sábado, 31 de outubro de 2015

PIANO BRASIL VII

Fui assistir ao recital Piano Brasil VII, de Miguel Proença, na Sala Cecilia Meirelles, conforme contei que iria no post anterior. Perfeição resume. Tudo: A sala, as condições técnicas, a acústica, o piano em si, o repertório e, acima de tudo, o pianista. Eu, que nem sabia que Miguel Proença é gaúcho como eu, me enchi de orgulho. Ele arrebata já de saída, abrindo o programa com a Dança dos Espíritos Abençoados, de Gluck. Esqueço tudo e me transporto no tempo e no espaço. Volto irremediavelmente a ser o Robertinho, lá de Soledade, que tinha aulas de piano no colégio das freiras com a professora Tereza e, mais tarde, aulas particulares com a Dona Amélia. Excelente aluno, Robertinho sempre tinha pontos descontados na performance pela examinadora Dona Eugênia, que vinha de Carazinho para as provas de fim de ano. Por quê? Porque não tocava com os dedos certos. Reflexos da sua canhotice, quem sabe. Desde petit ele não era e não gostava de ser como os outros... A récita segue com Nepomuceno e Debussy até o intervalo, quando aproveito para ir até o bar e pedir mais uma taça de vinho. Gisela Amaral está deslumbrante entre a assistência. Distribui charme e elegância no foyer. Volto ao segundo sinal para Villa-Lobos, Ernesto Nazareth e Chopin. Uma das senhoras atrás de mim comenta que ele está um pouco gordinho. O cheiro de mofo reina nas roupas de noite há tanto guardadas. Me sinto privilegiado de poder assistir à performance deste grande artista internacionalmente reconhecido nessa sala maravilhosa. Nunca havia estado antes nessa casa de espetáculos e tive uma ótima impressão. Só não entendo porque ela se chama Cecilia Meirelles, uma vez que é totalmente dedicada à música. Na minha opinião ela deveria se chamar, sei lá, Sala Chiquinha Gonzaga, por exemplo... Tu não te lembras da casinha pequenina onde o nosso amor nasceu? Relembro minha primeira audição de piano, nervoso, mãos trêmulas no Clube Comercial de Soledade. Podia ter sido um grande pianista. Podia ter sido. O netinho do pianista entra em cena para entregar-lhe flores. A plateia se enternece: Oh... Bravo, Miguel Proença! Grande Fantasia Sobre o Hino Nacional como bis encerra com chave de ouro. Cai o pano. Do lado de fora, a Lapa já ferve na noite de quinta-feira.
Nas fotos, o lustre do foyer e Miguel agradecendo.

quarta-feira, 28 de outubro de 2015

EU VOU PRA LAPA

Há tempos não vinha passar uma temporada no Rio. E, quando o fazia, ficava sempre na Zona Sul. Aliás, sempre me considerei um garoto Zona Sul, capaz de me virar com bastante desenvoltura do Leme até o Leblon. Agora estou momentaneamente instalado na Lapa. A tão cantada zona boêmia, com seus bares, cabarés, malandros e arcos. E estou adorando. Percorro suas ruas com a curiosidade e o encantamento de um turista estrangeiro. Que por sinal abundam por aqui. Admiro seus casarios, detalhes de fachadas, janelas, portas, muros e escadarias. Imagino Carmen Miranda ainda criança, bem moleca, brincando com os meninos nos largos e praças. Em meio a todo o agito dos botecos e a uma certa decadência instalada, surge, impávida, linda, conservada, refeita e mantida a Sala Cecília Meirelles em pleno Largo da Lapa, de frente para os Arcos e o Circo Voador. Que, por falar, nas minhas andanças já passei e adquiri ingresso para o recital de Miguel Proença na próxima quinta, portanto, amanhã. Depois conto detalhes. Da sala e do recital. Por enquanto sigo descobrindo esse Rio de Janeiro urbano que eu praticamente desconhecia. Não me refiro apenas à Lapa, mas às suas adjacências. Como a bela e tranquila Glória, juste à côté, com seu Outeiro a se destacar no alto, a estátua de São Sebastião a seus pés e a Praça Paris juste en face. Eu sempre vi essa praça de passagem, de dentro de um táxi ou de um ônibus. Nunca havia parado para apreciar seus jardins. Vale a pena, ela é linda demais. E também a Cinelândia, com o Teatro Municipal e o Amarelinho. Sem falar no Largo da Carioca, com o belo relógio e, no alto, o Convento de Santo Antônio. A Praça Tiradentes com seus teatros, a Rua da Carioca que guarda o Bar Luiz há mais de cem anos. Enfim, quem acha que o Rio é só um balneário precisa rever seus conceitos. Ou cruzar o túnel e se deixar levar. E, como canta Alcione, encher o peito e dizer: Eu vou pra Lapa!
Na foto, interior do Bar Luiz.

terça-feira, 27 de outubro de 2015

ONE NIGHT IN HEAVEN

Nada me soa mais anos noventa do que essa música do M People a que o título do post se refere. Os anos noventa foram uma coisa meio assim vamos ver no que vai dar: Depois da loucura total, colorida e criativa dos oitenta e antes dos anos dois mil, que a gente esperava há tanto tempo que viessem trazendo o futuro. E deu num monte de coisas boas. Legais, mesmo. Eu já havia morado um ano em Paris e, de volta ao Brasil, morei um ano no Rio de Janeiro. Logo, em 1992, ainda começo da década, estava eu de volta a Porto Alegre com a sensação de que ela, a cidade, já me rendera tudo o que poderia render. Foi transição total para o que viria quase no fim da década: São Paulo. Mas muito animada, essa transição. Lembro que na Avenida Independência tinha uma balada chamada Gueto que fervia nos fins de semana. Eu ia com meu amigo Guto e nos jogávamos nas pistas bebendo muita Corona, a cerveja que bombava na época, e ouvindo muita Corona, a cantora que também bombava na época. E, claro, muito M People. Especialmente One Night In Heaven. E tinha também o Elo Perdido, bar alternativo/descolado que ficava em frente à nossa casa. Digo nossa porque morávamos, Guto e eu, no mesmo prédio da Rua Garibaldi, o Edifício Navarra. Mais para baixo, pros lados da Redenção, tinha o ainda mais alternativo Megazine, nossa pedida para as segundas e terças-feiras. Digo nossa porque só nós íamos a esse bar nesses dias da semana... Mas nem só de bares e baladas eram feitos os nossos dias naquela distante década. Havia trabalho criativo também. Meu teatro e as fotografias do Guto. E, às vezes, os dois juntos. Como em Amor à la Carte, meu show em dupla com Marione Reckziegel que o Guto fotografou não só em cena, mas em ensaios incríveis nos puteiros da Avenida Farrapos e na Rodoviária de Porto Alegre... Bons tempos! Sem falar, é claro, no Ocidente. Que atravessou décadas e até hoje continua atravessando. Acho que os anos noventa significaram para mim uma noite no paraíso, mesmo. Na voz rouca e grave da cantora do M People.
Nas foto, Marione Reckziegel et moi, os Love Singers, em ensaio de Guto de Castro. Na cozinha do Richard Arte & Café, onde estreamos o show Amor à la Carte.

sábado, 17 de outubro de 2015

PLANETA AUGUSTA

Quando cheguei na esquina da minha rua e virei à esquerda, a Rua Augusta não parecia a mesma dos outros dias. Uma profusão de carros e pessoas a congestionava desde lá de baixo, pros lados da Estados Unidos, até lá em cima, na Avenida Paulista. Sem conseguir saber do que se tratava, segui meu caminho em direção ao teatro onde logo mais à noite me apresentaria. Eu era ator e estava em cartaz em um pequeno teatro que fica na própria Augusta, só que do outro lado, além da Avenida Paulista, mais conhecido como Baixo Augusta. Eu carregava comigo uma pequena mala com os figurinos que usaria no espetáculo e um skate, que usava em um dos meus personagens. Estava tão difícil subir a rua naquele dia que pensei que não ia conseguir chegar ao teatro a tempo de me apresentar. O mais curioso é que ninguém sabia me dizer o que estava acontecendo. Me senti mais ou menos como um estrangeiro perdido numa terra estranha. Tentei conversar com um rapaz barbudo que trazia o cabelo preso em uma espécie de cocoruto no alto da cabeça. Ele parecia não entender a minha língua. E seguiu seu caminho com os braços cobertos por tatuagens. Só então percebi que todos à minha volta haviam adotado a mesma barba e o mesmo penteado. As barbas eram longas, de época, e alguns tinham bigodes também de época, com as pontas retorcidas. A rua toda estava tomada por eles. Um exército de talibãs de coque. Tanto homo quanto heterossexuais , todos haviam sucumbido à tendência. Seria apenas uma tendência, pensei, ou tratava-se de algo maior, que escapava à minha compreensão? Alguma nova seita, talvez. Nessa altura eu já havia atravessado a Paulista e descia a Augusta em direção ao basfond. Sou quase atropelado por um ciclista que me chama de veado. Um princípio de incêndio em um pequeno hotel de encontros era a causa do enorme engarrafamento que já atingia quarenta e cinco saunas mistas de extensão. Uma prostituta sorri e pisca para mim e me sinto bem. Ela está tão linda, vestida como uma bonequinha japonesa, com um espartilho tão apertado na cintura que parece que vai parti-la em duas a qualquer momento. Pergunto se posso fotografá-la e ela faz que não, movendo a cabeça para os lados. Que pena, daria uma bela postagem no meu instagram. Em meio à turba segui meu trajeto com a sensação de que não iria conseguir chegar ao destino final. Penso em Blade Runner, de Ridley Scott. One more kiss, dear... Não devo ser deste planeta, pensei enquanto olhava pra trás antes de entrar no teatro para me transformar em pessoas normais... Cai o pano. Blackout. Aplausos imaginários, por favor.
"Para haver algum luxo, por Deus, que eu também preciso! Amém para todos nós"... Aspas e crédito para Clarice.


quinta-feira, 8 de outubro de 2015

AUSENTE

Andei por lugares distantes. Confins. Me perdi de mim mesmo para depois, novamente, me encontrar. Percorri encostas, escarpas, trilhei as mais inóspitas trilhas. Subi, desci, suei, chorei, senti frio, tive medo, muito medo, medo de não mais me encontrar, medo de perder a vida, medo de mim mesmo caso ficasse frente a frente comigo. Revi pessoas queridas que já se foram e esses encontros foram cheios de vida e de significados. Num determinado ponto da minha jornada chegou a ficar tudo muito escuro. Não era capaz de ver nada à minha frente. Nem atrás. Onde estava aquele que eu era? Aquele que fui? Todos gostavam de mim, eu lembrava. Eu tinha muitos amigos, pensava. Onde é que eu tinha ido parar? Aquelas iniciativas incríveis que eu tinha, porque agora não tenho mais? Cadê todos aqueles happy hours, os bota-foras, as despedidas de solteiro? Os aniversários surpresa, até estes tinham desaparecido. Eu não pertencia mais a nenhum grupo. De amigos, de viagem, de teatro. Não era de nenhum partido, não torcia para time algum. Os meus LPs estavam todos riscados, nos sulcos do vinil tinha poeira entranhada, nada mais conseguia limpar. Simone não tinha mais medo de amar, Roberto não se atinha a detalhes, Nara não via a banda passar. Tudo já havia passado. Teria eu ficado para trás? Lá nos setenta, oitenta, noventa. Junto com a Vespa e as calças baggy. Perdido numa esquina do Bom Fim. Esquecido em um canto de boate. As cartas! Com certeza as cartas guardavam respostas. Não as do baralho, a correspondência mesmo. Aquelas que eram enviadas via aérea, mala postal. A gente esperava com tanta ansiedade que elas chegassem, nada desse imediatismo whasápitco, facetimeco... Andei mais, subi mais, desci mais. Procurei em cada canto da casa e da memória, virei esquinas de Paris, Porto Alegre, São Paulo, Soledade. Até que finalmente voltei, me revi, me reencontrei... Cabelos restam poucos, quase todos brancos, a pele já não tem o mesmo viço de outrora, a barriga começa a se pronunciar. Quase tudo mudou. A essência das coisas e das pessoas, essa, eu acho que permanece a mesma. Para o bem e para o mal. Fazer o quê...
Na busca encontrei esse poema que escrevi quando tinha dezoito anos e que tem o mesmo título do post:
Estrelas existem milhares
Companhia também nunca falta
O que falta é a alegria
Que os teus olhos espalham nos ares
O que falta é o que está contigo
O que falta é a tua presença...
Na foto, eu jovem poeta sempre sentado à janela do apartamento em Porto Alegre.

quarta-feira, 7 de outubro de 2015

PARADIESVOGEL

Ave do paraíso, diz o título do post em alemão. É também o nome do novo álbum do cantor brasileiro Edson Cordeiro, radicado em Berlim há oito anos. Edinho me explicou que a expressão tem o sentido de algo que não é comum, exótico, raro. E é exatamente disso que se trata, não apenas o álbum, mas o cantor em si. Avis rara, Edson migrou para a Europa em busca de mais e maiores possibilidades. E felizmente as encontrou. A prova é esse belo e sensível registro. O CD abre com a canção título, Paradiesvogel, seguida da passarada toda: Asa Branca, Azulão, Assum Preto e uma surpreendente versão de Cucurrucucú Paloma, na qual ele estende a sustentação das notas além do limite humano. Graves insuspeitados surgem ampliando ainda mais a sua já conhecida extensão vocal. O disco segue passeando pelo cancioneiro brasileiro e internacional, indo de Carmen Miranda a Caetano Veloso, passando por Carpenters, The Cure e uma versão em inglês para a Balada do Louco, de Arnaldo Baptista. Está a venda no iTunes, corre lá e adquire logo! E pra quem tem saudades de dançar ao som da voz desse cantor incrível, ele está se apresentando todas as sextas-feiras de outubro no Grazie a Dio, aqui em São Paulo, na Vila Madalena, com muito samba-rock e disco music. Se joga!
Na foto, Edson na capa do CD, clicado pelo genial Gal Oppido.