segunda-feira, 27 de fevereiro de 2017

LOW CARNIVAL

Desde que moro em São Paulo, o que já faz vinte anos, a banca de revista do Seu Zé só não abre por dois motivos: Férias ou doença. Como ele normalmente me avisa quando vai tirar férias, levei um susto quando a vi fechada essa semana. Fiquei dois dias matutando o que teria acontecido quando, no terceiro dia, vi que ela estava parcialmente aberta e que o Seu Zé estava lá com o filho. Não deu outra: Ele me contou que havia sofrido um AVC e que ficara com a boca torta. Dos males, o menor, pensei. Nossa gatinha Winny também nos deu um susto essa semana. Teve uma espécie de convulsão, o que fez com que a veterinária lhe receitasse mais um medicamento, além dos vários que ela já toma, pois é uma senhorinha idosa de dezoito anos... Em meio a isso tudo a folia segue. E, como cantavam as Frenéticas, hoje eu já sei: Tomorrow is another day... E por falar nas Frê, uma das coisas que mais gosto de fazer durante o carnaval é ficar escutando músicas antigas. Há quem prefira fazer uma maratona de filmes e séries, como meu amigo Luís Arthur Nunes, que sai no bloco "Unidos do Netflix"... Foi assim que resgatei o psicodélico É Ferro na Boneca, dos Novos Baianos. Depois passei por Muitos Carnavais, de Caetano, o primeiro Frenéticas e Legal, de Gal Costa. Sigo resgatando pérolas que há muito não escutava... As ruas de São Paulo estão tomadas por blocos. Blocos é maneira de falar, porque eles cresceram tanto que estão parecendo escolas de samba, tal o número de foliões enlouquecidos que bebem, dançam e fazem xixi pelas ruas. Ah se eu tivesse vinte anos! Na verdade, bem na verdade, sinto saudade é de quando a cidade ficava vazia durante os dias de Momo e a única opção mais carnavalesca, além dos desfiles no sambódromo, eram as boates que tocavam marchinhas e axé... Inesquecíveis nesse quesito eram os bailes do Basfond, na Rua Lisboa, com minha amiga Leia Bastos na porta recebendo os animados... Mas tudo passa, tudo passará. E nada fica, nada ficará. E, para encerrar com Gal, dessa janela sozinho olhar a cidade me acalma. Rio e também posso chorar. E também posso chorar... Bom carnaval a todos!
Na foto, a antológica capa de Hélio Oiticica para Legal, de Gal.

segunda-feira, 20 de fevereiro de 2017

A LÁ LÁ Ô

A lá lá ô ô ô ô ô ô ô, mas que calô ô ô ô ô ô ô... Refletindo sobre a ressignificação do meu protagonismo, percebo, para além da minha zona de conforto, um empoderamento não-binário da minha orientação sexo-afetiva. Isso talvez acarrete uma reinicialização do meu sistema cognitivo de leitura da sociedade machista-heteronormativa. Na verdade esse processo libertador é meio que uma ocupação do meu espaço público/privado como forma de resistência. Mentira! Tô brincando... Eu jamais usaria tantas "palavras da moda" para me expressar. Mas o fato é que o chamado "túmulo do samba" acordou definitivamente para o carnaval. Não sei como foi no ano passado, que eu estava no Rio. Mas esse ano comprovei in loco a multidão que compareceu à Rua da Consolação para seguir o bloco Acadêmicos do Baixo Augusta. Aliás, seguir o bloco me foi impossível, tal a aglomeração humana. Preferi assistir a tudo da janela do apartamento de um amigo, verdadeiro camarote vip de frente para a folia. Me senti em Salvador. Ao contemplar da janela do oitavo andar a Consolação inteira ocupada por animados foliões que se esbaldavam ao som da palavra de ordem "a cidade é nossa", não pude deixar de lembrar da primeira fala da personagem Lisístrata, da comédia homônima de Aristófanes que montei anos atrás, ao constatar a ausência de suas companheiras à assembleia que convocara: Se tivessem sido convidadas para uma festa de Baco, isso aqui estaria infestado de mulheres e tamborins; mas, como eu falei que o assunto era sério, não compareceu nenhuma... Quem disse que o Brasil não é um país sério? Somos sérios sim. Levamos muito a sério essa questão do carnaval, por exemplo. As outras, a gente deixa pra março. E ainda estamos apenas no esquenta, no chamado pré-carnaval. Sim, porque quatro dias de folia era muito pouco, então criou-se o pré-carnaval pra gente poder curtir um pouco mais... É lógico que essa reflexão toda foi pro espaço assim que a Fafá de Belém subiu no trio elétrico e eu passei a gritar enlouquecidamente: Fafá! Fafá!! Fafá!!! Como se fosse possível ela me ouvir gritar do oitavo andar com o som do trio a milhões de decibéis. Mas a essas alturas eu já havia sido abduzido pelo espírito momesco e tudo o que eu mais queria era cair na folia como se não houvesse amanhã. E com a confortante certeza de que "a cidade é nossa"...
Na foto, a privilegiada vista do apartamento de Wilson de Santos.

sexta-feira, 10 de fevereiro de 2017

"A PROPÓSITO DA EXPOSIÇÃO MALFATTI"

Nem paranoia, nem mistificação. A exposição Anita Malfatti - Cem Anos de Arte Moderna, que está no Museu de Arte Moderna de São Paulo, é puro deleite. E encantamento. Sou muito atraído por esse período da arte brasileira. Mais especificamente, pelo grupo de artistas que integrou a Semana de Arte Moderna, da qual Anita foi precursora. A mostra traz um vasto panorama da trajetória da artista, com obras que vão de 1912 a 1956, e que ilustram as diversas fases da sua produção artística. As idas e vindas de Anita entre Alemanha, França e Estados Unidos. Seu contínuo interesse por tudo o que estava acontecendo no mundo das artes. Seu flerte com os diversos movimentos e tendências da pintura. Sua amizade com Tarsila do Amaral. Aliás, uma das coisas que mais me chamou a atenção na exposição e à qual dediquei o maior tempo de apreciação foi justamente uma carta de Tarsila para Anita, enviada da Capital Francesa, no ano de 1920. Escrita à mão, com caligrafia impecável em papel sem pauta. Nela Tarsila conta que estava morando "bem no centro de Paris, a dois passos do Louvre, o mesmo com o metro que me facilita para ir a todas as direcções. No ponto em que estou, nada fica longe". E, na parte que mais adorei ter lido, ela conta que foi dar um passeio de "aeroplano" sobre a Cidade Luz. Depois comenta: "Não tivemos medo, mas também não tencionamos bisar o passeio. A Terra é tão bôa, amemo-la, caminhemos sobre ella sem aquelle vento terrível das alturas, apenas remediado pelo capote e pelo gorro de pelles envolvendo a cabeça toda"... Adorável. E muito chic... Quase morri de dor nas costas, pois a carta é enorme e está exposta em uma vitrine horizontal, tipo mesa, o que fez com que eu me curvasse para poder lê-la melhor com os óculos para perto... Tudo por amor à arte. Mas, como eu dizia, a mostra traz um vasto panorama da produção da artista. Lá estão expostas desde O Farol, de 1915, até Vida na Roça, de 1956. Gosto particularmente do Retrato de Antonio Marino Gouvêa, no qual Anita reproduz ao fundo um outro quadro seu, Lago Maggiore, que pertencia ao retratado. E também do singelo Chanson de Montmartre, no qual uma moça rega flores à janela acompanhada de seu gatinho. Estão também expostos O Japonês, Tropical, Chinesa, A Estudante Russa, vários nus masculinos e femininos, retratos de amigos, familiares e intelectuais. E um desenho intitulado Grupo dos Cinco, de 1922, no qual aparecem Tarsila e Mário tocando piano, Menotti e Oswald repousando no chão enquanto a própria Anita dorme sobre um divã. Imperdível é pouco... Ao final da visita compreende-se porque a exposição de 1917 causou tanto estranhamento na provinciana São Paulo de então: Anita estava conectada com o que havia de mais moderno e vanguardista no mundo. Uma mulher à frente de seu tempo. Ou, como diz o meu amigo Odilon: Uma mulher moderna, voltada pro futuro...
Na foto, a obra O Japonês. Salvei do Google, pois não gosto de fotografar as obras quando vou a exposições de arte. O título do post está entre aspas porque é o título da crítica de Monteiro Lobato à exposição de 1917, que ficou mais conhecida como Paranoia ou Mistificação.

quarta-feira, 8 de fevereiro de 2017

DE VOLTA À PAULICEIA

Estou de volta a São Paulo depois de dez dias junto ao mar no pequeno paraíso que é a praia de Camburi. Dormir e acordar rodeado de belezas naturais de tempos em tempos é algo essencial para quem mora na Pauliceia. Respirar a brisa do mar, sentir a maresia, ouvir estrelas! Ora, direis, perdeste o senso. E eu vos direi no entanto que junto ao mar as estrelas são tantas que a gente chega até mesmo a ouvi-las. Ou o vinho que bebemos nos faz acreditar que sim. Mas, como já dizia Baudelaire, é preciso estar sempre embriagado. De vinho, de poesia ou de virtude, daquilo que preferirem... Eu prefiro esse mix de vinho e maresia, de lua e estrelas, nasceres e pores de sol, subires e desceres de marés... Sempre acompanhado de alguma literatura, para inspirar, e d'alguma música, para embalar as emoções... Claro que, como a perfeição não existe, tinha que ter algo de ruim: Os mosquitos. Um inferno. E dá-lhe repelente e matinset... Na volta, ao longo da estrada, um verdadeiro show em tecnicolor proporcionado por quaresmeiras e manacás que, no auge da floração, pintam e bordam a subida da serra... A capital, para variar, está cheia de coisas a serem vistas, assistidas, visitadas e revisitadas. A primeiríssima coisa que pretendo fazer, assim que terminar de desfazer a mala e botar a roupa para lavar, é visitar a exposição de Anita Malfatti no MAM. A mostra comemora os cem anos da famosa exposição da pintora que causou furor em 1917 e sacudiu a Pauliceia a ponto de fazer Monteiro Lobato chamá-la de Paranoia ou Mistificação... Das coisas que me fazem amar a cinzenta e poluída São Paulo de Piratininga. Essa visita à exposição de Anita merecerá, evidentemente, post exclusivo aqui no blog. Este que encerro agora era só para matar a saudade e fechar o parêntese aberto com a minha ida para Camburi. Agora, devidamente reabastecido de mar, sol, horizontes, entardeceres, noites estreladas, silêncio e canto dos pássaros, volto a encarar de frente a grande metrópole. Embriagado de vinho, de poesia e de virtude... Bom fevereiro a todos!
Na foto, obra do artista carioca Marcelo Eco, que homenageia a famosa esquina paulistana cantada por Caetano.