domingo, 28 de março de 2010


PALMAS PARA O TOCANTINS

Estive em Palmas nesse fim de semana, participando com a Terça Insana do VI Salão do Livro do Tocantins. Fui como free lancer, substituindo um dos atores, que não pode comparecer ao evento. Não conhecia esse estado nem essa capital. E nem posso dizer que agora conheça, pois, no pouco tempo em que estive por lá, mal deu pra ver a cidade. Mas o pouco que vi me agradou bastante. Muita amplidão, muito céu, muito verde, muitos parques, uma coisa meio Brasília com mais ar puro ainda. Entardeceres e amanheceres incríveis, com o céu pintado de várias cores promovendo uma festa para os olhos e para a alma. O evento em si também me agradou bastante. Bacana ver pessoas interessadas em promover a cultura em locais tão distantes dos que ela normalmente habita. Além de uma grande feira, onde eram vendidos, lançados e lidos os mais diversos tipos de livros, o Salão também contava com extensa e variada programação de shows, espetáculos de circo, de teatro e palestras. As palestras eram proferidas num pequeno e agradável espaço batizado de Café Literário. Nosso espetáculo, por exemplo, foi apresentado em um auditório com capacidade para mil e quinhentas pessoas, que esteve lotado nas duas apresentações que fizemos, a segunda delas uma sessão extra, devido ao grande número de público presente. Meu amigo Edson Cordeiro também se apresentou nesse mesmo local durante a semana.
O grande homenageado do Salão foi o poeta mineiro Carlos Drummond de Andrade. Não sabia disso quando preparei meu texto de abertura do espetáculo, que reaproveitei do show Terça Insana Literatura, que havia feito ainda no Next Cabaret, citando trechos de poemas drummondianos, mais ou menos assim: “Quando eu nasci veio um anjo torto e disse: Vai, Roberto, ser gauche na vida e eu fui. Só que tinha uma pedra no meio do caminho, no meio do caminho tinha uma pedra. E agora, José? Perguntei”. E o texto seguia costurando Drummond com Quintana, Vinícius e Bilac. Fiz essa abertura vestido de imortal da Academia Brasileira de Letras e falando da correria que se estabelece a cada vez que vaga uma de suas cadeiras. Nosso maquiador e caracterizador Cabral confeccionou um fardão de imortal utilizando adereços de cortinas que bordou em um antigo casaco da Grace. Incrível. Fiquei feliz com os comentários que ouvi depois dos espetáculos, com pessoas do público reconhecendo os poemas citados e apreciando o nível da nossa apresentação. Comemoramos o Dia Internacional do Teatro da melhor forma possível, fazendo teatro para muitas pessoas e, ao mesmo tempo, levando a elas um pouco do melhor da nossa literatura. Viva o teatro. Viva o Brasil. E palmas para o Tocantins...

segunda-feira, 22 de março de 2010


As Quatro Estações

Estive em Porto Alegre nos últimos seis dias e tive a oportunidade de presenciar a passagem do verão para o outono nos pampas. Posso dizer que foi algo bastante bucólico e inspirador em tempos de aquecimento global. Foram dias de sol quente, nos quais já soprava um vento fresco trazendo os primeiros ares outonais. Lembrei da minha infância em Soledade, onde fazia invernos muito rigorosos e os verões eram agradáveis, pois naquela época ainda não fazia tanto calor no alto da serra gaúcha. Quando acordávamos pela manhã pra ir para a escola, ainda era escuro e os campos estavam cobertos de geada. Sim, da cidade dava para se ver os campos! Mas estou falando de tempos em que havia as quatro estações, definidas. Se bem que, em Soledade, fazia frio a maior parte do ano. Até mesmo no verão, quando a gente saía à noite para tomar sorvete, tinha que levar um agasalho...Hoje vivo em São Paulo, onde costuma fazer as quatro estações, bem definidas. Só que num único dia. Não sou nem louco de sair de casa sem levar guarda-chuva. Enquanto aqui nos trópicos vivemos essa passagem do verão para o outono, na Europa a passagem é do inverno para a primavera. Bem mais agradável. Como estou indo pra lá no mês que vem, estou torcendo para que a primavera venha mesmo com tudo, já que esse último inverno foi dos mais rigorosos dos últimos tempos. Sei disso por meu amigo João Faria, que mora em Paris desde 1991 e, mesmo sendo natural de Bagé, uma das cidades mais frias do Rio Grande do Sul, tem passado muito frio por lá. Mas foi-se o tempo em que se podia viver as quatro estações, distintas, cada uma com suas características próprias. Aliás, o tema vem inspirando artistas através dos séculos, de Vivaldi a Sandy & Junior...(Lembram da pegajosa: ...E no outono é sempre igual, as folhas caem no final...). Melhor esquecer. Estou de volta a São Paulo e, só pra variar, está se armando mais um daqueles temporais típicos do verão. Ou será do outono?
A foto mostra minhas irmãs em uma festa temática da escola: Rita como Fruto e Raquel como Horta.

quinta-feira, 18 de março de 2010


MEMÓRIA

Lembra que, há um tempo atrás, eu falei aqui no blog que voltaria a falar sobre os mistérios da memória? Pois é. Esse é um assunto que me interessa e me intriga muito. Para um médico ou para um outro cientista qualquer talvez seja fácil. Mas para mim, simples mortal, é dificílimo compreender onde e como o cérebro armazena, por tanto tempo e com tanta riqueza de detalhes, as experiências vividas. Hoje tive uma prova cabal de como se mantém eficaz, mesmo com quarenta e seis anos de existência, o meu arquivo de memória. Não sei quantos gigas ele tem, mas, que funciona bem, funciona. Estou em Porto Alegre, hospedado na casa da minha irmã, e hoje pela manhã precisei ir a uma agência bancária, há poucas quadras daqui. No caminho passei por uma rua que, lembrei, era a rua onde morava meu tio-avô, também já citado aqui no blog, Tio Nerinho. Pois bem, na volta do banco resolvi ir até o prédio onde Tio Nerinho morava. Fiquei bastante emocionado e, ao mesmo tempo, impressionado. Os mecanismos da memória entraram em ação com tal eficácia que as lembranças foram se sucedendo de maneira muito clara e, praticamente, palpáveis. Lembrei com detalhes da primeira vez que vim a Porto Alegre, com cinco anos de idade, acompanhando minha mãe que iria fazer um tratamento médico. Ficamos hospedados na casa do meu tio. O prédio continua igual, um daqueles edifícios dos anos sessenta, com pastilhas, que adoro. A única diferença é que a fachada, antes aberta, agora é toda gradeada. (Foi-se o tempo em que os prédios tinham somente a porta de vidro separando-os da rua). Mas vamos às lembranças. Eu vinha de Soledade, uma pequena cidade do interior, pela primeira vez à capital, uma cidade grande, com muitas novidades pra um garoto interiorano de apenas cinco anos. Lembrei com detalhes do painel do interfone do prédio, e da minha surpresa ao escutar a voz da minha tia através dele. E, o mais impressionante: lembrei do elevador, com todos os detalhes do painel, da sensação de medo que tive ao andar nele, com o chão me faltando aos pés pela primeira vez na minha pequena vida de cinco anos. Lembrei do cheiro do elevador! Lembrei também do cheiro que a rua tinha pra mim, na época acostumado com o ar puro do interior. Lembrei de cada aposento do apartamento, do cheiro de várias coisas e da luz entrando pelos furinhos da persiana, à noite, quando íamos deitar. Parado por alguns poucos minutos em frente ao prédio da Rua André Puente, fui transportado para um passado muito distante, com tamanha riqueza de detalhes que me pareceu estar assistindo a um filme em 3d. O carro do Tio Nerinho, um DKW marron, o barulho do motor do DKW, o cheiro do charuto do Tio Nerinho, as escadas rolantes das Lojas Americanas, o brinquedo incrível que ganhei da minha mãe: a corrida mágica, que era um míni-tobogã de plástico no qual desciam cápsulas que continham um chumbinho no seu interior. Cada cápsula era de uma cor, eu e meus primos escolhíamos cada qual a sua e ficávamos torcendo pra que ela fosse a primeira a cruzar a linha de chegada...O autorama do meu primo Serginho, seu forte apache com índios, soldados americanos e, novidade total para mim: camelos e beduínos árabes! Beduínos ou tuaregs, não sei como se chamavam. Mas eram lindos, tinham mantos coloridos amarrados à cabeça...Agora, enquanto digito, estou lembrando das marcas dos brinquedos: Estrela, Troll, Atma. Lembro do slogam: “A Atma é ótima!”... Onde estavam todos esses dados, quietos, adormecidos, que foram despertados pela simples visão de um edifício? Eu li na Veja uma matéria sobre o assunto, falando, inclusive, a região do cérebro onde os dados são armazenados. Mas é abstrato demais para mim. Acho que a minha placa não permite compreensões assim tão complexas. Provavelmente amanhã ou depois esses dados todos já estejam novamente lá, no meu HD, arquivados, à espera de um pendrive ou de um cabo USB para serem novamente exibidos. Vai saber...

segunda-feira, 15 de março de 2010


GRAFITTIS

Grafitti é o título de uma canção de Caetano Veloso, do álbum Velô, que diz: O nosso amor é um coração colossal de grafitti nos flancos de um trem de metrô. Eu adoro grafittis. É quando a arte abre uma pequena janela em meio ao caos do dia-a-dia, e é possível que se experimente o sonho, a poesia, a elevação espiritual, o protesto, o humor, a ironia, o escapismo, que seja, e a vida segue, entre poluição e congestionamentos, agora com uma imagem que nos acompanha na memória da retina ou do coração. A resposta a essa forma de expressão artística é imediata. Não exige muito tempo do seu interlocutor. Ninguém precisa comprar ingresso, submeter-se a horários, ela está sempre lá, aberta e acessível a todos os olhares. Você gosta ou não gosta, concorda ou não concorda, admira ou não, mas ela permanece ao alcance de todos. Vamos admitir que esse movimento artístico é, no mínimo, curioso. Como curiosas são as voltas que a vida dá. A arte, que teria começado na idade da pedra, com o homem primata rabiscando as paredes da caverna, se desenvolve, se aperfeiçoa e se elitiza, adentrando os museus e galerias de arte. Até que artistas de rua, muito provavelmente em protesto a essa elitização da arte, começam a se expressar nos muros e paredes das cidades. Passa o tempo, a arte se desenvolve e se aperfeiçoa ainda mais, abre-se às novidades et voilá: os artistas de rua passam a ter suas obras expostas nos museus e galerias de arte! Assim aconteceu com Os Gêmeos, artistas brasileiros que começaram pintando nas ruas da Liberdade e do Cambuci, em São Paulo, e agora percorrem os museus e galerias do mundo inteiro com sua obra inquietante, lírica e genial. E também com os artistas integrantes da exposição De Dentro para Fora, de Fora para Dentro, que o MASP inaugurou em novembro passado, na qual o trabalho de seis artistas brasileiros era trazido das ruas para ser exibido pela primeira vez nas dependências do museu. Morro de vontade de pintar, desenhar, ou, pelo menos, rabiscar alguma coisa sobre uma superfície. Mas, infelizmente, esse talento não me foi concedido. Não sei me expressar graficamente. Ou melhor, plasticamente. Pois imagino que a escrita seja uma forma de expressão gráfica e essa, modestamente, eu cometo...Resta, então, para mim, admirar o trabalho desses artistas fantásticos, capazes de nos transportar para os mais incríveis universos utilizando-se única e exclusivamente do nosso olhar. Não sou um grande conhecedor das artes plásticas. Sempre gostei de arte de uma maneira geral. Estudei História da Arte, na faculdade de História, e Elementos da Linguagem Visual, na faculdade de Artes Cênicas. Mas não sou, nem de longe, o que se pode chamar de um conaisseur. Também não sou rico o bastante para ser um colecionador. Mas tenho lá o meu, digamos, modesto acervo. Que conta, entre outras obras, com duas gravuras do artista brasileiro Juarez Machado, de quem sou fã desde a infância, quando ele tinha um quadro no Fantástico em que fazia desenhos na parede e depois os animava, e uma gravura do Spetto, genial artista grafiteiro e ilustrador, que fez a capa do primeiro DVD da Terca Insana e deu, a cada um de nós, integrantes do grupo, um trabalho seu de presente. O meu está emoldurado e pendurado na minha sala. Vejam como tudo se repete: comecei falando de grafittis e acabei falando de gravuras penduradas na parede de casa. São realmente curiosas as voltas que a vida dá. De dentro pra fora e de fora pra dentro.
Na foto: obra d'Os Gêmeos na Rua Galvão Bueno, no bairro da Liberdade, em São Paulo.

domingo, 14 de março de 2010


ESPÍRITO DOS ANOS SETENTA

Recentemente assisti a uma montagem do musical Hair, na Broadway. Na Broadway verdadeira, de Nova Iorque, não na genérica, aqui da Brigadeiro Luiz Antonio. E, mais recentemente ainda, acho que na semana passada, assisti ao ensaio geral da montagem brasileira de Cats. Como ontem à noite fui assistir ao espetáculo As Meninas, do original de Lygia Fagundes Telles, a imagem da década de setenta está firme e forte na minha cabeça. Eu atravessei os setenta dos sete aos dezessete anos de idade. E, consequentemente, trago em mim muito dessa década emblemática. Mas, às vezes, eu tenho a impressão de que o espírito dos anos setenta continua vagando por aí...Blowing in the win, saca bicho? E não é delírio, não. Vocês com certeza já o viram barbudo e cabeludo, no centro de uma grande cidade, com o violão plugado num amplificador, cantando “eu prefiro ser essa metamorfose ambulante”, ou qualquer outro sucesso do maluco beleza. Quem mora aqui em São Paulo, certamente também já o viu no Centro Cultural, ali na Vergueiro, abordando as pessoas com a pergunta: Curte poesia? E oferecendo seu livrinho de xerox. Ou então em alguma feira hippie, vendendo incenso e carrancas de durepox. Os anos setenta foram anos muito loucos. Havia um sonho no ar: Liberdade. Mas liberdade no sentido mais amplo da palavra, tipo, sei lá, ir à praia sem protetor solar, saca? Transar sem camisinha... Gostar do Village People! Dizem que naquela época, se você fosse a uma festa e não transasse com ninguém pegava muito mal. E não era só isso: tinha que beber, fumar e cheirar. Nem que fosse o cangote de alguém. Os anos setenta deixaram marcas. Na moda, na sociedade, na pele. Quem não fez uma tatuagem nos anos setenta, certamente está fazendo agora. Quem não usou uma bata indiana nos anos setenta, certamente está usando agora. Foram anos de paz e amor, de flower power. Todo mundo era tranqüilo, desencanado, não existia stress. Liberdade era uma calca velha, azul e desbotada. E todos achavam super normal ter que virar o disco quando acabava de tocar um lado....Todo mundo praticava ioga, tomava chá. De cogumelo, claro. Uma das musas da década era a Baby Consuelo! A Baby era linda, magra, com seu cabelão liso e comprido...Debaixo do braço. Foram anos de muita solidariedade. Todo mundo dividia tudo: A casa, a grana, a cama, o corpo. Se um comia, todo mundo comia. Todo mundo comia todo mundo. Que beleza, não? Nem sombra dessa assepsia de hoje. Ah! E não havia photoshop! Todo mundo era crespo e feliz...O John Travolta bombava, As Frenéticas bombavam, os Dzi Croquettes bombavam. Aliás, quando os Dzi vieram fazer uma temporada de shows aqui em São Paulo, dizem que fez muito frio e, como eles não tinham trazido agasalhos, teve muita gente que foi lá e...Levou agasalhos pra eles.
A impressão que dá é que dez anos não foram suficientes pra que o espírito da década se expressasse. Ainda mais que foram anos de ditadura. Por isso esse espírito errante vaga até hoje por aí...Blowing in the win, saca?
PS: A foto é do "compacto simples" que ganhei de presente das minhas irmãs, pois adorava a música Why cant we live together, que era tema da personagem Jô, de Beth Faria, na novela Cavalo de Aco...

segunda-feira, 8 de março de 2010


MULHERES

Hoje é o Dia Internacional da Mulher e, enquanto vôo de Salvador pra São Paulo, penso na importância que várias delas tiveram e tem na minha vida. Cresci cercado delas, minha mãe Doracy, minhas irmãs Raquel, Rita e Regina, minha avó materna Adelaide. Minhas professoras do primeiro grau – à época quase não havia professores – e minhas professoras de piano.
Todas as minhas amigas – sempre tive mais amigas do que amigos – minhas colegas atrizes, minha diretora e mestra Maria Helena Lopes.
Minhas “ídolas” Clarice Lispector, Elis Regina, Rita Lee, Baby Consuelo, Maria Bethânia, Regina Duarte, Zezé Motta, Lucélia Santos, Cida Moreira, Camile Paglia, Danuza Leão, Regina Casé, Grace Gianoukas, Cecília Meirelles, e tantas outras que não caberiam aqui no post porque gosto de ser conciso ao expor minhas idéias e detesto imaginar que possa estar tomando tempo demasiado de quem lê. Sobretudo delas, as mulheres, que tem tanto a fazer e além de tudo o que fazem ainda dedicam muito de seu tempo a nós, homens, que insistimos em depender delas pra tantas coisas...
Ainda bem que, diferentemente de nós, homens, elas tem a capacidade de fazer várias coisas ao mesmo tempo. E mais: a incrível capacidade de conversar sobre vários assuntos ao mesmo tempo. E mais ainda: de falarem todas ao mesmo tempo e se entenderem, sabe Deus como. Por falar nisso (vários assuntos ao mesmo tempo), lembrei de uma bobagem... Em Porto Alegre havia uma loja chamada MC Mulher, cuja dona, Maria do Carmo, era uma apresentadora de televisão que depois se tornou deputada. Como em Porto Alegre tudo virava gíria – não sei se ainda é assim – quando uma coisa ou pessoa era muito feminina, a gente dizia: MC mulher, mulher, mulher!
Acho interessante a idéia de homenagear as mulheres com um dia, mas prefiro homenageá-las com o respeito e a reverência constantes que dedico a todas elas através de meus atos, palavras e sentimentos sinceros de amor, carinho, amizade e gratidão. Viva a mulher. Vivam todas as mulheres. Cada uma delas em separado e todas elas ao mesmo tempo.

quinta-feira, 4 de março de 2010


VAI BUSCAR DALILA

Quando a gente chega em Morro de São Paulo, vários meninos oferecem um táxi. O táxi, no caso, é um carrinho de mão - daqueles usados na construção civil – onde eles colocam as bagagens e as carregam pra você. Esses meninos vestem camisetas, uma espécie de uniforme, com seus nomes escritos no peito. O nome de um deles me chamou a atenção: Ronivon. Assim mesmo. Tudo junto e errado. Adorei.
Hoje resolvi andar no sentido oposto do que vai para a Primeira, Segunda, Terceira e Quarta praias. Andei em direção à Praia da Gamboa. Linda. A Gamboa, o caminho até ela, tudo. Esse lado de Morro de São Paulo é mais deserto, a natureza mais virgem, intocada, bela.
Agora já voltei e estou almoçando em um restaurante na Primeira Praia. Toca uma música em volume muito alto. E, como no restaurante ao lado o volume também está altíssimo, fica uma mistura de sons insuportável. Não sei pra que fazem isso. Seria tão mais agradável, de vez em quando, o silencio à beira mar...
(Pausa para comer).
Graças a Iemanjá o restaurante onde estou comendo se deu conta da mistureba sonora e desligou a música. Pelo menos agora é só o reggae do restaurante ao lado. Por falar em barulho, aqui na Bahia, em todos os lugares, ouve-se muito axé. Tudo bem, é a música deles. Mas precisavam ouvir tão alto? E como os compositores são “criativos”: Gata você prefere Red Label ou Ice? Ela me deu um vale night. Eu precisei do vale night. Bota a mão na cabeça que vai começar o rebolation xon, o rebolation. Vai buscar Dalila, vai buscar Dalila, vai buscar Dalila...Dá vontade de mandar a Ivete Sangalo ir buscar Dalila na...
Mas, enfim, ter preconceito não é legal. Nem com gêneros musicais. É tudo uma questão de acostumar o ouvido. Pois bem, já estou na Bahia há uma semana e não tem jeito do meu ouvido acostumar. Não tenho culpa se ele é um ouvido musical, de ótimo gosto, por sinal. E todo esse workshop só serviu para confirmar: odeio axé.
Ah! Para terminar, mais uma coisa boa. Aliás, ótima. Estava no táxi, que me levava até o Mercado Modelo de Salvador para pegar a lancha que me traria até Morro de São Paulo, e falei para o motorista: Hiii...Ta com cara de chuva! Ao que ele respondeu: Mas é só a cara, viu? Aqui em Salvador o corpo é de sol...Uma pérola.

MORRO DE SÃO PAULO

Morro de São Paulo fica há duas horas de lancha de Salvador. De catamarã leva de duas a duas horas e meia, dependendo da maré. Já estou aqui há três dias...Dias de sol e praia. Saio completamente da rotina. Exercício que, aliás, adoro praticar. E me desligo do mundo lá fora. Bom, me desligo é maneira de falar. Posso ser um flaneur, um bom vivant, mas não sou louco nem tampouco alienado. Sei de tudo o que acontece à minha volta. Basta entrar na internet para que as catástrofes surjam diante dos meus olhos. Saber, por exemplo, dos recônditos e meandros da política já seria exigir demais do meu dolce far niente. Mas se desligar completamente, hoje em dia, é impossível. A novidade é que agora não são somente as pessoas
(Sejam elas políticos, celebridades ou bandidos) os portadores das más notícias. A natureza, mais do que nunca, também se manifesta como protagonista das tragédias. São tremores de terra, tsunamis, nevascas, secas, enchentes. Não é nenhuma novidade que um dia o mundo iria acabar. Tudo que é vivo, um dia, morre. Nós, seres humanos, os animais, as plantas. Ora, a Terra é um ser vivo. E, como tal, um dia, certamente há de morrer. Só nunca pensei que fosse viver para presenciar isto. Conversando pelo celular com minha amiga Agnes Zuliani, fiquei sabendo que esse tremor de terra que houve no Chile encurtou em muitos anos a vida da Terra. Aqui na Bahia tenho visto e visitado muitas igrejas. Quando entro nelas e vejo suas dependências dedicadas à oração, fico imaginando como seria a vida daqueles religiosos que as habitavam. Existências inteiras dedicadas à abstinência e à elevação espiritual. Teriam sido em vão? Não teria Deus ouvido suas preces? Agora está tocando Vivaldi no restaurante da pousada, onde bebo meu vinho à espera do jantar. As Quatro Estações. Vivaldi não viveu para ver o mundo acabar. Sua música sobreviverá. Imaginem a Terra acabando, partindo ao meio ao som da Primavera de Vivaldi...A Academia de Artes e Ciências Cinematográficas de Holywood daria todos os prêmios...
Mas deixa isso pra lá que o peixe chegou!

segunda-feira, 1 de março de 2010


SALVADOR

Muito já foi dito, cantado, pintado, fotografado, encenado e filmado sobre Salvador. De Pierre Verger a Caetano Veloso. De Caribé a Glauber Rocha. De Jorge Amado a Carlinhos Brown. De Dorival Caymmi a Dodô & Osmar. Claro que passando pelos Novos Baianos, com Baby Consuelo cantando “Quando o sol se põe vem o farol iluminar as águas da Bahia”...
Mas tudo isso, que é muito, é pouco para defini-la. Salvador foi, é e sempre será encantadora. Morro de medo quando ouço falar que as cidades à beira mar vão desaparecer...Mas é, sobretudo, por causa de Salvador. Já pensou que perda para a humanidade? Aquelas igrejas todas! Como a de São Francisco, que visitei hoje, com seu interior pintado a ouro, sua fachada toda esculpida, seus salões ricamente mobiliados e decorados com afrescos. Ou o Espaço Unibanco de Cinema, antigo Cine Glauber Rocha, decorado com painéis fotográficos que reproduzem fotogramas de filmes de Glauber, e seu terraço com vista para a Praça Castro Alves e a Baia de Todos os Santos. O Elevador Lacerda, o Mercado Modelo, a Fundação Pierre Verger, o Solar do Unhão, com o Museu de Arte Moderna...O Pelourinho, que faz parte do Patrimônio Histórico da Unesco, então, nem se fala. Mas é sempre bom relembrar os encantos dessa cidade malemolente e apimentada. Sim, não é somente a comida das baianas que é picante. Os habitantes também o são. E vão logo exibindo seu sorriso despudorado, seu andar cheio de ginga, seu linguajar cheio de gírias e seus corpos cheios de intenções. Ainda por cima, dessa vez, Salvador me recebe com lua cheia...Já é pedir demais, não? Não, não é. Eu quero sempre tudo a que tenho direito. E digo mais: sempre vim a Salvador a trabalho. Exceto uma vez, no carnaval de 2000, quem vim a passeio com meu amigo Odilon Henriques e nos hospedamos na casa da mãe dele, Dona Arlinda. A primeira vez foi em 1994, quando ainda morava em Porto Alegre, e vim fazer uma temporada de um mês com meu espetáculo Rainhas da Pesada. Depois, quando já morava em São Paulo, vim participar do Festival de Inverno de Teatro, com o espetáculo As Filhas de Lear, do grupo Lê Plat du Jour, que havia dirigido. E várias vezes com a Terca Insana, no Teatro Castro Alves...
Agora é só relaxar e curtir Salvador...
Em breve conto mais. Se eu não for contaminado pela preguiça...