quarta-feira, 23 de dezembro de 2015

MARCAS

Dia desses, pensando nas marcas que a vida deixa na gente, me deparei com uma cicatriz que tenho na perna e ela me fez viajar no tempo... Quando eu era pequeno, devia ter oito ou nove anos, subia correndo uma escada de casa quando tropecei e bati a canela direita na quina de um degrau. A pele subiu abrindo uma espécie de Grito de Munch na minha perna. A batida foi tão forte que meio que anestesiou o local, pois lembro que não sentia propriamente dor. Lembro também que apenas um fino filete de sangue corria da ferida. Mas eu chorava e gritava da mesma forma, tamanho foi o susto e o estrago que a queda causou. Quando minha mãe atendeu aos meus apelos e viu o que tinha acontecido, saiu porta afora aos berros, acenando e gritando para os carros que passavam em frente à minha casa. Um deles parou e nos levou ao hospital. Aqui minha memória faz um pequeno lapso. Não lembro de quem nos levou até lá, nem do trajeto, nem tampouco da chegada no hospital. Só lembro de já estar sendo atendido pelo Doutor Sidney... Dr. Sidney era o médico da família, compadre dos meus pais, que eram padrinhos de sua filha Fátima. Adoro essa cena e nunca, jamais, em tempo algum irei esquecê-la. Enquanto costurava minha perna, Dr. Sidney mantinha preso aos lábios um cigarro aceso. De vez em quando ele pegava o cigarro com uma das mãos para bater a cinza no cinzeiro e, aproveitando os lábios livres, dizia à minha mãe: Calma, comadre, vai ficar ótimo! Ótimo não ficou: Até hoje tenho uma espécie de sorriso gravado na canela como lembrança desse acidente. Mas vamos combinar que transformar o Grito de Munch em um smile não é pouca coisa... Tenho muita saudade desse tempo em que a gente conhecia os médicos e não tinha plano de saúde. As relações eram pessoais e não burocratizadas como são hoje. E ninguém adoecia ou morria porque o médico não usava luvas esterilizadas em um ambiente totalmente asséptico. Já estou com cinquenta e dois anos e nunca fui hospitalizado na vida. Todas as doenças que tive puderam ser tratadas em casa. Sem plano de saúde. E o smile na minha canela direita é a prova. São as tais marcas que a vida vai deixando e que contam a nossa história...
Na foto, Robertinho por volta dos oito ou nove.

sábado, 19 de dezembro de 2015

BODAS DE PERFUME

Hoje meu blog está completando seis anos de existência. São as nossas bodas de perfume. Seis anos de casamento são chamados bodas de perfume ou de açúcar. Como não gosto de açúcar, escolhi perfume, que adoro. Me lembra o livro de Patrick Süskind, que amei. E o meu perfume propriamente dito, o Vetiver de Guerlain que adotei há anos. Sempre que ele está acabando, brinco que preciso ir a Paris comprar meu Vetiver... Agora vou fazer uma confissão aos leitores: Nunca pensei que o blog fosse durar tanto tempo. E o fato dele estar durando me deixa muito feliz. Primeiro porque não tenho a me-nor obrigação de fazê-lo. Faço por puro prazer. E segundo porque ele me realiza. Sim, através do blog eu realizo minha fantasia de ser escritor. Se ninguém ler, tanto faz. Está tudo aqui. Registrado. E um dia talvez, na posteridade, eu seja descoberto e lançado como um escritor de obra póstuma. Até que seria bacana. Mas bacana mesmo seria se isso acontecesse na atualidade, comigo vivo, para desfrutar a realização de mais um sonho... Sei que ando relapso, escrevendo pouco. E aqui aproveito para fazer mais uma confissão: Na verdade eu tenho é postado pouco. Escrever eu continuo escrevendo. Mas, por uma série de problemas de logística (sempre quis usar esse termo!), não tenho mesmo é podido postar com a regularidade de sempre. Mas esse problema já está sendo resolvido. Aproveito para agradecer a todos que me seguem e me leem e para pedir aos que só me leem que me sigam também! E que façam os comentários aqui no blog ao invés de fazê-los no facebook. Enfim, de qualquer maneira, muito obrigado a todos! Vamos nos falando por aqui. E longa vida ao blog!
Na foto, The Toilette of Venus, de François Boucher.

quinta-feira, 17 de dezembro de 2015

OUTROS TEMPOS

Sou garçom aqui nesse restaurante há mais de cinquenta anos. Comecei tinha vinte e cinco. Hoje eu sou o funcionário mais antigo da casa e não deixo derramar uma gota de cafezinho. Sou o rei da bandeja. Essa moçada nova de agora não está acostumada a trabalhar. Nem pra servir uma mesa eles prestam. Ficam olhando pras xícaras e copos, começam a tremer e derramam tudo! Eu canso de ensinar: Você olha na direção do seu objetivo. Ou seja, a mesa do cliente. Se ficar olhando pra xícara, derrama. Mas eles não aprendem nada, só reclamam do calor. Imagina, calor hoje em dia, com ar condicionado! Antigamente não tinha essa mamata. E a gente tinha que atender no salão de summer smooking . Hoje é essa moleza de atender só de camisa e gravata. Mas eles reclamam até da gravata. E o público, então? Ah, a clientela mudou muito. Gente de bermuda, de chinelos. Isso era impensável um tempo atrás. Os cavalheiros vinham de terno, gravata e chapéu. E, evidentemente, tiravam o chapéu ao adentrar o salão. Não era como hoje que a garotada entra de boné... Quando eu falo ninguém me entende. Outros tempos, meu camarada, outros tempos. Hoje em dia está tudo mudado.
E é um tal de bater foto, bater foto, bater foto. Não sei qual é a necessidade que as pessoas têm de tirar tanto retrato. Selfie, não é, que chamam agora? Até do prato eles tiram foto. Depois reclamam que está frio... Eu acho que as senhoras que vinham à tarde, para o chá, já faleceram. Ou nem tem mais coragem de sair de casa. Não se pode mais usar nem uma joia. Tão roubando até correntinha de ouro, que é uma coisa barata. Imagina uma joia de verdade, com brilhantes... E os cavalheiros que vinham tomar um scotch no fim da tarde também já devem ter partido pro andar de cima... Pelo menos os novos proprietários conservaram a decoração. Não colocaram telão de plasma. Não consigo entender a função de um televisor ligado em um restaurante. Quem quer assistir tevê que fique em casa! Esses espelhos até o teto, isso tudo veio da Bélgica, de navio. Mas agora ninguém mais dá valor. Quando o pianista toca standards do jazz tem gente que reclama! Decerto eles queriam que tocasse funk! É por isso que eu digo: Outros tempos, meu camarada! Outros tempos...
Na foto, eu, caracterizado de garçon na filmagem de Mãe Só Há Uma, de Anna Muylaert. Foto da própria.

segunda-feira, 14 de dezembro de 2015

PARIS, RIO

É histórico e notório que o Rio de Janeiro sempre se espelhou em Paris. Pelo menos de Dom Pedro II em diante, uma vez que nosso Imperador adorava a Cidade Luz e fazia o possível para reproduzir do lado de cá o que tanto o encantava do lado de lá do Atlântico. Tanto que fazia construir parques e jardins inspirados nos de Paris, para nosso deleite e alegria... E a influência francesa é visível não apenas na moda e na gastronomia, mas também nos costumes e na arquitetura. Vide casarios com mansardas e marquises de ferro fundido e vidro que abundam no centro da cidade. Só não consigo entender como as pessoas aguentavam se vestir à francesa aqui no calor dos trópicos. E até hoje a mulherada segue usando chemisiers, peignoirs, négligées e lingéries em geral, vez por outra alongadas no recamier sob a luz difusa do abat-jour... Eu, que já vivi nas duas cidades e as visito frequentemente, me divirto identificando semelhanças entre elas. Carmen Miranda já cantava: Paris, Paris je t'aime, mas eu gosto muito mais do Leme. O que há de Paris no Leme? O simpático bistro La Fabrique. Já a Praça do Lido não tem nada a ver com o Lido de Paris... A Praça Tiradentes, com os teatros Carlos Gomes e João Caetano frente à frente, me remete à Place du Châtelet, com o Théâtre de la Ville e o Théâtre du Châtelet também frente à frente. Assim como o Bar Luis, na Rua da Carioca, é para mim o correspondente carioca do Le Bouillon Chartier, na Rue du Faubourg Montmartre, nos Grands Boulevards. Se bem que o Café Lamas, no Catete, também tem algo do Chartier... Sem falar no Teatro Municipal, nossa Opéra Garnier, e, claro, a Confeitaria Colombo, nossa Angelina tropical art-nouveau. E o que dizer do charme vintage da Confeitaria Manon, que descobri por acaso quando batia pernas na Rua do Ouvidor? Só pelo nome eu já a citaria aqui. Mas o décor é ainda mais incrível... Santa Tereza me traz ares de Montmartre. Não apenas pela altitude, mas também pela concentração de artistas, ateliers e uma certa boemia... Adoro os "afrancesamentos" adotados por alguns estabelecimentos em seus nomes. Como o Paris Gastrô, assim mesmo, com acento circunflexo, que vi da janela do ônibus quando passava pela Praia do Flamengo... Outra coisa que adoro do Rio e que me dá muito a sensação de estar em Paris é a longevidade de determinados estabelecimentos. Aqui, como lá, os lugares tem história. Não é incomum você encontrar no Rio restaurantes com mais de cem anos, por exemplo. Ou parques de duzentos anos. O que, tratando-se de Brasil, não é pouco. Há muitos gatos aqui no Rio, como em Paris, uma alegria para quem como eu ama os felinos. E, para encerrar com muito charme, a Praça Paris, cuja foto ilustra o post. Seria o nosso Parc Monceau? Nosso Jardin du Louxembourg? À vous de décider... Au revoir!