quarta-feira, 27 de outubro de 2021

ÚLTIMO CAPÍTULO

Ultimamente tudo já andava tão triste, careta, chato e sem graça. Imagine agora, sem Gilberto Braga... Acho que nem é preciso ser noveleiro como eu para saber da importância desse autor de telenovelas. Ele imprimiu uma marca, estabeleceu um estilo, criou um conceito de teledramaturgia. Com uma linguagem própria, única, inimitável e insubstituível. Sabia como poucos retratar a sociedade brasileira e suas idiossincrasias. Expunha como as classes alta e baixa se enredavam em tramas e subtramas seguidas de perto pela classe média, ávida por ascenção, sempre tentando uma "colocação" para um parente ou um amigo. O hight society carioca, com suas madames, mordomos e empregadas uniformizadas. Sua inesquecível Stella Simpson, vivida por Tônia Carrero na novela Água Viva, que do alto da cobertura da Vieira Souto mandava o mordomo ir buscar água do mar em um balde para ela se refrescar. A mesma Stella chocava a burguesia carioca fazendo topless em Ipanema na companhia de uma ainda jovem Maria Padilha. Ou a adorável vilã Yolanda Pratinni, personagem de Joana Fomm em Dancing Days. As execráveis Odete Roitman e Maria de Fátima, pérolas defendidas com maestria por Beatriz Segall e Glória Pires, respectivamente, em Vale Tudo. Na mesma Vale Tudo, a incomparável Heleninha Roitmann, de Renata Sorrah, já histórica, icônica, arquetípica. Sem falar em Isaura, a mocinha que projetou Lucelia Santos para o mundo... Gente com o senso de humor e a ironia fina de Gilberto Braga estão em falta no Brasil. Gente com a sua erudição. Vivemos uma seca, uma estiagem de inteligências. Um hiato de elegância. Refinamento, educação, delicadeza, gentileza, solidariedade, sutileza, cordialidade, respeito, traquejo social e diplomacia são valores em queda no mercado atual. Eu já vinha sentindo falta de Gilberto Braga em vida, imagine agora que ele morreu e sei que não teremos mais as suas tramas... Felizmente o canal Viva costuma reprisar novelas antigas. Recentemente revi Água Viva e Dancing Days. Vou ficar torcendo para que reprisem Celebridade, Paraíso Tropical, A Força de Um Desejo, Brilhante e O Primo Basílio, para citar algumas. Mas que vai ser difícil viver sem uma novela nova de Gilberto Braga, isso vai... Nas fotos, as icônicas sandálias com meia de lurex da abertura de Dancing Days e Gilberto em si, como veio ao mundo. Adoro essa foto. Não sei de quem é. Seria da Vânia Toledo? Cartas para a redação.

sexta-feira, 22 de outubro de 2021

THE BEST

Marisa Orth faz aniversário e quem ganha o presente somos nós. Nós, seus seguidores, fãs e admiradores do talento dessa grande atriz. É que seu espetáculo solo Bárbara, d'après A Saideira, livro de Barbara Gancia, estreou aqui em São Paulo no dia em que Marisa faz anos. E foi uma festa. Com direito a porres, desastres, perdas, rompimentos, tristezas e frustrações. Alegrias e boas doses de humor também. Afinal, em se tratando de Barbara e de Marisa, a gente sempre espera, no mínimo, rir muito. Já contei aqui no blog o quanto a leitura da obra mexeu comigo e me deixou esperto para o problema do alcoolismo. Essa adaptação para o palco, feita por Michelle Ferreira, é no mínimo tão interessante quanto o livro. Tem a cara de Marisa. Começa como se fosse um show de humor e música como outros tantos que Marisa já protagonizou. Só que, pouco a pouco, Marisa vira Barbara para logo em seguida voltar a ser Marisa e vice-versa. A primeira vez que vi Marisa Orth no palco foi em um show da banda Luni no qual ela arrasava cantando The Best, a melhor. Pois é justamente cantando essa música que a transformação acontece diante dos olhos da plateia. Um recurso muito bem utilizado e explorado pela talentosa dramaturga Michelle Ferreira. Aí é só embarcar na viagem e se deleitar com a performance de Marisa, uma atriz no auge do domínio técnico, que vai da comédia ao drama no espaço de uma pausa dramática ou até mesmo sem pausa nenhuma. Completa, ela deita e rola - literalmente, como na maravilhosa cena da Barbara criança - e canta, dança, emociona e faz rir muito, como só as grandes comediantes sabem fazer. A direção de Bruno Guida, calcada basicamente na performance de Marisa, tira proveito da enorme versatilidade da atriz lançando-a em um verdadeiro tour de force sur la scène. Com o auxílio luxuoso de um contrarregra cênico que ora conduz seus movimentos e faz trocas em cena, ora contracena diretamente com ela. Um recurso interessante que tem ótimo resultado. Na verdade, Marisa de pouco ou nada precisa para arrasar. Nem mesmo do cenário, pouquíssimo utilizado e sem grande efeito cênico. Um palco nu já estaria de bom tamanho para ela pintar, bordar e presentear a todos com seu talento imensurável. Não só no dia dos seus anos, como em todos os outros também. Como diz a canção da banda Luni: Meu nome é Bárbara, eu sou super legal. Desde pequeninha sempre fui genial... Só para esclarecer: O Bárbara do título do espetáculo é com acento. O da canção do Luni, também. Já o da Gancia, é sem. E a Marisa Orth é bárbara mesmo! Palmas para ela, the best! Na foto, Marisa na capa do programa do espetáculo com a luxuosa direção de arte de Gringo Cardia.

quinta-feira, 21 de outubro de 2021

CONTOS ATREVIDOS

Parece mentira, mas já faz mais de um ano que Antonio Bivar nos deixou. Me sinto um pouco órfão, pois sempre fui muito fã desse inquieto e inquietante escritor que enveredou por diversos formatos da literatura, indo da dramaturgia ao conto, passando pela biografia, a autobiografia e o romance. Como já li quase tudo o que ele escreveu e sabendo que não irá lançar mais nada, resolvi reler os seus Contos Atrevidos, único exemplar da rica obra do autor dedicado ao formato. Coisas do isolamento social. A gente, às vezes sem ter o que fazer, remexe guardados e acaba tombando sobre livros que nem lembrava ter lido. Pois este é de 2009 e eu o li em março de 2010. Curioso é que na época o livro não me marcou e eu nem mesmo me lembrava de nenhum dos seus trinta contos. Agora, relendo com a tranquilidade adquirida depois de quase dois anos de confinamento, consegui finalmente apreciá-los com a devida atenção. Dá até para entender por que, à época, eu não tenha conseguido focar minha atenção nessas curiosas pequenas narrativas: Tinha acabado de sair do elenco fixo da Terça Insana no auge do sucesso, tirara um ano sabático só para viajar e curtir e, sedento de vida real que estava, não me ative à ficção Bivariana... Hoje eles, os contos, me dizem muito justamente dela, a vida. Como em Uma Casa Simples, que traz o relato de um viúvo aposentado que encomenda ao amigo arquiteto a casa dos sonhos que finalmente irá construir para passar o resto de seus dias. Ou como em Tattoo or Not Tatto, em que uma adolescente de quinze anos se aconselha com a mãe socióloga quanto a fazer ou não uma tatuagem para se sentir incluída na sociedade. Fora a riqueza e variedade dos universos abordados, Bivar é craque em criar nomes curiosos e divertidos para seus personagens. Ao longo das cento e vinte páginas da publicação desfilam seres como Vidal Sansão, Vanilda Bertioga, Mona Lessa, Evandro Temporão, Tédia Lobato, Édila Mara e Clarice Abreu Jamra, para citar alguns. Esses pequenos relatos, fatias de vidas anônimas ou não, vem todos recheados de humanidade. E, por serem aparentemente tão banais e cotidianos, levam o leitor à reflexão. Tudo o que nos cerca - os amigos, a família, os amores, alegrias, tristezas, dores, perdas, decadências, sucessos, viagens, fracassos, angústias, frustrações, realizações - por menor e mais particular que pareça, é universal. Essa potente lente de aumento focada por Bivar no microcosmo dos personagens os expande ao infinito. Pequena curiosidade revelada pelo autor na introdução: Todos os contos foram escritos à mão em bloquinhos não pautados de 8x10cm. Como sinto e ainda vou sentir falta de Antonio Bivar... Nas fotos, a capa de Contos Atrevidos e Bivar em si nos verdes anos.

segunda-feira, 11 de outubro de 2021

VARANDA SUSPENSA

Tomei emprestado o nome de uma música da cantora Céu para dar título ao post. Ele e também a letra canção dizem muito do que estou vivendo nesse começo de outubro. Finalmente começo a me permitir brechas, sopros de vida e ar renovado nesse já interminável isolamento social pandêmico. Pois me encontro justamente em uma casa suspensa no morro, com uma varanda – também suspensa – de frente para o mar de Ilhabela. O tempo, um misto de nuvens, chuva e sol tímido que ora espia ora se esconde, faz lembrar outros mares de outros continentes não tropicais. Céu segue cantando no Ipad: Descansar a vista, até onde a vista alcança, de uma zona temperada até onde o sonho te leva... Tenho me deixado levar pelo sonho de ter uma casa na praia, meu refúgio no litoral, “da varanda suspensa de São Sebastião, intocada, pura, em colmeias, pés de manga, costela de Adão” como canta Céu... Na semana passada tivemos um “apagão” de algumas horas sem redes sociais e WhatsApp. Achei pouco. Por mim teria sido de dias. Semanas, até. A gente precisa descobrir novas maneiras de se comunicar e se conectar com a vida e as pessoas. Nem que essas novas maneiras sejam justamente as antigas. O real no lugar do virtual. O analógico ao invés do digital. O presencial, o concreto, o verdadeiro. Onde viemos parar? Agora, por exemplo, no meu refúgio na Mata Atlântica, escrevo de um computador devidamente conectado a uma rede. Mas meu caderninho de notas também veio na bagagem junto com a caneta, caso a rede me faltasse. Quem lembra desses objetos obsoletos, caderninho e caneta? Rsrsrs... Mais um pouco de Céu: Todos se sentavam pra ver aquele quadro vivo mudar. Vista para Ilhabela, éramos a tela impressionista... Sempre digo aqui que gosto muito do mês de outubro. Quando a gente vê vem novembro, dezembro e puf! Acabou o ano. E, para terminar citando os versos da canção Outubro, de Milton: Tanta gente no meu rumo, mas eu sempre vou só. Nessa terra desse jeito, já não sei viver. Deixo tudo deixo nada, só do tempo eu não posso me livrar. Ele corre para ter meu dia de morrer. Mas se eu tiro do lamento um novo canto, outra vida vai nascer. Vou achar um novo amor, vou morrer só quando for... Bom mês de outubro a todos! Na foto, a vista de Ilhabela da varanda suspensa.