domingo, 26 de julho de 2020

DIA DO ESCRITOR



Ontem foi o dia do escritor. Um dia desses, por si só, já mereceria um post. Mas não fui capaz de fazê-lo. Fiquei refletindo sobre essa profissão que tanto me encanta, com a qual flerto tanto, sonho tanto e que ainda não consegui transformar em realidade. Cheguei à conclusão que escrever me fascina porque ler me fascina. Os livros me descortinaram possibilidades quando o meu mundo ainda nem janelas tinha. Quanto mais cortinas! Ler me expande. Escrever me limita: À forma, à gramática, aos temas. Ainda assim, amo escrever. Não é à toa que mantenho esse blog há tanto tempo. Embora ande escrevendo bem menos do que outrora... Também fiquei pensando nos escritores e escritoras que admiro. No quanto me influenciaram e ainda me influenciam. Pensei nos vivos, como Murakami, Mark Levy, Ruy Castro, e nos que já nos deixaram, como Clarice e Caio e, mais recentemente, Antonio Bivar, um dos meus preferidos... Lembrei da viagem a Key West que fiz com minha irmã Rita e da visita que fizemos à casa de Ernest Hemingway. E, claro, me veio à lembrança o aposento da casa que mais me enlevou: A sala de trabalho do escritor. Saí de lá sonhando em ter um lugar no mundo só para escrever... Curiosamente, esse período de quarentena tem me feito ler e escrever menos do que lia e escrevia habitualmente. Embora já tenha lido nesses poucos meses mais do que muita gente leu a vida inteira. Inclua-se até mesmo um best-seller, logo eu, tão avesso a esse tipo de leitura. Mas nada como superar preconceitos, não é verdade? Trata-se de Garota Exemplar, de Gillian Flynn, que vale ser citado aqui pela incrível capacidade da autora de prender a atenção do leitor com incontáveis reviravoltas na trama. Lembrei do teatro mágico de Hermann Hesse em O Lobo da Estepe. Da concierge Renée de A Elegância do Ouriço, de Muriel Barbery. Do Trem Noturno para Lisboa, de Peter Bieri, sob o pseudônimo de Pascal Mercier. E, évidemment, não poderia deixar de lembrar e citar O Saci, de Monteiro Lobato, responsável por despertar em mim a paixão pelos livros logo cedo... Quando dei por mim, o dia do escritor chegara ao fim e eu não havia escrito nada. Trato de reparar, nesse domingo cinzento, minha falha de ontem. Espero que mesmo atrasada, esta minha singela homenagem desperte em alguém o hábito da leitura e da escrita. Ou de um dos dois, pelo menos. E eu já terei cumprido feliz o meu intento. Um grande viva a todos os escritores! Nas fotos, a musa Clarice Lispector e a sala de trabalho de Ernest Hemingway em Key West.

quinta-feira, 16 de julho de 2020

TOUJOURS VANIA






Há coisas que a memória guarda em algum canto secreto e a gente não esquece nunca. Eu devia ter uns dezessete anos e morava em Porto Alegre. Me lembro que sempre que passava em frente ao IAB (Instituto dos Arquitetos do Brasil) eu entrava na livraria - aquele lugar me fascinava – e ficava um bom tempo dando uma geral nas novidades. Tinha até uma conta no meu nome. As vendedoras, sabendo do meu amor pelos livros, me vendiam a prazo e à medida que podia eu ia pagando em suaves prestações. Mas, fora isso, eu tinha um prazer secreto nessas visitas: Disfarçado a um cantinho, eu folheava atentamente o livro Homens, da fotógrafa Vania Toledo. Estávamos no começo da década de oitenta e Vania, ousada, publicara um ensaio de nus masculinos. E todos famosos, personalidades da música, do teatro, das artes em geral. Não havia como salvar as fotos, printar, procurá-las no Google. Ou a gente comprava o livro ou ia admirá-lo na livraria. Lembro até hoje da icônica foto dos irmãos Sergio e Claudio Mamberti. De Ney Matogrosso na banheira. De Caetano em pé encostado a uma porta em nu frontal. Hoje Vania partiu. Mais uma perda enorme, incomensurável. Ela fazia parte daquela turma de pessoas talentosas, modernas, antenadas e descoladas que eu venho amando desde os anos oitenta. Da qual também fazia parte o seu amigo Antônio Bivar, que nos deixou semana passada. E Caio Fernando Abreu e tantos outros. Eu sempre encontrava com ela no almoço de Natal do Ritz. Nesse último, ano passado, quando nos cumprimentamos eu agradeci a ela por ter aceitado fazer parte do meu projeto Caio em Revista e ela respondeu: Mas vamos fazer logo! Só projeto, projeto não dá! Vamos fazer! É isso aí, Vania. Vamos fazer... Não quero encher o mês de julho de tristeza, por isso prefiro ressaltar o glamour e a alegria de Vania que, felizmente, estão registrados em suas obras. Ela e o Bivar já devem estar no esquenta para a grande balada que farão in the sky with Diamonds...
Nas fotos, minha amiga Claudia Wonder, Cazuza e Nuno Leal Maia clicados por Vania e eu com Vania em si na abertura da exposição Tarja Preta.

domingo, 5 de julho de 2020

TRISTE DOMINGO




Estava tudo indo bem. Quer dizer, bem na medida do possível ante as circunstâncias. Mas, enfim, o domingo esteve com sol, o frio deu uma trégua, nem parecia mais tão aquela coisa toda que estamos vivendo. Até que, no fim da tarde, veio a má notícia: Antônio Bivar se foi. Partiu. Sucumbiu ao malfadado vírus. Que raiva. Mais um dos muito bacanas, muito legais, muito inteligentes e criativos que nos deixa. Pobre do teatro brasileiro. Pobre da nossa cultura. Pobres de nós... Só estive com Bivar uma vez. Pela ocasião do lançamento do livro Aos Quatro Ventos, no qual ele conta mais uma parte da sua vida. Sim, ele contava sua vida toda em livros, uma espécie de reality show em folhetim. Eu adorava acompanhar as aventuras dele pelo mundo e pelas décadas. Fora toda a dramaturgia, Alzira Power, Cordelia Brasil e tudo o mais. Amei Bivar desde que tive consciência de que ele existia, nos discos de Maria Bethânia. Drama, cujo show ele dirigiu, e no qual Bethânia recitava textos de sua autoria que sei de cor. Não fosse esse nosso imenso e difícil amor, não fosse esse abismo entre nós, eu te convidava a dançar o meu último bolero. Eu devia ter quinze anos quando ouvia isso e ficava encantado... Mantive uma relação virtual com ele via Messenger desde que descobri, lendo uma de suas biografias, que ele escrevera um texto para Walmor Chagas que nunca foi montado. Me empenhei bastante no sentido de levar essa obra inédita à cena, mas, infelizmente, não aconteceu. Ainda. Amo suas parcerias com Rita Lee, nas mais variadas formas. Ou plataformas. Suas colaborações nas revistas AZ e Around, de Joyce Pascowitch. A maneira simples e bem humorada como ele relata tudo o que viveu, as pessoas interessantes com quem conviveu. Maria Della Costa lhe encomendando uma peça na qual ela pudesse usar vários vestidos bonitos... É dele a biografia de Yolanda Penteado, uma das melhores que já li... Quem me conhece ou segue o blog sabe da minha adoração por ele. É só digitar Bivar no campo de busca do blog e os posts sobre ele pipocam. Estou muito triste e chateado. De tanto ouvir falar em “novo normal” estou me sentindo um “velho anormal”. É um tal de reinventar-se, todo mundo se reinventando o tempo todo, via live ou fake live. Não acredito que “vamos sair dessa melhores”. Estamos vivendo o crepúsculo do pouco de bom que chegamos a ser... Vai em paz, Bivar. E, quando chegar lá, abra a janela e deixe entrar o ar puro e o sol da manhã...
Nas fotos, Bivar on the road e comigo no lançamento de Aos Quatro Ventos.