quinta-feira, 26 de julho de 2018

DESIGN BRASILEIRO

Já quase me esquecia de comentar aqui, mas ainda dá tempo: A exposição Ser Estar Sergio Rodrigues, do Itaú Cultural, precisa ser visitada e fica até o dia o dia 05 de agosto. Fui para conhecer um pouco mais do trabalho do criador da famosa poltrona Mole e do banco Mocho. Chegando lá, me deparei com uma agradável surpresa: Sérgio é filho de Roberto Rodrigues, de quem eu já era fã, e pude apreciar de lambuja várias obras do pai. Desenhos, pinturas e gravuras do grande pintor e ilustrador que era irmão de Nelson Rodrigues, por sua vez tio de Sergio. Esse post, não por acaso, está parecendo uma trama Rodrigueana... Mas é isso, a exposição precisa mesmo ser vista. Até pela curadoria de Daniela Thomas, Mari Stockler, Felipe Tassara e Fernando Mendes, que suspenderam os móveis e objetos numa altura que proporciona uma visão bem mais detalhada. São vários ambientes e em alguns deles a gente pode até sentar e desfrutar do conforto das peças. O design brasileiro que você respeita nos representando no melhor estilo "o Brasil que eu quero"... É quando o dito popular se faz mais verdadeiro: Quem sai aos seus não degenera. Ou filho de peixe, peixinho é. Ou até mesmo: O fruto não cai muito longe da árvore. Bem, chega de enrolar. Era só pra avisar que ainda dá tempo. Ah! E as obras de Roberto, o pai, valem a pena. Uma delas, a minha preferida, se chama O Elogio da Cocaína. E o próprio Sergio, além de designer, era também ilustrador. Como comprova o auto-retrato intitulado Sergio do Roberto, uma das fotos que ilustra o post. Corre que o bagulho é sinistro...
Nas fotos, Sergio repousa sobre a sua famosa criação, o retrato do pai assinado por Portinari e o próprio auto-retrato.

sábado, 21 de julho de 2018

JE SUIS NANETTE

Nem só de machismo e piadas preconceituosas se alimenta o stand up comedy. Aliás, isso que se pratica por aqui com o nome de stand up nada mais é do que uma deturpação do estilo. Nós brasileiros adoramos nos apropriar de formatos de sucesso, esvaziando-lhes o conteúdo para depois preencher com toda sorte de bobagens... Mas vamos falar do que presta: Hannah Gadsby. Seu show Nanette, exibido no Netflix, lança uma luz sobre as brumas do mau gosto que insistem em turvar nossa visão. Quem caiu na besteira de cancelar o Netflix porque ele exibiu a série O Mecanismo não vai poder apreciar essa pérola do humor contemporâneo. Chamar de humor o que Hannah faz é redutor. É muito mais. Fora a sua competência para fazer rir, que é inquestionável, fora todo o seu conteúdo, que é de grande relevância, e fora também a sua construção dramatúrgica, que é impecável, o que mais me pega nessa comediante é a sua habilidade em conduzir o público - que está ávido por risadas - até a sua dor mais profunda. E, uma vez lá, exibir a ferida e chafurdar nela para então devolvê-lo ao conforto de teatro dizendo: É por isso que eu preciso deixar a comédia. Minha história precisa ser contada da maneira certa... Adoro comediantes que fazem isso. Que ousam reverter as expectativas da plateia, surpreender, sacudir, fazê-la pensar sobre o que a faz rir. Hannah Gadsby o faz com maestria. Ela diz que uma das suas maiores qualidades é a resiliência, a capacidade de vergar-se e não quebrar. E só quem sentiu na pele a dor do preconceito e da discriminação na infância e na adolescência é capaz de entendê-la completamente. Ela encerra dizendo que ninguém pode com uma mulher que foi destruída e se reconstruiu. E é isso mesmo: Precisamos todos nos reconstruir. Independente de gênero, orientação sexual ou classe social. Pois essa maneira cruel pela qual fomos construidos já está provado que não deu certo. O que temos aqui não nos serve mais... Não se engane pensando que possa ser chato. É extremamente divertido de se assistir. Mas, por favor, assistam com os olhos, os ouvidos e o coração bem abertos. E tem que assistir até o fim. Se não, não vale. Fica a dica.

domingo, 15 de julho de 2018

COISAS QUE VI E VIVI

Ontem à noite, ao entrar no metrô saindo de um show, fui surpreendido por um rapaz que, gentilmente, se levantou e me ofereceu o seu assento. Minha primeira reação foi agradecer e aceitar, pois estava realmente cansado, tinha caminhado bastante, subido escadas e atravessado ruas e passarelas depois de ter ficado um bom tempo sentado na plateia do teatro. Mas logo em seguida veio a reação inevitável: Uma pontinha de tristeza por constatar que o tempo passara implacável e eu - embora tão cheio de vida e ânimo para aproveitar tudo de bom que ela pode oferecer - finalmente, en-ve-lhe-ce-ra. Meus cabelos brancos eram a prova incontestável...
O fato é que a vida segue interessante. E eu, malgré o adiantado da idade, sigo interessado. Felizmente, vivo em uma cidade que constantemente oferece atrativos. De tédio, eu com certeza não morrerei na Pauliceia...
Tanto, que tenho deixado passar várias coisas bacanas que vejo, vivo, assisto, visito e constato, sem relatá-las aqui no blog. Numa tentativa de não permitir que a memória me falhe e no intuito de preservá-las para quem por ventura me leia, trato de relembrá-las aqui. Agora... Começo justamente pelo show a que me referi no início do texto. Uma belíssima homenagem aos cem anos de Dalva de Oliveira, concebida e dirigida por Thiago Marques Luiz. Reunindo nomes como Ângela Maria, Claudete Soares, Alaíde Costa, Cida Moreira, Maria Alcina e Virgínia Rosa, o espetáculo fez jus à importância de Dalva no cenário musical brasileiro. Arranjos sofisticados e um quarteto que reuniu piano, baixo acústico, bateria e sopros. E lançou juventude e frescor sobre as canções da homenageada nas vozes de Felipe Catto e Ayrton Montarroyos. Tipo histórico... No mesmo fim de semana pude conferir o espetáculo PI - Panorâmica Insana, da diretora Bia Lessa. Uma grata e bem vinda surpresa. Em um cenário/ambiente pós ecatombe - as ruínas do teatro em reforma - os excelentes atores se movimentam entre toneladas de roupas e trocam, em velocidade espantosa, de personagens. Destaco Rodrigo Pandolfo, que sempre é magistral sobre a cena, e Claudia Abreu, com sua incrível velocidade para acessar as emoções mais variadas. Some-se a trilha sonora perfeita (com direito a Benjamin Clementine) e tem-se um dos melhores espetáculos do ano... Voltando um pouco mais no tempo, coisa de um mês, ainda tenho a citar a exposição de Bill Violla no recém-reinaugurado Sesc da Avenida Paulista. Imensas e pequenas telas que projetam imagens em movimento. Fotografias que se movem ou videos parados. Inquietante, para dizer o mínimo... Nesse meio tempo teve também a dança teatro da Cia. 4 pra nada que, com o curioso título de (H3O)mens, coloca em cena três homens nus abordando todas as possibilidades do universo masculino. Esse merece post especial aqui no blog. Se eu me animar, mais adiante postarei. Mas vale muito a pena conferir. Se não ao vivo, pelo menos na gravação completa do espetáculo que está disponível no YouTube. Com direito a nudez total, essa questão ainda tão tabu e que tanta polêmica suscita em pleno século XXI...
Paro por hora. Mas prometo voltar logo e cheio de novidades. Vamos em frente aquecendo esse inverno rigoroso que ainda está na metade...
Nas fotos, os cantores dos cem anos de Dalva, a panorâmica de Claudia Abreu insana & de cuerpo entero, a imagem em movimento de Bill Viola e os três homens nus de (H3O)mens.

terça-feira, 10 de julho de 2018

CHOPIN PARA AQUECER

Nas noites frias e chuvosas do inverno de Porto Alegre há que se aquecer não apenas o corpo mas, também e sobretudo, a alma. Pois a minha foi lindamente aquecida nessa noite de segunda-feira. A Orquestra de Câmara do Teatro São Pedro convidou o pianista Nelson Freire para duas apresentações de um recital em homenagem à memória de Dona Eva Sopher. Quem venceu o frio e a chuva foi brindado com a belíssima execução do Concerto Número 2 para piano e orquestra, de Chopin. Eu já havia assistido a uma apresentação de Nelson Freire em duo com a pianista argentina Martha Argerich na Sala São Paulo, no ano de 2004. Lembro que eles apresentaram, em um repertório que ia de Brahms a Rachmaninoff, a inquietante La Valse, de Ravel. Agora, na fria noite dos pampas gelados de Gay Port City, acompanhado pela nossa brava Orquestra de Câmara, foi ainda melhor. Que bom que a cidade tem o seu teatro e que o teatro tem a sua orquestra. E que sorte de ambos terem tido a sua, a nossa, a eterna Dona Eva. Tenho certeza de que, muito mais do que no display que recebe o público na entrada, ela está presente em cada frisa do seu amado Teatro. O menino de Soledade, que um dia sonhou ser pianista, foi dormir embalado e aquecido pelas notas da melodia de Chopin. Minha irmã Raquél, que me convidou para a noitada, não poderia ter me dado presente melhor. Só contemplar o teatro lotado já foi extremamente reconfortante. É um alento constatar que não apenas musicais da Broadway e shows de youtubers enchem as salas. Me alegra muito ver o público lotando uma casa de espetáculos para assistir a uma apresentação de música clássica. Me aqueceu ainda mais do que a dose de uísque que tomei no bar do foyer...
Na foto, o pianista agradece os merecidos aplausos que o fizeram voltar várias vezes ao palco.

sexta-feira, 6 de julho de 2018

BALZAQUIANA ESTRAVAGANTE

A Cia. Stravaganza, da minha amiga Adriane Mottola, que já mereceu post aqui no blog, está completando trinta anos de existência. Eu disse trin-ta. O que, por si só, já não é pouca coisa. Mas ainda tem mais: Como parte das comemorações, está em cartaz às quintas-feiras no seu espaço próprio, o Studio Stravaganza, a peça Espalhem Minhas Cinzas na Eurodisney. O texto, do dramaturgo e diretor argentino Rodrigo García, tem direção de Adriane e apresenta o elenco da companhia em um interessante cenário/instalação no qual dão vida a uma espécie de jogral performático cheio de questionamentos e reflexões acerca da sociedade de consumo, seus hábitos, seus habitantes, suas contradições, seus enganos. Mas não se engane pensando que se trata de teatro cabeça. É vivo, crítico, tem humor, muita movimentação e experimentos cênicos. O espetáculo se mantém interessante do começo ao fim. Me lembrou o teatro vanguardista e performático do Grupo Balaio de Gatos, do qual Adriane foi integrante. O espaço físico onde acontece a peça também é bastante interessante, com um bar aconchegante onde o público pode beber enquanto espera o espetáculo começar. O que, no frio da noite de ontem, foi providencial: O vinho aqueceu corpos e corações para a celebração do fazer teatral. O que, aliás, a troupe vem fazendo com louvor nesses últimos trinta anos. Parabéns, Adriane. Parabéns a todos os estravagantes integrantes da companhia. E vida longa ao Teatro di Stravaganza!
Na foto, Adriane e seus pupilos celebram os trinta com corpinhos de vinte.