sexta-feira, 30 de abril de 2010


DOLORES
A primeira vez que ouvi uma canção de Dolores Duran foi em 1979, cantada pela Marina Lima, na época apenas Marina, uma jovem cantora e compositora que estava sendo apresentada por Luiz Melodia e Zezé Motta em um show do saudoso Projeto Pixinguinha. A canção em questão chama-se Solidão e foi gravada por Marina em seu primeiro LP. Fiquei muito tocado pela letra, que dizia coisas como “eu quero qualquer coisa verdadeira, um amor, uma saudade, uma lágrima, um amigo, ai, a solidão vai acabar comigo”... Eu tinha dezesseis anos e Cazuza ainda não havia surgido com seu romantismo rock an roll. Anos depois eu o veria declarando em entrevistas o nome de Dolores como uma das referências na sua obra. Lembro que quando escrevi e dirigi minha peça A Mulher Só, em 1989, estava dando uma entrevista na TV Cultura de Porto Alegre e, ao falar sobre o tema do espetáculo, disse que gostava de ficar sozinho em casa, sábado à noite, tomando uísque e ouvindo Cazuza e Dolores Duran. Ao deixar o estúdio, o maquiador da TV, que tinha idade para ser meu pai, mandou me chamar na sala dele e disse: Porque você fala disso? Você é muito jovem pra ficar ouvindo Dolores Duran! Vai pra rua se divertir! Respondi que ele não precisava se preocupar porque me fazia bem... E quanto mais coisas eu ficava sabendo sobre ela, mais aumentava minha curiosidade e admiração. Uma vez me disseram que ela havia escrito a letra de uma canção usando um lápis de sobrancelha. Achei aquilo o máximo. E também as suas ousadias para a época em que vivia, era uma mulher da noite, uma boêmia, quando as mocinhas casadoiras ainda eram virgens a esperar por um bom casamento. Depois fiquei sabendo que ela também era, na verdade, uma mocinha, só que muito à frente do seu tempo. Morreu muito nova, aos vinte e nove anos. E, mesmo assim, deixou uma obra relativamente extensa e interessantíssima. Foi crooner, tocava instrumentos, cantava em diversos idiomas. Ano passado, aqui em São Paulo, assisti a um show em sua homenagem, feito por várias cantoras, entre elas, minha professora e amiga Cida Moreira. O show era o lançamento de um CD só com composições de Dolores, na voz de diversos intérpretes da MPB. Lindo, não canso de escutar. Mas tudo isso é pra dizer que a coleção Raízes da Música Brasileira, da Folha de São Paulo, que estou colecionando, lançou essa semana o CD da Dolores. Estou ouvindo o dia inteiro. E, felizmente, tem várias canções na voz da própria Dolores, que eu nunca tinha escutado antes. Eu já era apaixonado pela canção A Noite do Meu Bem, seu maior sucesso, principalmente cantada pela Elis numa versão em francês. Mas na voz da própria Dolores...É delicioso. Lindo. Sensacional. Ela é a nossa Billie, a nossa Ella... Não, ela é a nossa Dolores. Ainda bem...
Hoje é sexta-feira à noite, escrevo em casa ouvindo Dolores e tomando vinho. Mas não estou só. O Elvis, meu gato, ronrona na poltrona ao lado...

terça-feira, 27 de abril de 2010


VINTE ANOS
Aos vinte anos de idade eu ainda era um adolescente bastante introspectivo. E com um pé na fossa. Gostava de ler Baudelaire, Álvares de Azevedo, Clarice, Rimbaud. Vivia escrevendo, ouvindo música, lendo ou tocando flauta sentado na janela do apartamento. NA janela, mesmo. E não à janela. Sentava na beira da janela do terceiro andar e devia torturar os vizinhos com minha flauta e minhas músicas, escutadas sempre no volume máximo. Atividades solitárias. Ainda não havia começado a fazer teatro. O conto abaixo eu escrevi nessa época, quando tinha a mesma idade da foto acima.

CONTO

Ficar, agora, como vinha fazendo desde que lhe conhecera, parado ao canto do quarto com um livro na mão, tentando escrever em folhas soltas, com canetas hidrocor, os pensamentos que, por forças externas, permaneciam internos, clarear as coisas, assim uma limpeza geral feita de dentro pra fora, colocando em dia e trazendo à tona todas as ânsias que sufocara por não estar, ou não se julgar, suficientemente pronto para a vida, um péssimo jogador, como ele mesmo colocara.
A cada hora da tarde e, mais tarde, a cada hora da noite, uma olhada pro relógio revelava sessenta pulsações de vida, sessenta chances de ser feliz passadas em branco.
Desde que constatara que não dava pra essas coisas, resolveu isolar-se nos fins de tarde junto a um jacarandá em flor pois, em plena primavera, seus desejos brotavam e não havia jeito. Devia, ou deveria, seguir tomando suas enganadoras doses de gim seco, e projetar seus sonhos numa parede do apartamento, já que rachaduras não faltavam e os cupins devoravam a janela paulatinamente.
A vida não era bem assim, como as pessoas pensavam e seguiam vivendo. Ele preferia ter encontros esporádicos consigo mesmo, mas cheios, esses encontros, de uma verdade crua, esmagadora e sem máscaras.
As mãos que viriam tocá-lo, descobrir seu corpo ao clarear do dia, certamente seriam as mãos do seu graaade amor, pois, quando as andorinhas passaram em bando sobre os jacarandás pousando aos poucos nas margens do lago da Redenção, ele sentiu ( e quis até escrever o que sentia), ele sentiu que assim não queria mais, não valia mais a pena e resolveu se dar um prazo, um prazo até que razoável, mais um ano de batalha, de sofrimentos e solidão.
Trezentas e sessenta e cinco vezes o dia clareou, o sol bateu no seu corpo jovem de rapaz de vinte anos e nunca o encontrou ao lado do seu graaande amor.
Então, no último amanhecer do ano, ele se retirou do mundo com a calma dos que sabem que tentaram. Mas não lhe foi dado vencer.

Acho que faz jus às referências citadas...

quinta-feira, 22 de abril de 2010


DE MALAS PRONTAS

Esse é o título do último livro de viagens de Danuza Leão, de quem sou fã, e que resume bem o meu atual estado de espírito. Já faz bastante tempo que decidi fazer mais uma viagem a Paris, cidade onde vivi no início dos anos noventa e que amo de paixão. A data escolhida foi dezoito de abril, para ficar, a princípio, no mínimo quarenta dias. Já estava literalmente de malas prontas, como diz o título do post, quando, inesperadamente, o vulcão islandês entrou em erupção fechando o espaço aéreo europeu e tive que suspender a minha viagem. Nada grave para quem não está trabalhando e tem inúmeras possibilidades de remarcar a viagem em datas diferentes. O problema é o tal estado de espírito, o “estar de malas prontas”. A questão literal, tudo bem, já está resolvida, malas desfeitas, roupas guardadas outra vez nos armários. Mas e a, digamos, postura malas prontas? A cabeça que já estava em Paris, a organização mental que já estava feita exige ser refeita rapidamente...Haja programação neurolinguística. Haja “logística” mental, para usar um termo bastante em voga. É chato, envolve questões como mudança forçada de planos, frustração de expectativas, revisão de posturas...Ta, é crescimento. Tudo que nos faz rever posturas e testa nossa capacidade de adaptação e flexibilidade diante dos fatos da vida vem para nos fazer melhorar como seres humanos. Mas, cá entre nós: depois de uma certa idade, não é todo dia que a gente ta disposto a crescer e a melhorar como ser humano! Às vezes a gente só quer fazer o que planejou sem que a porra de um acidente geográfico, uma estrutura geológica lá dos confins do Judas venha atrapalhar! Poxa, eu já sou um ser humano tão legal...Brincadeira. Eu realmente acredito que tudo acontece para nos fazer refletir sobre nós mesmos e, com isso, evoluirmos como seres humanos. Eu realmente acredito. Acredito. Repito isso, inclusive, para ter ainda mais certeza...
E espero que o próximo post desse blog seja postado em Paris! À bientôt...

sábado, 17 de abril de 2010


EYJAFJALLAJOEKULL


Esse é o nome do vulcão que está em erupção na Islândia. Tente pronunciar: Eyjafjallajoekull. Impossível. Parece que, além de cinzas e lava, ele também expele consoantes. Nunca vi tantas numa palavra só. Aliás, dizem que na Islândia é altíssimo o índice de destroncamento de línguas... E a Bjork, heim? Será que conseguiu salvar aquele vestido de cisne que usou no Oscar? O fato é que eu só tinha ouvido falar da Islândia até hoje por causa da Bjork. E agora só se fala nela. É inacreditável como um incidente ocorrido em um lugar tão distante pode afetar o mundo inteiro. Comprovação total da teoria da borboleta: O efeito vai se espalhando em ondas. Aqui no Brasil, mais especificamente em São Paulo, mais especificamente ainda em minha casa, o efeito é devastador: Roupas empilhadas encima do sofá, mala aberta no chão do quarto, eu feito barata tonta acompanhando as notícias pela internet e pela televisão...O mundo anda bem esquisito. Será que vai durar até 2012? Fiquei lembrando d'O Pequeno Príncipe que, em seu minúsculo planeta, o asteróide B 612, revolvia cuidadosamente, todas as manhãs, os seus dois vulcões. Um estava extinto. Mas quem é que pode garantir? E o outro, ele usava para aquecer o almoço. Que fofo. Meigo mesmo. Lembrei também de Hilda Furacão, que sacudiu a Belo Horizonte da década de cinquenta ao trocar a vida de mocinha da alta sociedade pela de prostituta da zona boêmia...
Ainda bem que a minha viagem é totalmente voltada ao lazer. Se não embarco amanhã, embarco quando der. Mas e quem viaja pelo mundo a trabalho? Li que executivos estão pagando mil e oitocentos dólares em táxis...Sempre lembro da minha mãe nessas horas. Ela diria coisas do tipo: A gente faz um plano, Deus faz outro. Ou, então, a minha preferida: A gente não manda nada pra essa Argentina e ela tá sempre mandando frente fria pra cá!
Pois é, Islândia, a gente não manda nada pra você. Já não bastava ter nos mandado a Bjork?

quinta-feira, 8 de abril de 2010


ACHO DIGNO

Acho interessante como algumas expressões se popularizam e passam a ser de domínio público ou, então, de autoria de alguém que as divulga em rede nacional. Isso acontece, acho, em todos os meios. Mas acontece muito, principalmente, em dois meios nos quais circulo e convivo: o gay e o do teatro. Quem, hoje em dia, gay ou não, não fala as expressões e a loka? Até apresentadoras de TV falam em seus programas e é engraçado, divertido. Eu não saberia dizer quem as inventou e, até mesmo, se elas foram inventadas por alguém ou surgiram espontaneamente, como surge a maioria das gírias. Mas tem várias que eu sei. Lasanha, por exemplo. Chamar bofe bonito de lasanha foi inventado pelo Valter Costa, cabeleireiro e agitador cultural de Porto Alegre, dono do Scalp, salão de beleza e ponto de encontro dos modernos e descolados da década de oitenta. O termo foi bastante divulgado aqui em São Paulo pelo escritor gaúcho Caio Fernando Abreu, o que faz com que muitos pensem que foi inventado por ele. Porto Alegre, aliás, sempre foi celeiro de gírias e expressões que se espalham pelo país. Tem a famosa história do Claudinho, também cabeleireiro gaúcho, que, chegando na boate, tropeça, rola escada abaixo e, ao se levantar, exclama: Tão rindo do que? Cada um desce a escada do jeito que quer! Hilário.
É claro que o motivo desse post é explicar a origem do bordão acho chique, acho digno, da minha personagem Betina Botox, tão amplamente difundido em rede nacional pela Preta Gil, que, aliás, adoro. Acho uma fofa. Digna, mesmo. Mas é só para que, no futuro, não venha a acontecer como aconteceu com a lasanha do Valter e com muitas outras histórias...
Pois muito bem, antes mesmo de a Terça Insana pensar em existir, estava eu passando o révéillon no Rio, chez minha amiga Shala Felipi, onde estava também a atriz Renata Jesion acompanhada de seus pais. Eu estava conversando com a mãe da Renata, quando ela me pergunta: Você mora nos jardins? Respondi que sim e ela emendou: Eu já morei nos jardins, agora mudei para a Vila Nova Conceição. Eu gosto. Acho chique. Acho digno. A Renata exclama: Mãe! E ela responde: Mas eu aaacho! Adorei. E senti que ali nascia uma expressão. Pensei comigo mesmo: vou usar isso em algum personagem. E guardei a expressão durante anos até que surgiu a Betina Botox, em cujos lábios ela coube como uma luva. Não é birra, não to pegando no pé de ninguém, é só para por os pingos nos is. Nesses tempos de stand up, em que liberou geral roubar idéias e piadas de colegas, acho importante esclarecer certas apropriações. Tem uma história que aconteceu comigo, e minha amiga Agnes Zuliani estava junto para comprovar, que hoje vem sendo contada em um show de stand up de um colega pelo Brasil afora. Estávamos em Maringá, com a turnê Ventilador de Alegria, da Terça Insana, e saímos, Agnes e eu, para dar uma volta pela cidade. Quando paramos em uma banca de revistas para pedir uma informação, o rapaz da banca olhou pra mim e disse: Eu conheço o senhor! O senhor trabalha no youtube, né?
Uma pérola. Contei, inclusive, essa história na entrevista que dei para o Marcelo Tas na Uol, quando do lançamento da série Confissões Insanas, isso bem antes de o tal show de stand up desse “colega” existir. Tá lá. Gravado. Se vocês ouviram ou ouvirem isso em algum palco de São Paulo ou de qualquer outra cidade do país, saibam que foi comigo, e não com ele, que aconteceu. Só pra esclarecer. Acho digno.

sexta-feira, 2 de abril de 2010


PÁSCOA NO RIO
Pelos meus cálculos, essa deve ser a quinta vez que passo a Páscoa no Rio. E que a minha memória não costuma me trair, todo mundo que me conhece ou segue o blog já sabe. Aliás, a primeira vez que vim ao Rio foi num feriado de Páscoa. Eu tinha dezesseis para dezessete anos e vim visitar minha irmã Raquél, que estava morando aqui para fazer sua especialização em odontopediatria. Aquela foi, também, a primeira vez que andei de avião. Lembro perfeitamente da minha sensação de felicidade ao constatar que não estava com medo vendo Porto Alegre ficar cada vez menor à medida em que o avião subia. Dava para fumar no avião e eles serviam aperitivos antes da refeição. Sim, eu disse refeição, que vinha em uma bandeja, com copos e talheres de verdade. Lembro que pedi uísque como aperitivo e ele veio servido em um copo de short drink, tipo tambler, só que em formato arredondado, parecendo uma bolinha com o logo da Varig. Que, disfarçadamente, coloquei na bolsa e levei comigo. Assim como os talheres e o cálice do vinho branco. Mas, voltando às Páscoas cariocas. No ano de 2004 estava aqui, na casa da minha amiga Shala Felipi, que, na ocasião, morava nessa mesma Ipanema onde estou hospedado agora. Saímos, Shala e eu, acho que para ir à padaria, e fomos surpreendidos por uma procissão que saía da igreja da Praça Nossa Senhora da Paz. Uma procissão de verdade, como as que havia nas nossas infâncias, no interior do Rio Grande do Sul, eu em Soledade, ela em Galópolis, com crianças vestidas de anjinhos, incensos, matracas, velas e o corpo de Cristo sendo carregado sobre um andor. Ficamos acompanhando, emocionados, a procissão, durante boa parte do seu trajeto. Desde então, sempre que passo a Páscoa no Rio, assisto à passagem dessa procissão. Desde criança, sempre gostei mais da Páscoa do que do Natal. Minha mãe não escondia o ninho com os ovos de chocolate, mas deixava-o em frente à porta do meu quarto. Era uma delícia, no domingo de Páscoa, acordar bem cedo e ver, da cama mesmo, pela fresta debaixo da porta, que ele já estava lá e continuar dormindo mais um pouquinho com o conforto daquela certeza. No ano de 2005 eu estava em cartaz aqui no Rio com a Terça Insana, no Teatro do Leblon, e foi minha terceira Páscoa carioca. Depois teve a do ano passado, em que vi a procissão passar da janela do hotel, e essa, a quinta, em que escrevo esse post na Sexta-feira Santa. Só que, dessa vez, não verei a procissão passar porque estarei vendo outra coisa, bem mais, digamos, profana: A Gaiola das Loucas! Feliz Páscoa para todos: cariocas, gaúchos e brasileiros em geral. Aliás, Feliz Páscoa para todo o mundo!

A foto eu fiz na Páscoa de 2009, em Ipanema.