sexta-feira, 19 de abril de 2024

SOUVENIRS DE PARIS

Nunca se falou tanto em Paris na mídia como agora que as Olimpíadas se aproximam. Só que para mim isso começou há muitos anos... Aliás, pode-se dizer que tudo já foi dito sobre Paris. Não apenas dito, mas também cantado, pintado, fotografado e filmado. Ela está em Hemingway e em Cole Porter; em Toulouse Lautrec, Man Ray e Gertrude Stein; está em Stanley Donen, Richard Quine e Woody Allen. E também na memória de todos os que nela moraram, namoraram, viveram um grande amor ou mesmo a visitaram apenas uma única vez. Paris é de fato inesquecível. Com suas belezas e feiúras… Recentemente me caiu às mãos um romance de Julio Verne chamado Paris no Século Vinte. O autor, famoso por suas antecipações do futuro, das invenções e da tecnologia, antevê em pleno século dezenove o que se tornaria a capital francesa no século seguinte. Com espantosa fidelidade! Entre os romancistas contemporâneos me encantam muito Paula McLain e seu Casados com Paris, livro que retrata o amor, a traição e a ambição do jovem Ernest Hemingway e sua primeira esposa nos anos loucos da Paris do início do século passado; e também Marc Lévy, com o romance P. S. de Paris, que narra as aventuras amorosas de uma atriz inglesa e um escritor americano que buscam mudar suas vidas na Cidade Luz… Não me canso de rever o filme Meia-noite em Paris, de Woody Allen, assim como Cinderela em Paris e Quando Paris Alucina, ambos protagonizados por Audrey Hepburn e, claro, a série Emilly in Paris… Queria muito enjoar da cidade ou, como dizemos no Sul, “pegar nojo” de Paris. Assim não sentiria tanta falta de visitá-la, de flanar pelas suas ruas e redescobri-la a cada vez que lá voltasse. Queria implicar com seus garçons, geralmente mal humorados e sem paciência para qualquer tentativa de alteração do cardápio, com seus edifícios de seis andares sem elevador, com sua ausência de ar condicionado em pleno verão… Mas não posso, não consigo, é mais forte do que eu. Fico com as cerejeiras em flor, os gatos nas vitrines e telhados, os telhados, os barcos que deslizam pelo Sena, os acordeonistas de rua, os museus, teatros e galerias, os parques e jardins; os cafés com mesas na calçada, as coupes de champagne, os entardeceres em frente à Tour Eiffel... Sigo amando essa cidade que me arrebatou no começo dos anos noventa e, mesmo sem vê-la há nove anos, me mantenho fiel ainda que à distância… Espero que as Olimpíadas passem logo, a mídia esqueça um pouco da cidade e a multidão de estrangeiros vindos de todos os cantos do mundo a desocupe para que ela volte a ser só minha. Mesmo que seja apenas na minha imaginação… Nas fotos, eu novinho na Paris dos anos noventa, a Place des Voges e o Canal Saint Martin iluminado ao entardecer.

domingo, 14 de abril de 2024

O CIRCO CHEGOU

Essa semana que passou fui assistir ao espetáculo Cabaré Coragem, do Grupo Galpão, no Sesc Belenzinho. Era uma quinta-feira à noite, eu estava cansado dos ensaios da semana, essa unidade do Sesc é longe pra caramba, andei, peguei metrô, fiz baldeação na República, andei mais e finalmente cheguei. O importante aqui é que: Valeu a pena! Assim que o espetáculo começa, ou antes mesmo dele começar, a gente é levada a entrar no clima pelos atores que já circulam, oferecem bebidas, se comunicam com a plateia. A música é constante e super envolvente, descontrai, faz rir, não tem como não se entregar para a proposta. Que deleite esse espetáculo! Cida Moreira, que participou do processo de criação, já havia me antecipado que era o máximo. Pois é: Emociona, encanta, transporta para lugares recônditos da memória e, sobretudo, diverte. Uma troupe afinada e talentosíssima se reveza em textos, canções e instrumentos. Eu, que nasci e cresci no interior do Rio Grande do Sul, tive a sensação de que o circo havia chegado à minha pequena cidade. Ou que o velho teatro de lata estava outra vez em cartaz. Ou ainda que o meu teatrinho de garagem tinha voltado a cartaz... Eles sempre chegavam trazendo esse encantamento, essas surpresas, alegrias e emoções. E tudo o que eu via, assim que chegava em casa tentava reproduzir... Nunca esqueço de uma vez que vi passar um elefante em frente à minha casa, em Soledade, anunciando a chegada de um circo... Cabaré Coragem vai de Brecht e Weill a Calcinha Preta e Valeska Popozuda. Passando por Boris Vian, Rita Lee e Caetano Veloso. Inês Peixoto é a mestre de cerimônias, que conduz com maestria e versatilidade o show de variedades que a troupe apresenta, cantando, dançando e interpretando com talento que enche os olhos e a alma. Teuda Bara, a decana da toupe, personifica a propriétaire que, do alto da sua sabedoria e experiência, procura espremer o que pode de seus sonhadores artistas. Poético, singelo e pungente. Tão bom, mas tão bom quando um espetáculo de teatro consegue fazer isso com a gente. Comigo, pelo menos. Assisto a tantas coisas (cada vez menos) que deixam tanto a desejar. Já andava sedento dessa comunhão, dessa catarse. Todos os outros atores, Antonio Edson, Eduardo Moreira, Lydia del Picchia, Simone Odornes e Luiz Rocha tem seus momentos, encantam, surpreendem, realizam façanhas e arrancam aplausos sem ter fim. Fui às lágrimas com Teuda Bara cantando Mamãe Coragem, de Caetano, gravada por Gal. E também com a canção Perigosa, de Rita Lee, sucesso das Frenéticas, grupo do qual fazia parte minha saudosa amiga Lidoka. Que noite inesquecível de quinta-feira! Com direito a vinho, conhaque e cachacinhas... Longa vida ao cabaré do Grupo Galpão! Nas fotos, Teuda Bara, Inês Peixoto, Eduardo Moreira, Antonio Edson e a troupe toda agradecendo os merecidos aplausos.

quinta-feira, 11 de abril de 2024

ABRIL A MIL

O mês de abril chegou me levando de volta à sala de ensaio! Graças a Deus. Já estava tendo síndrome de abstinência do palco...Retomei os ensaios do meu solo Caio em Revista que vai estrear no dia onze de maio aqui em São Paulo, no teatro Viradalata. Já não era sem tempo! Venho trabalhando neste projeto desde o ano de 2017. Foi quando comecei a pesquisar os textos, depois adaptei-os para o teatro, confeccionei o roteiro e veio a pandemia que fez com que tudo parasse. Em 2022 iniciamos o processo de montagem com ensaios alternados na casa do meu diretor Luís Artur Nunes e na minha. Em seguida começamos a apresentar os ensaios para amigos, ainda nas nossas casas. Nesse meio tempo, dois produtores nos inscreveram em editais e em prêmios nos quais não fomos contemplados. Até que no início desse ano eu disse para mim mesmo que de 2024 não passaria. E não passou! Arregacei as mangas e resolvi fazer o que fosse possível para tirar esse projeto da gaveta e jogá-lo no palco. Graças às contribuições inestimáveis de Luís Artur, Patrícia Vilela, Alexandra Golik, Émerson Brandt, Guto Lacaz, Mareu Nietsche, Claudia de Bem, André Omote, Cabral e Gerardo Franco consegui levantar o mínimo indispensável para a realização desse sonho, ainda que em caráter de work in progress... Sem falar que, para que eu tivesse acesso aos textos, totalmente inéditos em livro e apenas publicados em revistas dos anos oitenta, me abriram seus guardados Cida Moreira, Luiz Henrique Campos, Samuel Oliveira, Odilon Henriques, Marcos Breda e Humberto Vieira. Inestimável também tem sido a colaboração de Sylvia Moreira e Celso Frateschi nos cedendo o espaço do seu lindo Teatro Ágora para os ensaios. Como se pode ver, teatro definitivamente não se faz só, mesmo quando num caso como este, se trata de um monólogo... O que quero dizer aqui é que tenho andado afastado do blog, escrevendo pouco, por este nobre motivo: Em maio estarei de volta aos palcos! E, evidentemente, minha cabeça agora está totalmente voltada para isso. Logo darei mais notícias por aqui. E logo mais, no dia 25 próximo, irei comemorar meus sessenta e um anos de idade em Foz do Iguaçu, a convite de minha irmã Raquél. Volto em cima da hora de estrear. A gente vai se falando... Bom mês de abril a todos! Na foto, eu ensaiando Caio em Revista no palco do Teatro Ágora.

quarta-feira, 20 de março de 2024

SONATA DE OUTONO

Nasci em um dia de outono. Hoje começo, portanto, a viver o meu sexagésimo primeiro outono... É algo a ser celebrado. O outono é uma estação amena, de temperaturas agradáveis. (Pelo menos vinha sendo assim até aqui. Agora, com as mudanças climáticas, o aquecimento global, tudo pode ser esperado). Ainda assim, uma estação do ano que não nos expõe a rigores climáticos como os do inverno e do verão. De uns anos para cá tenho me identificado mais com essa época do ano. Acho que estou a viver o outono da minha vida. O sol aquece sem queimar. A luz outonal dos dias é clara e incide de maneira a ressaltar as cores e texturas das coisas. As folhas vão amarelando até avermelhar e se desprender das árvores voando num balé aéreo em direção ao chão. Les feuilles mortes, de Jacques Prévert... Quando fui morar em Paris, no começo dos anos noventa, cheguei na cidade em pleno outono. Os plátanos davam um show de beleza nas ruas. Bem, tudo era beleza e deslumbramento para mim naquela época. Mas a primeira imagem da Paris outonal ficou impressa na minha memória. Como um cartão postal de dias felizes... Espero que o outono que hoje inicia nos aqueça o coração. Nos traga esperança e força para ir em frente. Nos anime a semear sempre, para ter melhores colheitas futuras. Se trata de renovação, de deixar caírem as folhas mortas para novos brotos desabrocharem. Teremos também a Páscoa que, para além da chocolataria que nos engorda, simboliza o renascimento do criador. Enquanto escrevo essas linhas minha cabeça é invadida por uma profusão de memórias de outonos passados, que não caberiam aqui nesse post. E de canções, como a de Roberto Carlos, que diz: "as folhas vão caindo e eu choro baixinho; mas tenho a esperança que ela vai voltar; as folhas quando caem, nascem outras no lugar"... Bom outono a todos!

quarta-feira, 6 de março de 2024

PERFECT DAYS

Ao me sentar diante do computador para escrever esse post devo confessar que ainda não sei muito bem o que vou dizer. É sobre o filme Dias Perfeitos, de Win Wenders, a que assisti ontem à tarde. Uma tarde quente de verão, abafada mesmo, com um vento que anunciava a chuva que estava por vir. O filme começou e foi, aos poucos, me transportando para uma outra dimensão. Acho que é isso, mas poderia ser também outra realidade, outro tempo, outras possibilidades de se viver. Quem espera encontrar ação ou aventura nos filmes, por favor, não vá porque não tem. Nem romance ou suspense. Nem mesmo uma história com começo, meio e fim. Mas do que se trata então? Trata-se de um poema filmado. Poesia feita de imagens e de sons. Acompanhamos o dia a dia do personagem Hirayama, funcionário da companhia de banheiros públicos de Tóquio. Sua rotina. Sua maneira de observar o mundo em volta. Seus rituais, seus hábitos, seus gostos particulares. Sua maneira de se relacionar com os outros. O filme tem um ritmo próprio, diferente do que estamos acostumados. E a vida, no filme, também tem seu próprio ritmo. Para começar, quase tudo no universo do personagem é analógico: Os livros que lê, as fitas K7 em que escuta suas músicas; a máquina fotográfica com a qual registra sua visão da cidade; o som da vassoura da vizinha varrendo a calçada, que o desperta todas as manhãs... Hirayama não vive preso ao celular, oh, libertação suprema! Imagino que a maioria das pessoas não tenha tempo para dedicar duas horas das suas atribuladas rotinas a esse filme. Ocupadas que estão com coisas importantíssimas como expor as próprias vidas nas redes sociais, por exemplo. Mas é uma pena que assim seja. Perdem muito. O filme abre uma janela no cotidiano. Nos arranca da nossa vaidade, do nosso egoísmo autocentrado. Nos dá a percepção da nossa própria futilidade... Termina com Hirayama dirigindo seu furgão da companhia de banheiros públicos ao som de Felling Good, na voz de Nina Simone. Emocionado, ele ri e chora. Em silêncio, como fica durante quase todo o tempo do filme. A trilha sonora, diga-se, é maravilhosa... Quando a sessão acabou, um temporal varria a cidade e a enxurrada cobria as calçadas da Rua Augusta, que tinha se transformado em uma grande cachoeira. Fiquei parado na porta do cinema esperando a chuva acalmar. Os carros parados em fila tentavam subir em direção à Avenida Paulista. Muitos desistiam, retornavam e desciam a Augusta de volta. O que tornava o caos ainda maior. Me veio à mente a música de Éric Satie. Alguns textos de Caio Fernando Abreu. São Paulo sendo São Paulo. Eu sendo eu. A vida sendo ela própria... Na foto, o ator Kõji Yakusho, que vive Hirayama, no cartaz de Dias Perfeitos.

quarta-feira, 28 de fevereiro de 2024

FEVEREIRO DUMP

No primeiro dia do mês minha gatinha Lina faz aniversário. Quatro anos... Vou com meu amigo Edson Cordeiro ver nosso amigo dj Eduardo Corelli tocar em um restaurante descolado no Bixiga... Fico encantado com a performance de Nilton Bicudo em O Antipássaro, espetáculo no qual ele transborda a poesia de Orides Fontela. Puro arrebatamento... Relembro um verão dos anos oitenta do século passado no Rio de Janeiro na companhia de amigos inesquecíveis... Meus pais em um antigo baile de carnaval no Clube Comercial de Soledade. A trilha sonora é Camisa Listrada, na voz de Carmen Miranda... Minhas irmãs e eu em um antigo baile de carnaval no Clube Comercial de Soledade. Ao fundo, Caetano Veloso canta Muitos Carnavais... Meu personagem ovino, uma ovelha inspirada no homem carneiro de Haruki Murakami, descansa a beleza com máscara de dormir deitada em um sofá no pós-carnaval. A imagem é embalada pela voz de Edson Cordeiro cantando Lovesong, da banda britânica The Cure... Relembro as queridas Lidoka e Claudia Wonder, que já viraram purpurina e iluminam o céu. Weidy e eu na praia de Ipanema (bronzeados, dourados e felizes) no verão de 2009... Para fechar com chave de ouro, assisto a mais dois espetáculos de teatro: Um com a maravilhosa Martha Mellinger (De Tanto Amar) e o outro com o surpreendentemente incrível e encantador João Côrtes (Invisível)... Essa foi uma tentativa de traduzir em palavras o que seria um carrossel de imagens do mês de fevereiro no meu Instagram. Um fevereiro intenso & variado. Bem como eu gosto! E boas águas de março a todos! Na foto, eu-ovelha descansa a beleza no pós-carnaval.

segunda-feira, 26 de fevereiro de 2024

INVISÍVEL

Escrevo ainda fortemente impactado pelo espetáculo Invisível, solo do ator João Côrtes, a que assisti ontem à noite no Teatro Renaissance. É a primeira vez que assisto ao trabalho desse jovem artista que, pelo que andei pesquisando, já tem dez anos de carreira. João encanta desde o primeiro momento em que pisa no palco. Com uma presença cênica eletrizante e um trabalho corporal invejável ele conduz a plateia através da violenta história de seu personagem, que é vítima de violência física e psicológica por parte de seu companheiro. Assim falando parece que se trata de algo difícil de se assistir, ou pesado demais, ou até mesmo chato. Mas não é. Com seu talento e carisma João arrebata e nos prende à sua narrativa do início ao fim. É um grande prazer presenciar uma entrega tão intensa no palco. Ele denuncia e, ao mesmo tempo, entretém. O texto de Moisés Bittencourt e a direção impecável de Fernando Gomes são emoldurados pela precisa e mágica iluminação de Paulo Cesar Medeiros, praticamente o único cenário do espetáculo. Com ritmo intenso, cortes e flashbacks cinematográficos, o espetáculo solo de João Côrtes é uma lufada de ar fresco no teatro brasileiro. Uma renovação. Sacode, diverte, emociona e faz pensar. Precisa ser visto! Esse jovem ator é um atleta, um ginasta da arte e das palavras. Não sei mais o que dizer. Estou sem fôlego, estupefato, entorpecido. Saí do teatro renovado e recomendo a todos... Na foto, João recebe e agradece os merecidos aplausos.

sexta-feira, 23 de fevereiro de 2024

PARAÍSOS ARTIFICIAIS

Desde a mais tenra juventude tive irresistível atração por drogas. E, paradoxalmente, nunca me dei bem com nenhuma delas. Pelo menos das que cheguei a experimentar. Tudo começou com a leitura de A Erva do Diabo, de Carlos Castañeda. E, consequentemente, de outras obras desse autor como Viagem a Ixtlan, O Segundo Círculo do Poder e outras que não me ocorre o nome. Essa semana tive que fazer um exame clínico que exige a tal sedação. Assim que a enfermeira aplicou a injeção no tubo do soro fiquei grogue e só me lembro de ter dito ao médico: Já estou tonto. A partir daí tudo se apagou e só recuperei a consciência em casa. Consciência é maneira de falar. Dormi a tarde inteira, acordei, jantei e dormi de novo até o dia seguinte. Acordei com uma espécie de ressaca misturada com depressão, muito semelhante ao que acontece depois de qualquer noitada de excessos. Daquelas de antigamente, lógico. Que hoje em dia noitada para mim é ir ao teatro ou a um bar ou restaurante e antes da meia noite já estar em casa... Não sei qual benzodiazepínico, psicotrópico ou estupefaciente (rsrsrs) os médicos costumam aplicar nessas ocasiões. Sei que deu uma bagunçada geral na minha mente já não muito organizada... Por outro lado, trouxe à tona memórias já quase esquecidas. Como os Paraísos Artificiais do título do post, que se referem à obra do escritor Charles Baudelaire. Nela o autor de As Flores do Mal discorre sobre a dor e a delícia de se utilizar substâncias como o ópio, o haxixe e o vinho, capazes de "transformar os homens em deuses antes de lançá-los ao inferno". Na verdade Baudelaire acaba puxando a brasa da sardinha para o álcool. Assim como ele eu, que comecei pelo álcool e passei por várias outras substâncias alteradoras da consciência, descartei todas elas e ao álcool retornei. Rsrsrs (não que eu o tivesse abandonado enquanto experimentava todas as outras)... O que sei é que não tenho nenhum controle sobre drogas e não ter controle é algo que não suporto. Toda substância que faz "viajar" me leva para uma insuportável onda de pânico, insegurança, medo e horror. Sou muito melhor consciente. E, melhor ainda, levemente embriagado. Levei anos para me dar conta disso. Mas nada como a maturidade, não é mesmo? Para o bem e para o mal... "Deveis estar sempre embriagados. Para não sentir o horrível fardo do tempo que vos esmaga os ombros e vos verga para a terra, é preciso embriagar-se sem descanso. Mas de quê? De vinho, de poesia ou de virtude, a vosso gosto. Mas embriagai-vos". Sábias palavras de Baudelaire. Me vieram também à mente os escritos de Thomas de Quincey e Antonin Artaud e os livros da coleção Rebeldes e Malditos da editora L&PM. Quem se lembra dessa coleção? Eu sei que entrega a idade rsrsrs. Mas eram adoráveis e necessários numa época em que não se tinha sequer um Google, por exemplo... O bom é que o efeito do sedativo e a crise pós-sedativo já passaram e a minha cabecinha parece ter voltado ao normal. Ao normal dela, se é que me entendem. Acho até que logo mais, à noite, vou beber um negocinho só para ver o estrago que faz... Boas viagens a todos! Nas fotos, Roberteen viaja no vinho e a obra Os Fumantes de Haxixe, de Gaetano Previati.

segunda-feira, 12 de fevereiro de 2024

CANÇÕES DE CARNAVAL

... e nesses dias de folia em que a multidão se amontoa, se acotovela e se entrelaça lânguida e cheia de lascívia, eu me entrego ao deleite da música. Inevitavelmente acabo revisitando álbuns e canções que ao longo do ano ficam mais no fundo das pilhas de CDs e LPs. Quero falar especificamente de três álbuns que tem embalado meus dias de folia (ou de anti-folia). O primeiro deles é Carmen Miranda 100 Anos, idealizado e produzido por Thiago Marques Luiz. Uma luxuosa edição dupla que traz no primeiro CD duetos de Carmen com grandes cantores da primeira fase da carreira dela como Mario Reis, Silvio Caldas, Francisco Alves e Carlos Galhardo. Hits como Alô Alô, Isto é Lá com Santo Antônio e Pra Quem Sabe Dar Valor são apresentados nas gravações originais da Pequena Notável com seus contemporâneos. A gente chega a visualizar os cordões passando em meio a muito confetti e serpentina; o outro CD que compõe a edição vem com artistas nossos contemporâneos (alguns já falecidos como Elza Soares, Gal Costa e Rita Lee) fazendo suas interpretações dos grandes sucessos de Carmen; e aí temos Evinha, Maria Alcina, Baby do Brasil, Caetano, Elba Ramalho, entre outros. Amo a versão de Marília Barbosa para o hit Eu Dei. A capa é belíssima, com direção de arte de Ana Amélia Martino e Rafael Ayres. Um luxo para ser degustado o ano inteiro... O segundo álbum é Babando Lamartine, das esfuziantes Frenéticas, sexteto vocal do qual fazia parte minha saudosa amiga Lidoka. Nesse gracioso e animado passeio pela obra do genial Lamartine Babo "as Fre" cantam embaladas por arranjos do não menos genial Cezar Camargo Mariano. Traz pérolas como Canção Pra Inglês Ver, Aí, Hein! e Maria da Luz, entre outras como O Teu Cabelo Não Nega (hoje seriam canceladas) e Jou Jous e Balangandãs. (Lamartine, diga-se, também está presente nos duetos com Carmen do primeiro álbum aqui citado)... Terceiro mas não menos importante, o histórico, antológico, inesquecível e imprescindível Muitos Carnavais, de Caetano Veloso. Nem sei o que falar deste disco que amo tanto, cujo vinil me foi presenteado pelo meu amigo Paulo Teixeira com a seguinte dedicatória: "Roberto, para que a tua vida seja sempre uma festa, como esse disco é". E não é que foi? Ou melhor, vem sendo. Entre Muitos Carnavais, Chuva, Suor e Cerveja e Atrás do Trio Elétrico, A Filha da Chiquita Bacana (eu rsrs) vem vivendo a vida como uma verdadeira festa. Pois, como cantam as Frenéticas, só quem tem mãe no mangue é que não dança, com medo de revelar a sua herança... Fora esses três discos aqui citados, ainda me delicio com uma coletânea de sucessos de Carmen que eu havia dado de presente à minha mãe e que ficou de herança para mim. Minha preferida desse CD é Adeus Batucada. Então, minha gente, para encerrar citando Caetano, vamos viver, vamos ver, vamos ter, vamos ser, vamos desentender do que não, carnavalizar a vida coração... Bom restinho de Carnaval à tous! Nas fotos, as capas dos tês álbuns citados no post.

sábado, 10 de fevereiro de 2024

CARMEN, CARNAVAL, ET CÆTERA

Ontem foi o dia do aniversário de Carmen Miranda. Sempre é tempo de render-lhe homenagens. Carmen foi uma das maiores artistas brasileiras de todos os tempos (embora fosse portuguesa de nascimento). Seu sucesso internacional foi tamanho que fez com que alguns brasileiros ficassem magoados com ela, achando que ela tivesse trocado o Brasil pelos "States"(o que eu faria sem a menor culpa). Mas, felizmente, ela explicou a questão na canção Disseram que eu Voltei Americanizada, e tudo voltou ao normal... Amo Carmen desde a mais tenra idade, principalmente por ela ser a minha primeira memória musical: Uma das minhas lembranças mais antigas é minha mãe cantando Camisa Listrada, hit da Pequena Notável, e eu pedindo: Mãe, canta sossega leão! Minha mãe era fã de carteirinha de Carmen. E sempre contava que ela pediu para ser enterrada de tailleur vermelho, com baton e unhas pintadas de vermelho também. Adoro o suingue e a malemolência de Carmen, sem falar dos looks pra lá de avant-garde. Nunca me esqueço de quando, aos dezesseis anos de idade, fui assistir ao show Feitiço, de Ney Matogrosso e, num dado momento do show, ele entrava em cena de turbante cantando O Tique-taque do Meu Coração... A biografia de Carmen escrita por Ruy Castro é um dos meus livros preferidos. Sou encantado pela personalidade dessa mulher totalmente à frente de seu tempo. Adoro a passagem em que sua mãe, cansada de ouvir Carmen destilar palavrões, pergunta: "Minha filha, porque você não diz apenas ai Jesus?"... Quando estava no Rio de Janeiro, em cartaz com a Terça Insana, tive a oportunidade de visitar o museu dedicado à memória de Carmen Miranda. É lindo, mas ao mesmo tempo dá pena de ver que todo o legado dessa grande artista se resuma a alguns vestidos e balangandãs. Carmen merecia muito mais. Católica fervorosa que era, nunca se permitiu se divorciar do marido americano. E ele, nada bobo, acabou ficando com todo o patrimônio de Carmen que, como sabemos, não era pequeno... Aproveito o dia de seus anos, que é também aniversário do meu amigo e grande cantor Edson Cordeiro, para manifestar meu apreço e minha admiração por essa grande artista que projetou o Brasil para o mundo através de seu imenso talento. Pequena Notável, Brasilian Bombshell, ícone gay, Carmen faz juz a todas essas alcunhas. E agora, nesse período de carnaval, nada melhor do que relembrar seus hits, marchinhas carnavalescas que ela imortalizou na memória auditiva dos brasileiros. Como Balancê, regravada por Gal Costa nos anos oitenta e que foi hit também na voz da já saudosa Gal... Eu, como venho fazendo nos últimos anos, fico em casa lembrando dos carnavais que passaram, ouvindo muita música brasileira e, claro, tomando meus bons drinks. Bon carnaval à tous! Nas fotos, três looks baphônicos da Pequena Notável, que de pequena não tinha nada.

quarta-feira, 31 de janeiro de 2024

TANTO MAR

De repente janeiro se tornou o mês sem fim. Todos postam piadas sobre o tema. Que não acaba mais, que parece ter trinta e quatro dias, etc. Por mim, janeiro podia se estender ainda mais. Acho que trinta e um dias é muito pouco. Endless january. Ainda mais para quem, como eu, esperou até quase o final do mês para vir para a praia. Choveu muito durante quase o mês inteiro. Agora, nos últimos dias, finalmente me entrego ao dolce far niente à beira-mar... Estou de volta a Camburi, onde não vinha desde setembro do ano passado. Quatro longos meses longe deste que é um dos meus locais preferidos no mundo: O mar. Não propriamente o mar, mas a beira-mar. Quando digo que amo estar no mar eu quero dizer de frente para ele. Não dentro, se é que me entendem. Dentro eu tenho até um certo medo, o que me impede de fazer um cruzeiro marítimo, por exemplo. Mas amo contemplá-lo. E aqui, de frente para ele, me vem à mente as palavras de Clarice Lispector: "Aí está ele, o mar, a mais ininteligível das existências não humanas"... Além do mar em si, a natureza aqui no litoral norte de São Paulo é bastante exuberante. São árvores, flores e plantas em profusão. Muito verde e muito azul, no céu e no mar. De dia sol, de noite estrelas e lua. Fico muito feliz quando estou nesse contato direto com a natureza, do qual abri mão para viver na Babylon City que é a Pauliceia. Felizmente há paraisos a poucos quilômetros de distância da capital. Um deles é Camburi, onde estou agora. Há também, um pouco mais ao norte, Ilhabela. E, bem mais ao sul, quase no Paraná, Cananeia, de que muito já falei aqui no blog. E assim os dias vão passando, devagar, de frente para o mar. Nos fones de ouvido Novos Baianos, Gal, Caetano e, atualmente, muito Chico Buarque: Sei que há léguas a nos separar, tanto mar, tanto mar. Sei também quanto é preciso, pá, navegar, navegar... E o que dizer dos entardeceres? A cada dia um espetáculo inédito de cores e tons. Degradês. Arrebatadores. Estupefacientes. Fico bobo. Verdade! Fico pasmo à beira-mar. Bebo, claro. Todos os dias. O dia todo. E à noite também. Que eu não venho à praia para fazer dieta, isso já faço na cidade. Aqui me entrego à contemplação. Ainda citando Clarice: "Aqui está o homem, de pé na praia, o mais ininteligível dos seres vivos. Como o ser humano fez um dia uma pergunta sobre si mesmo, tornou-se o mais ininteligível dos seres vivos. Ele e o mar". E, para seguir velejando na onda das citações, termino com Caymmi: "O mar, quando quebra na praia, é bonito, é bonito... Nas fotos, amanhecer em Camburi, fim de tarde em Boiçucanga (que fica juste à côté) e pôr do sol no Mirante Baleia Bar.

quinta-feira, 25 de janeiro de 2024

SÃO PAULO PASSO A PASSO

Hoje é o aniversário da cidade de São Paulo. Aproveito a efeméride para renovar o meu amor pela cidade, relembrando passo a passo o que fez com que eu me apaixonasse por ela... Em 1975, aos onze anos de idade, venho com meus avós paternos passar as férias de verão na casa de meu tio Djanir, que morava em Osasco. Impossível não lembrar em detalhes a taça de sorvete que tomei no Terraço Italia, acompanhado de minha tia e meus primos, extasiado pela visão da cidade do alto dos quarenta e seis andares do edifício; o trem que pegamos na Estação da Luz para ir até Campinas visitar uma outra tia; o passeio no Simba Safari, no qual a gente ficava dentro do carro, com os vidros fechados, e via as feras de pertinho... No ano de 1983 eu abandonara a faculdade de História e trabalhava no Banco Itaú, em Porto Alegre, enquanto me preparava para prestar o vestibular para artes cênicas. Em uma ocasião fui sorteado para vir a São Paulo trazer o malote do banco até a agência do Jabaquara. Tinha que passar o dia na capital esperando para levar de volta outro malote no fim do dia. Meu tio me esperou no aeroporto, deixamos o malote e peço a ele para me levar na esquina da Ipiranga com a São João, então imortalizada nos versos da canção Sampa, de Caetano Veloso... Em 1984, já cursando artes cênicas, a faculdade entra em greve e venho visitar meu amigo Egisto Dal Santo que, à época, estava morando em um apartamento na Praça da República. Decubro as etílicas e lisérgicas noites do Bixiga; me encanto com o espetáculo Macunaíma, de Antunes Filho, a que assisti no teatro do Sesc Anchieta... Já em 1987, venho com meu grupo de teatro, o Tear, de Maria Helena Lopes, estrear o espetáculo Império da Cobiça, creiam, no mesmo antológico Sesc Anchieta, onde três anos antes me encantara com a descoberta de Antunes Filho e seu deslumbrante teatro de imagens; conheço e me apaixono pelo Ritz, lugar que frequento desde então até hoje; descubro o bairro dos Jardins, onde jurei que um dia moraria e onde de fato moro até o presente... Em 1992, já de volta de Paris e morando no Rio, venho a Sampa visitar minha amiga Lucia Serpa. Encontro com Caio Fernando Abreu no restaurante Viena do Conjunto Nacional. Bebemos e conversamos longamente, depois Caio me trouxe até o seu apartamento da Haddock Lobo (aqui do lado de casa), em seguida fomos ao teatro e, após o teatro, finalizamos a noite no Ritz... De 1987 até 1996 - ano em que me mudei definitivamente para São Paulo - tudo o que fiz foi plantar sementes que me trariam para cá. Nesse meio tempo morei em Paris e no Rio de Janeiro, mas sempre de olho na dura poesia concreta das esquinas de Sampa. Até que minha amiga Lucia Serpa me consegue um trabalho no Grupo XPTO, sou recebido pela minha outra amiga Nora Prado, reencontro minha outra amiga Patricia Wood, com quem havia morado em Paris, vamos morar juntos num apartamento nos Jardins, e aí já começa uma outra história... Parabéns, São Paulo, pelos quatrocentos e setenta anos! E muito, mas muito obrigado mesmo, por me acolher. "Quem vem de outro sonho feliz de cidade" como eu (de Soledade, Porto Alegre, Paris e Rio de Janeiro), "aprende depressa a chamar-te de realidade, porque és o avesso do avesso, do avesso, do avesso"... Nas fotos, a vista do apartamento do Egisto na Praça da República (1984), minha amiga Coca Serpa fotografada por mim na Liberdade em 1987 (ela é o pontinho amarelo à esquerda) e eu, todo faceiro, atravesso a Consolação já morando na Pauliceia em 1996.

sexta-feira, 19 de janeiro de 2024

HONEY BABY

No alto da colina do Sumaré, no número 187 da rua Macapá, a casa de Guilherme de Almeida guarda um tesouro que encontra-se ao alcance de qualquer um de nós. Me refiro ao acervo pessoal do poeta modernista (e artista multimídia, antes disso existir) Guilherme de Almeida e de sua esposa Belkis de Almeida, a famosa Baby a que o título do post se refere. Baby era a musa inspiradora do poeta, retratada e esculpida por diversos artistas, a estrela que se destaca na visitação da casa. Sim, a casa é um museu, aberto à visitação. Comprada e mantida pelo governo do estado de São Paulo, essa residência cheia de encantos é receptiva a qualquer interessado em conhece-la. E o melhor: De graça. O acervo conta com obras de Tarsila do Amaral, Anita Malfatti e Di Cavalcanti, entre outros. Sem falar em uma infinidade de objetos pessoais, como livros, discos, fotografias e lembranças de viagens. A visita termina no topo, quando a gente sobe a famosa escada, imortalizada por Guilherme na crônica Escada de Minha Mansarda (Que ganhamos de presente impressa, como lembrança da visita). A escada, “íngreme, estreita, escura e curva” e a mansarda em si são, como bem definiu a guia da visitação, a cereja do bolo. Após subi-la adentramos no refúgio do poeta. Onde estão a sua mesa de trabalho, suas máquinas de escrever e, o que mais amei saber, as suas lembranças de Paris. Assim como eu, ele era um apaixonado pela Cidade Luz. Ali também está a belíssima cabeça de Baby, esculpida por William Zadig. A casa ainda tem Brecheret, Lasar Segall, Antonio Gomide e Sanson Flexor. Esse último, autor de um dos mais intrigantes retratos de Baby. Quando, nos anos quarenta do século passado, Guilherme resolveu construir a casa e se mudar para lá, seus amigos modernistas perguntavam por que ele resolvera ir morar naquele “fim de mundo”. A rua era de terra e com apenas três casas. A dele foi a quarta a ser construída. "Aí assentei minha casa porque o lugar era tão alto e tão sozinho, que eu nem precisava erguer os olhos para olhar o céu, nem baixar o pensamento para pensar em mim"... O fim de mundo, diga-se, está a quinze minutos da Avenida Paulista. Que, vale ressaltar, é a belíssima vista que se tem da janela da mansarda. São Paulo segue me encantando, mesmo depois de quase trinta anos vivendo nela… Nas fotos, Baby retratada por Anita Malfatti e Lasar Segall e a cabeça dela esculpida por William Zadig.

segunda-feira, 15 de janeiro de 2024

ANJOS & CORDEIROS

I believe in angels, diz a canção entoada com voz de anjo por Edson Cordeiro no palco do Sesc Ipiranga no fim de semana que passou. Eu também acredito em anjos. Comecei 2024 subindo ao palco já na primeira quinzena de janeiro! Quem me conhece ou me segue aqui no blog sabe que o palco é um dos três lugares onde mais gosto de estar na vida. Os outros dois são, sucessivamente, Paris e o mar. Pois foi justamente no palco do show Voz e Violão, do meu amigo de longa data Edson Cordeiro, que tive a honra de me apresentar recitando o poema da canção Fado Tropical, de Chico Buarque e Ruy Guerra, que faz parte do musical Calabar, por eles escrito ainda sob os anos de chumbo da ditadura militar brasileira. Sou muito grato ao Edson por me dar esse espaço, essa oportunidade de contracenarmos em momento tão sublime da carreira dele. Um artista internacional, que há tempos o Brasil já perdeu para o mundo. E que agora experimenta uma reaproximação com sua terra natal. Sou grato também por ele ter visto em mim a possibilidade de me expressar dramaticamente em cena. Depois de anos fazendo humor e comédia, não foi fácil para mim encontrar o tom certo e a carga dramática adequada ao texto do poema, que começa dizendo: "Sabe, no fundo eu sou um sentimental". Até aí tudo bem, eu também o sou. Mas depois o texto segue com uma ironia fina e cruel, o que testou minhas possibilidades de atuação e me tirou da famigerada zona de conforto: "Todos nós herdamos no sangue lusitano uma boa dosagem de lirismo, além da sífilis, é claro"... Foram três apresentações, uma na casa de shows Blue Note, em outubro do ano passado, e mais duas neste fim de semana que passou, no Sesc Ipiranga. É pouco, eu sei. Mas para quem, como eu, já andava tendo crises de abstinência cênica, pensando em fundar o MTSP (movimento dos trabalhadores sem palco) e sair ocupando os palcos dos colegas, foi de enorme satisfação. Renovou minhas esperanças em relação ao ano que se inicia. Como diz a canção que começa o post, "I believe in angels, something good in everything I see. I have a dream, a fantasy". Desejo um 2024 pleno de palcos e de plateias lotadas. Não só para mim, mas para todos os meus colegas artistas. A generosidade do meu amigo me inspirou. E, para terminar citando o fado, "e se a sentença se anuncia bruta, mais que depressa a mão cega executa. Pois que senão, o coração perdoa"... Na foto de Rafaela Queiroz, eu em momento sublime na companhia do anjo Cordeiro.

quarta-feira, 10 de janeiro de 2024

PRETÉRITO IMPERFEITO

Já falei aqui no blog de uma teoria que tenho: Quando o presente não está bom ou, pelo menos, minimamente satisfatório em relação às expectativas que tenho da vida, das pessoas e de mim mesmo, me volto para o passado. Não de maneira saudosista, mas como uma forma de entender como foi que cheguei até onde cheguei e o quanto já havia no meu "eu passado" da pessoa que me tornei hoje. Isso normalmente envolve remexer guardados. E essa busca invariavelmente me revela surpresas. Como o texto que transcrevo a seguir, escrito por mim em maio de 1984, quando tinha vinte e um anos de idade. Vou colocar entre aspas, para diferenciá-lo bem do meu estilo atual: "Na sala do pequeno apartamento, a um canto onde a estreita faixa de sol que aquecia o ambiente se limitava, acomodado sobre uma cadeira, lançava, sobre as folhas do caderno, com a caneta de pena, palavras, pequenos versos, estrofes novas, tentando estruturar, sob a forma de poesia, o que sentia em relação a si e às constantes ondas de paixão e arrebatamentos poéticos de que era tomado. Difícil encontrar as palavras adequadas, que não traiam os verdadeiros intuitos e que transmitam, a quem por ventura as ler, ou mesmo a quem as escreve, a descrição exata da realidade ou da fantasia do pensamento em questão. A visão interior das coisas, dos sentimentos que vez ou outra se nutre por determinada pessoa ou situação é rica e amparada por uma série de recursos que a imaginação possui e que cabe a cada um desvendá-los, uma vez que a restrita linguagem das palavras carrega em si o risco do mal-entendido, dos enganos, da não-transmissão das reais intenções... Ao fundo, vindo do quarto, o som do violino modulava o poema, que variava as intenções do conteúdo, da forma, conforme o tipo de sensação que a música causava ao poeta, ou melhor, à pessoa que procurava, através da arte das palavras escritas, dar sentido àquele instante daquela tarde daquele dia daquela sua vida... No quarto do apartamento, junto à janela que dava para a estreita rua contornada por jacarandás em flor que, plantados lado a lado junto ao meio fio das duas calçadas, a envolviam como em um túnel roxo e verde de flores e folhas, tocava seu violino enquanto observava, absorto, musicalmente contemplativo, as nuances, os degradês, as diversas variações de cores que a música lhe sugeria. Tentava, então, de cada nota extrair uma cor, de cada cor fazer brotar novas notas, dando um colorido especial à sua arte que, inventiva, livremente unia cores e sons, formando uma aquarela musical na qual havia, para cada emoção, um tom especial de cor e de som... As palavras que eram ocasionalmente pronunciadas na sala, em voz alta, sugeriam, no quarto, novas harmonias, melodias inusitadas, frases musicais que uniam o geométrico espaço do pequeno apartamento num só e grande momento artístico: O da sala escrevia ao som da música que o do quarto extraía das cores e das próprias palavras vindas dele, dos dois, seus pensamentos, suas artes... Quando, depois de uma dessas tardes, ou noites, ou manhãs, madrugadas, conversavam sobre suas músicas e poesias, era com incontida emoção e felicidade que constatavam a beleza de sua relação, sua convivência poético-musical que os aproximava sempre mais, desvendando, a cada dia, novas afinidades..." Mantive tudo como estava no original. Mesmo os excessos, redundâncias, as frases excessivamente longas e o uso exagerado da vírgula. Afinal, como diz o título do post, o passado é imperfeito... Na foto, a vista do meu quarto em Porto Alegre, desenhada por mim em maio de 1982, dois anos antes de escrever o texto aqui transcrito.

terça-feira, 2 de janeiro de 2024

CARTÃO POSTAL

Esse é o título de uma das minhas canções preferidas de Rita Lee, do álbum Fruto Proibido. É também a capa de um dos meus discos preferidos dos Novos Baianos. Mas quero falar do cartão postal em si, propriamente dito. Em conversa com meu amigo Odilon Henriques pelo whatsap (sobre o que guardamos e o que estamos em processo de desapego) chegamos à conclusão de que não abrimos mão das nossas coleções de cartões postais. A minha começou ainda em Porto Alegre, nos anos oitenta do século passado. E ganhou corpo, digamos assim, no começo dos anos noventa, quando fui morar em Paris. Lá chegando, todo um mundo de cartões postais se abriu para mim. Tinha um lugar - um, não, vários - chamado La Banque de l'Image, dedicado a vender pôsters (outro ítem digno de post), fotografias, cartazes e, claro, cartões postais. Em tempos pré-internet, google, YouTube e etc. era tudo o que a gente podia sonhar em termos de acervo de imagens. Desde Liz Taylor e James Dean no backstage das filmagens de Asssim Caminha a Humanidade (e Marilyn Monroe fazendo musculação com halteres) até os mais incríveis e sensuais nus masculinos quando ainda nem se sonhava com a farra da pornografia gratuita que acessamos hoje. Passando pelos mais belos registros de Brigitte Bardot no auge da jeunesse et beauté... À época, fiz um pacto comigo mesmo de que sempre que fosse a um museu, exposição, livraria, teatro ou loja de souvenirs compraria, pelo menos, um cartão postal. Depois de um ano morando na capital francesa minha coleção ficou bastante interessante. Isso sem falar que em todos os bares que frequentávamos tinha cartões que eram distribuídos gratuitamente em pequenas estantes onde a gente se servia à vontade. Some-se a isso todas as viagens que fiz a outros países, de onde sempre trazia mais postais, e dá para se ter uma ideia da riqueza desse meu pequeno (nem tanto) acervo particular de imagens. Fora tudo o que citei aqui, a gente ainda tinha o hábito de mandar e receber cartões postais pelo correio. No verso eles tinham um espaço (mais ou menos a metade) reservado ao endereço do destinatário e outro para uma pequena mensagem. Algo que pudesse ser lido por todos pois, evidentemente, eles eram enviados sem envelope. O que tornava o custo da postagem menor do que o de uma carta, por exemplo. Mas isso é assunto para outro post. Minha coleção está lindamente acondicionada em uma bela caixa-gaveta da Louis Vuitton que ganhei de presente do meu amigo Edson Cordeiro. Quando eu me for, será fácil para quem se encarregar das minhas coisas jogar essa caixa no lixo com todo o tesouro imagético que guarda. Ou presentear alguém com ela. Mas, enquanto eu viver, ela ficará comigo. Nas fotos, uma pequena amostra dos meus preciosos guardados: BB mostra as pernas que abalaram Paris, James Dean em momento dramático e o fundo do mar segundo Pierre et Gilles.