domingo, 28 de fevereiro de 2021

RETRATOS

Porto Alegre é uma cidade que sempre surpreende. Vivi toda a minha juventude lá e posso testemunhar a efervescência artística e cultural que naturalmente exala de seus habitantes. Agora, por exemplo, no período sombrio que estamos vivendo, privados dos encontros, dos abraços, do tête-à-tête, a Capital Gaúcha nos apresenta Retratos, a mostra fotográfica de Gilberto Perin. Inusitadamente instalada nas escadarias do Viaduto Otávio Rocha, na Rua Borges de Medeiros, a exposição pode ser apreciada gratuitamente, vinte e quatro horas por dia. Retratos marca a inauguração da galeria a céu aberto Escadaria. A solução perfeita para quando se tem de evitar aglomerações. Você está andando pela rua e de repente encontra olhares que te levam para outras direções. Os fotografados estão lá, sem máscaras, e isso vem a ser uma espécie de bálsamo em meio a uma pandemia. Foi mais ou menos o que sentiu Perin ao se debruçar sobre seu acervo. Nas palavras dele, “reencontrar rostos sem máscaras foi um pequeno oásis nesses tempos difíceis”. É realmente uma grande ideia. Arte na rua, ao alcance de todos a qualquer hora. Mais ou menos como os grafittis aqui em São Paulo. Janelas que se abrem no cotidiano. Respiros, inspirações. Facilitadores em momentos de dificuldade ou mesmo de tédio. Tenho muito orgulho de ser um dos fotografados que a exposição traz. Primeiro, porque além de amigo eu também sou fã de Perin. Segundo, porque estou junto a colegas de profissão que admiro muito como Suzana Saldanha e João Carlos Castanha, para citar alguns. Sem falar no próprio Perin, em inspirado autorretrato. Se você estiver em Porto Alegre, vista sua máscara e dê uma passada por lá. O viaduto por si só já é lindo e altamente inspirador. Imagine com o belíssimo trabalho de Gilberto Perin exposto. E se não estiver por lá, se joga na internet que a exposição já está bombando e é só o que se fala. Adoraria ter coragem de pegar um avião para ver essa lindeza de perto. Mas, por enquanto, vou curtindo daqui mesmo, de dentro de casa, pelas fotografias. A mostra Retratos fica na Galeria Escadaria de 01 a 31 de março, ao ar livre, vinte e quatro horas por dia, chova ou faça sol. Nas fotos, Perin em si autorretratado e euzin, pela lente do próprio.

quinta-feira, 25 de fevereiro de 2021

PASSADO PRESENTE

Chuva forte que cai lavando o dia e fazendo a alegria das plantas. Sozinho em casa, paro para observar o vento deitando os galhos, a água cobrindo tudo, as nuvens negras assombrando o céu de verão. O pensamento vai longe... Vejo uma enxurrada correndo no meio-fio em frente à casa da minha infância em Soledade. Minha irmã e eu fazendo barquinhos de papel para jogar ao sabor das águas... Minha amiga Ilana Kaplan anda remexendo guardados e tem postado fotos de relíquias do nosso passado em Porto Alegre. Hoje mesmo postou uma colagem que fiz para ela pelo seu aniversário, no ano de 1992. Eu, que sou o rei dos guardados, fiquei surpreso por não me lembrar que havia feito tal presente. Claro, os meus guardados eu vivo remexendo, estou sempre em contato com eles, por isso estão vivos na minha memória. Mas os dos outros não tenho mesmo como lembrar. Fiquei pensando em quanta coisa minha deve haver guardada por aí, na casa dos amigos, dos familiares. Ainda mais porque no passado tudo era físico, analógico, ao contrário de agora que tudo é digital. A gente mandava muita carta, cartão postal, fazia colagens, gravava fitas K7, verdadeiros dossiês. Coincidentemente, meu amigo Eduardo Serrano me disse essa semana que tem postais que mandei para ele quando morava em Paris. Fiquei curiosíssimo. Quando leio coisas que escrevi para alguém no passado sempre sinto uma certa vergonhazinha rsrsrs... Uma vez Gil Veloso me enviou uma foto de um postal que mandei para Caio Fernando Abreu - também de quando morava em Paris - que foi quando Caio e eu nos conhecemos. A imagem era uma foto de Pierre et Gilles, de um garoto nu em um mar de purpurina e bolhas de sabão. Gil ficou com vários objetos pessoais de Caio e queria confirmar se o Roberto remetente era eu. E era... Hoje, coincidentemente também, meu amigo Marcos Breda postou uma foto com Caio, pois está fazendo 25 anos que ele nos deixou. Lembranças cruzadas... Quando o presente está entre parênteses como agora, à espera do fim da pandemia, à espera, enfim, do fim de muitas coisas ruins pelas quais estamos passando no Brasil e no mundo, é meio inevitável que o passado fique vindo nos visitar. Principalmente a mim, um saudosista, passadista & acumulador inveterado. E tudo passa, tudo passará. E nada fica, nada ficará, como cantava Nelson Ned, outra lembrança do passado. A chuva acalmou, o céu clareou, as águas correram levando as lembranças consigo. Melhor, as nuvens correram levando as lembranças consigo. Fica mais atual, lembranças guardadas em nuvens... Acho que vou arrumar umas gavetas! Nas fotos, o céu plúmbeo de agora, minha colagem para Ilana e reprodução do postal que mandei para Caio.

terça-feira, 16 de fevereiro de 2021

FEVEREIRO FIT

Fevereiro chegou ainda pandêmico, já com vacinas e sem carnaval. Avesso à folia que vinha sendo nos últimos anos, me contentei com a ausência de blocos atravancando as ruas de São Paulo. Que alívio não ter de contemplar aquelas horrendas sainhas de tule desfilando meladas de glitter pela cidade... Sigo no meu isolamento. A tevê me traz imagens aterradoras como sendo a coisa mais normal. Ao ver as aglomerações no fevereiro com vírus e sem folia penso ter finalmente entendido o que Dalva de Oliveira queria dizer ao cantar quanto riso, ó quanta alegria, mais de mil palhaços no salão... Praias seguem lotadas, festas bombam ainda que clandestinamente, voos transportam variantes de um lado a outro do planeta. Coisas boas também devem estar acontecendo nesse fevereiro atípico. (Típico virou chamar as coisas de atípicas). Crianças estão nascendo. Outras, sendo concebidas. Curas estão sendo pesquisadas e encontradas. Maria Bethânia fez uma live! (No caso, o atípico virando típico). Ela pediu vacina, respeito, verdade e misericórdia. E mandou ver no vozeirão & repertório intenso. Quando você me deixou, meu bem, me disse pra ser feliz e passar bem... Amores devem estar brotando em meio ao caos dos dias. Outros, se desfazendo. Como no poema de Paulo Mendes Campos: “No telefone, onde tantas vezes o amor começa, o amor acaba. No sábado, depois de três goles mornos de gim à beira da piscina. Às vezes acaba na mesma música que começou, com o mesmo drinque, diante dos mesmos cisnes. Na vaidade, no álcool, de manhã, de tarde, de noite; na floração da primavera, no abuso do verão, na dissonância do outono, no conforto do inverno; em todos os lugares o amor acaba. A qualquer hora o amor acaba. Para recomeçar em todos os lugares e a qualquer hora o amor acaba”... Desejo que esse fevereiro sui generis traga de volta o riso e a alegria dos mais de mil palhaços, cada um no seu salão - por enquanto, até que consigamos vencer a pandemia - e com a mesma máscara negra que esconde teu rosto (olha Dalva aí outra vez). Que a vida brote, cresça, que a esperança se fortaleça e triunfe. Que o amor ressurja, de onde ninguém imagina. E finalmente, como cantou Lulu Santos, “ toda raça então experimentará para todo mal a cura”... Bom fevereiro a todos! Na foto, Dalva em si, a diva do rádio.