quarta-feira, 11 de fevereiro de 2015

MEMÓRIAS INSANAS CAPÍTULO 4

MESTRE DE CERIMÔNIAS
Sempre tive medo de ser eu mesmo em cena, pois sou tímido e tenho verdadeiro pavor de falar em público. Tanto que raramente vou a entrevistas de televisão. Quando Grace me convidou para ser o apresentador da Terça Insana, aceitei tremendo nas bases. O mestre de cerimônias, que a princípio era um “eu” apavorado que cuspia o texto bem rápido e saía de cena correndo, aos poucos foi se transformando numa espécie de personagem, ou, por que não dizer, “persona”, que nada mais era do que um “eu” mais solto, autoconfiante, articulado e, sobretudo, simpático. Quando me dei conta de que fazia isso bem e de que funcionava, passei a perceber as reações da platéia. Assim, aprendi a dar o tempo das piadas, a dizer a frase e em seguida comentá-la com uma expressão, a ouvir o público, e a abertura foi se tornando uma espécie de diálogo com a assistência. Uma coisa que gostava muito de fazer na abertura era vestir o apresentador de acordo com o tema da noite, se o tema em questão assim o permitisse. Dessa forma, o Mestre de Cerimônias já apareceu de chefe de cozinha, quando o tema foi Alimentação, de juiz no tema Justiça, de operário no tema Reforma, de deus grego em Mitologia, de estrela hollywoodiana no tema Cinema e de extraterrestre em Perdidos no Espaço. Em todos os casos o que mudava era somente a roupa e o texto. O apresentador era sempre ele mesmo, ou seja, eu mesmo com a simpatia e a autoconfiança exacerbadas. Outro recurso que utilizava com freqüência no apresentador é a minha capacidade de mudar de voz. Aproveitando essa minha habilidade, quando ainda escrevia os meus textos, Grace criou aberturas semelhantes a programas de televendas, nas quais eu anunciava as qualidades do produto Terça Insana e chamava depoimentos de pessoas que já tinham experimentado os seus efeitos benéficos. Assim, ao chamar o depoimento de uma mulher americana, por exemplo, eu colocava rapidamente uma peruca e fazia voz de dubladora de programas de TV. De acordo com o depoimento eu me caracterizava com um acessório e mudava a voz adaptando ao personagem. Ainda na fase do Next cheguei a usar uma carcaça de televisão, que segurava em frente ao meu rosto para transmitir os depoimentos. Com o passar do tempo criei diversos personagens, acho que mais de trinta no total, mas o Mestre de Cerimônias ficou sendo sempre o que mais me identificava como participante da Terça Insana. Isso porque durante os oito anos em que permaneci no projeto os atores mudavam, os temas mudavam e mudavam também os personagens, mas o MC sempre abria o espetáculo e, com raríssimas exceções em que fui substituído, era sempre feito por mim. Considerava uma grande responsabilidade abrir o espetáculo. Posso afirmar que ao longo da minha trajetória insana não houve uma só vez que não tenha ficado nervoso antes de fazer a abertura. Eu via a abertura como um compromisso sério a ser cumprido, uma espécie de editorial, um recado que eu tinha a responsabilidade de dar para a platéia, com seriedade e, ao mesmo tempo, com graça, humor e de forma animada. Uma espécie de preparação para o que a noite estava para mostrar. Nunca quis deixar de fazê-lo, apesar do estado nervoso em que sempre me colocava antes de começar. Normalmente esse nervosismo era substituído por enorme satisfação assim que entrava em cena e a platéia reagia de maneira favorável. O que quase sempre acontecia... Quando comecei a escrever os meus próprios textos, passei a ter as colaborações esporádicas de Odilon Henriques e Cau Saccol. A princípio essas colaborações eram totalmente informais, algo como uma conversa de amigos ao telefone. Eu dizia: estou escrevendo sobre educação essa semana. O que você me sugere? E eles me davam um ou dois parágrafos para completar o meu texto. Mais tarde, Cau se tornaria meu colaborador de fato, espécie de ghost writer de plantão, que me salvava escrevendo inteiros os meus textos de abertura e sugerindo ideias para os outros personagens. Principalmente durante o período da turnê de divulgação do primeiro DVD, a colaboração do Cau foi importantíssima, pois viajávamos na quinta ou sexta-feira, e chegávamos na segunda, em cima do laço para produzir, ensaiar e por em cena o show de terça. A pricípio bastante curtos, os textos de abertura foram se desenvolvendo até chegar a um formato praticamente fixo, como se fosse uma redação, um editorial, no qual eu saudava a platéia, introduzia o assunto da noite, anunciava o tema, desenvolvia-o e, finalmente, chamava as atrações da noite. Com o tempo, e de tanto escrever a quatro mãos, Cau e eu desenvolvemos um estilo novo, misto do que eu já escrevia sozinho com o que ele passou a escrever para mim. No começo, ele escrevia o texto, me passava, eu lia e reescrevia adaptando ao meu jeito de falar, para que saísse da minha boca com mais naturalidade. Depois, ele já sabia como era esse meu jeito de falar e, muitas vezes, o texto já vinha pronto para ser decorado. Muito do pouco controle que hoje tenho sobre a minha timidez vem dessa experiência como Mestre de Cerimônias da Terça Insana. Ainda que eu tenha muito a me superar...
Na foto, o MC em um dos primeiros shows do Avenida Clube.

Um comentário:

  1. Ainda lembro muito daqueles telefonemas e das crises de riso que eramos acometidos face as loucuras que falávamos. Esses posts deveriam virar livro.

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