sexta-feira, 29 de maio de 2015

HOMEM SÓ

No final da década de oitenta escrevi e levei à cena uma peça de teatro chamada A Mulher Só. Sou muito ligado à solidão, ela sempre me encantou como tema de qualquer manifestação artística. Das músicas de Dolores Duran, Maysa e Dalva de Oliveira ao rock de Cazuza. Passando por todos os boleros de Eydie Gormé que me foram apresentados por Tania Carvalho. Atraído por essa atmosfera, fui ao Espaço Parlapatões para conferir O Fantástico Circo-Teatro de um Homem Só, espetáculo solo do ator Heinz Lima Verde, cearense radicado em Porto Alegre que eu jurava ser gaúcho. Eu, que acabo de chegar de um mês em Paris, onde tive a oportunidade de assistir às mais sofisticadas produções teatrais protagonizadas por astros internacionais, fiquei completamente encantado por esse pequeno tesouro cênico que impressiona justamente pelo oposto do que vi no exterior: A simplicidade. O espetáculo retoma o fazer teatral na sua essência. É através da palavra e da ação que Heinz nos conduz na sua viagem pelo mundo do circo, da memória, da arte, dos artistas solitários, da solidão em si. E a gente embarca com o maior prazer nessa aventura que começa lá no Ceará e atravessa o país em direção a Porto Alegre, o lugar que ele escolheu como o mais distante da sua casa. No trajeto vamos conhecendo figuras incríveis como a Vedete Velha, o Palhaço, o Dono do Circo e o ator ele próprio, despido de personagens e máscaras, em uma entrega sincera, comovente e solitária. Conduzido pela direção impecável de Patrícia Fagundes, Heinz desdobra a cena em um leque de possibilidades: Leva a platéia do riso à emoção, passando, ocasionalmente, pela reflexão. Belíssima, para mim, é a cena da Mulher Barbada, que lança um inusitado olhar sobre a possibilidade de ser diferente em meio às igualdades dominantes. E o Palhaço Mal-humorado, totalmente do mal, que manda às favas o politicamente correto, é deliciosamente transgressor. Heinz me fez lembrar dos tipos solitários de Vicente Pereira a quem Diogo Vilela dava vida em Solidão, a Comédia, lá nos anos noventa. Na contramão da mesmice dominante, esse circo-teatro se impõe como uma bela opção de formato cênico. Só mais quatro quintas-feiras em São Paulo, no Espaço Parlapatões. Vê se não perde, por favor!
Na foto, Heinz encarna a impagável Vedete Velha.

terça-feira, 19 de maio de 2015

DERNIER JOUR À PARIS

Detesto despedidas, mas com Paris não tem jeito. Preciso dizer-lhe adeus para sempre poder voltar... Meu último dia na cidade foi deslumbrante, com um sol que já me chamou para a rua logo pela manhã. Saí de casa com um único objetivo em mente: Me despedir. Antes que eu saísse, meu amigo Frédéric me disse para eu não ir atrás do que já vivera em Paris. Era para eu esquecer o passado e ir em busca do novo, citando um livro de Krishnamurti que acabara de ler. Apegado ao passado que sou, a princípio fiquei apreensivo. Mas logo me deixei levar pelo ensolarado dia de primavera com que Paris me acenava o seu adeus. Ou melhor, o seu até breve... Passeei muito, fiz compras - aquelas da última hora - tomei champanhe no Le Fumoir, almocei no Le Nemours, aquele café na Place Colette que está sempre cheio de gente do mundo inteiro, e tive a sorte de ouvir aquela orquestra de cordas que volta e meia está por ali... Depois encontrei com amigos para o fim de tarde no Canal Saint Martin e o jantar de despedida chez Eleonora com João, Fred, Philipe e o chef Otiniel que nos regalou com comida tailandesa da melhor qualidade. Tudo regado a muito champanhe... Agora já estou em São Paulo, de onde escrevo cheio de saudades. Adorei cada momento da minha permanência na Cidade Luz...
Nas fotos, fim de tarde no canal Saint Martin e o salão do Le Fumoir.

domingo, 17 de maio de 2015

PASSADO & PRESENTE

Ontem saí de casa logo pela manhã para ir em busca do meu passado. Queria rever os lugares onde estive com Caio Fernando Abreu aqui em Paris nos anos noventa, quando nos conhecemos, e que contei aqui no blog no post do dia primeiro de abril deste ano. Só lembrava da estação de metro: Marcadet- Poissoniers. Lá chegando, comecei a desbravar as redondezas à procura do jardim onde nos sentamos para conversar e do café onde fomos beber. Acho que encontrei os dois. O Café, pelo que pude lembrar, era o Nordsud, na Rue du Mont Cenis. E o parque, o Square Maurice Kriegel-Valrimont. Comprei um vinho e um sanduíche e me sentei naquele que acreditei ser o banco onde estive com Caio, para beber em sua homenagem... Tenho visto tantas coisas, é impressionante como Paris ainda é capaz de me surpreender. Como a sede do Partido Comunista Francês, projetada pelo brasileiro Oscar Niemayer. Ou o gigantesco pagode chinês, La Maison Loo, pertinho do
Parque Monceau, que se destaca vermelho em meio aos prédios franceses... Fui visitar a exposição de Yves Saint Laurent 1971: La Collection du Sacandale, na Fundação Pierre Berger-Yves Saint Laurent. Fazendo hora para assistir ao espetáculo Sans Valentin, uma comédia romântica gay, me deparei com o já lendário café Les Deux Moulins, que serviu de locação para o filme O Fabuloso Destino de Amélie Poulin. Falando no assunto (filmes, locações), fui até a escadaria em que o personagem de Meia Noite em Paris se senta para esperar o carro que o leva aos anos loucos. Fiz foto e tudo... Sem falar no glamour vintage do restaurante Le Grand Colbert, onde comi ótimos escargots, e no belíssimo Odéon Théâtre de l'Europe, que não conhecia e onde tive o prazer de ver Isabelle Huppert e Louis Garrel arrasando sur la scène em Les Fausses Confidences, de Marivaux...
E como tudo o que é bom um dia acaba, já está chegando a hora de ir. Para terminar citando Serge Gainsbourg, je suis venu te dire que je m'en vais...
Nas fotos, o jardim onde estive com Caio, o Pagoda Paris e a belíssima sala do Odeon Théâtre, com teto pintado por André Masson.

quarta-feira, 13 de maio de 2015

ÚLTIMA QUARTA-FEIRA

Hoje é quarta-feira e eu só vou deixar Paris na segunda-feira que vem. Mas, mesmo assim, já entrei no clima de histeria e corre-corre dos últimos dias: Última quarta, última quinta, última sexta e etc. Quarta-feira é também o dia em que sai o Pariscope, guia com todas as atrações culturais da semana na cidade. É uma espécie de Guia da Folha, em São Paulo, só que vendido independente de qualquer jornal. Pois descobri, lendo o Pariscope, que nesse fim de semana reestreia Les Fausses Confidences, de Marivaux, que traz no elenco Isabelle Huppert e Louis Garrel, entre outros, em uma direção de Luc Bondy. Me desabalei até o Théâtre de l'Odeon e garanti meu ingresso para o sábado, no melhor clima "despedida de Paris 2015"... Minha permanência na cidade esse ano será de um mês, mas, agora que o momento de partir se aproxima, a impressão que tenho é que o tempo voou. Não posso mais vir a Paris e ficar apenas um mês. Preciso dar um jeito de poder permanecer mais tempo, pelo menos dois ou três meses. Acho que da próxima vez vou me matricular em um curso, algo que me obrigue e me permita fazê-lo. Depois de comprar meu ingresso, entrei na Notre Dame para rezar um pouco e comprar aquela vela linda que vem em um copinho e segui até o Beaubourg para ver a cidade do alto. Agora desci, me sentei aqui no café e "mando notícias nessa fita", para citar Chico Buarque.
Nas fotos, a imponente fachada do Odeon Théâtre de l'Europe, as velas da Notre Dame e Paris vista do alto do Beaubourg.

segunda-feira, 11 de maio de 2015

MATINÉS, VAMPIROS & MUSEUS

Uma das coisas de que mais gosto aqui em Paris é o horário em que são apresentadas as peças de teatro. Geralmente, às 20:30. Mas tem umas que são às 19:30 e, nos domingos, as matinés das 15:00. Adoro. Dá para assistir a um musical, por exemplo, que geralmente são longos, e ainda sair super cedo do teatro, com todo tempo para fazer o que quiser. Ainda mais que nessa época do ano anoitece bem mais tarde. Foi o caso do último domingo, quando assisti a Le Bal des Vampires, divertida versão musical do filme A Dança Dos Vampiros, de Roman Polanski, dirigida pelo próprio. Peço desculpas aos leitores, mas desta vez estou sem muita vontade de escrever aqui em Paris. Quero dedicar cada instante de minha permanência a revê-la e a redescobri-la. Ontem, enquanto batia pernas pela Rue Saint Honoré, Rue de Rivoli, Jardin des Tuilleries e entornos, decidi entrar para finalmente conhecer o Musé de L'Orangerie. Belíssimo acervo composto, entre outros, de Renoir, Matisse, Picasso, Modigliani, Cézanne e, claro, as impressionantes Ninphéas, de Claude Monet, especialmente dispostas nos dois salões ovais que lhes dão incrível sensação de profundidade. Adorei descobrir o trabalho de uma artista que não conhecia: Marie Laurencin, de quem o museu possui cinco obras. A que mais gostei foi Portrait de Mademoiselle Chanel, que até fotografei. Por hoje é só...
Nas fotos, o charme da Rue Saint Honoré, a fachada da casa de chá Angelina, na Rue de Rivoli, e parte das Ninphéas de Claude Monet.

terça-feira, 5 de maio de 2015

MUSÉE JACQUEMART-ANDRÉ

Venho a Paris há tantos anos e ela nunca deixa de me surpreender e me encantar. E vou dizer mais: São muitas as surpresas e os encantos. Mas, como não tenho tempo nem espaço para contar tudo aqui, vou me ater a um deles: O Museu Jacquemart-André. Trata-se de um hôtel particulier construído no século dezenove, que pertencia ao casal Nélie Jacquemart e Édouard André, ela pintora, ele colecionador de arte. Hoje esse templo das artes está aberto ao público que, além de conhecer suas dependências e admirar a coleção de obras de arte e as exposições, pode também se deliciar com o Café Jacquemart-André, um salão de chá instalado na antiga sala de jantar do casal. Desde a entrada a visita vale muito a pena. Um dos ambientes que mais me chamou a atenção foi a sala de música, onde o casal costumava receber os amigos para dançar ou para apreciar os concertos. E os aposentos Chambre de Madame e Chambre de Monsieur, onde se pode imaginar um pouco da vida íntima do casal. Sem falar que, além do acervo permanente, há exposições temporárias como a que pude apreciar: De Giotto à Caravagge. Eu, que amo Caravaggio, me senti especialmente homenageado... Saindo do museu - com a alma lavada - fui andando até o Parc Monceau, que fica logo perto, comprei algo para comer e beber e fiz meu déjeuner sur l'erbe, ao sol da primavera. Me sentindo um parisiense...
Nas fotos, um pouco da beleza do museu em três momentos.

domingo, 3 de maio de 2015

ANTÍGONA

Há um ditado aqui na França que diz: En avril ne te decuvre pas d'un fil, en mai fais ce qu'il te plaît. Que quer dizer mais ou menos o seguinte: Em abril não vá tirando logo a roupa, em maio faça o que lhe aprouver. Mas ele parece não fazer mais o menor sentido: Cheguei em Paris no final de abril e fui recebido por sol e calor. E agora veio maio trazendo chuva e frio... Quero minha primavera de volta! Depois que escrevi isso, saí no começo da tarde de um domingo chuvoso para ir ao Théâtre de La Ville assistir a uma montagem de Antígona, de Sófocles, protagonizada por Juliette Binoche. Assim que as luzes se apagaram e teve início o espetáculo já me senti recompensado pela ausência do sol. Fui agraciado com uma belíssima encenação dessa tragédia que se revela essencialmente atual. Juliette e todo o elenco atingem o registro trágico com uma verdade e uma naturalidade impressionantes. Não soa empostado ou teatral, mas tem a força e a contundência que a obra exige. A encenação é irretocável, atualiza o conflito sem tentar modernizá-lo, apenas tornando mais evidente a atemporalidade dessa grandiosa obra da dramaturgia universal. Nos dando a clara visão de que o ser humano caminha, desde sempre, inflexível para o fim. Como diz o coro dos Velhos Tebanos: Numerosas são as maravilhas da natureza, mas de todas a maior é o Homem (...) Fecundo em seus recursos, ele realiza sempre o ideal a que aspira( ...) Só a morte ele não encontrará nunca o meio de evitar(...) Industrioso e hábil ele se dirige, ora para o bem, ora para o mal... Fiquei bastante tocado por esse espetáculo, que me trouxe muitas lembranças de meu mestre Ivo Bender e nossas aulas de Teatro Grego. Ele, como poucos, iria apreciar essa montagem em todas as suas sutilezas. Tive um maravilhoso presente de aniversário, ainda que com alguns dias de atraso. Juliette Binoche é uma grande atriz, dona de um talento imensurável, se é que existe medida para talento. Para o dela, certamente, não há. E, quando saí do teatro, mais uma grata surpresa: "Ó luz do sol, a mais radiosa que jamais brilhou sobre a Tebas das Sete Portas, eis que enfim ressurges"... As palavras do coro, mais uma vez, me apontavam a realidade atual: O sol voltara a brilhar sobre Paris. Fui duplamente contemplado...
Na foto, parte do elenco recebe os calorosos aplausos: Da esquerda para a direita: Kirsty Bushell, Finbar Lynch, Juliette Binoche e Kathryn Pogson.