quinta-feira, 17 de dezembro de 2015

OUTROS TEMPOS

Sou garçom aqui nesse restaurante há mais de cinquenta anos. Comecei tinha vinte e cinco. Hoje eu sou o funcionário mais antigo da casa e não deixo derramar uma gota de cafezinho. Sou o rei da bandeja. Essa moçada nova de agora não está acostumada a trabalhar. Nem pra servir uma mesa eles prestam. Ficam olhando pras xícaras e copos, começam a tremer e derramam tudo! Eu canso de ensinar: Você olha na direção do seu objetivo. Ou seja, a mesa do cliente. Se ficar olhando pra xícara, derrama. Mas eles não aprendem nada, só reclamam do calor. Imagina, calor hoje em dia, com ar condicionado! Antigamente não tinha essa mamata. E a gente tinha que atender no salão de summer smooking . Hoje é essa moleza de atender só de camisa e gravata. Mas eles reclamam até da gravata. E o público, então? Ah, a clientela mudou muito. Gente de bermuda, de chinelos. Isso era impensável um tempo atrás. Os cavalheiros vinham de terno, gravata e chapéu. E, evidentemente, tiravam o chapéu ao adentrar o salão. Não era como hoje que a garotada entra de boné... Quando eu falo ninguém me entende. Outros tempos, meu camarada, outros tempos. Hoje em dia está tudo mudado.
E é um tal de bater foto, bater foto, bater foto. Não sei qual é a necessidade que as pessoas têm de tirar tanto retrato. Selfie, não é, que chamam agora? Até do prato eles tiram foto. Depois reclamam que está frio... Eu acho que as senhoras que vinham à tarde, para o chá, já faleceram. Ou nem tem mais coragem de sair de casa. Não se pode mais usar nem uma joia. Tão roubando até correntinha de ouro, que é uma coisa barata. Imagina uma joia de verdade, com brilhantes... E os cavalheiros que vinham tomar um scotch no fim da tarde também já devem ter partido pro andar de cima... Pelo menos os novos proprietários conservaram a decoração. Não colocaram telão de plasma. Não consigo entender a função de um televisor ligado em um restaurante. Quem quer assistir tevê que fique em casa! Esses espelhos até o teto, isso tudo veio da Bélgica, de navio. Mas agora ninguém mais dá valor. Quando o pianista toca standards do jazz tem gente que reclama! Decerto eles queriam que tocasse funk! É por isso que eu digo: Outros tempos, meu camarada! Outros tempos...
Na foto, eu, caracterizado de garçon na filmagem de Mãe Só Há Uma, de Anna Muylaert. Foto da própria.

Nenhum comentário:

Postar um comentário