sexta-feira, 29 de setembro de 2017

LIGADO NA TOMADA

Engraçado como fatos corriqueiros do dia a dia, não mais que de repente, nos conectam com o passado e com as lembranças que estavam guardadas em algum recôndito cantinho da memória. Ao chegar em casa pela manhã, percebi que o celular não estava conectando à minha rede wi-fi. Em seguida, constatei que o modem estava desligado. E, seguindo o fio, descubro o problema: A tomada à qual o equipamento estava ligado, que por sinal havia sido instalada por mim, estava com um dos fios soltos. Desliguei a força da casa inteira, desencapei a ponta dos fios, religuei-os à tomada et voilá, tudo voltou a funcionar como de costume. Imediatamente fiquei lembrando do meu pai, já há vinte anos falecido. De como ele me fazia acompanhar cada passo do processo de consertos domésticos em geral. De como eu me revoltava com isso, interessado que estava em continuar brincando ou não fazendo nada. E do quanto hoje sou grato a ele por tudo o que me ensinou. Ou me obrigou a aprender. Durante as demonstrações ele sempre me perguntava como eu faria para resolver aquele problema. Eu, quase sempre interessado em dar fim à indesejada atividade, apontava a solução mais rápida. E ele dizia: Essa é a solução mais fácil, não a melhor. É a solução de quem tem preguiça, não a de quem pensa... Que bom que, mesmo contra a minha vontade na ocasião, esses ensinamentos todos tenham ficado comigo. Graças a eles e a muitos outros, tudo o que tenho na minha casa foi instalado por mim mesmo. Desde lustres e luminárias até tomadas e instalações elétricas em geral. Sem falar em todos os pneus que ele me fez observá-lo trocar e que até hoje me lembro exatamente como se faz. Falando nisso, logo que vim para São Paulo tive de ir com meu amigo Fariello até um bairro distante, se não me engano Mutinga, para burocracias referentes ao nosso contrato de trabalho com o Sesi, onde iríamos apresentar um espetáculo. No meio do caminho, em plena estrada, fura um pneu do carro e meu amigo começa a se descabelar. Quando se deu conta, eu já estava de mangas arregaçadas trocando o pneu diante de seus incrédulos olhos. Rimos muito e mais uma vez lembrei de meu velho pai... É isso. Constatações de uma manhã corriqueira e banal na casa e na vida de uma pessoa nem tão banal ou corriqueira.
Na foto, Robertinho ligadinho na tomada da infância em Soledade.

sábado, 23 de setembro de 2017

PRIMAVERÃO

A primavera veio quente como o mais tórrido dos verões logo nos primeiros dias da sua chegada. Aqui na Pauliceia, o ar quente, seco & poluído rasga gargantas sensíveis como a minha, entope narizes e faz tossir pulmões. E nada de chuva... A chegada da nova estação me pegou totalmente mergulhado no universo de Caio Fernando Abreu. Não nas suas obras literárias, mas nos textos que escrevia para as revistas AZ e Around, nos anos oitenta. Cida Moreira me disponibilizou sua coleção gentilmente. Tenho me divertido muito. O Caio dessas revistas é muito parecido com o que convivia com os amigos: Engraçado, leve, debochado, irônico, crítico dos hábitos e costumes da sociedade. Para mim é sempre um enorme prazer trazer à tona esse lado menos conhecido do escritor denso e profundo revelado pelos livros. Vez por outra, nessas publicações, Caio assina com o pseudônimo de Terezinha O'Connor. Segundo ele, prima de Sinead e discípula de Nadja de Lemos. Sob tal alcunha, ele deita e rola... O start desta pesquisa foi dado no lançamento do Festival Caio Entre Nós, que ocorreu no dia sete de setembro próximo passado, em Porto Alegre, e no qual apresentei Bolero, um dos textos de Caio para a Revista AZ. Espero conseguir reunir uma quantidade razoável de artigos "dizíveis" destas publicações para transformar em um solo. Um pocket espetáculo que seja. Então voltarei a dar notícias por aqui. Bom primaverão a todos!
Na foto, a jovem Malu Mader ilustra a capa de uma das edições da saudosa AZ.

segunda-feira, 18 de setembro de 2017

PAIXÃO JUVENIL

Escrevi esse conto (?) em 1985, aos vinte e um anos de idade, visivelmente influenciado por Caio Fernando Abreu e Clarice Lispector. Começa assim mesmo, com reticências:
... quando chega aqui em casa vai logo se jogando no sofá, tirando o tênis, as meias, e de cara pedindo pra ouvir aquele Frank Zappa que ele adora. No Bar do Parque vendem cigarro avulso e ele me trouxe dois enrolados num papel de carta onde tinha escrito uma poesia. Mas não era poesia dele, era uma letra de música. Comprei numa banca do centro um magazine dos anos cinquenta, com fotografias de artistas de cinema e, imagine só, embalei em papel de seda lilás e lhe dei de presente. Quando, nas primeiras noites do verão, anda pela rua sem ter propriamente onde ir, colhe um jasmim perfumado e traz pra casa pra eu por no vaso. No meu quarto. Ele me trouxe a Maçã no Escuro e eu lhe falei da Paixão Segundo GH. Me conta histórias da sua vida que sempre acabo achando infantis. Mas é tão lindo, tão leve, tão assim nem sei dizer como, que me apaixona. O Cine Bristol deveria incluir na sua programação um ciclo dos filmes de Darlene Glória. A divina prostituta, a grande atriz do cinema brasileiro que hoje é religiosa. A gente vai, eu e ele, assistir a tudo que é filme que passam aqui. Até porque queremos fazer cinema. Escrever, dirigir, atuar. Não há mais quem aguente esse bairro boêmio onde moro nos fins de semana. Acabo tendo que vir pra casa, os bares estão lotados. Além disso não me interessam, são feios e mal frequentados. Escrevo no ritmo do jazz de Louis Armstrong. Literalmente, pois vou marcando o r-i-t-m-o a cada nota do jazz nas teclas dessa Remington. Quando fala de suas ex-namoradas fica tão dengoso e choramingas como criança mimada, como gatinho rosnador, que quer ser afagado. Mas não quer ao menos dormir comigo. Só dormir, eu falei. No máximo se tocar, assim tipo fazer carinho. Não, não tenho essa tua vontade, ele disse. Então assim: Ele chega, tira o tênis, as meias, a gente conversa, bebe gim, eu acabo me cansando, mas é com incontida ansiedade que o espero voltar.
Na foto, a capa do LP de Frank Zappa referido no texto.

segunda-feira, 11 de setembro de 2017

BOLERO

O ano era 1989 e eu ainda morava em Porto Alegre. Em uma das minhas idas a São Paulo para visitar amigos e conferir espetáculos de teatro, comprei uma edição da Revista AZ, de Joyce Pascowich, que trazia a cantora Rosemary na capa. Dentro, o editorial abolerado e o texto de Caio Fernando Abreu que passou a me inspirar em quase tudo o que fazia: Bolero. Partindo de uma comparação entre a "roupa" e a "música" bolero, Caio embarca em lembranças da infância que terminam por definir o "feeling" bolero, por assim dizer. Mais ainda: O universo bolero. Minha identificação com o conteúdo daquele texto foi tamanha que cheguei a escrever e dirigir uma peça de teatro que chamei de A Mulher Só - Uma Comédia Bolero. Lembro de uma vez em que estava dando uma entrevista na TVE de Porto Alegre sobre a peça e disse que gostava de ficar em casa aos sábados à noite ouvindo Dalva de Oliveira e Dolores Duran. Quando voltei à sala de maquiagem para pegar meus pertences o maquiador, bem mais velho do que eu, me disse: Você é jovem demais pra ficar ouvindo essas coisas, falando dessas coisas. E eu nem tinha trinta anos... Quando recebi o convite de Luís Arthur Nunes para participar da noite de lançamento do festival Caio Entre Nós, no Teatro São Pedro de Porto Alegre, que aconteceu na semana passada, não tive dúvida: Chegara a hora de interpretar o texto de Caio que guardei por tantos anos. Até o momento de entrar em cena eu estava um feixe de nervos. O coração parecia querer saltar pela boca. Todo o ar que me fosse possível respirar era insuficiente. Mas quando o foco no centro do palco se acendeu e fui entrando nele ao som do piano de Arthur de Faria que tocava os acordes iniciais de Sabor a Mí, tudo fluiu como devem fluir os boleros... E que eles nunca nos faltem! Essa imagem ficará na minha memória para sempre. Arquivada, arquetípica. (Para citar Caio Fernando Abreu). Uma pena Tânia Carvalho não estar presente. Eu teria dedicado minha cena a ela, que foi quem me apresentou ao universo dos boleros de Eydie Gormé e Trio Los Panchos quando eu ainda era praticamente menino... Volto para São Paulo me coçando de vontade de transformar esse bolero em um solo. Que os deuses do teatro me iluminem...
A foto que ilustra o post é de Flavio Wild, outro agradável reencontro que Caio Entre Nós me proporcionou.

sábado, 9 de setembro de 2017

CAIO ENTRE NÓS

De volta à cidade da minha juventude para homenagear o escritor da minha juventude... Estou em Porto Alegre para ensaios e apresentação de Caio Entre Nós, a noite de lançamento de um festival em homenagem a Caio Fernando Abreu. Entre reuniões e ensaios, um rápido giro pelo centro da cidade para visitar a exposição Queermuseu, no Santander Cultural. A mostra traz um vasto e interessante painel da diversidade na arte brasileira. De Alair Gomes a Volpi, passando por Cândido Portinari e Flavio de Carvalho, até Leonilson e Lygia Clark. Particularmente fiquei muito feliz de ver e rever os trabalhos de alguns artistas gaúchos de quem sou fã como Fernando Baril, Gilberto Perin, Mário Rönelt, Milton Kurtz, Rogério Nazari e Telmo Lanes. Os óleos sobre tela de Baril impressionam tanto pelo surrealismo que representam quanto pelas dimensões. Sua obra O Alterofilista, exposta ao lado do Retrato de Rodolfo Jozetti, de Cândido Portinari, propõe um rico contraste ao mesmo tempo em que revela a proximidade através das diferenças. Ideia que meio que perpassa toda a exposição. Saindo de lá, ainda deu tempo de subir até o rooftop da loja popular de departamentos Lebes, e tomar um café na La Basque com vista para o Rio Guaíba. Apesar da chuva que já iniciava, deu tempo de fazer algumas fotos bem bonitas. Fiquei imaginando o quão lindo deve ser a vista no entardecer de um dia ensolarado... Após intervalo de alguns dias, volto a escrever esse post. A noite de homenagem a Caio foi um grande sucesso. Graças à colaboração de amigos queridos e artistas talentosíssimos, foi possível levantar um espetáculo de duas horas com textos, músicas, leituras de cartas, depoimentos e performances inesquecíveis. À altura do homenageado. Viva Caio Fernando Abreu... Já tive também oportunidade de assistir, na Casa de Cultura Mario Quintana, ao ensaio de um espetáculo que está sendo montado por um grupo de amigos muito queridos, com os quais já trabalhei em diversas montagens teatrais realizadas no meu período porto-alegrense. É muito reconfortante saber que artistas seguem criando, imaginando, tornando sonhos realidade malgré todas as adversidades que enfrentamos. Evoé... No mais, sigo revendo lugares, amigos e familiares, descobrindo e redescobrindo a velha Porto Alegre da minha mocidade. Encerro com um verso de Mario Quintana que li na Casa de Cultura: "O que faz as coisas pararem no tempo é a saudade"... Bom setembro a todos!
Nas fotos, Marcos Breda e Julia Lemertz, os mestres de cerimônia da noite Caio Entre Nós, brincam no fosso do elevador antes de subir para o palco do Teatro São Pedro.