terça-feira, 24 de julho de 2012


PÉ NA ESTRADA
Tinha fraturado a falangeta do dedo médio do pé direito saltando sobre um mini-trampolim no treino de ginástica olímpica.  Era julho, férias da faculdade. Resolveu ir, com o dedo imobilizado, passar uns dias em Florianópolis, na casa de seu amigo Jorge, que conhecera no último verão. Jorge morava em uma casa art-déco que ficava em uma servidão, que é como chamam em Floripa umas ruazinhas tão estreitas que não passa nem carro... Jorge tinha um namorado chamado Alexandre, que passava a maior parte do tempo com eles. Era totalmente inusitado estar em Florianópolis naquela época do ano, quando, da praia vazia, contemplava os surfistas pegando onda indiferentes ao frio...Com uma cerveja na mão anotava pensamentos em um caderno que comprara especialmente para a ocasião. Pensava em como transformar O Vampiro Lestat, de Anne Rice, em um roteiro para uma peça de teatro... Jorge tinha muitos discos de vinil em casa e foi lá que conheceu My Baby Just Cares For Me, com Nina Simone, e gravou o álum em uma fita K7 à qual chamou Floripa 1989... Floripa de tantos verões, de tantos carnavais, de tantos porres e chapações. Onde uma vez, fumando um baseado com seus amigos do interior foi abordado pela polícia e engoliu o baseado aceso. Liberados na sequência depois de explicações sobre o cheiro de maconha que deles emanava... Floripa do bar do Deco, do Fulanos & Florianos,  do carnaval de rua em frente ao Roma... De tantas experiências e intercâmbios com hermanos del mercosul. De natureza sexual, inclusive...Floripa da praia da Galheta, na qual se pode ficar pelado... Sempre gostou de viajar, de sair da rotina. De tempos em tempos seu habitat se tornava opressor, o ar irrespirável, as pessoas inabordáveis, a própria vida, impossível de se viver. Ou, como dizia seu escritor preferido, invivível... Então saía, viajava, pirava, se reinventava e, finalmente, voltava para a vida, para o ar, o habitat, as pessoas. Assim tudo parecia mais leve, plasmável, administrável...
Esse post foi inspirado pel filme Na Estrada, de Walter Salles Jr.
Na foto, Nina Simone, chiquérrima...

domingo, 15 de julho de 2012



DOMINGO
Cidade fantasma. Céu cinza sobre ruas vazias. Asfalto sobre antigos paralelepípedos. Frio de rachar. Folhas secas são levadas pelo vento que uiva acrescentando melancolia ao vazio da cena. Antigas tardes de domingos frios voltam à lembrança. Quando o piano de Keith Jarrett enchia o quarto com vista para o Bom Fim. Ao longe, morros com antenas cercavam a cidade e a imaginação, jovem, sempre além das antenas dos morros... Sonhos eram projetados nas paredes do quarto. Muitos já realizados. Outros ainda por. Ninguém anda nas ruas. Nem um pássaro corta o ar. As crianças saíram de férias. Os adultos parecem ter ido para a praia. Ou para Campos do Jordão. Talvez a gente possa então se amar um pouco mais... Segundo pesquisas, mais de trinta mil brasileiros de classe C já compraram passagens para Londres. Para assistir aos jogos olímpicos. Eu fico. Da janela contemplo. Até que um dia, vou... Não como foi Ana C. Que pulou do sétimo andar. Vou pela porta e com os pés no chão. A cabeça, não sei. Não sou poeta, para voar. Antes da derradeira saída pela janela do sétimo andar, Ana C. teria tentado dar adeus à vida de outras formas. A que mais me impressionou: Depois de tomar uma caixa de tranquilizantes, entrou no mar e foi nadando em direção ao horizonte. Pode haver imagem mais triste e mais bela? Foi salva por um surfista, que a encontrou boiando. Os plátanos são para mim as árvores que mais embelezam o inverno com suas folhas secas caindo até formar tapetes no chão. No vazio das ruas os fantasmas interiores desfilam seu desassossego. Jogam-se pela janela. Voam além das antigas antenas. Nadam em direção ao horizonte. O piano de Keith Jarrett enche a sala, agora em CD. E escrever continua salvando vidas...
Na foto, a bela Ana Cristina Cezar.

terça-feira, 3 de julho de 2012





PRAQUELE LUGAR

Dia desses li no jornal Zero Hora uma matéria sobre músicas chiclete, que grudam na cabeça da gente e não saem mais. Não consigo lembrar em que região do cérebro elas se instalam, aflitivas, e mesmo durante a noite, quando a gente vira de lado na cama, elas continuam lá, nos torturando o sono. Gostaria muito de poder bloquear essa região cerebral, blindá-la, instalar uma cerca elétrica ou, pelo menos, um insulfilme. Nunca me senti tão bombardeado assim. Antigamente era um Luiz Caldas aqui, uma banda Kaoma ali, nada grave, havia toda uma safra de Chicos, Miltons e Caetanos para compensar. Mas, hoje em dia, a coisa está séria, ultrapassou os limites do suportável. Não dá mais para assistir às novelas: Elas estão em todas as trilhas. Não quero tchu! Não quero tcha!! Li, também, e isso foi na biografia de Clarice Lispector, que uma pesquisa constatou a existência de pessoas  “amortecedoras”, para as quais barulhos, cheiros, agitação, provocam leve desconforto, e pessoas “amplificadoras”, para as quais o volume de todas as experiências sensoriais é elevado ao máximo, gente que se incomoda com o som  do rádio, com a  voz das pessoas,  com o tempero da comida, com o caráter berrante do papel de parede. Eu, obviamente, me incluo nessa última categoria, um amplificador que sonha desesperadamente com sossego, silêncio e paz. Nossa! Assim vocês me matam... Se juntarmos todo esse lixo sonoro que está bombando as mídias em um pacote, ou melhor, em um container, tal o volume, ele nem vai valer um e noventa e nove...E só o que eu desejo é bloquear meu cérebro a essa invasão ou, sei lá, mandar esse lixo todo praquele lugar...

segunda-feira, 2 de julho de 2012



JULHO ALEGRE

Que delícia entrar o mês de julho vivendo dias de verão em Porto Alegre... Sim, verão. As temperaturas tem se mantido em torno de vinte e cinco, trinta graus, dias de sol e céu azul, noites estreladas e de lua. Os entardeceres de Porto Alegre já são famosos e falar deles seria chover no molhado. Por isso, vou me ater às surpresas que a cidade sempre me apresenta. Logo na chegada fui à estreia do espetáculo Artimanhas de Scapino, no Teatro São Pedro, no qual meu amigo Paulo Vicente interpreta o velho Gerôncio. É sempre bom e gratificante assistir ao Paulo Vicente representar. Sua interpretação tem tamanho frescor que nem dá para dizer que ele já conta mais de trinta anos nos palcos. Paulo é dono de um estilo próprio de fazer comédia e suas criações, não importa qual seja o autor, vem grifadas, com sua assinatura pessoal... No bairro do Menino Deus, a surpresa da vez foi conhecer o restaurante La Taverne du Chat  Noir, um simpático sobrado com mesas no quintal, cuja dona, simpaticíssima, entretém os clientes contando suas inacreditáveis histórias de vida... No domingo, mais duas excelentes surpresas: conhecer o teatro do CIEE, maravilhosamente bem instalado no bairro de Higienópolis, e assistir ao show do cantor Tiago Iorc, do qual nunca tinha ouvido falar e de quem já me tornei fã... Sem falar em todos os amigos que estou reencontrando. Olha só quanta coisa! E ainda tenho o resto da semana pela frente! Ah! A lua cheia chega amanhã...
Na foto, Tiago Iorc empunha seu violão.