quarta-feira, 30 de setembro de 2015

LIÇÕES DE SETEMBRO

A primeira de todas: Desapego. Sempre e cada vez mais. Material e imaterialmente falando: De coisas, pessoas e sentimentos. Arejando espaços e relações... Como uma traça gorda, devoro paulatinamente mais um Murakami: Kafka à Beira Mar. Estou completamente entregue a esse escritor que, mergulhando na escuridão subconsciente de seus personagens, me coloca frente a frente com minhas próprias escuridões... Encerrei em Goiânia a temporada 2015 de Homens Insanos. Citando Paulinho da Viola, que sempre é bom da gente citar, foi um rio que passou em minha vida... Fui às lágrimas mais uma vez com Cida Moreira na pequena Casa de Francisca, ocasião em que ela nos brindou com uma prévia de seu show Soledade que, por ter o nome da minha cidade natal, já faz com que me sinta homenageado. Cida me transportou para as aulas de música que eu tinha no Ginásio Estadual de Soledade com a Dona Flora, quando ela me convidava a tocar piano para a classe. Lembrou os sonhos que eu tinha... Fortes emoções, só que de outras naturezas, me foram provocadas pelo eletrizante Passinho, espetáculo coreografado por meu amigo Rodrigo Vieira junto com Lavínia Bizzotto. O funk carioca posto em cena de maneira inusitada e surpreendente... Baby & Pepeu voltaram a tocar juntos no Rock in Rio matando saudades, levando a galera à loucura e provando a todos que estão amarrados em nome de Jesus... E por último, mas não menos importante: Phedra por Phedra. Um petit cabaret da atriz/cantora/dançarina trans-cubana Phedra de Córdoba, no Espaço Parlapatões. Do alto dos seus setenta e sete anos, Phedra, digníssima, fez o show para as quatro pessoas que formavam a plateia. Qua-tro. Cheia de borogodó ela cantou, tocou castanholas e contou passagens de sua vida. Encerrou dizendo-se exausta, sem voz e sem fôlego. Mas que, mesmo assim, não podia deixar de se apresentar. E, com a humildade dos grandes artistas, pediu a cada um dos quatro presentes que voltassem trazendo mais gente. The show must go on. Viva Phedra! E fala-se em crise de público nos teatros... Que mais? Ah, não vamos brigar com os amigos por causa de política, né? Nenhum político de partido algum merece que amizades sejam desfeitas em sua defesa... E vamos em frente que amanhã outubro estará aí. Tchau, mês de setembro. Citando Vanusa nas suas antigas manhãs desse mês: Fui eu que consegui ficar e ir embora...
Na foto, o palco vazio dos Sátiros aguarda a entrada de Phedra de Córdoba.





segunda-feira, 21 de setembro de 2015

SOZINHO NO ESCURO

Dia desses, sozinho em mais um quarto de hotel, não conseguia de jeito nenhum desligar o ar condicionado para dormir. Decidi então tirar o cartão daquele receptor que faz com que tudo funcione e, depois de alguns segundos ou minutos, o ar desligou. E com ele tudo mais que era movido a eletricidade. A luz, inclusive. Me vi mergulhado na mais completa escuridão. Desisti de dormir e fiquei sentado a uma poltrona procurando observar o que me cercava. Súbito percebi que não estava sozinho. Havia uma forte presença ao meu lado na escuridão. Podia sentir o seu cheiro e ouvir sua respiração. E mais: Eu era capaz de sentir a sua pulsação. Aos poucos fui me dando conta de que essa estranha presença não estava ao meu lado e sim dentro de mim. Voilà: Era eu mesmo finalmente percebido por mim. Há quanto tempo eu teria estado assim, ausente de mim mesmo? Em que eu prestava tanta atenção ao ponto de esquecer de mim? Lentamente fui percebendo que grande parte das coisas que me atormentavam não tinham mais tanta importância. Respirei fundo e senti enorme prazer nesse ato. Será que eu não andava nem respirando mais? Fui gostando cada vez mais de estar na minha companhia. Deve ser por isso que as pessoas gostam de estar comigo, pensei. Já estava me sentindo do tamanho do quarto quando adormeci sem perceber. Sonhei que estava sozinho e isso era muito bom...

quinta-feira, 10 de setembro de 2015

FAIS-MOI MAL, JOHNNY!

To muito apaixonado pelo Johnny Hooker. Pronto, falei! Eu sei que é meio brega, desbragado, apaixonado e tal. Pois é justamente por isso! Ainda por cima ele é abusado, provocativo, despudorado. Nada mal nesses tempos caretas e conservadores, n'est ce pas? Johnny é, em bom português, um exagerado. Como Cazuza. Ney Matogrosso. Dzi Croquettes. Adoro. Fui vê-lo na festa Pardieiro, no Cine Joia. Valeu por tê-lo visto ao vivo e de perto. Mas o som estava abafado e distorcido. E as pessoas que foram à festa não faziam questão de apreciá-lo: Estavam ocupadas demais fotografando, filmando e cantando junto com ele aos berros e desafinadamente. Uma pena. Espero ter a oportunidade de assistir a um show desse rapaz em um teatro. Estou velho demais para essas festas... O título do post refere-se à canção homônima de Boris Vian, que aqui no Brasil teve versão em português gravada pela Banda Luni (lembram?) com o sugestivo nome de Me Machuca, Johnny! E é isso que faz Johnny Hooker: Machuca os corações apaixonados... Adoro o título de seu álbum: Eu Vou Fazer Uma Macumba Pra Te Amarrar, Maldito! E vou dizer uma coisa: Sua macumba é poderosa. Fafá de Belém, esperta e atenta aos sinais que é, já gravou a canção Volta, de Johnny, em seu novo álbum recém lançado pela Joia Rara, do DJ Zé Pedro. Essa canção também está na trilha sonora do filme Tatuagem que, se você ainda não viu, precisa fazê-lo com urgência. Fica a dica. Ou melhor, ficam as dicas... Se joga lá!

terça-feira, 8 de setembro de 2015

O CAMAREIRO

Não me canso de falar aqui no blog da minha enorme admiração por Kiko Mascarenhas. Sempre que esse grande ator vem a São Paulo nos brindar com seu talento eu sinto que melhoro como ser humano... Dessa vez ele nos trouxe O Camareiro, de Ronald Harwood, espetáculo que, além de protagonizar, Kiko também produz. Como se fosse pouco, ainda traz de volta aos palcos o lendário Tarcisio Meira, que há vinte anos não atuava no teatro. Kiko dá conta da dupla jornada com a excelência de sempre. Seu Norman é construído com tal sutileza e riqueza de detalhes que aparece até na maneira como ele manipula os objetos em cena. Como respira. Como se movimenta. E, sobretudo, na propriedade com que pronuncia suas falas. O espetáculo é imperdível, a tradução de Diego Teza é excelente e a diração de Ulisses Cruz é um primor. Uma grande homenagem ao teatro e aos atores. Quando eu ainda era um jovem adolescente em Porto Alegre, assisti a Tudo Bem No Ano Que Vem, com Tarcisio e Glória Menezes no auge do sucesso e da beleza. Depois, quando vim para São Paulo em meados dos anos noventa, os vi na montagem de uma sequência da mesma peça, chamada E Continua Tudo Bem. Agora, passados vinte anos, fui às lágrimas com o retorno à cena desse ícone do teatro contracenando com meu amigo. Lindos e iluminados. Kiko é um tipo de ator que todos nós atores gostaríamos de ser: Dono de uma versatilidade quase elástica, que lhe permite fazer o que quiser sur la scène. E muito bem. Vai do drama à comédia com graça, intensidade e paixão. Sempre inteiro e disponível no que faz. E com um carisma invejável! Me senti muito privilegiado na noite da estreia. Por ter sido convidado e por ele ter vindo estrear aqui em São Paulo. Além de agradecer, só posso desejar muito sucesso e longa vida a O Camareiro! Até dezembro no Teatro Porto Seguro. Você não pode perder...
Nas fotos, o impecável Norman de Kiko Mascarenhas em foto de Lenise Pinheiro e Sir Tarcisão recebendo os aplausos em foto de Weidy Leite.

sábado, 5 de setembro de 2015

DRAG QUEEN

Adoro o termo. Mas, ainda mais do que o termo, o fenômeno em si. Pelo menos eu considero um fenômeno um homem se transformar em mulher só no truque e nos efeitos e voltar a ser homem logo em seguida. Tenho uma amiga drag queen: a Leia Bastos. Quando não está drag, a Leia vira Alexandre. E os dois são completamente diferentes. Parecem duas pessoas. Adoro quando o Alexandre chega na minha casa e se anuncia ao porteiro como Leia. E o porteiro interfona dizendo: É o seu Leia. Ou quando ele chega de Leia, já montada, causando. Ou, ainda, quando chega de Alexandre, se monta na minha casa e vai embora de Leia. Sempre divertido e inusitado. Ou divertida e inusitada. Somos amigos há tanto tempo que ninguém mais estranha... Quando me mudei para São Paulo, em 1996, as drags estavam em alta. Bombavam, causavam, fechavam! Logo fiquei amigo de quase todas. Tinha a Alma Smith, para mim a mais folclórica. Nordestina de sotaque pronunciado, Alma era forte, bombada mesmo, e vendia papelotes de cocaína que guardava nos peitos. Quando chegava nos lugares já ia logo disparando seus bordões: Quem for gay que me olhe! E, com a mão no peito: Quantos? Impagável. Bombava também o trio Natasha Rasha, Cintia Gregory e Simplesmente Nenê, autoras do hit Não Sei Dublar, uma subversão de Unbreak My Heart, de Toni Braxton. Tinha também a já então diva Silvetty Montilla, mais Paulete Pink, Jimmy Kear, Léo Akila e tantas outras. Todas rainhas. Rainhas da noite. Luxo, babado e confusão. Foram título e tema de música de Rita Lee e Antonio Bivar. Eu já me montei duas vezes, na Banda do Redondo, um bloco de rua que sai na semana do Carnaval aqui em São Paulo. (Fiquei horrorosa, a cara da Tereza Raquel). Hoje elas estão super profissionais, participam de reality-shows, do concurso da Ru Paul, viajam o mundo com suas performances e etc. Mas eu gosto mesmo é das nossas.E tenho saudades de quando elas desciam a Rua da Consolação sobre o capô dos carros, enlouquecendo os tradicionais moradores dos Jardins...
Na foto, meu amigo Leia fazendo a bonita.

quarta-feira, 2 de setembro de 2015

SOLEDADE

Confesso que senti um certo ciúme quando Cida Moreira me contou que seu novo CD se chamaria Soledade. Como assim, pensei, ela vai dar o nome da minha cidade ao seu CD? Depois a própria Cida me contou que o título se refere à pequena Soledade da Paraíba, que ela conheceu quando filmava com Guilherme Weber por aquelas bandas. Assim o meu ciúme se aplacou. Não era a minha pequena Soledade do Rio Grande do Sul! E agora que escuto o seu já lançado e belíssimo CD, me dou conta de que a Soledade de Cida é muito mais. Muito maior. É universal e também atemporal. A viola gemeu e meu coração estremeceu: Cida sabe como poucas falar direto ao coração. Seu canto é infalível. Não importa quem tenha escrito ou em que época tenha sido composta a canção: Ela passa a ser a voz de Cida Moreira rendendo inexoravelmente quem a escuta. Novos sentidos e proporções são atribuídos a antigas e novas canções. Como à minha preferida Um Gosto de Sol, de Milton e Ronaldo Bastos, que Cida retoma do icônico álbum Clube da Esquina, que embalava as noites da minha juventude em Soledade, quando o céu tinha tantas estrelas que eu esquecia até de dormir. Como uma pera se esquece, sonhando numa fruteira... E à novíssima Forasteiro, de Helio Flanders e Thiago Pethit. Pura emoção e poesia do início ao fim, Soledade é uma obra de arte. Uma pequena jóia. E eu vou do ciúme à mais completa gratidão: Obrigado, Cida Moreira, por ter atribuído novos sentidos e proporções também ao nome da minha cidade. Como já cantou Teixeirinha: “Soledade é solidão. Solidão é uma saudade. É em homenagem a uma cidade que eu canto essa canção”. As canções que Cida canta homenageiam todas as cidades do mundo. As pequenas e as grandes. Sua Soledade é imensurável. E o pulso ainda pulsa, atualizando os versos dos Titãs na verve eletrônica de Ricardo Severo. A lua já deve andar tonta com tamanho esplendor...
Na foto, Cide et moi juntando as soledades no La Fiorentina.