quinta-feira, 28 de janeiro de 2021

COMO ERA BOM A VIDA ASSIM LEVAR

Sometimes it snows in April... Digo isso porque desde que o Dunga faleceu a canção de Prince não sai da minha cabeça. Venho, desde então, tentando escrever alguma coisa bonita para homenagear esse grande artista que nos deixou tão cedo. Nem cheguei a saber porque ele tinha esse apelido. Devia ser pelo espírito brincalhão, sempre divertindo a todos com suas histórias, brincadeiras, piadas. Seu nome era Antônio Carlos Brunet e ele era um grande artista. Sempre fui fã do Dunga dos incontáveis espetáculos a que assisti em Porto Alegre com ele no elenco. Para citar alguns, de cabeça: Salão Grená, O Casamento do Pequeno Burguês e Mahagonny, três Brechts dirigidos por Irene Brietzke com o grupo Teatro Vivo. Também me vem à memória um show dele no Bar Esperança, no então boêmio bairro do Bom Fim, em Porto Alegre. Lembro que nesse show ele cantou, entre outras, One More Kiss, Dear, do filme Blade Runner, e Moon Over Bourbon Street, de Sting. O que me faz pensar que ele talvez tivesse cantado Prince também. Sometimes I feel sob bad, so bad... Então me lembro da nossa animada turnê com o espetáculo Cabarecht, de Cida Moreira e Humberto Vieira, e volto a me sentir feliz. Foi quando finalmente tive o enorme prazer de dividir o palco com ele. Além de todas as canções que cantávamos em grupo, eu fazia dois duetos com ele: A Canção das Ilhas Morenas, na qual fazíamos dois soldados, e o Tango do Cafetão. Nesse último eu fazia o Cafetão e ele, a prostituta. No final da música, dançávamos um tanguito ao som dos vocais de Cida Moreira. Sometimes I wish that life was never ending... Depois de nos apresentarmos em Goiânia, Brasília, Rio de Janeiro e aqui em Sampa, desbravamos o interior do estado de São Paulo em uma van, sempre embalados pelas hilariantes histórias do Dunga. Guerreiro, ele vinha do interior do interior do Rio Grande do Sul para se apresentar conosco. Sempre arrancando gargalhadas das plateias. Lotávamos teatros apresentando o melhor de Bertold Brecht e Kurt Weill, distribuindo pérolas aos povos. Às vezes havia debate após o espetáculo e, em um deles, um rapaz nos perguntou se nunca tínhamos pensado em fazer O Gordo e o Magro juntos. Imaginem se ele não explodiu em sonora gargalhada. Sou muito grato a Humberto e Cida por terem me dado esse presente. Sim, foi um presente ter convivido com esse artista e ser humano incrível. Quando ele fazia seu solo, a Balada da Dependência Sexual, eu ficava sentado à mesa do cenário, bebendo vinho e admirando-o na sua sempre impecável performance. Aprendi muito com ele. Me diverti muito também. And all good things, they say, never last... Nas fotos, Dunga se maquiando no camarim, no nosso dueto Tango do Cafetão e solo no espetáculo do Ornitorrinco na Casa de Francisca.

segunda-feira, 25 de janeiro de 2021

ANIVERSÁRIO ATÍPICO

Hoje São Paulo faz anos. E quantos! Quatrocentos e sessenta e sete... Há dias venho pensando no que eu poderia dizer aqui que ainda não tenha dito. Já é notório o meu amor por essa cidade. E o quanto amo reclamar dela, também. Me sinto uma espécie de Fran Lebowitz em relação a Nova Iorque. Guardadas as devidas proporções. (Todas, principalmente entre mim e Fran). Mas enfim, aniversário é dia de presente e aqui vai o meu para a Pauliceia. No ano que passou, uma pandemia esvaziou incrivelmente as ruas da cidade. De pessoas e, por incrível que pareça, de carros também. É praticamente impossível imaginar São Paulo sem trânsito. Mas até isso aconteceu. Mais difícil ainda é imaginar São Paulo sem as suas inúmeras opções de cultura e lazer, de gastronomia e turismo, mas foi assim. E ela sobreviveu impávida. O que não deixou de ser um presente pois, enfim, ela pode respirar aliviada sem tanta poluição. Para mim, um apaixonado pela cidade, restou aguçar o olhar e a percepção. Para plantas, árvores e flores. Para enormes murais de grafitti. Para a dura poesia concreta de suas esquinas... Lembrei muito da São Paulo que conheci na infância, quando vim com meus avós maternos passar as férias chez meu tio Djanir, que morava em Osasco. Os passeios que faziam comigo pela Pauliceia. O sorvete à tarde no Terraço Itália, os leões soltos em volta do carro no Simba Safari, o Viaduto do Chá... Lembrei também da outra, que vivenciei nos anos oitenta, quando vim de Porto Alegre com meu grupo de teatro, o Tear, estrear e cumprir temporada da peça Império da Cobiça. Foi quando descobri a noite paulistana, os inúmeros bares, botecos, cantinas e cafés do Bixiga. Os teatros: Mars, Igreja, Arena, TBC, Itália, Cultura Artística, Off. Os Jardins e o Ritz, minha paixão até hoje. O Spazio Pirandello, misto de bar, restaurante e livraria frequentado por tout São Paulo... Sem falar da Sampa dos anos noventa, quando cheguei aqui de mala e cuia, com carteira assinada para fazer temporada com o Grupo XPTO no Sesi da Paulista. Foi quando sentei praça e nunca mais deixei a maior cidade da América do Sul... Desejo sinceramente que São Paulo, assim como o Brasil e o mundo, saia logo dessa. Que a gente possa comemorar o próximo aniversário nas ruas, aglomerados, vacinados e felizes. Por enquanto, fica aqui minha homenagem para esse que será um aniversário atípico para a cidade... E, para terminar citando Caio Fernando Abreu, outro gaúcho que, como eu, amava Sampa: “Atrasado, correndo pelas manhãs, maldigo muito a vida e a cidade assoviando deu pra ti, baixo astral, vou pra Porto Alegre, tchau! Mas não vou pra Porto, a não ser para pegar um colo rápido de vez em quando. É só um mero consolo escapista. E, também, não deu pra Sampa. Ainda. Vou ficando por aqui. E que Oxalá e Tupã me alumiem”. Feliz aniversário, São Paulo! Nas fotos, Minhocão (com grafittis do artista Speto), Liberdade e Augusta esvaziados pela pandemia.

quarta-feira, 20 de janeiro de 2021

AÇOUGUE & MERCADINHO

No intuito de evitar aglomerações, desde o início da pandemia passei a fazer minhas compras diárias e semanais em dois pequenos comércios do bairro da Liberdade: A mercearia Kosaka e o açougue Yakitori. Ambos são de propriedade de famílias japonesas e ficam na rua Galvão Bueno. A mercearia é um típico armazém de bairro, que tem um pouco de tudo o que a gente precisa. Desde frutas, legumes e grãos até produtos de limpeza. O proprietário, junto com seus filhos, se desdobram em gentilezas e embrulham delicadamente cada alimento em seu saquinho, sempre dando pequenos descontos que fazem a gente retribuir com a preferência. Sem falar na organização, tudo arrumadinho e separado por assunto. Do jeito que o meu transtorno obsessivo-compulsivo gosta. Um dos filhos do proprietário é meu chará: Se chama Roberto. Ele me disse como é o seu nome japonês, mas eu esqueci... Já o açougue prima pela higiene. Pra começar, não tem cheiro de açougue. Parece uma loja, uma boutique de carnes, tal a assepsia do local. E vendem o sassami, aquele mini-peito que vem dentro do peito do frango e é extremamente macio. Tirados um a um pelo proprietário e seus funcionários. Às vezes encontro com Dona Margarida, proprietária do Isakaia Issa, fazendo suas compras por lá. Naturalmente que à paisana, sem o tradicional quimono de gueixa com o qual nos recebe no seu restaurante... Não quero mais nada depois que me tornei freguês desses dois estabelecimentos. Sou bem atendido e tenho um tratamento pessoal, diferente daquelas grandes redes de supermercados onde a gente é só um número na multidão e corre o risco de ser contaminado por pessoas sem noção. Sem falar que neles encontro alimentos tipicamente japoneses como salada de bardana, missô, alga, guiosas, sushis, lamen... São essas pequenas coisas que me fazem amar São Paulo: Ela é muitas em uma só. Parece incacreditável que uma metrópole totalmente cosmopolita consiga ser ao mesmo tempo tão cidade pequena. Esses dois achados serão para a vida toda, além-pandemia. Uma pena que nenhum dos dois venda vinhos... Na foto, a rua Galvão Bueno iluminada pelas lanternas japonesas.

segunda-feira, 18 de janeiro de 2021

VIAJANTE COMPULSIVO

Quem já se deu o trabalho de ler o meu perfil aqui no blog viu que lá me defino, entre outras coisas, como um viajante compulsivo. O que é verdade. Agora imaginem como tem sido difícil para mim esses intermináveis meses de pandemia sem poder viajar nem para aqui pertinho... Isso tem me feito lembrar de viagens que já vivi. Uma delas, que me recordo sempre com muito carinho, foi a que fiz com minha irmã Rita para Key West, no extremo sul da Flórida, nos Estados Unidos. Tão ao Sul que fica a apenas 90 milhas de Cuba. É uma cidade insular, mas também pode-se ir de carro pelo continente usando a Overseas Highway. Foi o que fizemos. Naturalmente que o carro foi abastecido de um cooler com várias garrafinhas de champanhe baby e muitas frutas – para tomarmos e comermos na praia – além de incontáveis CDs. Sim, foi no tempo em que a gente ainda escutava CDs nos carros. E eu, que não dirijo, fui discotecando a viagem inteira. Aliás, a viagem em si já vale a pena. O trajeto é todo cercado de mar a perder de vista, em alguns pontos ficando só uma imensa ponte sobre o oceano. É como se a gente deslisasse sobre as águas... A cidade em si também é encantadora, com suas casas brancas de madeira, sobrados com jardim na frente e cercas baixas. Fomos com grande entusiasmo visitar a que foi residência de Ernest Hemingway. Hoje é um museu do escritor, com seus móveis e objetos pessoais. Um dos cômodos que mais me emocionou foi a sala de trabalho do autor de Paris é Uma Festa. A casa tem também um enorme jardim com piscina e é habitada por aqueles encantadores gatos de seis dedos, todos descendentes da gatinha preferida do escritor. Depois de curtir praias, passear pela cidade e beber nos seus incontáveis bares, todo mundo se reúne numa imensa praça à beira mar para assistir e celebrar o por do sol. A gente se senta no píer de um barzinho, normalmente com algum grupo de jazz tocando e toma drinks apreciando o espetáculo da natureza que é o entardecer. Olha que eu venho de Porto Alegre, cidade famosa pelos belíssimos ocasos. Mas o de lá é, digamos, no mínimo tão lindo quanto... Nos hospedamos num simpático hotel, na verdade uma espécie de pousada: Uma daquelas casas assobradadas da ilha que foi transformada em hotel pela proprietária, com três ou quatro quartos no máximo e um excelente café da manhã. Não dá vontade de ir embora. Quer-se ficar mais e mais. Ou voltar o mais depressa possível. O que, no meu caso, ainda não aconteceu. E olha que já faz mais de dez anos que estive lá... Nas fotos, a frente da casa de Hemingway, um dos gatinhos recebendo os visitantes junto ao chafariz e a maquete da casa com a própria ao fundo.

segunda-feira, 4 de janeiro de 2021

SAÚDE

Quis começar o ano aqui no blog desejando saúde. Tanto no sentido de propor um brinde - Tim-tim! Cheers! Santé! - quanto no sentido de saúde mesmo, de bem estar físico, mental e social. Sobretudo - ainda mais nesse momento - de ausência de doenças. O que mais se pode desejar depois de um ano quase inteiro lutando contra uma doença universal, uma pandemia? Sem dúvida alguma, saúde é do que mais precisamos para esse 2021 que começa. Não apenas para nós, brasileiros: Para nós terráqueos, vamos dizer para simplificar. Que as vacinas que estão sendo testadas sejam aprovadas e consigam imunizar a população. As populações. Que a saúde mental das pessoas, tão duramente submetidas a privações e isolamentos, se refaça e se mantenha plena. Vamos combinar que nunca se viu tanta gente a ponto de perder as estribeiras. E tanta gente perdendo-as de fato. Tanta polarização, tanta negação, tanta intolerância. Tanta violência! Que tudo isso seja superado e, de preferência, esquecido. Que uma nova era se inicie. A sempre profética Rita Lee cantou lá atrás, no início da década de oitenta: Quero mais saúde, me cansei de escutar opiniões de como ter um mundo melhor... Às vezes fica difícil acreditar que tudo isso vai passar e que voltaremos a ser felizes outra vez. Por isso, além de saúde, desejo a todos também uma boa dose de esperança. Para que tudo o que esperamos de melhor aconteça e a gente possa ter de fato um feliz 2021. Tendo saúde a gente consegue ir atrás de todo o resto, não é verdade? E eu, cheio de saúde, seguirei dando notícias daqui do blog. Na foto, Rita Lee na capa do álbum Saúde.