segunda-feira, 31 de janeiro de 2011


SOLOS DE VERÃO
Passei esse último fim de semana em São José do Rio Preto, onde participei, juntamente com minha amiga Agnes Zuliani, do Janeiro Brasileiro da Comédia, festival que acontece anualmente na cidade. Agnes foi convidada para dar uma oficina sobre humor e me chamou para fazer com ela o show de encerramento do festival. Criamos, então, os nossos Solos de Verão. No espetáculo, que acabou tendo uma hora e meia de duração, fizemos cinco personagens cada um. Para mim, foi uma experiência maravilhosa e também um desafio. Já saí da Terça Insana há mais de um ano e, desde então, só havia feito algumas participações esporádicas, na própira Terça, como convidado. Estava, portanto, muito curioso para ver como meus personagens funcionariam – ou não – junto ao público. A verdade é que fomos agraciados com platéias muito calorosas e receptivas nas duas sessões lotadas que fizemos. Quando se está há um certo tempo afastado do público, como eu estava, a gente perde um pouco a noção do quanto nosso trabalho é reconhecido e reverenciado pelas pessoas. E ter essa constatação assim, cara a cara, é realmente enriquecedor. Isso sem falar que viemos na sexta-feira para nos apresentarmos somente no domingo. O que acabou sendo uma ótima oportunidade de reatarmos a convivência: Agens, Cabral e eu. Sinto muito a falta dos dois, que acabaram se tornando os meus melhores amigos nos últimos tempos em que estive na Terça Insana. Como eles continuam lá, e cumprem uma agenda bastante movimentada, a gente acaba não se vendo muito. E a retomada desse convívio foi uma delícia. Ficamos hospedados em um hotel muito simpático, bucólico, silencioso e com uma piscina incrível onde nadei todos os dias. Foi um spa. O spa do humor. O grande desafio dos nossos solos de verão, além, evidentemente, de agradar à platéia, foram as trocas de personagens, pois teríamos somente o tempo da cena um do outro para nos trocarmos e Cabral fazer as caracteizações de cabelo e maquiagem. Foi como uma espécie de gincana na qual a nossa equipe foi a campeã. E, de quebra, reencontramos nossa amiga local, a produtora Kátia Graceli, que havia nos trazido com a Terça Insana há três anos atrás e continua uma fofa, nos recebendo como uma hostess profissionalíssima e nos brindando com jantares nos melhores restaurantes da cidade. Muito bom voltar a São José do Rio Preto. Ou, como disse minha personagem Betina Botox no seu solo de verão: São J do RP. À tout a l'heure...
Na foto, a incrível piscina do Hotel Michelangelo Plaza Inn.

quarta-feira, 26 de janeiro de 2011


BAIXINHO

Eu nunca quis envelhecer. Mas crescer eu queria! Quando estava na quinta série, o que no meu tempo significava já estar no ginásio, eu parecia uma criança da primeira série do primário! Ou seja: Com onze anos eu tinha tamanho de uma criança de sete! No final dos anos setenta, o fenômeno discoteca me pegou com quinze anos e aparência de doze. Como todos os jovens da época eu adorei “Os Embalos de Sábado à Noite” e queria ser o John Travolta. Mas o máximo que eu conseguia era dar a volta e ir embora, porque eu simplesmente não conseguia entrar em nenhuma discoteca! Aliás, mesmo depois dos dezoito anos eu tinha que mostrar o documento porque ninguém acreditava que eu era maior de idade! Eu cresci ouvindo dizer que tamanho não é documento! Ta bom, eu não cresci. Mas quer saber? Tamanho é documento sim! Os meus amigos que tinham tamanho, não precisavam mostrar o documento! Nas reuniões dançantes, os famosos bailinhos, só havia duas meninas com quem eu podia dançar. Mas não é que elas fossem menores do que eu. Elas eram exatamente da minha altura, só que uns quatro anos mais novas do que eu! E se elas não pudessem ir? Com quem eu iria dançar? Com a vassoura? E na hora de comprar sapato? Não é fácil achar sapato de homem número trinta e sete. E roupa, então? Quem inventou a numeração P, M e G devia estar fazendo roupa pra suíço, alemão, dinamarquês. Porque o P fica imenso em mim. Eu acabo comprando em seção infantil... O duro de ser baixinho é que quando você está tomando banho em vestiário de piscina ou de academia, sempre tem alguém que tenta entrar no seu chuveiro, porque, como não dá pra ver a cabeça em cima da porta, parece um chuveiro vago... Mas o que eu vou fazer? Eu tenho um metro e sessenta, sim! Sempre tive, faz quase cinquenta anos que eu tenho esse tamanho! Uma vez eu fui fazer teste pra ser um ET numa campanha de cerveja, tinha que ser baixinho pra poder entrar no boneco. A menina falou pra mim: Você não tem um metro e sessenta, não vem não, você tem mais. Ou seja: A única vez que superestimaram a minha altura foi pra me tirar de um trabalho! Eu falei: É claro que eu tenho um metro e sessenta. Você acha que alguém ia mentir essa altura? O fato é que tinha uma bailarina fazendo o teste, que era bem menor do que eu e pegou o filme... Sim, existe vida inferior a um metro e sessenta, acreditem! Outra vez me aprovaram pra um teste através de uma foto que eu mandei, de pé, num fundo branco. Cheguei lá e o diretor falou: Você é o cara da foto? Mas aqui você parece um homem enorme, um Vitor Fasano! Você podia ter colocado um objeto do lado, sei lá, um telefone, uma caneta, pra gente ter uma noção de proporção! Mas eu sou feliz assim. Não tenho nenhuma vergonha de ser baixinho. Vergonha é roubar e não poder carregar! Aliás, vergonha é roubar! Não poder carregar é só um detalhe! Ou vocês acham que o Ronaldo Ésper conseguiu carregar os vasos do cemitério do Araçá? Pode parecer que é besteira, mas eu não saio de casa sem antes ficar uns quinze, vinte minutos pendurado na barra, com umas caneleiras bem pesadas. Mal não faz. Vá que eu cresça mais um pouquinho...

Na foto, Robertinho Camarguinho, ator mirim e míni-celebridade.

sábado, 22 de janeiro de 2011


LILAC WINE
Esse é o título de uma das canções de Nina Simone de que mais gosto. Fala de um vinho lilás que é doce, faz a cabeça e traz de volta o ser amado. Sempre imaginei a Cida Moreira cantando-a. Acho a cara da Cida. Tomara que um dia ela resolva incluí-la no seu repertório de Dama Indigna da canção... Lembro-me de um show de Nina a que assisti aqui em São Paulo, no qual ela estava completamente embriagada e pedia: A little more champagne, please. Depois da terceira vez que pediu e não foi atendida, a diva levantou-se do piano, saiu de cena e voltou com uma garrafa de champanhe na mão, tomando no gargalo! Como também adoro o poema Enivrez-vous, de Charles Baudelaire. Em português, embriagai-vos. Que diz que é necessário estarmos sempre embriagados. De vinho, poesia ou de virtude, como quisermos. Assim como tenho quase certeza que Aretha Franklin, com sua I'm Drinking Again, inspirou Amy Winehouse a dizer, na hora de ir pro rehab: No, no ,no! A verdade é que desde tenra idade me sentia atraído pelos que louvam o álcool em particular e os opiáceos em geral. No começo dos oitenta vibrei com o lançamento da coleção Rebeldes e Malditos, da L&PM, que trazia o melhor de todos eles: Allen Ginsberg, Baudelaire, Thomas de Quinsey, Antonin Artaud. A minha turma, na minha cabeça rebelde de adolescente. Depois jutou-se a eles Cazuza, nossa versão brasileira. Antes de começar a beber, antes mesmo de experimentar qualquer droga, eu já sonhava abrir as minhas "Portas da Percepção", para citar Carlos Castañeda, outro da turma de quem, muito cedo, devorei todas as obras. Por que será? Às vezes penso que esse “Helenismo Roitmaniano” é hereditário, vem de família mesmo. Pois minha avó materna a-do-ra-va um drink. Assim como vários tios e tias... Tive minha fase junk, de destilados puros, com, no máximo, duas pedras de gelo. O gim, durante anos, foi meu preferido. Cheguei, no auge dos meus delírios etílico-poéticos, a criar essa pequena ode à bebida:
O GIM - Espelho transparente. Cristal lapidado. Um diamante de raro valor e beleza embriagante. Assim disposto, sobre a mesa de canto da sala, coberta com toalha de fina renda, o copo, longo, muito fino, cuidadosamente trabalhado, levemente azulado, continha em seu interior a sedutora, requintada e excitante bebida: O gim. A bebida dos que amam e sofrem porque amam. No seu gostoso perfume, e no seu gosto perfumado, busca o inconsolável amante solitário os prazeres fantasiosos que o precioso líquido proporciona à sua imaginação, à sua platônica paixão. E ele ama emocionado a bebida, tornando-a objeto de sua adoração, tomando-a como símbolo de seu sentimento que, apesar de belo, não é correspondido. Assim disposto sobre a mesa de canto da sala, o copo retém o líquido sedutor, cuja superfície repousa imóvel até que a mão trêmula do amante solitário o leve à boca e sorva lentamente os goles quentes e estonteantes que lhe ateiam fogo ao coração. Sua fantasia é embalada pelo som límpido e cristalino dos violinos de Vivaldi.
...E eu tinha apenas vite e dois aninhos! Haja fígado... Hoje só bebo vinho e champanhe. Dia desses, só pra me exibir, sentei no balcão do Ritz e pedi um Dry Martini. Só consegui beber a metade! Quem te viu, quem te vê...
Na foto, La Simone nua. Certamente depois de muito Lilac Wine...

sexta-feira, 21 de janeiro de 2011


DITADOS POPULARES

Dizem que Deus ajuda a quem cedo madruga. Por isso hoje eu levantei bem cedo, antes mesmo do sol raiar, dei uma moeda pro mendigo no sinal, porque quem dá aos pobres empresta a Deus, só comi grãos o dia inteiro, porque de grão em grão a galinha enche o papo, e estou me segurando pra não rir até agora porque quem ri por último ri melhor. Bem, eu também procurei me manter de boca fechada, porque em boca fechada não entra mosca; pedi um monte de informações, porque quem tem boca vai a Roma; não quis ter nada, porque quem muito quer, tudo perde; dei um pouco, porque é dando que se recebe; não corri com o andor, porque o santo é de barro; bebi um pouco, pra não ir com muita sede ao pote, e agora eu vou dizer com quem ando pra vocês saberem quem eu sou. Olha, eu tenho andado só. Mas antes só do que mal acompanhado, não é verdade? Mas eu to tranqüilo, porque os últimos serão os primeiros, não há nada como um dia após o outro e mais vale um pássaro na mão do que dois voando... Afinal de contas, Deus, que é Deus, escreve certo por linhas tortas! Na verdade, ele também dá nozes a quem não tem dentes, fecha uma porta e abre uma janela (Não consigo imaginar Deus fazendo isso!), dá o frio conforme o cobertor e não dá asa à cobra... Eu adoro ditados populares. Nem que seja pra fazer tudo exatamente ao contrário. Analisando formalmente a expressão, ditado é aquela parte chata da aula em que a gente tem que escrever (sem colar) o que o professor fala. Aliás, foi um ditado que confirmou a eleição de Tiririca - um popular - como deputado. E populares são aquelas pessoas que moram em casas simples, com cadeiras nas calçadas e na fachada escrito em cima que é um lar. Brincadeira... O fato é que soa meio redundante, pra mim, chamar ditados de populares. Já imaginaram como seriam ditados eruditos, por exemplo? Quem com Stradivarius compõe, com Vivaldi será comparado. Ou: Os últimos serão os reitores. Ou, ainda, com quantos filósofos se constrói uma biblioteca? Minha mãe conhecia vários ditados e vivia repetindo um para cada situação. Adorava esse, que ela sempre usava quando estávamos tristes por ter brigado com alguém, amigos ou namorados: Vão-se uns amores, vem outros, não falta quem me queira bem! E é incrível como eles ficam gravados na memória. Estou sempre lembrando da minha mãe, proferindo algum ditado, diante de cada nova situação que a vida me apresenta. E, por falar em mãe, ela tinha vários relativos à sua condição materna, como: Depois que filhos pari, nunca mais minha boca enchi. Ou o famoso: Filhos criados, trabalhos dobrados. Realmente, sob essa ótica, ser mãe é padecer no paraíso. Por outro lado, há males que vem pra bem. E, felizmente, dias melhores virão! Por isso, quem nunca proferiu um único ditado, popular ou não, que atire a primeira pedra...

Na foto, o popular Tiririca, eleito por um ditado.

quarta-feira, 19 de janeiro de 2011




DONA ONÇA, LOU REED, UNDERGROUND...
Adoro o Bar da Dona Onça. Happy hour depois de chuva, os últimos raios do sol poente refletidos no asfalto e nas calçadas ainda molhados... Faço hora para assistir ao show de Thiago Pethit cantando as canções de Lou Reed. Very underground. Numa terça-feira de janeiro. A cara de São Paulo. Enquanto espero bebo babys. E, como aperitivo, como um Toca da Onça, que são três mini pãezinhos franceses ocos, cheios de carne moída com ovo cozido e azeitonas picados. Uma delícia! Danuza Leão, em seu livro de viagens De Malas Prontas, conta que quando esteve aqui na Dona Onça adorou ler no cardápio que seu prato vinha acompanhado de “arroz soltinho”. E é mesmo uma maravilha um restaurante poder adjetivar assim a própria comida. Ainda mais com um adjetivo tão singelo. Arroz soltinho, realmente, não é para qualquer um. O meu, nunca fica. Falando em underground, no sábado fui ao Centro Cultural São Paulo (Afff!), ali na Vergueiro, para assistir ao show da Banda Vanguart, de Cuiabá, com participações do próprio Thiago Pethit e de minha ídola e professora Cida Moreira. Não sou muito fã de bandas de rock, mas o que me atrai no Vanguart é a voz do vocalista Hélio Flanders, que já havia ouvido cantar em participação num show da Cida no Studio SP. Diferentemente da maioria dos vocalistas de bandas, o Hélio canta. E muito. Seu dueto com Cida para She's Living Home, dos Beatles, foi, como diria o Ronnie Von, im-pe-cá-vel. Na mesa ao lado da minha há um grupo de advogados bebendo a sua happy hour. Um deles diz: Se você disser pra patroa que tomou o leita da onça – Bebida que servem aqui – ela vai te esperar de negligé. Adorei! Há quanto tempo não escutava esse mot: Negligé!! Só no happy hour... Da Dona Onça! Claro que Valério Araujo estava, como sempre, na sua mesa da porta bebendo e recebendo as “amigas”. Sempre que me vê, ele exclama: Courèges! Em referência à minha personagem Betina Botox...
Houve uma pausa, durante a qual assisti ao show do Thiago e agora, no dia seguinte, retomo o post. Thiago Pethit arrasou interpretando Lou Reed. A banda, acústica, versátil, criativa, em incrível sintonia com o cantor. E ele sabiamente alternou, a cada pequeno bloco de canções de Lou Reed, canções de sua autoria. Super a vontade com o repertório, Thiago soltou a voz e disse a que veio. Explorou graves, o que normalmente não faz em seus próprios shows. Ele costuma cantar suave, meio anasalado. Mas Lou Reed trouxe à tona o melhor de Thiago Pethit. The wild side. Ele deveria gravar esse repertório. Bem bão! À demain...
Nas fotos, pegadas de onça sobre a mesa e a color band de Thiago Pethit.

sexta-feira, 14 de janeiro de 2011


DIZER OU NÃO DIZER
Acabo de assistir ao filme Mine Vaganti que, em português, ganhou o título de O Primeiro Que Disse. Como diz minha amiga Agnes Zuliani, no seu personagem Ordinária, brasileiro adora entregar o filme no título... Mas, tirando o título brasileiro, esse filme italiano faz rir e emociona do início ao fim. Tomaso, o protagonista, que vive em Roma com o namorado, decide revelar à família que é gay. Seu irmão Antonio, que vive com a família tocando os negócios, se antecipa e revela antes do irmão que também é. O pai expulsa Antonio de casa e Tomaso se vê enredado na vida do irmão, assumindo o lugar que ele ocupava junto aos familiares e vivendo o dilema de contar ou não a sua verdade. Mas não é exatamente sobre o filme que pretendo falar, e, sim, sobre esse recorrente dilema de dizer ou não o que se quer, o que se sente, o que nos incomoda, o que desejamos do fundo do nosso ser. Foi com essa reflexão que saí da sala de cinema. Tudo deve mesmo ser dito? E as entrelinhas, servem pra quê? E a capacidade de percepção e observação do outro, não contam? E os silêncios que, muitas vezes, dizem tanto ou mais do que o mais eloquente dos discursos? Eu nunca fui daquelas pessoas que dizem tudo o que querem. Muitas vezes, prefiro calar. Sempre gostei mais de ouvir e, com isso, passei a perceber que as pessoas, em geral, falam demais. Costumam ter opinião formada sobre tudo e, como se isso não bastasse, fazem questão de expressar essas opiniões constantemente. De preferência, contrariando a opinião do interlocutor. E as discussões não tem fim... Por outro lado, há coisas que, se não são ditas, jamais serão compreendidas ou percebidas. Muitas tem, inclusive, que ser re-ditas. E outras são repetidas ao longo de toda uma vida e não serão absorvidas jamais. Ó dilema cruel! Dizer ou não dizer? Heis a questão... Voltando ao filme, o próprio Tomazo diz ao namorado, após esse se declarar numa conversa telefônica: Eu também te amo, só não consigo FALAR assim como você. E o mais interessante do filme é justamente ver a verdade de Tomazo sendo, pouco a pouco, percebida e assimilada por todos os integrantes da familia, sem que quase nada seja dito. Alguns, mais sábios como a avó, mais sofridos como a sócia, com mais vida interior como a tia, ou mais atilados mesmo como a irmã, percebem logo de cara. Os outros vão sendo enredados num crescendo que culmina com a chegada dos amigos de Tomaso que, de passagem pela cidade para ir à praia, são recebidos e hospedados pela família. Aliás, a estada das bibas na residência familiar gera as cenas mais engraçadas do filme... E assim, nesse diz ou não diz, o filme diz muito do ser humano, da vida, das relações, fazendo rir e emocionando constantemente. O que já não é pouco a ser dito...
Na foto, o ator Riccardo Scamarcio, intérprete de Tomazo.

sábado, 8 de janeiro de 2011


VERÕES
Desde criança sempre adorei o verão. Minha preferida e esperada estação do ano. Em Soledade, onde morava na minha infância, fazia muito frio o ano inteiro. O verão eram basicamente dois ou três meses de calor, de dezembro a fevereiro, e, mesmo assim, tinha que se levar um agasalho se fosse sair à noite. Ele também estava associado às férias, as tão igualmente esperadas férias grandes, que era quando podíamos frequentar as piscinas do Soledade Piscina Clube. Que, aliás, ficavam fechadas do meio dia às três da tarde. Que espera sem fim! Agente acabava de almoçar ficava contando os minutos pra poder entrar na água... Meus pais não tinham o costume de “veranear”, que é como se chama passar as férias na praia, em bom gauchês. Por isso, só fui conhecer o mar quando já tinha catorze para quinze anos. Fui, com minha irmã Regina e seu namorado Elimar, para Capão da Canoa, onde ficamos, Regina e eu, hospedados em um hotel. O Elimar ficou na casa dos pais dele. Que, esses sim, veraneavam em Capão. Lembro bem até hoje a sensação de desequilíbrio que tive quando a água andava debaixo dos meus pés voltando para o mar...O litoral gaúcho não tem praias bonitas: a água é marrom, venta, não tem coqueiros, nada. Apenas uma vasta extensão de areia que se perde em linha reta. Mesmo assim, para mim, foi inesquecível. Hoje gosto de descobrir novas praias, pelas quais acabo invariavelmente me apaixonando. Como foi o caso das recentes Camburizinho e Ilhabela. Quando vou pra lá fico fazendo planos de mudar de vida, deixar a cidade grande, os palcos, a agitação toda da metrópole e me dedicar à contemplação. Mas o verão me agrada nas cidades também. Até Paris eu prefiro no verão, ou, pelo menos, na primavera. A gente pode bater perna o dia inteiro, sentar em frente aos cafés e restaurantes que tem, quase todos, mesas na rua. Sem falar que fica dia claro até quase dez horas da noite. Hoje comprei dois CDs da cantora Stacey Kent, que ouvia bastante quando estava em Paris, na primavera-verão passados, quando saía para passear com o I pod do meu amigo João. Sua voz me trouxe imediatamente a lembrança de restaurantes flutuantes, bateau mouches lotados de turistas que passavam acenando, banhos de sol à beira do Sena, coups de champagne em terraços de cafés e restaurantes no meio da tarde, novas pequenas ruas que ia descobrindo, lugares que ia revendo, telhados vistos do alto, memórias dos anos passados por lá que, volta e meia, passam na minha cabeça como um filme de Truffaut...
Meu verão em São Paulo está sendo de muita chuva. Excessão feita aos dias que passei em Ilhabela, antes do Natal, com minha outra irmã, a Raquél. Estou contando os dias pra chuva parar, pra eu viajar, estar outra vez junto ao mar, como contava os dias para a chegada do verão em Soledade, na minha infância querida que os anos não trazem mais... Teve o verão que fui com minha amiga Patrícia para Barcelona e Ibiza. O que fui para as Ilhas Gregas. Os incontáveis verões que passei em Florianópolis. Os que passei na Praia da Pinheira. A primeira vez que fui para a Ilha do Mel, no Paraná, em 1984, de barraca, com meu amigo Marcel Bahlis. Trancoso, em 1985. O que passei em Torres, na casa do meu amigo Guto de Castro, em 1996, antes de me mudar, em março do mesmo ano, para São Paulo. Incontáveis verões. Inesquecíveis. Todos devidamente registrados em fotografias. Mas muito melhor registrados na minha memória... Bon été!
Na foto, praia na ilha de Creta em 1991. Como era verde o meu vale...

terça-feira, 4 de janeiro de 2011


CHUVAS DE VERÃO
Não é do filme de Cacá Diegues que vou falar, mas do fenômeno em si. Todo ano é a mesma coisa: Chega o verão e São Pedro resolve despejar sobre São Paulo toda a água reservada na represa do céu para abastecer o ano. Não sei o que São Paulo fez pra São Pedro. Parece birra, rivalidade entre santos. O fato é que é um saco. Justo nessa época, quando tudo o que a gente quer é um pouco de sol junto ao mar ou à beira da piscina? E não é que chova um pouco e pare, como normalmente acontece nas outras cidades durante o verão. Aqui em Sampa, quando começa, não para mais! É um tal de alaga aqui, entope bueiro ali, fecha túnel acolá... Um inferno. Aliás, inferno, não. Pelo que reza a mitologia o inferno, contrariamente, é repleto de fogo. Não dá nem pra pensar em sair de casa sem guarda-chuva. Mais cedo ou mais tarde, ele vai ser necessário. O jeito é aproveitar, já que é férias mesmo, para ler ou arrumar os armários. Eu adoro me desfazer de coisas que já não tem mais utilidade. Principalmente no começo do ano, para abrir espaço para o novo, literal e metaforicamente. Então, deixa chover, deixa a chuva molhar. Meus armários entulhados agradecem. E eu, no maior tédio, fico torcendo para que o sol volte a brilhar. Bom verão!
Aliás, outra boa idéia para os dias chuvosos do verão é, justamente, rever o clássico de Cacá Diegues, com Fernanda Montenegro e Jofre Soares...

domingo, 2 de janeiro de 2011


FICÇÕES II

Segunda parte das Ficções, agora escritas em abril de 1992, já de volta ao Brasil. Embora pareça estranho como primeiro post do ano novo, elas falam de uma vida nova que o personagem deseja começar quando volta ao seu país de origem. Recomeço, ano novo, vida nova.
I
O homem havia subido três lances de escadas com duas malas bastante pesadas e acabara de entrar no apartamento quando escutou, vindo da rua: Pare em nome da lei.
Tarde demais. O prédio estava cercado. Crianças com revólveres e metralhadoras de plástico, tartarugas ninjas, formavam uma corrente e já estavam ameaçando escalar o edifício. Fechar as janelas, colocar uma música no volume máximo, algo capaz de o transportar para cidades distantes ou, ao contrário, abrir as janelas à invasão, ao recomeço, à chegada? Tanta coisa pra ser resolvida em meio à lembrança de flores no chão, de navios, de templos, de anéis de caveira, de jeans surrados, de portas de cafés, paletós pretos, o pequeno frasco com odor desconcertante, as dores de cabeça, as noites sem dormir, os anti-distônicos, os excitantes, os passeios noturnos de automóvel, as torres iluminadas, os telhados, os telefonemas, as brigas, boates, viajens, aeroportos, estações de trem, caronas, carimbos em passaportes, museus, teatros, discussões, perdas de paciência e de auto-controle, de identidade, a felicidade, o amor, o sexo com risco e sem risco, as saudades de casa, da infância, as descobertas, o inesperado,o insuportável, o subjuntivo en français, os passeios de bateau mouche. Seria pedir demais reaver tudo isso, seria pedir de menos esquecer tudo isso, seria difícil demais conviver com tudo isso, seria duro demais agora perder tudo isso. O homem não tinha mais nada. O seu presente era um passado próximo, imperfeito. E a idéia era recomeçar um futuro simples. Ouviu, ainda, vindo da rua: Corra que a polícia vem aí! Não tinha pra onde correr. Não tinha vontade de recomeçar.
II
O homem olha para o horizonte. Agora do outro lado. Ele atravessou o mar, mudou de continente e o que vê é a mesma linha que separa tons de azul, o que sente é a mesma urgência de transformar o seu momento, o que o faz chorar é a mesma história de amor mal acabada. Ele agora passeia pela calçada branca e preta de uma avenida à beira mar. Desfila a solidão masculina à beira da crise e do carnaval. Do terraço à beira mar ele assiste a um tiroteio subsequente a um assalto a banco. Com mortes, prisões e gritos dos moradores, suspensos nas sacadas dos edifícios, seus camarotes de frente pro caos. À noite no mesmo terraço ele perde o sono e contempla a lua sobre o mar, navios passando ao longe, ecoam na sua memória os tiros que não disparou e os que recebeu indiretamente, disfarçados em desencontros, discussões e mentiras. Coisas vividas além-mar. A sua vontade era cruzar de novo o oceano. Na verdade ele gostaria de poder cruzar o oceano de um lado para o outro sempre que sentisse vontade, toda vez que estivesse com medo, cada vez que a saudade batesse, se por mais não fosse para rever lugares, paisagens, pessoas, conversar em outro idioma, estabelecer contatos utilizando-se de um outro código cultural. Sábado de tardezinha. O som na vitrola é pop. A letra da música é triste. A bebida do copo é uísque. Ele está sozinho e de frente para o mar. O mesmo atlântico mar que ele via do outro lado, lá em baixo a calçada branca e preta que orna uma baía de luzes, avermelhada pelo sol que se põe, vermelho de paixão e morte, suor e sangue liquidificados, amálgama amargo de tez tropical. O mesmo mar talvez contemplado da mesma rua por que escritora sem sono, por que pessoa noturna em pé no terraço fumando, deixando o tempo passar, passando a noite de frente para o mar.
III
Manhã branca e fumacenta. Uma espécie de nevoeiro somado ao tempo nublado tornava o dia pesado e quente. Sobretudo, melancólico. Havia, perdido em meio à neblina, um homem tentando divisar o seu momento. Os dias nublados, com nevoeiro, costumavam propiciar o tédio, a melancolia, talvez por dissiparem tentativas de visão à distância, do tipo fazer planos para o futuro, preparar o amanhã. Ele estava tentando afastar a neblina do seu momento, o seu presente de homem só. Que acordou triste no meio de uma manhã branca. Ele não estava interessado na conversa do bombeiro que consertava o cano da pia, na conversa da vizinha pendurada na janela, nada de cotidiano e aparente. O que o intrigava na manhã nublada era justamente o que estava por trás do nevoeiro, a sua realidade interior, impalpável, ele se exigia e se questionava no calor branco da manhã. Queria ser denso e profundo como a neblina, desvendar os seus mistérios e viver plenamente o que havia por trás deles. Sabia que esse fenômeno exterior era provocado pela baixa temperatura da água do mar em contato com o calor do ar. O que havia de indecifrável na brancura da manhã era esse fenômeno interno provocado pelo dia. Estranheza. Por vezes o homem percebia com perfeita nitidez o que buscava. Então sentia medo. Sentia-se pequeno e impotente diante da imensidão das coisas que o cercavam. Percebia-se frágil e desacreditado de si. E tudo o mais que cotidianamente o atormentava, seu último amor, as viajens, cafés, desencontros, brigas, pareciam pouco, pareciam nada, via sua vida griando em torno de banalidades, entardeceres de frente pro mar, cigarros, uísque, discos pop de música triste, beijos na boca, boates e discussões. Não era nada disso, era mais o que buscava, o que queria e projetava na neblina da manhã. Ria consigo mesmo ao perceber-se mais uma vez confuso, perdido, triste e questionador. Sabia que isso já fazia parte da sua vida como gel no cabelo, filas em aeroportos, anti-distônicos e portas de cafés. Talvez com o passar do tempo, mais tempo ainda, viesse a saber como manejar tudo isso em proveito próprio, por enquanto só sabia reconhecer o caráter transitório dessas oscilações, essas mudanças de estados de alma. Sabia, contudo, que nevoeiros se dissipam e que o sol volta a brilhar. E que quando bronzeasse seu corpo estendido ao sol vendo as ondas quebrarem na praia, navegaria por outros estados de alma, outras verdades internas que o ajudariam a dissipar mais tranquilamente os próximos nevoeiros... Ler livros, também ajudava, ir ao cinema também. Estava disposto a encarar tudo e, ao mesmo tempo, sentia um medo incalculável do que estava por descobrir. Quando deu por si o nevoeiro já havia se dissipado. E foi para a rua disposto a recomeçar.