segunda-feira, 28 de outubro de 2019

IMPERMANÊNCIA

Há dias uma dor lombar do lado direito me impede de ir à academia treinar. Não há nada pior para um taurino do que algo que o impeça de cumprir a sua rotina diária... Me cai às mãos um raio de esperança e de inspiração: Um novo livro de Patti Smith. Devoção. E é com incontida devoção que me debruço sobre ele... Acordo de madrugada com uma chuva forte que lava a cidade. Volto a dormir. Quando finalmente me levanto, ao abrir o celular encontro a triste notícia: Morreu Jorge Fernando. Parte da vida volta em flash-back. Eu muito jovem, recém-saído de Soledade para estudar na capital, Porto Alegre, acompanhando o seriado Ciranda Cirandinha pela televisão. Depois vieram Guerra dos Sexos, Vereda Tropical, Cambalacho, Brega & Chique, Que Rei Sou Eu, Rainha da Sucata e tantas outras novelas. Como não amar, mesmo à distância, essa figura iluminada e iluminadora? Mais tarde, já morando em São Paulo, fui com meu amigo Edson Cordeiro assistir ao espetáculo Boom, que ele protagonizava, aqui perto de casa, no teatro Procópio Ferreira, onde hoje me apresento com a Terça Insana. Edinho me levou ao camarim depois da apresentação e cheguei a ser apresentado a ele, rapidamente, em meio a uma profusão de fãs e amigos que disputavam sua atenção... Um dos meus sonhos nessa vida era trabalhar com ele. Esse, infelizmente, não deu tempo de realizar. Mas o que fazer, senão seguir em frente tentando realizar outros tantos? Cheguei a ser chamado para fazer uma participação no seriado Macho Man, de Fernanda Young e Alexandre Machado, do qual ele era o protagonista. Mas um problema de agenda me impediu de participar. No dia da gravação eu tinha apresentação do meu espetáculo solo em São José do Rio Preto... Impermanência. Vida que segue. Minhas referências. Meus ídolos. Minhas fontes de inspiração... Agora vou à farmácia comprar remédio para a dor na lombar. Depois, fazer compressa com a bolsa de água quente. Felizmente, ainda tenho Patti Smith...
Nas fotos, o sorriso inesquecível de Jorge Fernando e Patti Smith na capa de Devoção.

quarta-feira, 23 de outubro de 2019

DOMINGO NO TEATRO

Dia desses fui assistir ao espetáculo Velórios, que a minha amiga Patrícia Vilela dirigiu com seus alunos. Era uma tarde de domingo, sem maiores expectativas, mas que acabou se revelando única e inesquecível. Já, já eu falo do espetáculo em si. Primeiro quero falar do prazer que foi conhecer pessoalmente o ator Reinaldo Gonzaga. Fomos apresentados e nos sentamos juntos no café do teatro após a função bebendo, rindo e conversando. Reinaldo tem uma voz incrivelmente grave, tão encorpada que a gente tem a impressão de estar ouvindo Deus falar. E como ele fala pausadamente, com voz baixa e muito bem articulado, contando histórias interessantíssimas, não tem como a gente não ficar prestando atenção. Enquanto ouvia, eu ficava olhando pra ele e lembrando de quando eu era criança em Soledade e já era fã, não apenas dele, mas também do pai dele, o grande ator Castro Gonzaga. Seu Castro imortalizou coronéis que representou em novelas como Gabriela e Saramandaia. Além de achar Reinaldo um ótimo ator, lembro que eu também o achava bonito. Sentia por ele algo que à época eu não conseguia entender o que era, mas que hoje imagino que fosse atração... Pois bem, ele tinha ido assistir à peça porque vai ser dirigido pela Patrícia em um monólogo que irá montar. Agora vamos ao espetáculo, os tais Velórios. Um texto interessantíssimo, escrito por cinco autores diferentes. São cinco histórias, todas elas passadas em velórios, com os mesmos personagens, sendo que em cada uma delas é um dos personagens que morre. E elas são ligadas por textos que versam sobre a morte, ditos em solos pelos diferentes atores. O que constitui um fio condutor que dá unidade ao todo. Os alunos de Patrícia revelam-se ótimos atores, todos muito talentosos e versáteis, acalentadoras promessas de que nosso ofício irá se manter por muitos anos ainda. Evoé! Patrícia, que é uma excelente atriz, surge à frente de sua jovem companhia como uma diretora firme e certa do que pretende realizar. Como diria minha professora de direção Irene Brietzke, tem postura de diretor. E diz logo a que veio. Já estou na fila para ser dirigido por ela logo depois do Reinaldo... Ficamos um bom tempo lá, bebendo, rindo e jogando muita conversa fora. Quando o domingo já findava, voltei para casa pensando nas voltas que a vida dá. Em como nem passava pela cabeça daquele menino do interior do Rio Grande do Sul que eu era sentar um dia na mesma mesa e trocar tantas ideias com um ator como Reinaldo Gonzaga, que eu via na tela da televisão lá na remota Soledade da minha infância. A vida é mesmo bela e cheia de descobertas. Que fenômeno incrível é a gente estar nela. E saber aproveitar cada dia...
Nas fotos eu, bobo de tão alegre com o Reinaldo e com minha amiga, a diretora e atriz Patrícia Vilela.

domingo, 13 de outubro de 2019

TCHAU, DOMINGO

Não gosto de domingos que findam. Há algo de melancolia no ar a cada final de tarde da semana que inicia. Mas o de hoje foi diferente. Especial. O dia foi lindo, quente, ensolarado. Tomei sol logo cedo, das oito e meia até as dez. Depois cozinhei, comi, escutei música. Nada que eu normalmente não faça. Mas havia uma luz especial iluminando o dia, a casa, a piscina cheia de condôminos a aproveitar o dia de descanso. E quando a tarde finalmente terminou, o céu se tingiu de tons inusitados. O vinho branco estava suavemente gelado, a música de Nina Simone no iPad especialmente linda e, para coroar tudo de ainda mais magia, a lua cheia surgiu tingida do fogo do sol que se pusera... Sabe quando a gente se sente abençoado por nada? Pelo simples fato de estar vivo? Foi assim. Mágoas? Que nada. Arrependimentos? Nenhum. De repente você se dá conta de que esse fim de tarde poderia ser em Paris, à beira do Canal Saint Martin, ou Nova Iorque ou Buenos Aires, Soledade, Porto Alegre, não importa. A lua é a mesma. O céu é o mesmo, não tem a menor importância se quem governa é Trump, Bolsonaro ou Macron. Ninguém manda no seu momento. Seus amigos podem estar se digladiando, sua família pode estar dividida, você pode ter ídolos que defendem esta ou aquela posição política. Seu dia está findando e um novo dia irá começar. Você pode ter se envolvido por uma pessoa encantadora que fez você se apaixonar e te abandonou. Você pode ter se iludido que iria ser chamado para aquele trabalho que iria impulsionar a sua carreira. Maysa morreu. Elis Regina morreu. Amy Winehouse morreu. Barbara Gancia conseguiu parar de beber. Isso, ao menos, é bom. Eu estou bebendo somente aos finais de semana e indo à academia de segunda a sexta. Amei e fui amado. Li muito, desde Monteiro Lobato até Haruki Murakami. Escrevo também, eu me arrisco. Se escrevesse para uma coluna semanal já estaria demitido, dada a escassez que tenho escrito agora... Ontem morreu tia Zelça. Ela não era minha tia. Era a melhor amiga da minha mãe. Naquela época em que fui criança, a gente só chamava de tio ou tia os irmãos dos pais da gente. Só que tia Zelça era tipo best friend forever da minha mãe. Eu adorava ir tomar café da tarde chez elle. Ela fazia os melhores sonhos feitos em casa do mundo... Que chato a gente ir ficando velha e ir perdendo todo mundo que importa... Chega! Me despeço desse domingo de primavera querendo que o verão chegue logo e que a gente pare de perder pessoas amadas. E passe a ganhar cada vez mais delas...
Na foto, tia Zelça e seus olhos azuis inesquecíveis.

segunda-feira, 7 de outubro de 2019

ESTRELA DO BRASIL

Eu, que no post anterior declarei não estar mais indo ao cinema fui, inesperadamente, na sexta-feira passada, ao entardecer, assistir a Hebe, a Estrela do Brasil. Sem nenhuma expectativa, confesso. E tive uma agradável surpresa. Pensei que seria algo na linha "chapa branca" mais ou menos como foi o musical a ela dedicado. Mas felizmente não era. O filme mostra uma espécie de lado B da apresentadora mais querida do Brasil. Traz uma Hebe de carne e osso, angustiada, envolvida em polêmicas, brigas conjugais e muito álcool. Sempre amei a figura dela, não apenas como a excelente enterteiner, one woman show que era, mas também como pessoa; uma mulher à frente de seu tempo, cheia de empatia pelo outro, sempre preocupada em dar voz aos excluídos, desmistificar tabus e combater preconceitos. Hoje, nessa era tosca de polarização que vivemos, ela estaria lascada. Aliás, já se lascava bastante à época. Hebe era acusada pela esquerda de ser de direita e pela direita de ser subversiva. Era, na verdade, adorada por todos. Lidem com esse barulho! Ela lidou. E teve uma trajetória louvável... Mas percebo agora que não estou falando do filme e sim da personagem em si. Que seja. Se não fosse por ela o filme não seria tão bom. Mas tem muito mais: A admirável performance da atriz Andréa Beltrão, de quem também sou fã de carteirinha. Andréa traz uma Hebe humana e cheia de falhas, bem como a gente gosta de ver uma celebridade na vida real. E o melhor: Não imita Hebe Camargo, risco em que nove entre dez atrizes cairiam... Marco Rica como o marido Lélio também está impecável. Estive algumas vezes no programa da Hebe. A primeira, logo que me mudei para São Paulo, ainda no teatro da Barra Funda, como integrante do elenco da peça O Pequeno Mago, do grupo XPTO. Depois fui como diretor do show de Edson Cordeiro; e uma terceira vez como ator de três cenas que fiz ao vivo com Grace Gianoukas e Carla Fioroni, ilustrando situações do tema abordado no programa. Sempre simpática, o que me impressionou desde a primeira vez que a vi pessoalmente é que ela era a mesma o tempo todo, estando no ar ou no comercial. Não mudava quando as câmeras estavam ligadas ou desligadas. Coisa rara de se ver... O filme ainda relembra figuras lendárias como Chacrinha, Dercy Gonçalves, Patrício Bisso e Roberta Close. Adoro a cena em que o produtor do programa, já cansado dos rolos em que Hebe se metia, ao ver que ela queria falar da inflação e do custo de vida, sugere que ela só fale de coisas leves, pois em momentos de crise o povo quer mais é esquecer dos problemas. Ao que ela responde: Voce já passou fome? Ele diz que não. E ela encerra, categórica: Eu já passei... Palmas para o filme de Maurício Farias. E viva Hebe Camargo!
Nas fotos, Andréa Beltrão esfuziante como Hebe no cartaz do filme e eu com a Hebe em si, recém chegado na Pauliceia, de mala e cuia, nos bastidores do seu programa.

quinta-feira, 3 de outubro de 2019

OUTUBRO COLORIDO

Gente, por favor, fala a verdade: Nós já estamos mesmo no mês de outubro? Não é algum tipo de pegadinha? Eu sei que o tempo está passando cada vez mais depressa, mas esse ano está simplesmente voando! E outubro, quando chega, é o seguinte: A-ca-bou o ano. A gente mal tem tempo de fazer aquela arrumação nos armários que vem planejando desde janeiro e pimba! Já é Natal outra vez... Pois bem, o meu ano está acabando sem que eu tivesse conseguido realizar metade das coisas que me propus para 2019. Nem meu solo com textos do Caio Fernando Abreu, que há dois anos venho tentando montar, eu consegui. Não desisti, que fique claro. Sigo na batalha. Mas terá de ficar para 2020... E a vida segue mais ou menos assim, mais ou menos no improviso, coisas acontecendo enquanto outras não acontecem... Seguem, por exemplo, outubro adentro, as comemorações dos dezoito anos da Terça Insana. Todas as terças aqui em São Paulo, no Teatro Procópio Ferreira, e viagens nos fins de semana. Seguem também minhas leituras e meus treinos na academia. Tenho ido cada vez menos ao teatro e, menos ainda, ao cinema. Desde o último Almodóvar, Dor e Glória, que não entro em uma sala escura. Em compensação tenho assistido a séries e filmes em casa, pelo Netflix, coisa que antes raramente fazia. E por falar em leituras, nos últimos dias me caiu às mãos uma excelente, que tenho apreciado com muita atenção e empatia: A Saideira, corajoso relato da jornalista Barbara Gancia sobre a sua incansável luta contra o alcoolismo. Apesar de sério e contundente, o livro vem colorido pelas pitadas de humor tão características de Barbara. O que torna a leitura extremamente prazerosa e palatável. Eu, que adoro beber e morro de medo de me tornar dependente, tenho lido com os olhos bem abertos. Diria mesmo arregalados... Já no Netflix, a série Pose, com roteiro e direção de Ryan Murphy, o mesmo do maravilhoso American Horror Story, tem me feito refém da televisão. Com o maior elenco trans da história das séries de televisão, Pose chega em ótimo momento aqui nesse fim de mundo onde a questão LGBTQI+ ainda é uma questão... Que o mês que se inicia seja de trocas, compreensão, empatias, simpatias, conhecimento, renovação e alegrias!
Na foto, Dominique Jackson como a esfuziante Elektra Wintour, na sárie Pose, e Barbara Gancia na capa de A Saideira.