domingo, 27 de agosto de 2017

ORAÇÃO AO TEMPO

Outro dia fui assistir ao espetáculo de uma amiga e, depois de encerrada a função, ficamos conversando no saguão enquanto os demais integrantes iam saindo do teatro e ela me apresentava aos que eu ainda não conhecia. Lá pelas tantas chegou um jovem técnico de luz ou de som que integrava a montagem e, ao saber que eu fizera parte do elenco da Terça Insana, exclamou: Cara, eu ri muito com você quando era moleque! Puxa, pensei, mas foi ontem... Então me dei conta de que a gente vai vivendo a vida, um dia depois do outro, fazendo coisas diferentes aqui e ali, ora feliz, ora triste, alternando momentos de euforia e melancolia, e nem percebe que o tempo está passando, implacável. Até que, numa ocasião como essa, somos atropelados pela sua inexorável passagem. E súbito entendi: Uma coisa que para mim acontecera recentemente, já havia se transformado numa espécie de Sítio do Pica-pau Amarelo para a geração dele. Um Castelo Rá-tim-bum. Uma Vila Sésamo... A noite seguiu, dali fomos para um restaurante e os papos versaram sobre os mais diferentes assuntos. Mas aquilo ficou na minha cabeça, martelando. Até que, lá pelo fim da noitada, já quase chegando em casa, tomei fôlego e fiz uma oração ao tempo: "Agora que já passei dos cinquenta anos, tempo amigo, será que você poderia fazer a gentileza de passar um pouco mais devagar? Quando eu era jovem lembro de lhe pedir tanto para que você passasse depressa! Conceda-me agora o prazer de poder fruir a sua passagem num ritmo mais adequado ao pouco que me resta de você... Obrigado. De nada. Amém. E que assim seja". Adormeci ao som de Caetano Veloso: És um senhor tão bonito quanto a cara do meu filho. Tempo, tempo, tempo, tempo...
Na foto, o gigantesco relógio do Musée d'Orsay, em Paris, marca a passagem do tempo através dos séculos.

sábado, 26 de agosto de 2017

POEMA ENCENADO

Primeiramente pensei dar a esse post o título de POEMA DANÇADO. Mas em seguida achei que seria redutor. Cão Sem Plumas, a mais recente criação da Companhia de Dança Deborah Colker, não é apenas dança. É teatro. Assim como Deborah não é apenas coreógrafa. É encenadora. Isso sem falar que, de lambuja, ainda nos traz um belíssimo filme de Claudio Assis. O resultado é espetacular. No sentido de espetáculo mesmo. Enche os olhos. Poesia pura sobre a cena. Teatro de imagens. A sensação que se tem é de que a plateia nem respira enquanto assiste à impressionante sucessão de imagens, ora duras e secas, ora belas de tirar o fôlego. Engraçado como a beleza pode surgir de onde menos se espera. Como o lírio que brota no lodo. Como o lodo que seca no corpo dos bailarinos e explode em pó sob a precisa e preciosa iluminação. Aliás, eles também não são apenas bailarinos. São atores, intérpretes sensíveis e plasmáveis que se transformam ora em grotescos caranguejos, ora em esguias garças. A bela e impactante trilha sonora conduz o espectador nessa interessante fusão de imagens projetadas com dança ao vivo. Como se os bailarinos entrassem nas imagens da tela para delas sair em seguida. O poema de João Cabral de Melo Neto, que inspirou a criação, está todo lá. Sem plumas, é certo. Mas carregado de emoção, plasticidade, lirismo e poesia. Fico até meio sem palavras para descrever o impacto visual e emocional que o espetáculo provoca. É ver para crer. Imperdível.

sexta-feira, 25 de agosto de 2017

RETRÔ

Dia desses estava ouvindo um disco de Elis Regina dos anos sessenta e chegou um amigo bem mais jovem, de vinte e poucos anos. Ao perceber a música que embalava o ambiente, o juvenil mancebo perguntou: É o novo CD da Maria Rita? Não, respondi. Não é novo e não é da Maria Rita. E fiquei pensando... Porque tudo o que foi feito nos anos sessenta parece extremamente moderno aos olhos e ouvidos atuais? Vide Os Mutantes, Brigitte Bardot, Serge Gainsbourg. Dá a impressão que a estética evolui em ciclos que, de tempos em tempos, se repetem. O que bombou artística ou esteticamente em uma década volta a acontecer algumas décadas depois. Só pode ser isso, refleti com meus botões enquanto passava um café para o jeune garçon visitante. Depois, dando uma olhada geral na casa, percebi que a minha estética é ligeiramente voltada para o passado. E que eu, por conseguinte, sou uma pessoa retrô. Livros, discos, vídeos. Quadros, retratos, eletrodomésticos. Móveis, objetos, utensílios. Um museu de grandes novidades, para citar Cazuza. O anti-aplicativo... A essa altura a TV já estava ligada no cômodo ao lado e Karol Conka cantava: Multitelar, multitelei... Fiquei lembrando dos meus amigos Les Étoilles, que abalaram Paris nos setenta, dos Dzi Croquettes, dos Secos & Molhados, da Rita Lee, de Bowie, do Asdrúbal Trouxe o Trombone, de Ciranda Cirandinha... Quando dei por mim já estava folheando um dos quinze volumes da coleção O Mundo da Criança, o Google da minha infância. E, antes que eu procurasse caneta e papel para escrever uma carta (antigo meio de comunicação pré-internet), decidi pegar o iPad e digitar esse post...
Na foto, eu em momento retrô inspirado pelo post.

domingo, 20 de agosto de 2017

PLENO AGOSTO

Tanto se fala do mês de agosto! Mal, em geral. Eu não tenho nada contra esse que, para mim, é um mês igual a todos os outros. E o agosto desse ano de 2017 está sendo especialmente bacana. Primeiro porque retomei minhas apresentações na Terça Insana. Estou, portanto, de volta à estrada. O que reúne duas das coisas que mais gosto de fazer na vida: Viajar e fazer teatro. E, como agora o ritmo de viagens é bem menos intenso do que nos áureos tempos, sobra espaço para todas as outras atividades... Segundo porque retomei também a minha rotina diária de exercícios físicos, agora praticados não mais no chiquérrimo Renaissance Spa & Fitness, mas na simpática & popular Smart Fit da Rua Augusta. Entrei o mês de agosto firmemente empenhado em recuperar a forma perdida e, além do treino diário, estou cuidando da alimentação e bebendo beeem menos do que andava bebendo nos últimos tempos. Drinks agora só no fim de semana. E moderadamente... Tenho também assistido a muitas coisas legais. Uma delas foi a estreia da peça A Visita da Velha Senhora, de Friederich Dürrenmatt, no Teatro Popular do Sesi, protagonizada por Denise Fraga em atuação notável e digna de prêmio. A competente direção é assinada por Luiz Villaça, marido da atriz. E o grande elenco que a acompanha faz jus a essa montagem inspirada e inspiradora, para dizer o mínimo... Teve também O Filme da Minha Vida, de Selton Mello, que mereceu post especial aqui no blog. E uma grata surpresa: O filme Corpo Elétrico, de Marcelo Caetano, que aborda o dia a dia de pessoas comuns que, entre outras coisas, são gays ou não. Trabalho, sexo, relações afetivas e de amizade são mostrados como são. E não da maneira geralmente edulcorada pelas produções cinematográficas. O protagonista Elias é vivido pelo jovem ator Kelner Macedo, outra grata surpresa revelada pela película. Sua interpretação carismática e natural conduz o espectador com interesse e curiosidade durante todo o filme... Ah! Já ia esquecendo: Vi também a peça Whisky e Hambúrguer, escrita e dirigida por Mario Bortolotto, que divide a cena com Patrícia Vilela. O texto é bom, Patrícia é excelente atriz e mais não digo... Para finalizar, hoje, nesse domingo frio & chuvoso, assisti em casa mesmo, em DVD, ao interessantíssimo documentário Gatos, que acompanha a fascinante vida dos gatos de rua da cidade de Stambul. Qualquer pessoa apaixonada por gatos como eu fica enlouquecida assistindo. Mas desconfio que mesmo os que não gostam desses adoráveis animais serão facilmente fisgados... E vamos em frente, que ainda tem muito agosto para ser vivido!
Nas fotos, Denise Fraga e Tuca Andrada em cena de A Visita da Velha Senhora, Kelner Macedo em Corpo Elétrico e Patrícia e Mario em Whisky & Hambúrguer.

segunda-feira, 14 de agosto de 2017

A VIDA QUE SE LEVA


Se é verdade o que dizem, que o que se leva dessa vida é a vida que se leva, humildemente confesso que vou, sim, levar muita coisa. Eu não sou propriamente o que se pode chamar de uma pessoa empreendedora, que constrói muitas coisas em termos de projetos profissionais. Mas, em matéria de viver a vida, modéstia à parte, sou expert. E não é querer me exibir: Eu vivo bem a vida, mas é nas coisas mais simples. Um mero domingo de sol, em casa mesmo, consigo do nada transformar em um momento inesquecível. Principalmente se o céu está azul, o sol se reflete multiplicado por vários na água da piscina e eu observo da sacada enquanto sorvo goles de vinho branco ouvindo Serge Gainsbourg. Como está sendo agora... Eis o que importa: A vida ser inesquecível e, consequentemente, a gente ser inesquecível também. Por isso é que acho que mesmo não deixando grandes obras, realizações concretas, vou levar muita coisa dessa vida. E, por tabela, deixar. Deixar principalmente a lembrança de alguém que soube viver bem... Dia desses me foi solicitado escrever um parágrafo sobre mim mesmo, para a divulgação de um trabalho do qual iria fazer parte. Fiquei matutando sozinho: O que dizer, em apenas um parágrafo, que me descrevesse e desse uma visão geral da minha trajetória profissional? Me lancei nessa tarefa hercúlea e, após selecionar o que me pareceu mais digno de constar nesse parágrafo revelador, fiquei achando que não havia feito nada de importante na vida. Então era essa a minha trajetória? Com mais de cinquenta anos de idade e mais de trinta de profissão era isso o que eu tinha para apresentar? Isso era tudo? Sim, era tudo. E sabe o que mais? Era extremamente importante. Para mim. Tudo foi feito com amor. Por inteiro. De coração aberto. E com a consciência tranquila. Quer legado mais importante do que esse? E, para terminar citando Gonzaguinha, começaria tudo outra vez...

quinta-feira, 10 de agosto de 2017

POESIA BEM VINDA

Ah, como tudo anda sem graça ultimamente. Ah, como a vida tá difícil pra todo mundo. Ah, como o Brasil está em crise. Ah, como está seco e poluído o ar de São Paulo neste mês de agosto... Pois uma lufada de ar fresco acaba de ser lançada: O Filme da Minha Vida, de Selton Mello. Dizem que rir é o melhor remédio em tempos difíceis e eu, como comediante, não posso deixar de concordar. Mas se rir é o melhor remédio, a poesia é a salvação. O terceiro longa de Selton Mello é poesia pura. Há algo de Fellini que permeia o filme do início ao fim. Altas doses de lirismo que tiram a gente da vidinha mais ou menos que andamos levando. O filme foi rodado no sul do país, mas poderia ter sido em qualquer lugar do mundo. Não há fronteiras quando se trata da imaginação. O colorido meio sépia da fotografia remete à memória de tempos passados. As descobertas do amor e da sexualidade. O cinema como possibilidade de expansão do reduzido universo da cidade pequena. A trilha sonora maravilhosa, que embala grande parte das cenas. A paisagem de encher os olhos. A participação de Rolando Boldrin. A comovente interpretação do protagonista Johnny Massaro... Há muito a ser visto e apreciado nessa obra de rara beleza do cinema nacional. Inspirado é o mínimo que se pode dizer desse momento da carreira de Selton Mello. Pode não ser o filme da minha vida ou da sua. Mas que vale a pena, ah como vale! Saí do cinema e o entardecer na Avenida Paulista tinha tons que eu ainda não havia percebido...
Na foto Tony, o personagem de Johnny Massaro, na deslumbrante paisagem sulista.