infância e juventude passadas em Soledade e Porto Alegre, tomamos banhos de mar, fizemos caminhadas, visitamos cidades vizinhas como Blumenau e Pomerode - onde comprei os queijos Vermont que adoro - e celebramos a vida que aos poucos é retomada na sua normalidade. Sentimos a falta de nossa irmã Rita que, mesmo à distância, esteve conosco nas lembranças e ao vivo por videochamada. Como é bom poder sair da rotina de vez em quando para relaxar e estar com quem amamos. Tomara que possamos repetir isto sempre! Nas fotos, minhas irmãs e eu curtindo sol e mar, passeio na praia do Estaleirinho, ovo gigante na Osterfest em Pomerode e a lua cheia na Meia Praia.

sábado, 19 de março de 2022

VIVA MAGLIANI

Dia desses estava conversando com Luís Artur Nunes e ele me contou que fora convidado a participar de uma mesa redonda sobre a pintora Maria Lídia Magliani, na abertura de uma exposição em homenagem a ela em Porto Alegre, na Fundação Iberê Camargo. Imediatamente me veio à mente a lembrança de um fato há muito esquecido. Quando eu tinha uns vinte anos mais ou menos, a convite de minha saudosa amiga Kiko, comecei a frequentar o Atelier Livre da Prefeitura, em Porto Alegre, onde tínhamos aulas de desenho. Um belo dia chegamos para a nossa classe habitual e tivemos uma surpresa: A pintora Maria Lídia Magliani tinha sido convidada para ir até lá conversar com os alunos. Quando já estávamos todos sentados às nossas mesas para começar os trabalhos, entra a Magliani inteiramente vestida de lilás. Nunca esqueci a visão deslumbrante que ela encarnava naquela tarde. Usava um macacão todo lilás. Não lembro detalhes, mas era mais ou menos como aquele que Rita Lee usou na capa do álbum Lança Perfume, com pregas na cintura e estreito nos tornozelos. A sandália de salto alto era também lilás. Como lilases eram o esmalte das unhas e o batom que ela usava. Trazia à mão uma carteira grande, evidentemente, lilás também. Sentou-se informalmente em um banquinho alto, dos que usávamos para nos sentar às mesas de desenho. Colocou a carteira sobre a mesa ao lado e começou a falar. Eu a olhava da cabeça aos pés, admirando cada detalhe daquela figura monocromaticamente encantadora, enquanto ela nos narrava fatos da sua carreira e respondia às nossas perguntas. Lembro que o cabelo era particularmente interessante, um black power assimétrico, à la Grace Jones, repartido do lado formando dois triângulos irregulares. Quando eu achava que nada mais poderia me surpreender naquela performance arrebatadora, vem a cereja do bolo: Ela tira da bolsa um cigarro e, para acendê-lo, um isqueiro bic lilás. Cai o pano. Aplausos ensurdecedores... Semana passada, enquanto Luís Artur preparava seu speech para a tal mesa redonda que acontecerá nos próximos dias, se lembrou da história e me pediu para que a recontasse para incluí-la no seu discurso. Para dar uma ideia de como Magliani se apresentava artisticamente para além da obra, mostrar ao público presente a persona performática que ela desenvolveu para si própria. Fiquei muito feliz de poder colaborar de alguma forma com esse evento, digno da trajetória artística e da importância dessa grande artista para a cultura brasileira. Espero que a exposição seja um sucesso e mais, que eu possa chegar a visitá-la. Também fiquei bastante satisfeito de saber que a minha memória não anda me traindo... Na foto, a artista e suas obras.

quinta-feira, 10 de março de 2022

VERÃO TARDIO

Curtindo a estação mais quente do ano, ainda que tardivement (adoro essa palavra francesa, que significa tardiamente). Depois de muito frio e chuva nos meses de dezembro, janeiro e fevereiro, finalmente o verão me acena com calor e sol à beira-mar... Estou novamente em Camburi, praia que amo no litoral norte de São Paulo, para mais uma temporada al mare... Dia desses vi uma menina na praia lendo um livro cujo título era O Sucesso É Ser Feliz. Não consegui classificar a obra. Seria autoajuda? Fake news? Charlatanismo ? Ou mera obviedade? Eu jamais leria um livro com esse título. Primeiro, porque não me atrai esse tipo de leitura. Segundo, porque esses livros geralmente te culpam pela sua suposta falta de sucesso, como se as oportunidades de sucesso fossem iguais para todos. E sabemos bem que em países como o nosso não o são... Mas sigo na vibe música, drinks, sol & mar... As saídas de praia continuam me irritando muito. Rsrsrs. São verdadeiros longos, com os quais você poderia ir a uma cerimônia de premiação como o Oscar, por exemplo. Muitas são pretas, com rendas, transparências, brilhos, algo inacreditável de se usar ao sol e à beira-mar... Por falar em coisas que me irritam, o mau uso da língua portuguesa segue no topo da categoria. Um amigo que usa aplicativos de pegação me contou que um menino do site perguntou se ele mandaria uma foto do seu “pal”. Assim mesmo, com L. Nunca, jamais, em tempo algum, mesmo na mais árida seca subindo pelas paredes eu encararia um pau com L. No mais, caminhadas na praia, entardeceres de tirar o fôlego, Novos Baianos no Ipad e muitos, muitos drinks. E tenho dito! Bom resto de verão a todos... Na foto eu, todo aberto para o sunset.

sábado, 5 de março de 2022

PARISIENSE TRANS

Descobri que sou um parisiense trans. Explico: Não nasci parisiense, sequer francês ou europeu, mas me sinto um deles. Me identifico completamente com os hábitos, o estilo de vida, o humor - e até mesmo a falta de - dos habitantes da Cidade Luz. Gosto da polidez no tratamento com os outros, da reserva que precede a intimidade. Ao contrário de como é por aqui, onde a intimidade vem antes de qualquer coisa. Uma certa falta de paciência também me identifica muito com os parisienses. Por exemplo, uma vez fui com uma amiga brasileira vegetariana que não fala francês a um bistrô que costumo frequentar. Disse ao garçom: Para mim vai ser um vinho branco e um tartare de salmão, por favor. E para a senhorita, que é vegetariana... Ele me interrompe seco: Mas nós não somos vegetarianos. Adoro! Ri muito e disse para a minha amiga que ele havia sugerido uma salada da casa... Gosto muito do hábito de comer e beber nas praças e jardins. De ir direto ao ponto ao abordar qualquer assunto, sem ficar enrolando como nós brasileiros gostamos de fazer. De ter um bar ou café preferido onde se sentar todas as tardes e noites para beber e passar o tempo. O apreço pela cultura, pela língua, literatura e teatro, por exemplo. As crianças são levadas ao teatro pelos pais para assistirem aos clássicos da dramaturgia, o que não acontece por aqui. Gosto de uma sensação de liberdade individual que vem acima e antes de qualquer coisa como casamento, religião, sociedade, fidelidade conjugal e família. Sou muito mais liberté, égalité et fraternité do que pátria acima de tudo, Deus acima de todos... O problema é que para fazer a minha transição de brasileiro para parisiense custa muito caro. Apesar de não precisar fazer uma cirurgia, como ocorre com quem deseja transicionar de um sexo para outro, precisaria realizar uma série de mudanças que já não me julgo apto a fazer. Acho que passei do ponto. Sem falar que não teria dinheiro para comprar um imóvel, viver e pagar impostos em um país estrangeiro. Por enquanto, sigo me travestindo de parisiense. Me montando como se fosse um. E vivendo a ilusão de que ser parisiense bastaria... Na foto eu, o mais francês que pude, em um carnaval em frente ao Ritz. De São Paulo, bien sûr.