sábado, 28 de fevereiro de 2015

ABSTINENCE DE PARIS

Tanto já falei aqui no blog sobre Paris, minha cidade do coração, que o que quer que diga soará redundante. Mas, para não abandonar o assunto, vou falar sobre a falta que ela me faz. A minha abstinência de Paris. Toda vez que fico mais de um ano sem visitá-la, o que raramente acontece, me vem a síndrome de abstinência parisiense. E passo a ter febres, seguidas de delíriuns tremens nos quais visualizo ruazinhas estreitas, cheias de charme e romantismo, nas quais pessoas bebem vinho sentadas nos terraços dos cafés. Estremeço ao lembrar entardeceres de primavera e de verão, quando quase dez horas da noite ainda está claro. Ouço vozes que falam francês e acordeons que tocam ao longe Sous le Ciel de Paris... Aliás, entardeceres e amanheceres de qualquer estação do ano sempre me lembram Paris. E filmes e livros e exposições de arte. E vinhos. Champagne, então, nem se fala: É o pico da abstinência. Quando ela atinge esse ápice, ando pelas ruas de São Paulo tão ausente, tão distante que, quando esbarro em alguém, involuntariamente exclamo: Pardon! E em seguida corro para o bistro da Augusta para boire un vèrre. Depois subo até a Paulista e cruzo para o outro lado como quem vai para a Rive Gauche. Sentado a uma mesa do Urbe Café imagino estar no Café de Flore...
Quando a crise está assim, crítica, releio A Elegância do Ouriço. Funciona como uma espécie de analgésico ou ansiolítico... Busco endereços no Google. Ah, o Google! Com ele vou sempre a Paris, ainda que virtualmente. Entro no site da Airfrance e simulo idas e vindas Guarulhos-Charles de Gaulle-Guarulhos... Ainda bem que, chegando em casa, me espera a caixa com as 100 plus belles chansons, de Serge Gainsbourg. E Brigitte Bardot e Rita Mitsouko e os vinis Jean Guidoni. E assim vou contando os dias para rever Paris. A minha Paris. Seus telhados e boulevars. Suas pontes e bateau-mouches. Seus teatros e seus cafés. Que lindo que é sonhar. A vida é mesmo sonho...
Na foto, a noite cai sobre o Canal Saint Martin.

segunda-feira, 23 de fevereiro de 2015

PUZZLE

Domingo à noite, saindo do teatro, passei em frente a uma dessas igrejas evangélicas e escutei o pastor dizendo: "Vocês acham que pecado é uma palavra fora de moda? Se não fosse o pecado as pessoas estariam se perdendo na prostituição, no vício e no homossexualismo". Fiquei chocado. Não apenas pela ignorância e pelo preconceito mas também, e acho que principalmente, pelo uso inadequado do sufixo "ismo". Perdoai-o, Pai, ele não sabe o que diz. Quase gritei para dentro do salão: Homossexualidade! Homossexualidade!! Homossexualidadeeee!!! Depois lembrei o que o cara que cortava meu cabelo falou, no seu salãozinho da Liberdade, bem lá pra baixo, quase Cambuci, enquanto me fazia a coiffure: Disse que estava devendo sete mil reais no banco e, depois que entrou para a igreja e começou a pagar o dízimo, não apenas conseguiu saldar a dívida, como estava bem melhor de vida, graças a Jesus. Tudo isso me fez pensar na matemática moderna e seus conjuntos. As pessoas andam colocando as coisas em conjuntos aos quais elas não pertencem! Lembrei da Vila Sésamo: Uma dessas coisas não é igual às outras. O que Jesus tem a ver com as dívidas bancárias e a renda das pessoas? Uma com certeza é diferente, basta olhar. O que orientação sexual tem a ver com vício e prostituição? Quero ver agora quem percebe a diferença. E me diga antes que eu acabe de cantar... A peça a que assisti está em cartaz no Sesc Vila Mariana, chama-se Puzzle D e também tratou e me fez pensar sobre esses e outros assuntos. E agora que reuni as peças desse quebra-cabeças aqui no post estou achando que sou um pecador veado bêbado que precisa urgentemente se prostituir. Para que o conjunto fique completo.
Na foto, os atores de Puzzle D recebem o publico em cena no Sesc Vila Mariana.

sexta-feira, 20 de fevereiro de 2015

SANDRIX

Ontem à noite, depois de muito tempo, nos reencontramos. Você estava linda, vestia roupas coloridas e tinha baton vermelho nos lábios. Quando te vi ali, na minha frente, tão próxima e tão real, a princípio não acreditei. Súbito fui preenchido por um misto de saudade finalmente saciada e uma enorme ternura no coração. Logo ele, o coração, que nos últimos dias andava partido, descompassado no peito que doía. Quando você me viu e abriu seu sorriso que tanto me iluminava, me dei conta que esse encontro não podia ser real, a menos que eu tivesse voltado no tempo. Nos abraçamos e eu cheguei a sentir seu perfume, exatamente como costumava ser. Me agarrei na hipótese da volta ao passado e, imbuído dela, pensava em algo seu que pudesse pegar para provar às pessoas que de fato nos encontráramos. Um colar ou pulseira ou anel, eu te olhava buscando o que de você reter em mim quando subitamente acordei: Com lágrimas nos olhos e seu perfume retido na memória olfativa do coração. Sim, nesses casos, o coração tem olfato. E gosto e tato também. Lembrei que você sempre dizia, quando eu te pedia algo: Chora, Robertinho, chora que eu faço. Lembrei também que eu te chamava de Sandrix... Ainda bem que ao menos em sonho, vez em quando, você me visita. E o que quer que isso possa significar, vindo de você, de onde for, só pode ser bom.
Na foto, Sandrinha et moi nos bastidores do Avenida Clube, em São Paulo.

quarta-feira, 18 de fevereiro de 2015

CINZAS

O dia amanheceu cinza, fazendo juz à data de hoje: Quarta-feira de cinzas. Passei esse carnaval tão à margem do evento em si, que nem cinzas aqui em casa sobraram para contar a história. Apenas uma melindrosa e uma rumbeira, que tirei do armário para que o cheiro de mofo saísse, repousam sobre a cama sem sequer terem sido usadas. Minto, eu bem que vesti as duas em casa mesmo, enquanto fazia planos de sair em blocos e de ir pular em bailes. Mas acabei não indo a nenhum. Já faz alguns anos que minha animação carnavalesca se resume a tirar as fantasias do armário para na quarta-feira de cinzas guardá-las novamente. Por outro lado, nesse ano fiz coisas inéditas durante os dias de folia. No domingo, por exemplo, trabalhei! Participei, com minha amiga Agnes Zulianni, de duas performances no CCBB, dentro de um projeto que exibe filmes brasileiros que abordam o humor. Bem cult e totalmente low profile para os dias de Momo. Plateia interessante e interessada... Na terça-feira, visitei dois belos parques da cidade que ainda não conhecia: O tradicional Horto Botânico e o mais recente Parque da Juventude, construído onde outrora estava instalada a Casa de Detenção do Carandiru. Fora isso, acompanhei pelo instagram e pelo facebook todos os amigos que se jogaram com entusiasmo, fantasias e álcool nos mais diversos blocos e bailes. Fiquei feliz pela volta dos carnavias de rua. Aqui em São Paulo eles bombaram no centro e em vários bairros. O bloco Tarado ni Você, que homenageia Caetano Veloso e cujo lema é Vamos Comer Caetano, foi um sucesso total, levando milhares de foliões à famosa esquina do centro cantada pelo compositor baiano em Sampa. Nesse eu confesso que quase fui. Desisti na última hora. Velhice mesmo. Não consigo mais me imaginar em meio a uma multidão bebendo, dançando e sei lá mais o que fazendo. Acho que meu bloco já passou. Agora o cinza do dia deu lugar a uma espécie de sol tímido que espia por entre as nuvens. Quem sabe ainda me animo para o enterro dos ossos?
Na foto, a impressionante perspectiva do Parque da Juventude, que trouxe vida a um local onde não havia perspectiva nenhuma.

quarta-feira, 11 de fevereiro de 2015

MEMÓRIAS INSANAS CAPÍTULO 4

MESTRE DE CERIMÔNIAS
Sempre tive medo de ser eu mesmo em cena, pois sou tímido e tenho verdadeiro pavor de falar em público. Tanto que raramente vou a entrevistas de televisão. Quando Grace me convidou para ser o apresentador da Terça Insana, aceitei tremendo nas bases. O mestre de cerimônias, que a princípio era um “eu” apavorado que cuspia o texto bem rápido e saía de cena correndo, aos poucos foi se transformando numa espécie de personagem, ou, por que não dizer, “persona”, que nada mais era do que um “eu” mais solto, autoconfiante, articulado e, sobretudo, simpático. Quando me dei conta de que fazia isso bem e de que funcionava, passei a perceber as reações da platéia. Assim, aprendi a dar o tempo das piadas, a dizer a frase e em seguida comentá-la com uma expressão, a ouvir o público, e a abertura foi se tornando uma espécie de diálogo com a assistência. Uma coisa que gostava muito de fazer na abertura era vestir o apresentador de acordo com o tema da noite, se o tema em questão assim o permitisse. Dessa forma, o Mestre de Cerimônias já apareceu de chefe de cozinha, quando o tema foi Alimentação, de juiz no tema Justiça, de operário no tema Reforma, de deus grego em Mitologia, de estrela hollywoodiana no tema Cinema e de extraterrestre em Perdidos no Espaço. Em todos os casos o que mudava era somente a roupa e o texto. O apresentador era sempre ele mesmo, ou seja, eu mesmo com a simpatia e a autoconfiança exacerbadas. Outro recurso que utilizava com freqüência no apresentador é a minha capacidade de mudar de voz. Aproveitando essa minha habilidade, quando ainda escrevia os meus textos, Grace criou aberturas semelhantes a programas de televendas, nas quais eu anunciava as qualidades do produto Terça Insana e chamava depoimentos de pessoas que já tinham experimentado os seus efeitos benéficos. Assim, ao chamar o depoimento de uma mulher americana, por exemplo, eu colocava rapidamente uma peruca e fazia voz de dubladora de programas de TV. De acordo com o depoimento eu me caracterizava com um acessório e mudava a voz adaptando ao personagem. Ainda na fase do Next cheguei a usar uma carcaça de televisão, que segurava em frente ao meu rosto para transmitir os depoimentos. Com o passar do tempo criei diversos personagens, acho que mais de trinta no total, mas o Mestre de Cerimônias ficou sendo sempre o que mais me identificava como participante da Terça Insana. Isso porque durante os oito anos em que permaneci no projeto os atores mudavam, os temas mudavam e mudavam também os personagens, mas o MC sempre abria o espetáculo e, com raríssimas exceções em que fui substituído, era sempre feito por mim. Considerava uma grande responsabilidade abrir o espetáculo. Posso afirmar que ao longo da minha trajetória insana não houve uma só vez que não tenha ficado nervoso antes de fazer a abertura. Eu via a abertura como um compromisso sério a ser cumprido, uma espécie de editorial, um recado que eu tinha a responsabilidade de dar para a platéia, com seriedade e, ao mesmo tempo, com graça, humor e de forma animada. Uma espécie de preparação para o que a noite estava para mostrar. Nunca quis deixar de fazê-lo, apesar do estado nervoso em que sempre me colocava antes de começar. Normalmente esse nervosismo era substituído por enorme satisfação assim que entrava em cena e a platéia reagia de maneira favorável. O que quase sempre acontecia... Quando comecei a escrever os meus próprios textos, passei a ter as colaborações esporádicas de Odilon Henriques e Cau Saccol. A princípio essas colaborações eram totalmente informais, algo como uma conversa de amigos ao telefone. Eu dizia: estou escrevendo sobre educação essa semana. O que você me sugere? E eles me davam um ou dois parágrafos para completar o meu texto. Mais tarde, Cau se tornaria meu colaborador de fato, espécie de ghost writer de plantão, que me salvava escrevendo inteiros os meus textos de abertura e sugerindo ideias para os outros personagens. Principalmente durante o período da turnê de divulgação do primeiro DVD, a colaboração do Cau foi importantíssima, pois viajávamos na quinta ou sexta-feira, e chegávamos na segunda, em cima do laço para produzir, ensaiar e por em cena o show de terça. A pricípio bastante curtos, os textos de abertura foram se desenvolvendo até chegar a um formato praticamente fixo, como se fosse uma redação, um editorial, no qual eu saudava a platéia, introduzia o assunto da noite, anunciava o tema, desenvolvia-o e, finalmente, chamava as atrações da noite. Com o tempo, e de tanto escrever a quatro mãos, Cau e eu desenvolvemos um estilo novo, misto do que eu já escrevia sozinho com o que ele passou a escrever para mim. No começo, ele escrevia o texto, me passava, eu lia e reescrevia adaptando ao meu jeito de falar, para que saísse da minha boca com mais naturalidade. Depois, ele já sabia como era esse meu jeito de falar e, muitas vezes, o texto já vinha pronto para ser decorado. Muito do pouco controle que hoje tenho sobre a minha timidez vem dessa experiência como Mestre de Cerimônias da Terça Insana. Ainda que eu tenha muito a me superar...
Na foto, o MC em um dos primeiros shows do Avenida Clube.

terça-feira, 3 de fevereiro de 2015

MEMÓRIAS INSANAS CAPÍTULO 3

DE LISBOA AO RIO E DEPOIS BRASIL
Em outubro de 2004 a Terça Insana foi convidada a participar do Rir, Festival Internacional de Humor de Lisboa. O convite foi aceito, negociado e realizado pela empresária e produtora Cecília Dantino, que nos acompanhou à Terrinha. Éramos o único espetáculo a se apresentar nas três noites do festival. As outras atrações variavam com os dias e horários. Foi muito surpreendente e interessante, para todos nós, perceber o quanto nosso humor e nossos personagens funcionavam em outro país. Apesar de ser um país de língua portuguesa como o Brasil, em Portugal se imprime sentidos diferentes a várias palavras que são comuns aos dois países. Isso nos obrigou a uma rápida adaptação de termos, expressões e referências, que acabaram conferindo certa cor local ao show e aos personagens. As três apresentações estiveram lotadas e o público português recebeu muito bem nosso espetáculo. Nesse festival integraram o elenco Grace Gianoukas, Marcelo Mansfield, Otavio Mendes e eu. Quando voltamos de Portugal estreamos nossa temporada no Rio de Janeiro. A princípio era para ser apenas doze apresentações, de sexta a domingo, durante um mês. O sucesso foi tamanho que renovamos a temporada várias vezes e acabamos ficando seis meses em cartaz, com absoluto sucesso, no Teatro do Leblon. Essa temporada no Rio (Assim como as primeiras viagens da primeira turnê nacional) teve produção local de Beta Leporage. No ano de 2001 eu havia trabalhado como ator em um espetáculo chamado É Vinte, As Folias do Século, com direção de Zé Henrique de Paula, no qual contracenava com Clarissa Rockemback, também produtora, de quem fiquei muito amigo e que é enteada da Beta. Clarissa ia com freqüência nas primeiras apresentações da Terça Insana no Next e, quando estávamos nos apresentando nos finais de semana de julho de 2003 no antigo Tom Brasil, ela trouxe Beta para nos assistir. Beta adorou o que viu e o convite foi feito e aceito. Adoro essa nossa “fase carioca”. Íamos todas as sextas-feiras para o Rio e lá permanecíamos até segunda-feira pela manhã, quando retornávamos a São Paulo para preparar o show de terça-feira. Diferentemente do restante do elenco, que ficava hospedado em um hotel em Botafogo, eu ficava na casa da minha amiga Shala Felipe que, na ocasião, morava em Ipanema, de onde eu podia ir a pé para o teatro, que ficava no Leblon. Através da Beta conhecemos Marília Pera, sua vizinha e amiga, que nos convidou para a festa de seu aniversário. Esse aniversário da Marília é uma das melhores e mais incríveis lembranças que tenho da nossa temporada carioca. A casa parecia uma constelação, tal a quantidade de estrelas que vieram para parabenizar a diva. Tônia Carrero, Regina Duarte, Zezé Motta e Leda Nagle, para citar algumas. Tivemos direito, inclusive, a um show: Cada amiga preparou um pequeno numerito em homenagem à aniversariante. Inesquecível... Também através de Beta Leporage conhecemos As Frenéticas e me tornei amigo pessoal de Maria Lídia, a Lidoka. Amizade que se mantém até hoje... Do Rio partimos para nossa primeira turnê nacional, inicialmente produzida pela Beta e, na seqüência, por Deise Simões, que se tornou a empresária oficial da Terça Insana para as viagens. Estreamos em Porto Alegre, onde lotamos o Teatro São Pedro, com apresentações extras no sábado e no domingo. De lá fomos a Goiânia, Brasília, Campo Grande, Cuiabá, Manaus, Niterói, Salvador, Recife, Fortaleza, Belo Horizonte e, após repetir Brasília e Porto Alegre, devido ao sucesso alcançado nessas praças, encerramos a turnê participando do Festival de Humor de Piracicaba, interior de São Paulo. Antes de partir em turnê não pensávamos que a Terça Insana já tivesse tamanho alcance nacional, a ponto de lotar teatros grandes e distantes como os de Brasília, Manaus e Recife. Por onde passou, a Terça Insana sempre teve enorme sucesso e calorosa recepção por parte do público. Acho que isso se deveu, principalmente, ao DVD, que, a essa altura, já havia sido lançado nacionalmente e visto por gente de todo o país. Em todas as cidades em que estivemos fomos procurados e assediados com muito carinho. Esse nosso primeiro show de turnê foi o mesmo que apresentamos na temporada carioca e se chamava Terça Insana Grandes Momentos. O elenco era formado por Grace, Otavio Mendes, Marcelo Mansfield, Luis Miranda, Ilana Kaplan e eu. Cada um de nós fazia dois personagens. As exceções eram Luis Miranda que, além de seus dois personagens do show, recebia o público na porta do teatro caracterizado como Ademar Queixada, seu personagem bêbado. Luis sempre era confundido por alguém do público ou por funcionários do teatro com um bêbado de verdade. Houve ocasiões em que ele foi barrado na entrada e teve de tirar a peruca para que algum segurança acreditasse que se tratava de um dos atores do show. E eu, que além dos meus dois personagens, Boliviano e Betina Botox, fazia também a abertura do espetáculo, com texto escrito em parceria com a Grace. De Lisboa ao Rio, passando por quase todo o Brasil, tudo vale a pena, se a alma não é pequena...
Na foto, o elenco de Grandes Momentos clicado pelo fotógrafo Flavio Colker.