segunda-feira, 30 de março de 2020

24 ANOS EM SP

Tenho passado os dias tão envolvido em atividades que façam o tempo da quarentena passar, que acabei deixando passar em branco o meu aniversário de vinte e quatro anos em São Paulo! Sim, foi no domingo, dia 22 de março, que completei vinte e quatro outonos morando na Pauliceia. Sempre comemoro a data com a devida pompa. Infelizmente, neste ano ela me passou. Esqueci! Também, são tantas lives no Instagram, tantos exercícios e banhos de sol matinais na sacada, tantas preparações gastronômicas de almoços e jantares, leituras, escritos, arrumações de armários... E por falar em arrumações de armários, tenho revisto tantas fotos e vídeos antigos, coisas que nem lembrava mais... O lado bom do confinamento tem sido olhar para dentro. Para trás. Rever, repensar, re-significar. O que tinha importância exagerada passa a ter a importância merecida. Ou nenhuma importância, em alguns casos. Eu sempre fui introspectivo, dado a leituras e escritos. Então, para mim, não muda muito a rotina em si. O que muda é a maneira de encarar o entorno. De qualquer forma, acho que teremos de sair dessa melhores. Digo como seres humanos. Trata-se da humanidade. Acima de partidos, tendências, religiões, fronteiras, picuinhas, tribos, facções, nacionalidades, preconceitos, barreiras sociais, tudo isso já está provado que nada pode contra algo maior. Teremos de nos reinventar como humanidade. Mas aí já acho que é querer demais. Até para mim o otimismo tem limites... Então trato de seguir bem humorado, o que já é uma grande coisa. Mas, voltando ao tema do post, meus anos em Sampa, continuo amando a cidade que me recebeu. Ainda que agora vazia, com os teatros fechados, parques e shopping centers vazios, os restaurantes todos que a projetam internacionalmente parados, e até cartões postais como o Terraço Itália, fechados. Uma visão quase surrealista, para quem está acostumado a vê-la fervendo vinte e quatro horas, sem parar. Mas uma nova visão sobre o que quer que seja é sempre algo interessante, não é verdade? Para terminar citando Caio Fernando Abreu, "Pode parecer lugar comum, mas Sampa, definitivamente, é um caso de amor mal resolvido". Boa quarentena a todos...
Na foto, São Paulo vista da quarentena.

sexta-feira, 20 de março de 2020

QUARESMA VERSUS QUARENTENA

Há muito, muito tempo, cerca de dois mil anos pelo menos, que todos os anos, no período que se inicia na quarta-feira de cinzas e termina na Páscoa, só dava ela: A Quaresma. No mundo todo cristãos dedicam-se à reflexão, à elevação espiritual, ao jejum e à abstinência. Nos últimos tempos ela, a Quaresma, já andava de saco cheio de ouvir falar dessa tal Quarentena, cujo nome era claramente inspirado - para não dizer copiado - no dela. Mas agora, em 2020, a Quarentena passara do limite! Roubar o protagonismo da Quaresma justamente na única época do ano em que ela reinava absoluta era um ultraje. E o pior: Incitando todos a fazerem as mesmas coisas que ela recomendava havia séculos. Recolhimento. Meditação. Isolamento. Mudança de hábitos. Reflexão. Introspecção. E, consequentemente, jejum, pois a escassez de alimentos viria na sequência... Esse período do ano sempre foi dedicado a mim, bradava inconformada a Quaresma. Sou bíblica, atávica, arquetípica! Aliás, o número quarenta é frequentemente citado na bíblia. Quarenta foram os dias de dilúvio na Arca de Noé. Quarenta dias de Moisés no Monte Sinai, quarenta dias de Jesus no deserto, quarenta anos de peregrinação do povo de Israel! Agora vem essa mundana, sem criatividade nenhuma, empanar a minha liderança. Sem um pingo de sororidade, sem noção, sem nada! Claro que tudo isso chegou aos ouvidos da Quarentena. Mas ela, isolada que estava, fez ouvidos moucos. Nem olhou, fez a egípcia. Para evitar contato. Enquanto isso, seguia a inflamada Quaresma: Isso sem falar que ela está disseminando o transtorno obsessivo compulsivo. Todos arrumam armários e limpam as casas freneticamente, assistem a séries e filmes sem parar e desinfetam tudo o que tocam com álcool gel. Tudo porque um velho espirrou lá na China e um vírus se espalhou pelo mundo. Devo admitir que a danada teve muito senso de repercussão. Uma marqueteira de primeira, essa Quarentena. Preciso rever meus conceitos. Acho que vou para um spa fazer um retiro espiritual. Se eu ainda encontrar algum spa aberto... Dito isso, a quaresma saiu de cena e ninguém mais ouviu falar dela...
Na foto, painel de Aldo Locatelli para a Via Crucis na igreja São Pelegrino, em Caxias do Sul.

terça-feira, 17 de março de 2020

QUARENTENA

Essas são algumas das reflexões de um quase idoso em quarentena na tentativa de conter a propagação do vírus Covid19, o famigerado Corona Vírus. Digo quase idoso porque ainda não completei sessenta anos. No dia 25 do mês que vem completarei cinquenta e sete outonos. Mas, mesmo não sendo considerado grupo de risco, entendi a importância de proteger os outros me mantendo em casa. Muitos dos que me leem talvez não saibam, mas sou extremamente caseiro. De modo que não muda muito a minha rotina cotidiana. O que mais me afeta é não ir à academia para os meus treinos diários. Afeta, inclusive, física e psicologicamente. Mas vamos em frente. Ou melhor, não vamos. Fiquemos. Em casa, no caso... Felizmente nessa época do ano o sol já começa a bater na sacada. Assim não preciso descer para tomar sol na piscina, evitando possíveis contatos com vizinhos. Essa é uma ótima maneira de passar parte da manhã... Tenho lido o livro Metrópole à Beira Mar, de Ruy Castro, sobre o Rio de Janeiro dos anos vinte. Interessante painel de uma época rica em cultura e informação vivida em nosso país. Só para se ter uma ideia, a Capital Federal tinha dezesseis jornais diários circulando. Os teatros funcionavam de segunda a domingo com várias sessões diárias e todos os profissionais (artistas, técnicos, etc.) eram contratados. Bem diferente do que vivemos hoje em dia... Fiquei bastante chateado com o cancelamento das gravações da minha novela preferida, a única que acompanho no momento, Amor de Mãe. Mas entendo que é o melhor a ser feito pelo bem de todos e aguardo ansioso a nova temporada... Filmes e séries no Netflix eu sempre assisti pouco, não sou muito viciado. Agora tenho assistido um pouquinho mais. Isso me levou a uma outra reflexão: Antigamente uma história boa tinha que ter início, meio e fim. Hoje em dia parece que quanto mais esses três elementos estivarem misturados, de preferência embaralhados, melhor. Digo isso porque ontem, assistindo ao filme francês Jonas, do diretor Christophe Charrier, me peguei tentando editar a película enquanto assistia. Ora, eu prefiro que o filme já venha editado! De preferência, na ordem. E com isso quero dizer: Ordem crescente, do início ao clímax e, para encerrar, o fim. Coisa de velho chato e reclamão, que já foi fã de filmes feitos justamente nesse estilo. Por sinal, gostei muito de Jonas e recomendo... Hoje minha cantora preferida de todos os tempos, Elis Regina, faria aniversário se viva estivesse. Como na minha memória e em todo o meu ser ela ainda está, Feliz Aniversário, Elis! Escrevo ao som de seu álbum Essa Mulher, correspondente ao primeiro show dela a que assisti... No sábado à noite, quando ainda não tinha começado minha quarentena voluntária e as casas de espetáculos ainda estavam abertas, fui ao Teatro Eva Herz para assistir ao espetáculo As crianças, que tem no elenco os meus amigos Andrea Dantas e Mario Borges e mais a igualmente talentosa Analu Prestes. Um dos melhores espetáculos a que assisti nos últimos tempos. A direção impecável, criativa e sensível de Rodrigo Portella envolve o espectador no contundente e bem humorado texto da inglesa Lucy Kirkwood do início ao fim. Rodrigo já tinha me deixado de queixo caído com sua perturbadora montagem de Tom na Fazenda. Agora, trazendo o humor - ainda que inglês - como um dos ingredientes, me ganhou ainda mais. Meu novo diretor preferido do momento. Ah, e antes que eu me esqueça, o elenco também está impecável. Mas isso já é chover no molhado. Mario Borges, por exemplo, é sempre arrasador em tudo o que faz sur la scène... No mais, rápidas idas ao supermercado para comprar comida, porque essa histeria de estocar mantimentos não me pega. Sigamos em quarentena que haveremos de vencer esse vírus! E a internet está aí para nos conectar com o mundo na segurança do nosso lar...
Na foto, euzinho tomando sol no isolamento voluntário da sacada.

domingo, 8 de março de 2020

ALLEGRO

Sempre fui mais afeito a adagios, no que se refere à música e seus andamentos. Mas aqui o termo allegro é emprestado do universo musical não apenas para nomear, mas também para definir a exposição do artista paulista Guto Lacaz. Se no campo da música o termo define o andamento rápido e o tom animado da composição, aqui ele revela o humor que permeia a obra do artista em todas as suas formas de expressão. A mostra apresenta desenhos, instalações, objetos, poemas visuais, serigrafias e videos de performances realizadas por Guto ao longo da sua extensa trajetória. Ele encarna com carisma e graça o personagem do "cientista louco", misto de clown com inventor, com um pé em Jacques Tatit e o outro no Professor Pardal. Impossível não rir e, ao mesmo tempo, se emocionar admirando suas criações. Guto extrai dos objetos mais cotidianos a poesia e a comicidade que pontuam suas invenções artísticas. Quem observa seu trabalho é convidado a refletir. Um exercício mental é proposto a cada peça que compõe essa mostra. Das "coincidências industriais"' que revelam medidas similares em objetos totalmente díspares, às "pequenas grandes ações", nas quais o artista amplia instruções de uso de objetos cotidianos. A poesia brota do contraste entre a beleza e o horror na gravura "submarino nuclear em noite de luar" (o título já diz tudo), uma das minhas preferidas de toda a exposição. Há muito o que dizer sobre o encantador universo desse artista genial. Mas prefiro sugerir aqui que visitem a exposição na Chácara Lane, ali na Rua da Consolação, até o dia 29 de março. Garanto que será um grande prazer.
Nas fotos, parte das ilustrações de Guto para a revista Caros Amigos e eu com o artista em si, que tive a sorte de encontrar na exposição.