domingo, 30 de dezembro de 2018

NOITE VAZIA

Dia desses, chez meu amigo Tude Bastos que se recuperava de uma cirurgia, começamos a assistir pelo celular ao filme Noite Vazia, de Walter Hugo Khouri. A película tem uma hora e meia de duração e assistimos aos primeiros trinta minutos fazendo hora para o jantar. Foi o suficiente para que eu me sentisse preso à história e ficasse louco para terminar de assisti-la assim que fosse possível. O que acabou acontecendo no dia seguinte, em minha casa, mas pela tela da televisão. Rodado na São Paulo que emergia como metrópole nos anos sessenta, o filme tem toda a carga de existencialismo da nouvelle vague brasileira, mais conhecida como cinema novo. Chega a ser chato de tão parado. Mas ao mesmo tempo é maravilhoso. As pessoas estão em bares e boates e não se divertem. Não riem. Nem ao menos sorriem. Lembra em alguns momentos Cinderela em Paris, só que levado a sério... Odette Lara e Norma Benguel, no auge das respectivas belezas, interpretam duas moças de vida fácil que são caçadas por dois playboys paulistanos na tentativa de fazer com que a noite valha a pena. E dá-lhe questionamentos... Muita arquitetura modernista, muito jazz, muito delineador, muita peruca, uma pequena joia pré-Almodóvar. Odette Lara é nossa Catherine Deneuve. E Norma Benguel, nossa Jeanne Moureau. E, diga-se, nos brindam com beijo gay em cena de puro fetiche lésbico. Que maravilha. Uma hora e meia de imagens entediantes e belas. Se tivesse uma gota de humor seria uma espécie de Manhattan tropical. Mesmo assim, uma pérola do nosso cinema. A trilha sonora luxuosa é do maestro da Tropicália Rogério Duprat. Um deleite a parte é ver clássicos da arquitetura paulistana ainda em construção. A solidão das grandes metrópoles com todos os seus clichês. Com direito a jantar japonês na Liberdade servido por uma gueixa. Para quem, como eu, ama São Paulo é um presente... Ah, last but not least, os galãs Mário Benvenutti e Gabriele Tinti (uma espécie de Alain Dellon à italiana) são verdadeiros boys magia. Confere lá no YouTube.
Na foto, as divas Odette Lara e Norma Benguel em momento spicy.

sábado, 29 de dezembro de 2018

PALAVRÕES DO BEM

Eu não sei exatamente quando ocorreu essa mudança. Só sei que perdi o ponto exato em que os palavrões deixaram de ser ofensa, chingamento, falta de educação, e passaram a ser considerados elogios ou modo coloquial de se falar. O que lembro é que quando Caetano Veloso lançou o álbum Abraçaço, que trazia a canção A Bossa Nova é Foda, senti um certo desconforto mas, em seguida, aderi. Afinal, Caetano sempre foi irreverente, pop, transgressor e, agora mais do que nunca, atento aos sinais da modernidade. Mas comecei a achar a coisa deveras esquisita quando fui a um show de Johnny Hooker no Cine Joia e as pessoas, que estavam em êxtase com a apresentação, gritavam frases do tipo: Puta que pariu! Vai se fudê! Você é do caralho! Vai tomar no cu! Fiquei me perguntando o que elas gritariam se estivessem detestando... E como meus ouvidos não me dão descanso, passei a perceber essa, digamos, tendência, em todos os lugares. Nos bares, restaurantes, teatros, cinemas, em toda a parte. É um tal de "pra caralho", "do caralho" e até a variação "do grande caralho". Ou seja, o caralho está em todas as bocas... E, quando não pode ser pronunciado, como em programas ao vivo na televisão, as pessoas o substituem por baralho... Merda e bosta já estão definitivamente liberados, mas estes com a significação original mesmo, de chingamento. Quem é muito bom no que faz é pica. O velho e ingênuo "bem feito" foi substituído por "chupa"... Fico lembrando do tempo em que, além de não poderem ser pronunciados, não eram nem ao menos escritos. Eram grafados como uma sequência de símbolos sem significado que a gente subentendia tratar-se de um palavrão. Algo como #*¥@$&#*... Tenho tanto apreço pela língua portuguesa, a considero uma das nossas maiores riquezas. E é com incontida tristeza que a vejo definhar dia a dia. Mas, como já dizia Oscar Wilde, se soubéssemos quantas vezes nossas palavras são mal interpretadas, haveria muito mais silêncio no mundo...

domingo, 23 de dezembro de 2018

ZIZI ENCANTA ILHABELA

Papai Noel continua sendo generoso comigo neste Natal. Ontem à noite ele me presenteou com um belíssimo show da cantora Zizi Possi em plena praça central de Ilhabela. Na verdade foi um presente da prefeitura para os moradores e turistas. Mas eu prefiro acreditar que foi só para mim... Zizi está encantadora, linda e cantando divinamente. Eu já tinha me deliciado com a participação dela no especial de Roberto Carlos na noite anterior. E esse show foi a cereja do presente natalino. Acompanhada de quatro excelentes músicos, ela fez um apanhado da carreira, cuja escolha focou especialmente nos hits. Tudo o que eu gostaria de ouvir em um show de Zizi e que há muito não ouvia. Estavam presentes no set list desde Perigo e Asa Morena até Um Minuto Além e Beatriz. Passando por A Paz e O Amor Vem Pra Cada Um. Inesquecível. Mais uma vez encerro dizendo que Papai Noel não poderia ter me dado presente melhor...
Na foto, Zizi shining and singing entre as luzes de Natal.

sábado, 22 de dezembro de 2018

NATAL NA ILHA

Estou mais uma vez em um dos lugares onde mais gosto de estar: Ilhabela. Acho que só perde, no ranking das minhas preferências, para o palco em primeiro lugar e para Paris em segundo. Ainda assim, esse bronze só se deve aos mosquitos. O único defeito desse paraíso na minha modesta opinião. Eu demorei para conhecer Ilhabela. Já morava em São Paulo há anos quando finalmente aconteceu. Vim acompanhar o Weidy, que à época fazia parte da Cia Druwe de dança. Eles vieram dançar seu espetáculo Lúdico, que homenageava o pintor Kandinski. Acho que já faz uns dez anos e desde então tenho vindo sempre que posso. Essa será a segunda vez que irei passar o Natal aqui. A primeira foi com minha irmã Raquél e ficamos onde eu sempre costumava me hospedar, na praia do Perequê. Agora estou instalado pela primeira vez na praia do Curral e estou amando. A casa fica no alto do morro, de frente pro mar. E é só descer duas quadras que já estamos com o pé na areia... Papai Noel não poderia ter me dado presente melhor...

quarta-feira, 19 de dezembro de 2018

BODAS DE CERÂMICA

Hoje meu blog está completando nove anos de existência. São as nossas bodas de cerâmica. Adoro cerâmica. Tenho um amigo ceramista que mora em Campo Grande, o Mauro Yanase. Ele faz um trabalho lindo e já me presenteou com diversas de suas criações. Adoro um casalzinho de monges que ele faz. Tenho os meus há anos. Esse ano eu os coloquei junto à árvore de Natal. Ficou um amor... Mas, voltando ao aniversário do blog: Muito da minha empolgação inicial já arrefeceu. Hoje escrevo mais raramente e até me abstenho de emitir opiniões sobre vários assuntos. Como já falei anteriormente aqui, os assuntos estão muito prementes, tudo urge, tudo é de extrema importância e todos, absolutamente to-dos, tem opinião formada sobre tudo. Eu prefiro ser essa metamorfose ambulante... Rsrsrs. Brincadeira. Só não acho que minha opinião tenha tanta importância assim. E muito menos que eu deva dá-la a quem não pediu... Ainda assim, mantenho o blog com entusiasmo e compartilho aqui grande parte das coisas que vivo, vejo, leio, assisto, crio, invento. Se por mais não for, é para ficar um registro da minha passagem pelo universo virtual. Aqui já tem um bom material escrito. Nesses nove anos eu mudei tanto, aprendi tanto, vivi tanto! E é no mínimo reconfortante poder dividir parte disso que seja com quem me lê. Aproveito para agradecer a todos: Muito obrigado por estarem comigo nessa já longa jornada. Espero ter fôlego para seguir por no mínimo mais nove anos... Adoro quando o blog faz aniversário também porque significa que o ano já está no fim. Gosto muito dessa época, que para mim significa mudança de ciclo, renovação, crescimento. Mais uma vez temos a oportunidade de deixar para trás o que não nos serve e ir em busca do que queremos de fato. Não que a gente realmente faça isso todos os anos. Mas só de saber que temos essa chance já me reabastece as esperanças... Por falar em esperanças, eu sempre as tenho. Mesmo quando nos acenam retrocessos, como agora. Acho que sempre se avança em alguns quesitos, ainda que em detrimento de outros. E assim a vida segue, em espiral. Mas que, pelo menos, o movimento seja ascendente!
Na foto, meus mongezitos bem fagueiros ao pé da árvore de Natal.

terça-feira, 4 de dezembro de 2018

GIL, SONS & PALAVRAS

Minha paixão por Gilberto Gil é antiga, mas foi totalmente reaquecida por seu programa Amigos, Sons e Palavras, no Canal Brasil. Adoro ver Gil entrevistar seus convidados. Na verdade ele divaga sobre as coisas da vida enquanto conversa com a pessoa, e acaba que o próprio entrevistador se revela a melhor coisa da entrevista. Gil tem a sabedoria dos que já viveram quase tudo. Nada parece ser novidade para ele. As novidades, ele já antevira todas lá atrás, nos longínquos sessenta, setenta... E nesse esteio eis que veio seu show Ok Ok Ok para São Paulo e, graças à generosidade da minha amiga Andresa Espagnolo, fui assisti-lo. O que mais me encanta nesse genial compositor, além obviamente da música, é a sua incrível habilidade com as palavras. Mais que um poeta, como muitas vezes é chamado, Gil tem com as palavras a intimidade de um escritor. Há no seu olhar algo que me ilude... Não me iludo, tudo permanecerá do jeito que tem sido... Lembro que o vi pela primeira vez no show Realce, com aquelas adoráveis trancinhas coloridas, no Teatro Leopoldina, em Porto Alegre, nos idos de 1979... Depois, nos oitenta, já na fase de shows em ginásios, lembro de ter assistido a Um Banda Um no Gigantinho, também na capital gaúcha. Fui tão cedo para o local que acabei assistindo também à passagem de som... Mas, voltando ao show Ok Ok Ok: Uma noite inesquecível. Plateia lotada, Gil firme e forte no palco, acompanhado de três de seus filhos: Ben, João e Nara. Uma banda linda, arranjos sofisticados e uma luz de sonho no belo cenário de Luiz Zerbini. Um presente de Natal. Sentado no começo do show, Gil fica em pé na segunda parte para empunhar a guitarra e levantar a plateia do Teatro Bradesco. Há no seu olhar algo surpreendente: Como o viajar da estrela cadente... Saí de lá com uma vontade incontrolável de escutar todas as suas músicas. O que já venho fazendo há quase uma semana... Remexi guardados, encontrei velhos elepês e até as fotos que fiz dele no show Realce em Porto Alegre. Há no seu olhar algo de saudade: De um tempo ou lugar na eternidade... E quanto mais o ouço cantar, mais repito para mim mesmo: Eu quisera ter tantos anos-luz quantos fosse precisar para cruzar o túnel do tempo do seu olhar...
Nas fotos, três instantes do show Realce captados por minha Olympus Trip 35 no Teatro Leopoldina.

domingo, 2 de dezembro de 2018

DEZEMBRO

Oi, tudo bem? Que bom que você veio. Entra. Senta, fica à vontade. Gostou da música? É Serge Gainsbourg. Tenho quase tudo dele. Adoro. Conheci em Paris. Aliás, no ano que eu cheguei em Paris para morar ele morreu... Aí comecei a ouvir tudo e me apaixonei. Mas deixa isso pra lá, vem pra cá, o que é que tem. Rsrsrs. O que você quer beber? Tem vinho tinto, vinho rosé, espumante e cerveja. Ah, e eu posso fazer alguns drinks pra você também. Deixa eu ver o que eu tenho e o que dá pra fazer: Humm... Posso fazer um Manhattan, um Whiskey Sour, um Dry Martini ou um Gim Tônica. Dry? Olha... Gostei. Pera, já faço. Ah, não tenho azeitona inteira, só fatiada. Mas tudo bem, faço tipo um espetinho de pedaços de azeitona, fica legal também. Adorei que você veio. Não aguentava mais novembro. Outubro, então, nem se fala. Toma, tim-tim! À nossa... Calma! Tá com pressa? A gente tem a noite inteira pela frente. Quer dizer, eu tenho a noite inteira pela frente. Você, certamente, tem mais uns três ou quatro compromissos para cumprir antes do dia raiar. Afff! Há quanto tempo eu não vejo o dia raiar! Não dessa forma, só quando acordo cedo, antes do sol. O quê? Mentira, gosta nada. Quer dizer, gosta. Mas não se satisfaz em ficar aqui comigo. Daqui a pouco você certamente vai querer estar em outro lugar comigo. Ou em outro lugar com outras pessoas. Eu não te basto. Estar aqui, comigo, não te basta. Tudo bem, eu sei como é. Já fui assim também... Mas me conta:

terça-feira, 27 de novembro de 2018

LUGAR

Não suporto mais ouvir a palavra lugar ser pronunciada para definir o que quer que seja menos o que ela define de fato, que é, precisamente, lugar. Ou seja, espaço que pode ser ocupado por alguém ou por alguma coisa. Lugar é onde você nasceu, onde estudou, onde trabalha, onde mora. Lugar é a posição que alguém ocupa em um concurso. É um acidente geográfico, um país, uma cidade, um bairro. Mas agora é um tal de lugar de fala, lugar de performance, lugar de questionamento, lugar de seja o que for. Dia desses vi um jovem ator ser entrevistado por Lázaro Ramos, no programa dele no Canal Brasil, e fiquei impressionado com a quantidade de vezes que ele pronunciou a palavra lugar. Até "lugar de cegueira" ele chegou a dizer. Fiquei me perguntando que lugar seria esse... Não consigo entender direito de onde vem essa "moda" de se utilizar determinadas palavras até a exaustão. O mesmo vem acontecendo com o termo narrativa. Tudo agora virou narrativa. Usa-se, inclusive, "o lugar da narrativa". Preguiça... Nem vou me referir aqui aos já esgotados e insuportáveis empoderamento e protagonismo. Esses não saem das bocas e me arranham os ouvidos cada vez que são pronunciados. Isso sem falar no requentado e já desgastado "resistência". Chega a dar saudade de quando esse termo era usado para se referir àquela mola que esquenta o chuveiro elétrico. E agora me calo. Para não desgastar ainda mais as palavras...
Na foto, o Jardin du Luxembourg, um lugar que adoro frequentar quando estou em Paris.

domingo, 18 de novembro de 2018

SANGUE LATINO

Domingo que finda ao som de Billie Holiday. Borbulhas na flûte de champanhe. Luz difusa de abajur. Palmeiras no vaso de canto. Brisa amena que sopra, agora que já choveu, ventou e fez calor... Andei lendo sobre a criação do perfume mais famoso do mundo, o Chanel Número Cinco. Na verdade o livro é sobre o amor, a superação de uma grande perda e a capacidade de se reinventar. Chama-se Mademoiselle Chanel e o cheiro do amor, da escritora alemã Michelle Marly, e já me referi a ele no post anterior. Agora o mês de novembro segue com a leitura das memórias de Ney Matogrosso, Vira-lata de Raça. E que raça. Desde pequeno ele já disse a que veio. Sozinho. No osso. E o melhor: Sem discursos ou siglas. Apenas com atitudes. Isso em tempos bem mais bicudos do que os que vivemos hoje. Há quem prefira se lamentar. E há quem, como Ney, prefira seguir em frente escrevendo a própria história com coragem e, claro, muito talento. Agora que já provou que dá certo, ele nos deleita com suas lembranças... E, no clima da latinidad de Ney, Billie já deixou a vitrola e a sala foi invadida por Bandido Corazón, pérola que Rita Lee deu de presente para o nosso camaleão tropical. Graças aos deuses eu tenho uma caixa com todos os álbuns dele em CD. Assim posso passear por essa trajetória de sucessos. Diz-se que a carreira artística é feita de altos e baixos. A de Ney, exceção que confirma a regra, parece ter tido somente altos. E persiste através de décadas. Sempre atual. Coisa boa. Viva Ney! Eu já vinha latino à beça nos últimos dias. Embalado pela leitura dos contos de Caio a que me referi no post solitário do mês anterior, andei escutando Fina Estampa, de Caetano, em shuffle e em repeat jusq'à la mort. Agora é um tal de Paranpanpan, Trepa No Coqueiro e muito, muito Bandido Corazón. Pra quem não sabe, meu chará Roberto, marido de Rita, ainda integrava a banda Terceiro Mundo, de Ney, nesse álbum. Mas isso já é outra história. Agora, gaivota querida, voa numa boa...
Nas fotos, as finas estampas de Ney & Caetano.

quarta-feira, 7 de novembro de 2018

NOVEMBRO DELIRANTE

Finalmente o mês de novembro chegou. E, com ele, novos ventos varrendo a ressaca pós -eleitoral e trazendo de volta outros assuntos, possibilidades, visões. Já adentrei o penúltimo mês do ano visitando a exposição Raiz, do artista chinês Ai Weiwei, na Oca do Ibirapuera. De encher os olhos, a alma, o coração. Se a Bienal, que eu havia visitado dias antes, pouco ou nada tinha me dito, a exposição de Weiwei disse tudo. E calou fundo. Eu, que já andava cansado de assistir a processos em vez de resultados, que não aguentava mais tanto conceito para tão pouca arte, nessa exposição me deleitei: Ai Weiwei consegue unir conceito e arte, ativismo e denúncia, resistência e questionamento, sem deixar de fora algo que para mim é fundamental em qualquer manifestação artística: A beleza. Ela está presente em cada micro-detalhe das flores de porcelana que compõem a gigantesca obra Florescer ou nas milhares de Sementes de Girassol também esculpidas em porcelana. E no impacto mudo do imenso barco de refugiados esculpido em plástico negro em que navegam homens, mulheres e crianças sem rosto. Para ser vista e revista, a exposição fica na Oca até janeiro de 2019. Não vá perder... No feriado, uma rápida escapada até o reconfortante La Figueira, em Piracaia, para visitar nossos amigos Rodrigo et Thomas, respirar ar puro e, luxo dos luxos, ouvir o silêncio. Claro que entremeado de drinks, conversas, mergulhos, caminhadas, risadas, comidinhas e música. Rodrigo me apresentou a delícias musicais que eu ainda não conhecia como No Porn e Letrux. Auto-estima delirante. Maiô da Mulher Maravilha. A lantejoula apareceu de novo... De volta à Pauliceia, o não menos delirante Bohemian Rhapsody, filme que narra a trajetória de Freddie Mercury desde o surgimento do Queen até a participação no mega concerto Live Aid. Filme espetáculo, para ser assistido no cinemão clássico, com tela grande e dolby surround sound stereo... Agora sigo novembro adentro devorando o livro Mademoiselle Chanel e o Cheiro do Amor, da escritora alemã Michelle Marly. A história conta como a estilista Coco Chanel supera a perda de seu grande amor Boy Capel tornando realidade o projeto de ter a sua própria eau de toilette: O famoso perfume Chanel No 5. O livro, perfumado e de fácil leitura, é rico em detalhes descritivos da Paris da época e tem um agradável tom de folhetim que prende a atenção desde o primeiro capítulo. E, por falar em livros, eles andaram em alta na campanha presidencial. Até gente que eu sei que nem lê postou selfies com algum exemplar. Esse foi, a meu ver, um legado positivo das eleições. Eu, que sou leitor compulsivo, considero que a aproximação das pessoas com obras literárias, ainda que por razões controversas, sempre será positiva. De alguma forma, um livro sempre irá ajudar, acrescentar, engrandecer. Se por mais não for, pela simples leitura de suas orelhas ou contracapa... E vamos em frente pois, como disse Gilbero Gil em seu ótimo programa no Canal Brasil, o rio da História é caudaloso e não há abismo em que o Brasil caiba...
Nas fotos, as delicadas flores de Ai Weiwei, o cartaz de Bohemian Rhapsody e a capa do perfumado livro de Michelle Marly.

quinta-feira, 18 de outubro de 2018

OUTUBRO OU NADA

Tenho passado os dias na companhia de Caio Fernando Abreu. Dessa vez são suas narrativas breves, reunidas em Contos Completos, uma linda edição de quase oitocentas páginas da Companhia das Letras. E por falar em companhia, tenho andado tão sozinho. Estou me sentindo tão só nesse mês de outubro. Como nunca antes. Sem grupo, sem pares, sem turma. Desencaixado. Sem público, sem espetáculo. Até mesmo sem assunto, posto que, nesse mês, o assunto é um só: Há uma divisão política no Brasil, uma polarização. A confrontar amigos e familiares, tribos e segmentos. Eu, que não me sinto representado por nenhuma das partes, amargo uma solidão inaudita. Fico no meu canto, quieto, na companhia desses muito bem vindos Contos Completos... Já reli muitas coisas, descobri outras que para mim permaneciam inéditas e redescobri outras tantas que lera e já não me lembrava onde. Em qual livro. Agora estão todos juntos, reunidos em um só. Do Inventário do Ir-remediável a Ovelhas Negras. E outros ainda. E inéditos. O ovo, os morangos, os dragões. Descobri as Pedras de Calcutá que, como bem definiu Luís Arthur Nunes, são preciosas. Nelas encontrei o contundente Caçada. No Inventário, o delicado Meio Silêncio. Nas Ovelhas Negras, os surpreendentes Uma História Confusa, Sob o Céu de Saigon e, pérola das pérolas, Depois de Agosto. Escrito por Caio já doente, no começo de 1995, transbordante de lirismo e referências, bem humorado mesmo na eminência de. Para ser lido ao som de Contigo en la Distancia... É em momentos como esse, de solidão e desalento, que a literatura me salva. Além de em todos os outros. Mas nesses, especialmente, não só a literatura como a arte em si, o teatro, a pintura, o cinema, a fotografia e, sobretudo o humor, salvam. Sempre. E por que sempre é bom, por que a cada vez revela e espanta, por que encanta e modifica e faz crescer, por que torna os dias mais doces ou amargos, por que semeia os mais áridos terrenos, percorre os recônditos mais sombrios, por tudo isso e ainda mais que aqui não caberia, leio releio lerei relerei para sempre Caio Fernando Abreu...
Na foto, a bela edição dos Contos Completos da Companhia das Letras.

sexta-feira, 28 de setembro de 2018

MEMÓRIA ENCENADA

Finalmente consegui preencher uma lacuna imperdoável que havia na minha formação teatral: Assistir a um espetáculo de Robert Lepage. E foi com o intrigante 887, que ele está apresentando em São Paulo, no Sesc Pinheiros, com a sua companhia Ex Machina. A peça trata da memória, esse tema que me é tão caro e do qual muito já falei aqui no blog. Lepage se lançou na pesquisa sobre os labirintos da memória justamente quando se viu em dificuldade para decorar um poema que se propôs apresentar em uma cerimônia. Quando começou sua, digamos viagem, foi imediatamente transportado para o prédio onde viveu sua infância, o número 887 da Avenue Murray, no Quebec. É claro que eu, enquanto assistia ao espetáculo, fiquei também me transportando para o 1414 da Avenida Marechal Floriano em Soledade, onde nasci e vivi minha infância, para o 1271 da Rua Garibaldi em Porto Alegre, onde passei minha juventude, e para o 18 da Rue des Écouffes em Paris, onde morei no começo dos anos noventa e vivi uma espécie de segunda juventude que dura até hoje... Enquanto escrevo já fico me perguntando como discorrer sobre tão interessante assunto sem me alongar. Lepage segue contando que se utilizou, na tentativa de memorizar o tal poema, de uma técnica na qual você distribui as partes do texto em cômodos de uma casa ou de um local do passado que se lembre com exatidão. E imediatamente me vi percorrendo ambientes da casa da minha avó, com uma riqueza de detalhes que quase atrapalhou minha atenção no espetáculo a que assistia... E quando cheguei em casa e me deitei para dormir a viagem ao passado seguiu firme e forte. O centenário de Soledade, com a inauguração do Parque de Exposições, a visita do governador, o ônibus que exibia a Mulher Tarântula da Amazônia; o Teatro Serelepe, com seus melodramas, comédias, tragédias e shows de calouros; as aulas de piano chez Dona Amélia Triches, os desfiles de Sete de Setembro, as viagens com o time de handball, a excursão a Porto Alegre com a turma da sétima série... Quem como eu trabalha com teatro sabe do constante esforço de manter viva a memória, do quanto ela é importante não só para que o espetáculo se realize, mas para que se perpetue no coletivo, uma vez que é uma arte efêmera, que só pode ser vista enquanto está acontecendo. Um dos sonhos recorrentes que tenho é que preciso entrar em cena e não sei uma só linha do texto que irei apresentar. Vocês que me leem não imaginam o pavor que isso representa para um ator... Mas, fora todo o meu interesse pessoal pelo assunto abordado por Robert Lepage em seu espetáculo, vale destacar o espetáculo em si. Uma obra-prima, uma viagem de encantamento e precisão cênica de cair o queixo. O palco como uma caixa mágica que une imaginação, poesia, efeitos tecnológicos, ilusionismo, cinema, projeções, carpintaria teatral de primeira e, acima de tudo, muito, mas muito talento. Quando a apresentação termina e ele entra para receber os aplausos, a gente percebe que, apesar dele estar sozinho em cena o tempo todo, não se trata de um solo, há muitas pessoas por trás fazendo a mágica acontecer. Cerca de dez artistas são chamados ao palco para gradecer com ele. E fazem jus ao nome da companhia: Ex Machina... Em cartaz só até domingo. Corre!

terça-feira, 25 de setembro de 2018

CONTO JUVENIL


Inspirado pela mais recente modinha das redes sociais, digo anti-sociais, remexendo guardados encontrei esse micro-conto que escrevi quando contava apenas púberes vinte aninhos. Chama-se COMPASSO:
O relógio já havia marcado muitas horas e continuaria marcando-as indefinidamente dentro do processo que era estar a vida transcorrendo a partir dos seus sentidos e impressões naquela tarde. No prédio ao lado o barulho das picaretas dos pedreiros dava a dimensão da vida que se andava levando. Naquele momento a visão do dia de sol e vento - que balançava as árvores arrancando-lhes as folhas - não era agradável. O som da vida que se desenrolava - ou se enrolava - do lado de fora produzia um forte sentimento de angústia e não-participação do lado de dentro. Tudo o que estivesse ao alcance - sons, imagens, cheiros, lembranças - de nada valia, pra nada adiantava. Agora era marcar passo no mesmo lugar ou ir adiante. A sensação era a de um condenado à morte pela forca, tal qual ela é descrita nos livros inteligentes. Teseu perdido em um labirinto - agora com elevadores - incapaz de matar o Minotauro, acertar o alvo, chegar na frente e romper a linha de chegada. Crianças passam carregando balões de gás e acreditando em super-heróis. E os policiais registram novas queixas em seus arquivos. O carpete era de um tom bege que personificava o tédio. A solidão pesando como um jeans molhado colado ao corpo. A vida entregue ao tempo, lento demais para apresentar soluções a curto, médio ou longo prazo. Não havia nenhuma saída visível e nada estava acontecendo. No entanto, lá fora, picaretas e balões de gás. O desenrolar-se enrolado da vida bege como o carpete que personifica o tédio. E o relógio marcando as horas indefinidamente...
Achei bonitinho relembrar. E, para ilustrar, foto tirada por Lúcia Serpa em tarde de lascívia chez Nora Prado, em Porto Alegre, nos anos oitenta.

quarta-feira, 12 de setembro de 2018

CAIO 70

Hoje, 12 de setembro de 2018, Caio Fernando Abreu completaria setenta anos de idade se estivesse vivo. E está mais vivo do que nunca. Pelo menos para mim. Não pretendo me repetir, contando como foi que nos conhecemos e nos tornamos amigos. Basta digitar o nome dele no campo de pesquisa aqui do blog e inúmeros posts aparecerão dando conta de todas essas histórias. Hoje meu intuito é simplesmente homenagear esse importante escritor brasileiro, que deu voz a uma geração de jovens desencaixados do sistema, das convenções, da sociedade. Ah como me era reconfortante descobrir, ainda adolescente, percorrendo as páginas dos seus livros, que eu não estava sozinho no mundo... Serei eternamente grato a meu professor, diretor e amigo Luís Arthur Nunes que nos aproximou e me proporcionou a inesquecível experiência de privar da companhia e da amizade de um dos meus escritores preferidos. Cheguei a conhecer o apartamento em que Caio morava, aqui do lado do meu prédio, na rua Haddock Lobo, onde hoje seríamos vizinhos... Mas já estou a me repetir, tenho quase certeza de que isto eu também já contei aqui no blog. Então, para finalizar, que a memória de Caio permaneça viva e presente na vida de todos nós e dos que virão; que suas obras sejam cada vez mais lidas; que a sua palavra seja sempre passada adiante; que cada vez mais jovens possam ler os seus escritos e descobrir quem foi essa pessoa maravilhosa; e, para encerrar comemorando seu aniversário, gritemos juntos a uma só voz: Viva Caio Fernando Abreu! Viva, viva, viva! E, como sempre é bom citá-lo: Que seja doce...
Na foto, Caio em momento de alegria.

domingo, 2 de setembro de 2018

SEPTEMBER-SONG

Que bom que setembro chegou e a boa nova anda nos campos... O mês já entrou com sol e calor antecipando a primavera. E trouxe uma das atrações culturais mais esperadas por mim: A companhia de dança DCA, do coreógrafo francês Philippe Decouflé, no Teatro Alfa. Por incrível que pareça eu, que morei em Paris no começo dos anos noventa, só conheci o trabalho de Decouflé aqui em São Paulo. Mais precisamente em 1996, ano em que mudei para a capital paulista. Mais precisamente ainda, no festival de teatro da saudosa Ruth Escobar. Que naquele ano apresentou Decodex no palco do Teatro Municipal. Foi amor à primeira vista. Fora os trabalhos de criação da companhia, assisti também à direção de Decouflé para o cabaré Crazy Horse de Paris em 2010: Désirs. Que foi, devo dizer, inesquecível. Ou, como dizem os franceses, inoubliable... Agora ele traz Nouvelles Pieces Courtes, sua mais recente criação. Essas trazem a inequívoca marca da sua formação. Decouflé é formado pela École Nationale du Cirque de Annie Fratellini onde, modestamente, euzinho também estudei quando morei na Cidade Luz. Sua dança teatro é profundamente marcada pela figura do clown. As altas doses de humor que essas "peças curtas" apresentam também trazem a marca Fratellini. Fico tão feliz e emocionado de ver tantos pontos em comum, tantas referências e identificações sobre a cena, que me fogem as palavras. Só posso recomendar que assistam. Aliás, nem isso eu posso fazer, posto que hoje foi a última apresentação. Então façam isso: Se informem, procurem saber, joguem no Google, vão a Paris, perguntem à Siri: Who the hell is Philippe Decouflé. A resposta, eu garanto, irá agradar. Ele representa o que há de mais moderno e criativo na dança teatro contemporânea. Ah, o título do post refere-se à canção de Kurt Weill, September-Song...
Na foto, a companhia recebe os merecidos aplausos, Philippe em si ao centro.

segunda-feira, 27 de agosto de 2018

FRIO AGOSTO

Mais um mês de agosto se aproxima do final. Esse, se não me engano, foi o mais frio agosto dos últimos tempos. E eu adorei. Ainda mais agora que já faz três anos que não vou à Europa, estava mesmo sentindo saudade do frio... Quando o mês de agosto termina, rapidamente temos a chegada da primavera e, num piscar de olhos, o fim do ano com todo o pacote de festas, Natal, Ano Novo, etc. E a vida segue... Aqui na Pauliceia nem o frio é capaz de fazer a gente sossegar o rabo. Abundam atrações, passeios, programas. Fui visitar a exposição de retratos de Bob Wolfenson no Espaço Cultural Porto Seguro. Destaco as belezas estonteantes de Sonia Braga e Vera Fischer em meio a centenas de celebridades retratadas por este mestre da imagem. Fica até dezembro, dá tempo de sobra pra todo mundo ir conferir... Tenho ido com frequência ao teatro, graças a Deus. E melhor, tenho gostado do que vejo, graças aos Deuses! Assim foi com a interessante montagem do Mal Entendido, de Albert Camus, com direção precisa de Ivan Andrade e um excelente elenco encabeçado pela brilhante interpretação de Lara Córdula... Uma divertida e agradável surpresa está incrustada no pequeno Teatro de Arena da rua Teodoro Baima: Normalopatas, escrita e dirigida por Dan Nakagawa, ator e músico que se lança como encenador já cheio de cartas na manga. Uma delícia trash com direito a todos os clichês do gênero que consagrou Ed Wood... Na Casa Donanna, belíssimo palacete situado nos Campos Elíseos, uma divertida imersão no universo de Tenessee Williams: Hotel Tenessee, que faz a gente se sentir em um hotel de verdade enquanto assiste a cenas extraídas de peças do dramaturgo americano... Coisas de São Paulo que vão nos entretendo e a gente nem sente o tempo passar. E vamos em frente que até o fim do ano muita água vai rolar por baixo da ponte, ainda teremos uma sinistra eleição na qual o principal é que consigamos conter Bolsonaro e fazê-lo voltar para as trevas de onde nunca deveria ter saído... E que setembro nos seja leve!
Nas fotos, o inquietante cartaz de Normalopatas e interior do Hotel Tenessee.

segunda-feira, 20 de agosto de 2018

A OUTRA MULHER

Sou fã de Daniel Auteuil desde que morei em Paris, no começo dos anos noventa. Ele é um excelente ator de teatro e de cinema e nos últimos anos tem dirigido também. Amoureux de Ma Femme, seu mais recente filme, é uma deliciosa comédia de casais, bem nos moldes dos filmes de Woody Allen, de quem também sou fã declarado. Aqui no Brasil o filme recebeu o título de A Outra Mulher. Que vem a ser uma adaptação da peça L'Envers du Décor, que Daniel protagonizou no teatro. Fui por acaso ao cinema no meio da tarde de segunda-feira, como normalmente faço. E não poderia ter feito escolha melhor: Era exatamente o que eu buscava! Diversão, beleza, Paris, bons diálogos, excelentes atores e muitas risadas. Um filme leve, curto, extremamente agradável de se assistir. Adorável, numa palavra. Ou adorable, como dizem os franceses... Daniel continua très en forme. Lembro de tê-lo visto no teatro em uma montagem de Les Fourberies de Scapin, de Molière. Ele estava no auge da sua carreira no cinema, uma grande estrela, e voltava aos palcos com uma performance de tirar o fôlego. Desde então eu segui prestando atenção aos seus trabalhos. Hoje, maduro e de cabelos grisalhos, segue cheio de charme e com o timming cômico ainda mais apurado. Seu partner em cena nesse filme é Gérard Depardieu, outra lenda viva do cinema francês. Um levanta a bola e o outro corta, um passa e outro chuta em gol. Some-se os talentos de Sandrine Kiberlain e da belíssima Adriana Ugarte e o pacote está completo. Imperdível, para dizer o mínimo. Um filme de atores, de atuações. Excelente para quem gosta de uma boa historia e boas interpretações.
Na foto, da esquerda para a direita: Daniel Auteuil, Sandrine Kiberlain, Adriana Ugarte e Gérard Depardieu em cena de A Outra Mulher.

sexta-feira, 17 de agosto de 2018

ARETHA SINGS THE BLUES

Eu sei que as verdadeiras divas não morrem nunca porque são imortalizadas através de suas canções. Mas dá uma dor no coração saber que Aretha Franklin nos deixou... Essas, desse quilate, não deveriam mesmo morrer nunca. Mas assim é. E por assim ser, a gente acaba, com o tempo, aceitando. Felizmente sua obra está aí, à nossa disposição, e é vasta. Meu amigo Edson Cordeiro diz que eu sempre lhe apresento novos cantores e cantoras. Mas talvez ele nem se lembre que quem me apresentou Aretha foi ele, quando era meu vizinho aqui nos jardins. E, desde aquele dia, a canção Drinking Again passou a ser um dos hits da trilha sonora da minha vida. Quando ouvi Amy Winehouse pela primeira vez achei que fosse Aretha no primeiro acorde. Amy, a criatura, partiu antes de Aretha, a criadora. Sofro muito quando todas elas nos deixam. Como consolo me restam suas canções... Por isso, de agora em diante, na hora em que eu acordar, antes mesmo de me maquiar, farei uma pequena prece para Aretha... E pedirei um pouco de respeito também!
Na foto, Aretha fazendo o que fazia como ninguém: Cantar.

terça-feira, 14 de agosto de 2018

TRÊS HOMENS NUS

Meses atrás tive a oportunidade de assistir a um espetáculo muito interessante: (H3O)mens. O título curioso revelava não menos curiosa proposta: Em cena, numa mistura de teatro, dança e performance, três homens nus abordam a masculinidade em todas as suas possibilidades. A nudez dos integrantes é total e explícita do início ao fim do espetáculo. Mas qualquer possível estranhamento passa logo nos primeiros minutos. O que permanece é a naturalidade dos corpos nus sobre a cena. Sem preconceitos, experimentando-se, descobrindo-se, tocando-se. Eles dançam, fumam, bebem, brigam, lutam, dublam, emocionam e fazem rir. O pênis, que diga-se de passagem é raramente mostrado onde quer que seja, aqui é exposto e desmistificado. Além de totalmente desvinculado da ideia de sexo ou pornografia. É, inclusive, em alguns momentos, alvo de muito humor. Como na cena em que os atores bailarinos os vestem com perucas, óculos, cigarros, chapéus, transformando seus genitais em divertidas marionetes. Fora toda essa ousadia da proposta, a peça tem uma trilha sonora muito linda. Que em vários momentos me fez ficar pensando para longe da sala de espetáculo... Durante muito tempo a nudez foi para mim um mistério e um tabu. Tive uma formação antiga, que me fazia crer que o corpo não devia ser mostrado. Para se ter uma ideia, meu pai nunca tirou a roupa na minha frente. Só fui ver um homem adulto nu pela primeira vez quando já era adolescente, no vestiário da piscina do clube. Mas sempre tive, talvez por isso mesmo, um certo fascínio pela nudez. E no interior do Rio Grande do Sul dos anos setenta, era muito raro uma criança ou adolescente ter acesso a qualquer tipo de material desse tipo. Não havia internet, google, nada. Um dia descobri, no armário de livros da minha avó - que era uma leitora compulsiva tal qual eu me tornaria - um livro sobre naturismo. No meio deste livro havia algumas páginas ilustradas com fotos de pessoas nuas ao ar livre. Fotos pequenas, tiradas de longe, mal dava pra se ver os genitais. Mas uma delas trazia a foto de um homem nu de página inteira. Nu frontal, com direito a pau, saco e pentelhos. Consigo lembrar até hoje o calafrio que me percorreu e as batidas do meu coração enquanto pensava se a arrancava ou não para mim. Claro que acabei arrancando. Depois dobrei várias vezes, até que coubesse na minha carteira. Cada vez que eu ficava sozinho e desdobrava a pequena página ela vinha mais quadriculada e com menos visibilidade. Até que os quadradinhos começaram a se separar e não teve mais jeito... Hoje a nudez está ao alcance de todos. Há inclusive uma moda de postar “nudes” nas redes sociais. Eu, que não gosto de ficar de fora de nenhuma tendência, depois de ter feito um workshop de modelo vivo (que já contei aqui no blog), posei nu para dois fotógrafos: O gaúcho Gilberto Perin e o coreano residente em São Paulo Leekyung Kim. Fiquei bastante satisfeito com ambos. Mas uma coisa ainda não fiz, em mais de trinta anos de carreira: Nunca fiquei nu em cena. Espero poder realizar esse sonho logo, antes que tudo despenque irremediavelmente... A companhia que apresentou esse interessante espetáculo é de Ribeirão Preto. E não sei se ainda estão com ele em cartaz ou em repertório. Mas eu o considero fundamental. Principalmente nesse momento em que uma nova onda de caretice acena de todos os lados. E urge que seja espantada. Com muito bico de seio, muita chochota, muito pau, saco e bolas. E bundas também. De todos os sexos... Ah, quase esquecia: O espetáculo está postado na íntegra no youtube. É só digitar lá: (H3O)mens – Cia 4 pra Nada. Imperdível...
Nas fotos, três momentos do espetáculo (H3O)mens da Cia 4 pra Nada.

quinta-feira, 26 de julho de 2018

DESIGN BRASILEIRO

Já quase me esquecia de comentar aqui, mas ainda dá tempo: A exposição Ser Estar Sergio Rodrigues, do Itaú Cultural, precisa ser visitada e fica até o dia o dia 05 de agosto. Fui para conhecer um pouco mais do trabalho do criador da famosa poltrona Mole e do banco Mocho. Chegando lá, me deparei com uma agradável surpresa: Sérgio é filho de Roberto Rodrigues, de quem eu já era fã, e pude apreciar de lambuja várias obras do pai. Desenhos, pinturas e gravuras do grande pintor e ilustrador que era irmão de Nelson Rodrigues, por sua vez tio de Sergio. Esse post, não por acaso, está parecendo uma trama Rodrigueana... Mas é isso, a exposição precisa mesmo ser vista. Até pela curadoria de Daniela Thomas, Mari Stockler, Felipe Tassara e Fernando Mendes, que suspenderam os móveis e objetos numa altura que proporciona uma visão bem mais detalhada. São vários ambientes e em alguns deles a gente pode até sentar e desfrutar do conforto das peças. O design brasileiro que você respeita nos representando no melhor estilo "o Brasil que eu quero"... É quando o dito popular se faz mais verdadeiro: Quem sai aos seus não degenera. Ou filho de peixe, peixinho é. Ou até mesmo: O fruto não cai muito longe da árvore. Bem, chega de enrolar. Era só pra avisar que ainda dá tempo. Ah! E as obras de Roberto, o pai, valem a pena. Uma delas, a minha preferida, se chama O Elogio da Cocaína. E o próprio Sergio, além de designer, era também ilustrador. Como comprova o auto-retrato intitulado Sergio do Roberto, uma das fotos que ilustra o post. Corre que o bagulho é sinistro...
Nas fotos, Sergio repousa sobre a sua famosa criação, o retrato do pai assinado por Portinari e o próprio auto-retrato.

sábado, 21 de julho de 2018

JE SUIS NANETTE

Nem só de machismo e piadas preconceituosas se alimenta o stand up comedy. Aliás, isso que se pratica por aqui com o nome de stand up nada mais é do que uma deturpação do estilo. Nós brasileiros adoramos nos apropriar de formatos de sucesso, esvaziando-lhes o conteúdo para depois preencher com toda sorte de bobagens... Mas vamos falar do que presta: Hannah Gadsby. Seu show Nanette, exibido no Netflix, lança uma luz sobre as brumas do mau gosto que insistem em turvar nossa visão. Quem caiu na besteira de cancelar o Netflix porque ele exibiu a série O Mecanismo não vai poder apreciar essa pérola do humor contemporâneo. Chamar de humor o que Hannah faz é redutor. É muito mais. Fora a sua competência para fazer rir, que é inquestionável, fora todo o seu conteúdo, que é de grande relevância, e fora também a sua construção dramatúrgica, que é impecável, o que mais me pega nessa comediante é a sua habilidade em conduzir o público - que está ávido por risadas - até a sua dor mais profunda. E, uma vez lá, exibir a ferida e chafurdar nela para então devolvê-lo ao conforto de teatro dizendo: É por isso que eu preciso deixar a comédia. Minha história precisa ser contada da maneira certa... Adoro comediantes que fazem isso. Que ousam reverter as expectativas da plateia, surpreender, sacudir, fazê-la pensar sobre o que a faz rir. Hannah Gadsby o faz com maestria. Ela diz que uma das suas maiores qualidades é a resiliência, a capacidade de vergar-se e não quebrar. E só quem sentiu na pele a dor do preconceito e da discriminação na infância e na adolescência é capaz de entendê-la completamente. Ela encerra dizendo que ninguém pode com uma mulher que foi destruída e se reconstruiu. E é isso mesmo: Precisamos todos nos reconstruir. Independente de gênero, orientação sexual ou classe social. Pois essa maneira cruel pela qual fomos construidos já está provado que não deu certo. O que temos aqui não nos serve mais... Não se engane pensando que possa ser chato. É extremamente divertido de se assistir. Mas, por favor, assistam com os olhos, os ouvidos e o coração bem abertos. E tem que assistir até o fim. Se não, não vale. Fica a dica.

domingo, 15 de julho de 2018

COISAS QUE VI E VIVI

Ontem à noite, ao entrar no metrô saindo de um show, fui surpreendido por um rapaz que, gentilmente, se levantou e me ofereceu o seu assento. Minha primeira reação foi agradecer e aceitar, pois estava realmente cansado, tinha caminhado bastante, subido escadas e atravessado ruas e passarelas depois de ter ficado um bom tempo sentado na plateia do teatro. Mas logo em seguida veio a reação inevitável: Uma pontinha de tristeza por constatar que o tempo passara implacável e eu - embora tão cheio de vida e ânimo para aproveitar tudo de bom que ela pode oferecer - finalmente, en-ve-lhe-ce-ra. Meus cabelos brancos eram a prova incontestável...
O fato é que a vida segue interessante. E eu, malgré o adiantado da idade, sigo interessado. Felizmente, vivo em uma cidade que constantemente oferece atrativos. De tédio, eu com certeza não morrerei na Pauliceia...
Tanto, que tenho deixado passar várias coisas bacanas que vejo, vivo, assisto, visito e constato, sem relatá-las aqui no blog. Numa tentativa de não permitir que a memória me falhe e no intuito de preservá-las para quem por ventura me leia, trato de relembrá-las aqui. Agora... Começo justamente pelo show a que me referi no início do texto. Uma belíssima homenagem aos cem anos de Dalva de Oliveira, concebida e dirigida por Thiago Marques Luiz. Reunindo nomes como Ângela Maria, Claudete Soares, Alaíde Costa, Cida Moreira, Maria Alcina e Virgínia Rosa, o espetáculo fez jus à importância de Dalva no cenário musical brasileiro. Arranjos sofisticados e um quarteto que reuniu piano, baixo acústico, bateria e sopros. E lançou juventude e frescor sobre as canções da homenageada nas vozes de Felipe Catto e Ayrton Montarroyos. Tipo histórico... No mesmo fim de semana pude conferir o espetáculo PI - Panorâmica Insana, da diretora Bia Lessa. Uma grata e bem vinda surpresa. Em um cenário/ambiente pós ecatombe - as ruínas do teatro em reforma - os excelentes atores se movimentam entre toneladas de roupas e trocam, em velocidade espantosa, de personagens. Destaco Rodrigo Pandolfo, que sempre é magistral sobre a cena, e Claudia Abreu, com sua incrível velocidade para acessar as emoções mais variadas. Some-se a trilha sonora perfeita (com direito a Benjamin Clementine) e tem-se um dos melhores espetáculos do ano... Voltando um pouco mais no tempo, coisa de um mês, ainda tenho a citar a exposição de Bill Violla no recém-reinaugurado Sesc da Avenida Paulista. Imensas e pequenas telas que projetam imagens em movimento. Fotografias que se movem ou videos parados. Inquietante, para dizer o mínimo... Nesse meio tempo teve também a dança teatro da Cia. 4 pra nada que, com o curioso título de (H3O)mens, coloca em cena três homens nus abordando todas as possibilidades do universo masculino. Esse merece post especial aqui no blog. Se eu me animar, mais adiante postarei. Mas vale muito a pena conferir. Se não ao vivo, pelo menos na gravação completa do espetáculo que está disponível no YouTube. Com direito a nudez total, essa questão ainda tão tabu e que tanta polêmica suscita em pleno século XXI...
Paro por hora. Mas prometo voltar logo e cheio de novidades. Vamos em frente aquecendo esse inverno rigoroso que ainda está na metade...
Nas fotos, os cantores dos cem anos de Dalva, a panorâmica de Claudia Abreu insana & de cuerpo entero, a imagem em movimento de Bill Viola e os três homens nus de (H3O)mens.

terça-feira, 10 de julho de 2018

CHOPIN PARA AQUECER

Nas noites frias e chuvosas do inverno de Porto Alegre há que se aquecer não apenas o corpo mas, também e sobretudo, a alma. Pois a minha foi lindamente aquecida nessa noite de segunda-feira. A Orquestra de Câmara do Teatro São Pedro convidou o pianista Nelson Freire para duas apresentações de um recital em homenagem à memória de Dona Eva Sopher. Quem venceu o frio e a chuva foi brindado com a belíssima execução do Concerto Número 2 para piano e orquestra, de Chopin. Eu já havia assistido a uma apresentação de Nelson Freire em duo com a pianista argentina Martha Argerich na Sala São Paulo, no ano de 2004. Lembro que eles apresentaram, em um repertório que ia de Brahms a Rachmaninoff, a inquietante La Valse, de Ravel. Agora, na fria noite dos pampas gelados de Gay Port City, acompanhado pela nossa brava Orquestra de Câmara, foi ainda melhor. Que bom que a cidade tem o seu teatro e que o teatro tem a sua orquestra. E que sorte de ambos terem tido a sua, a nossa, a eterna Dona Eva. Tenho certeza de que, muito mais do que no display que recebe o público na entrada, ela está presente em cada frisa do seu amado Teatro. O menino de Soledade, que um dia sonhou ser pianista, foi dormir embalado e aquecido pelas notas da melodia de Chopin. Minha irmã Raquél, que me convidou para a noitada, não poderia ter me dado presente melhor. Só contemplar o teatro lotado já foi extremamente reconfortante. É um alento constatar que não apenas musicais da Broadway e shows de youtubers enchem as salas. Me alegra muito ver o público lotando uma casa de espetáculos para assistir a uma apresentação de música clássica. Me aqueceu ainda mais do que a dose de uísque que tomei no bar do foyer...
Na foto, o pianista agradece os merecidos aplausos que o fizeram voltar várias vezes ao palco.

sexta-feira, 6 de julho de 2018

BALZAQUIANA ESTRAVAGANTE

A Cia. Stravaganza, da minha amiga Adriane Mottola, que já mereceu post aqui no blog, está completando trinta anos de existência. Eu disse trin-ta. O que, por si só, já não é pouca coisa. Mas ainda tem mais: Como parte das comemorações, está em cartaz às quintas-feiras no seu espaço próprio, o Studio Stravaganza, a peça Espalhem Minhas Cinzas na Eurodisney. O texto, do dramaturgo e diretor argentino Rodrigo García, tem direção de Adriane e apresenta o elenco da companhia em um interessante cenário/instalação no qual dão vida a uma espécie de jogral performático cheio de questionamentos e reflexões acerca da sociedade de consumo, seus hábitos, seus habitantes, suas contradições, seus enganos. Mas não se engane pensando que se trata de teatro cabeça. É vivo, crítico, tem humor, muita movimentação e experimentos cênicos. O espetáculo se mantém interessante do começo ao fim. Me lembrou o teatro vanguardista e performático do Grupo Balaio de Gatos, do qual Adriane foi integrante. O espaço físico onde acontece a peça também é bastante interessante, com um bar aconchegante onde o público pode beber enquanto espera o espetáculo começar. O que, no frio da noite de ontem, foi providencial: O vinho aqueceu corpos e corações para a celebração do fazer teatral. O que, aliás, a troupe vem fazendo com louvor nesses últimos trinta anos. Parabéns, Adriane. Parabéns a todos os estravagantes integrantes da companhia. E vida longa ao Teatro di Stravaganza!
Na foto, Adriane e seus pupilos celebram os trinta com corpinhos de vinte.

quarta-feira, 27 de junho de 2018

CONTO À BEIRA MAR

I
-Meu filho, será que você poderia me ajudar com essas sacolas? Preciso pegar aquele táxi que está parado do outro lado da rua.
Minha vizinha é uma senhora idosa que mora sozinha e perdeu recentemente a única companhia que tinha, seu cachorrinho. Ajudei-a de pronto e assim que o táxi partiu levando minha amiga fiquei pensando em como seria a minha vida quando eu estivesse com a idade dela e sem ninguém para cuidar de mim. No dia seguinte, seu filho bateu à minha porta. Ele estava angustiado e parecia escolher cada uma das palavras que pronunciava. Na verdade, ele queria saber se eu poderia acompanhar sua mãe numa viagem ao litoral. Ele havia reservado uma semana num hotel em Ilhabela, para que ela se distraísse e superasse a perda do cachorrinho. A primeira coisa que pensei, e isso durou um átimo de segundo, foi: Eu teria alguém que me quebrasse esse galho? Achei que tinha muito tempo antes de me preocupar com isso e, sem pensar muito, respondi que sim, que poderia. Depois que ele se foi fiquei com a sensação de que tinha tomado a decisão acertada. Pensei: Eu sou sozinho, ela também. Adoro a sua companhia. Quem sabe no futuro também terei um jovem que adore a minha? No fim da semana passei em seu apartamento para apanhá-la e partimos rumo ao litoral...
II
O lugar onde nos hospedamos era agradabilíssimo. Chamava - se Hotel Pelicano. Ficava a poucos passos da praia, era só atravessar a rua e já se estava com os pés na areia. Toda a fachada do prédio era composta de sacadas. Ficamos em um amplo apartamento, composto de uma sala grande com mesa de jantar, banheiro e dois quartos com sacada de frente para o mar. Além de apreciar a companhia da minha amiga eu ainda teria uma sacada de frente para o mar só para mim. Ah, e com direito a uma rede estendida nela. Todos os dias acordávamos cedo, fazíamos uma pequena caminhada à beira mar, tomávamos um pouco de sol e almoçávamos. Depois ela deitava e tirava uma soneca. Era quando eu aproveitava para escrever. À tardinha, após ela tomar seu banho, eu lia um pouco para ela, jantávamos e ela ia se deitar. Aí eu me entregava ao meu mundinho particular. Minha sacada se transformava em uma espécie de cápsula, isolada do mundo externo, onde eu vivia a minha vida. Lia, escrevia, bebia, ouvia música nos fones de ouvido, tirava fotografias do mar, dos passantes, enfim, dava asas à minha imaginação...
III
Pois na última noite antes de voltarmos para casa eu havia bebido um pouco a mais e, como não conseguisse ler nem escrever, fiquei sentado numa das cadeiras apreciando as marolas que o vento fazia na água do mar. Percebi então que algo estranho acontecia sob a superfície das águas. Era como se uma luz tivesse sido acesa e se movimentasse lentamente dentro do mar. Foi quando aconteceu:
IV
Um ser iluminado saiu do fundo do mar. Emergiu reluzindo sua luz furta-cor. Primeiro a cabeça, depois o pescoço - que era longo - o tronco e os membros. Era um pouco maior do que um ser humano normal. Assim como andou sobre as águas desde o ponto onde aparecera até a areia da praia, andou também pelo ar numa diagonal ascendente em direção à minha sacada. Quando dei por mim ele já estava sentado ao meu lado. Sua luz, agora mais tênue, marcava presença sem ofuscar. Uma espécie de luminária de canto, uma luz indireta. Um abajur. Às vezes lilás... Fiquei me perguntando o que aquela criatura iridescente estaria fazendo ali, ao meu lado, iluminando minha sacada com sua doce luz colorida. Teria sido eu escolhido? E, caso tivesse sido, para quê? Ou seria ele uma cyber morte que veio, envolta em luz de led, buscar minha vizinha que jazia, digo dormia, no quarto ao lado? Fiquei nessas indagações até que adormeci sem me dar conta. Acordei quando o primeiro raio de sol apontou na direção do meu rosto. Olhei imediatamente para a cadeira ao lado. Ele não estava mais ali. Mas eu ainda era capaz de sentir sua presença iluminada, sua energia pulsando ao meu lado, espalhando tranquilidade. Como ainda sou capaz de sentir até hoje...

quinta-feira, 14 de junho de 2018

CONTO POSTAL

Meu caro amigo,
Não sei quem você é nem onde está. Não sei ao menos se você existe de fato. Mas de repente senti uma vontade incontrolável de escrever uma carta para um amigo distante. E resolvi fazê-lo aqui, via internet. Como quem joga ao mar uma garrafa com uma mensagem, na esperança de que ela vá dar a alguma praia e que alguém a encontre e a leia... Por aqui tudo bem. Sem grandes novidades. Tenho levado uma vida tranquila e agradável, malgrado as turbulências que sacodem o mundo lá fora. Fora da minha casa, eu quero dizer. Mais especificamente, da minha vida. Desenvolvi uma espécie de blindagem que me permite seguir existindo em meio ao caos em que tudo parece estar imerso. Dito assim pode soar egoísta. E digamos que seja um pouco, mesmo. Mas o que é um pequeno ato de egoísmo frente à crueldade humana? A falta de escrúpulos, a intolerância, a ganância e a exploração do próximo? Sim, sigo levando a minha vida em paz. Espero que o mesmo ocorra com você. Onde quer que você esteja...
Às vezes, para passar o tempo quando já estou cansado de ler ou de escrever, assisto a programas de variedades na televisão. Dia desses, enquanto trocava de canal, vi uma garota super alternativa, descolada, vegana, sustentável e outras mumunhas mais, que ensinava, em um canal de tv a cabo, como fazer um mojito "super diferente". Você acredita que não havia nenhum ingrediente do mojito na receita que ela mostrou? Se você não sabe, o que eu duvido muito, pois imagino que você viva fora do país e viaje bastante, mojito é um drink feito com rum, hortelã, limão, açúcar e água com gás. No lugar do rum, a garota colocou cachaça. No lugar da hortelã, poejo. O limão foi substituído por laranja. Não colocou açúcar e acrescentou chá de hibisco. Ou seja: Nossa jovem apresentadora & bartender não colocou nenhum ingrediente da receita original. Ah! Já esquecia: Água com gás ela colocou. Mas água com gás está longe de ser o ingrediente definidor de um mojito, você há de concordar. Então fiquei me perguntando: Já que a pessoa é tão criativa, por que raios não inventa um nome novo para o seu incrível drink? Posto que mojito, inequivocamente, não é...
Não sei porque senti vontade de escrever isso aqui na carta. Mas imagino que esteja tentando, mesmo que inconscientemente e de maneira indireta, dar a você uma espécie de trailer do que ando vendo e vivendo. Se é que você existe e, supondo que exista, esteja interessado... Espero que esteja tudo bem com você. Ou eu deveria dizer vocês? Será que você encontrou alguém com quem dividir a sua interessante vida internacional? Se isso de fato ocorreu saiba que fico muito feliz por você. Ou melhor, por vocês. Pois mesmo não conhecendo a pessoa pela qual você se apaixonou e com a qual decidiu dividir a sua vida, sinto que gosto dela só de saber que o faz feliz. No mais, sigo tentando aprender a tocar piano. Ou melhor, eu sei tocar piano. O que quiz dizer é que sigo tentando me transformar em um pianista. O duro é que cada vez tenho menos tempo para isso. A vida está passando a cada dia mais depressa. E o fim parece estar cada dia mais próximo...
Desculpe se não consegui escrever uma carta bela e inspiradora, cheia de boas notícias e grandes novidades. Mas, pelo que me lembro do tempo em que escrevia cartas, era mais ou menos assim que funcionava: A gente dizia como estava, dava um panorama geral do presente, contava algumas coisas banais, uma novidade se tivesse, perguntava como o interlocutor estava, desejava coisas boas para ele e sua família e se despedia esperando resposta. Acho que cumpri meu objetivo. Ah! Já ia esquecendo: Minha gata pariu uma ninhada de seis gatinhos e resolvi ficar com todos. Pelo menos a casa vai ficar cheia e mais animada... Bem, paro por aqui. Fique bem, fiquem bem. Espero que recebam essa carta. E, se possível, que a respondam. Um grande beijo e um grande abraço,
Do seu amigo distante.
PS - A Marieta manda um beijo para os seus. Um beijo na família, na Cecilia, nas crianças. O Francis aproveita pra também mandar lembranças a todo o pessoal. Adeus...

quinta-feira, 7 de junho de 2018

ALUCINAÇÕES PARCIAIS

Tive de ir ao posto da Polícia Federal que fica no Shopping Eldorado para renovar meu passaporte. Ou melhor, para fazer meu passaporte pois, segundo a própria Polícia Federal, passaporte não se renova. Aproveitando que estava perto, resolvi ir andando até o Instituto Tomie Ohtake para visitar a exposição Alucinações Parciais. Essa interessante mostra, feita em parceria com o Centre Pompidou de Paris, reúne obras de pintores modernistas europeus e brasileiros da primeira metade do século vinte. Dez artistas europeus e dez brasileiros, mais especificamente. A sala tem formato de arena, de modo que se pode admirar todas as obras ao mesmo tempo, se este for o desejo do visitante. Lembra bastante a sala oval do Musée de l'Orangerie, onde estão expostas as famosas Ninphéas, de Claude Monet, em Paris. Elas aparecem no filme Meia Noite em Paris, de Woody Allen. Alguém se lembra? Aqui na nossa arena estão dispostos de Henri Matisse a Fernand Léger, de Anita Malfatti a Maria Martins. Claro que tudo isso só fez aumentar ainda mais a minha abstinência de Paris. Lá se vão já três anos que não a visito. E as obras que vieram de lá me fizeram sentir ainda mais saudade da cidade como um todo e do Centre Pompidou especificamente. Ou Beaubourg, como é carinhosamente chamado. Eu adoro ir ao Beaubourg. Sempre que estou em Paris vou várias vezes visitá-lo. Não apenas o centro cultural em si, mas os seus arredores cheios de bistrôs, bares, cafés, lojas e ruazinhas cheias de charme... Nosso Instituto Tomie Ohtake não deixa de ser um pouco parecido, posto que como lá reúne exposições, teatro, café, restaurante, livraria e toda sorte de atividades culturais. Fiquei bastante feliz com a minha visita a esta exposição. Revi obras que adoro e pude apreciar outras tantas pela primeira vez. Amei de paixão O Atirador de Arco, de Vicente do Rego Monteiro, que não conhecia. Revi emocionado o Arlequim, de Picasso. Tarsila do Amaral está presente com A Feira e é sempre bom revê-la. Em uma vitrine estão expostos documentos, livros, cartas, programas de exposições e fotografias. Foi lá que encontrei e não resisti fotografar: Uma foto de Salvador Dali com Coco Chanel feita na famosa maison da estilista na Rue Cambon... Há também uma edição do Manifesto Antropófago, segundo o qual " só a antropofagia nos une. Socialmente. Economicamente. Filosoficamente". Isso fica bastante claro quando se observa essa exposição. Até porque Tarsila do Amaral, uma das artistas brasileiras da mostra, foi aluna de Fernand Léger, mestre francês que também faz parte dessas Alucinações Parciais. Fecha-se o ciclo. E, para encerrar citando nossos modernistas antropófagos: Tupy or not tupy, that is the question.
A exposição encerra no próximo domingo. Corre lá que ainda dá tempo. E é grátis!
Nas fotos, Mademoiselle Chanel e Monsieur Dali batem aquele papinho cult e a impactante simetria do Atirador de Arco, de Vicente do Rego Monteiro.

quarta-feira, 6 de junho de 2018

BALADA MATINAL

Tenho acordado cada dia mais cedo. Dormido mais cedo. Bebido menos. Saído menos à noite. A chegada dos dias mais frios me anima muito e pelas nove da manhã já estou em plena academia começando meu treino diário. Tudo nessa época do ano me anima e me inspira. Só um pequeno detalhe (nem tão pequeno assim, como verão) atrapalha essa harmonia outonal: A trilha sonora da academia. Além da música ser ruim, ela está sempre em alto volume. Nada me irrita mais de manhã cedo do que música de balada. Aliás, poucas coisas me irritam mais do que música de balada seja a hora que for. Quem foi que inventou que esse tipo de música anima as pessoas para treinar? E quando, além da música ambiente que domina a academia inteira, toca ao mesmo tempo a música da sala onde as pessoas fazem aulas de danças tão bizarras que nem saberia nominar? Fica uma miscelânea sonora insuportável que, pela cara das pessoas, parece só a mim incomodar... Já cansei de pedir, reclamar, sugerir em pesquisas sobre a academia: Pelo menos durante a manhã seria mais agradável ouvir um jazz, uma bossa, uma mpb que fosse. Nada. Nunca teve o menor efeito em nenhuma das academias que já frequentei. Eu devo ser uma pessoa muito esquisita... Falando em academia, a última que me aconteceu por lá essa semana foi um rapaz que se aproximou de mim e perguntou: Posso revezar com o senhor? Respirei fundo e assenti. Depois fiquei pensando: Ele tem razão. Eu devo ser mesmo esse estranho senhor que não suporta música de balada pela manhã. Aliás, em horário algum...
Na foto, o estranho senhor Roberto faz pose em frente ao espelho da academia.

quarta-feira, 23 de maio de 2018

VIRADA DO BEM

Não estou dando conta de escrever aqui sobre todas as coisas que estou vendo, vivendo, assistindo, curtindo. Minha sede de escrita anda um pouco arrefecida. Mas pelo menos de quatro coisas a que assisti nessa Virada Cultural preciso falar. Começo com Vertebral, o espetáculo de dança aérea vertical do Grupo Ares, com coreografias do Weidy: Do alto do prédio da Praça das Artes, eles abriram a virada, no fim de tarde frio que coloria de luzes o Vale do Anhangabaú junto com brinquedos de um Parque de Diversões e vários palcos com shows diferentes. Pura emoção com vista incrível da Pauliceia... Depois veio o show de Fafá de Belém: No domingo, logo cedo pela manhã, em plena Avenida São João, ela apresentou as canções do álbum Água, que vem a ser o meu preferido da cantora. Nesse disco Fafá faz um passeio pelo Brasil, apresentando compositores das diversas regiões do país, a minha inclusive, o sul. É de lá que ela traz a belíssima Cordas de Espinho, de Marco Aurélio Vasconcellos e Luiz Coronel. Foi com muita emoção que desfrutei desse show, com a diva Fafá refazendo ao vivo e em cores as músicas que embalaram minha adolescência. Alguma coisa aconteceu no meu coração na Avenida São João... Saindo dali fui direto para a Biblioteca Mario de Andrade para ver Regina Duarte lendo Caio Fernando Abreu. Outro deleite! Outra diva da minha infância e adolescência. Regina escolheu três contos muito porrada de Caio: Terça-feira Gorda, A Dama da Noite e Uma História de Borboletas. Adoro Regina Duarte, de quem sou fã explícito de carteirinha. E simplesmente AMO quando ela faz questão de mostrar outros lados, diferentes e opostos aos que a televisão mostra. Ela já ganha a plateia logo de saída quando, ainda antes de começar a leitura, pede desculpas pela falta de memória causada pela idade e pelo Rivotril... Adorável. E em plena manhã dominical ela nos brinda com o melhor de Caio outsider, suas feridas, dores profundas, marginalidades e solidões. Nunca mais vou esquecer da sua carinha de safada perguntando, ao ler a Dama da Noite: Você já deu o rabo, boy? Maravilhosa... E, para fechar o domingo, muitas risadas com Lindsay Paulino e sua impagável Rose, a Doméstica do Brasil, em cartaz no mesmo Teatro Itália onde venho me apresentando com o Arquivo Terça Insana. Esse rapaz é uma explosão de talento. Sua Rose é adorável, viva, humana, sofrida e irresistivelmente divertida. Entretenimento da melhor qualidade, a peça é imperdível. Escrita pelo próprio ator, que revela nesse trabalho sua veia dramatúrgica além do talento para a atuação, o canto e a dança. Uma carreira a ser acompanhada por todos... Paro por aqui. Agradecido por todos esses talentos que iluminaram meu fim de semana...
Nas fotos, a dança vertical do Grupo Ares, Fafá divando na São João, Regina lendo Caio e Lindsay recebendo merecidos aplausos.

sábado, 19 de maio de 2018

CORES DO MUNDO

Acordei cedo para assistir à transmissão do casamento real pela televisão. E posso dizer: Valeu a pena. Dois dias depois do Dia Mundial de Combate à Homofobia, a cerimônia serviu como um sinal de alerta aos que insistem em se manter de olhos fechados às mudanças pelas quais o mundo está passando. Ou melhor, já passou. As novas cores do mundo, como bem disse a apresentadora Astrid Fontenelle. Representatividade deu o tom do evento. Para quem ainda não entendeu, a ordem do dia é agregar, reunir, ter compaixão, amar, compreender, aceitar. Não cabe mais discriminar, matar, odiar, proibir, excluir. O mundo é vasto. O ser humano, múltiplo: O discurso do reverendo; o coral gospel cantando Stand by Me; o solo de violoncelo; Sir Elton John and his husband; a mãe da noiva emocionada; a noiva em si, plebeia, atriz, divorciada, feminista e negra... Regina Casé postou no instagram: Só eu estou achando o casamento tipo Esquenta? E parecia mesmo. Até pela participação dos blogueiros no youtube, lançando pérolas como o já incorporado bordão "bom dia Brasil, boa tarde Itália", de Bambola Star... O dia ensolarado parecia ter sido especialmente encomendado. Tomei o café da manhã em frente à tevê. Feliz. Só não me animei a tomar um gim, claro, devido ao antecipado da hora... Long live the bride!
Nas fotos, a apresentadora Astrid Fontenelle com a máscara da noiva, o violoncelista e o casal John.

terça-feira, 8 de maio de 2018

BIBI EM MUSICAL

Nessa recente onda de espetáculos musicais que assola o país nem tudo é truque ou apenas mais do mesmo. Vez por outra um belo espetáculo se destaca. Ou pela beleza, ou pela originalidade do tema, ou pela riqueza da produção de cenários e figurinos ou, até mesmo, pela simplicidade. É o caso de Bibi, Uma Vida em Musical, que acaba de estrear aqui em São Paulo, no Teatro Bradesco, depois de ter cumprido temporada no Rio de Janeiro. O espetáculo narra a trajetória da nossa grande dama do teatro, Bibi Ferreira, desde a infância até a atualidade. Longo, com quase três horas de duração, em nenhum momento se torna chato ou cansativo. É daqueles espetáculos que a gente acompanha a tudo com interesse e com muita, mas muita satisfação. Indo, naturalmente, do riso às lágrimas, que é como a gente gosta... A produção é relativamente simples, se comparada às made in Broadway. Mas vem envolta em muito talento e competência. O texto de Artur Xexéo e Luanna Guimarães é interessante, divertido, emocionante e bem menos didático do que o que ele escreveu para Hebe, o Musical. A direção de Tadeu Aguiar é limpa, clara, minuciosa e precisa. Como já afirmei, há muito talento envolvido. Mas o grande destaque, a cereja do bolo, é a interpretação de Amanda Acosta, que constrói uma Bibi Ferreira para muito além do estereótipo, viva, pulsante, intensa, arrebatadora. Me faltam adjetivos para definir o trabalho dessa jovem atriz e cantora, que é da mais pura excelência. Dá vontade de levar sua Bibi para casa... Tive o privilégio de assistir a essa inesquecível performance em uma noite especial, uma avant-première para convidados, a maioria artistas de teatro. E todos tivemos a sensação de ver nossas vidas ali representadas, como falou Amanda em seu discurso de agradecimento. Um dos melhores personagens da peça, Procópio Ferreira, o pai de Bibi, diz a certa altura da história: Um teatro vazio é muito triste. Dá a impressão de que a vida foi ontem... Lindo. Triste. E muito verdadeiro. Tenho certeza de que todos que ali estavam, assim como eu, já experimentaram a tristeza de um teatro vazio assim como a extrema felicidade de seu oposto, com a plateia lotada... Eu, que assisti à própria Bibi vivendo Joana em Gota d'Água e Piaf no musical de mesmo nome, fiquei bastante emocionado. Amanda, a atriz, desaparece completamente dando lugar a uma Bibi real e grandiosa. O que faz dessa jovem artista uma estrela de primeira grandeza. Sua voz enche o teatro e transborda a alma... Hoje, um dia após ter vivido essa comovente experiência, escrevo com a sensação de que a vida foi de fato ontem. Durante aquelas quase três horas que durou o espetáculo. Todos os envolvidos estão de parabéns. E é absolutamente necessário que se assista...
Na foto, Amanda Acosta como Bibi num dos números de que mais gostei: O teatro de revista.