terça-feira, 29 de março de 2016

HAI KAI

Gostava de fazer tsurus. Pequenos pássaros de papel dobrado. A técnica de dobrar o papel formando animais e plantas chamada origami. Herança do DNA do pai, japonês. Também era bom em ikebanas, arranjos japoneses de flores, plantas e galhos secos. Ambos de uma extrema delicadeza e graça. Às vezes gostava de colocar um pequeno tsuru sobre o galho seco da ikebana. E pequenas pedras na água. Lembravam fontes, jardins. Sua casa era cheia de plantas. Tinha a mão muito boa para elas. Tudo o que plantava brotava, crescia, florescia. Um amigo que gostava muito de livros dizia que ele era o menino do dedo verde, da história de Maurice Druon. Os japoneses tem essa ligação com a natureza, as plantas os animais. Essas delicadezas tão esquecidas no mundo ocidental. Habilidades manuais para o tricot, o crochê, o desenho, a pintura. Esse seu amigo que o chamava de menino do dedo verde gostava de observá-lo mexendo na terra, trocando plantas de vasos, fazendo mudas. Ele se levantava sempre muito cedo, antes do nascer do sol. Normalmente vestia o kimono, fotografava o amanhecer e, em seguida, entregava-se a uma dessas atividades: Dobrar papéis, mexer na terra, compor arranjos com flores, galhos secos e folhagens. Através de séculos e milênios...

domingo, 27 de março de 2016

MUITO ALÉM

Além de excelente ator, Tuca Andrada tem um voz maravilhosa e canta divinamente bem. Isso ele já tinha provado nos musicais O Beijo da Mulher Aranha e Orlando Silva a que assisti anos atrás. Agora ele volta a cantar e a encantar com o show Orlando Silva Nada Além, com canções pescadas do repertório do Cantor das Multidões. O espetáculo é cool, chic, elegante, sóbrio e, ao mesmo tempo, descontraído. Um quinteto afiadíssimo o acompanha com arranjos sofisticados para canções que se tornaram clássicos, standards da música popular brasileira, imortalizados na voz de Orlando Silva: Berval Moraes no contrabaixo, João Bittencourt nos teclados, Cassius Theperson na bateria, Caio Cezar no violão e Rodrigo Revelles nos sopros. Valem por uma big band. E, de lambuja, tivemos a participação especial da cantora Simone Mazzer. Um show inesquecível, que dá vontade de voltar para assistir muitas vezes. Se por mais não for, pela beleza das canções e pelo conteúdo das letras. Um verdadeiro bálsamo em tempos de trá trá trá e tá tranquilo tá favorável... Com uma iluminação linda, um belo aproveitamento do espaço (a arena do Sesc Copacabana) e a presença cênica eletrizante de Tuca Andrada. Não dá para perder. Ah, ele avisou que maio estará todos os fins de semana no Teatro Ipanema. Corre!
Na foto, Tuca esbanjando seu charme como o Cantor das Multidões.

segunda-feira, 21 de março de 2016

GAÚCHO PAULISTANO

No dia 21 de março de 1996 eu chegava com uma pequena mala na rodoviária de São Paulo para começar a ensaiar o espetáculo O Pequeno Mago, do Grupo XPTO. Ainda não havia para mim, Rita Lee, a tua mais completa tradução, mas já sabia que seria definitivo para mim, Rita Lee, viver na capital paulista. Tinha estado lá um mês antes, com minha amiga Marione Reckziegel, tentando vender o show que fazíamos na ocasião: Amor À La Carte. Éramos a dupla The Love Singers e Porto Alegre já estava ficando pequena para nós... Não conseguimos nada em São Paulo com os Love Singers e voltamos para o sul. Mas fiz contatos que me valeram voltar dias depois para ficar de vez na Pauliceia. Hoje faz, portanto, vinte anos que me tornei um paulistano. E, ingrato que sou, estou passando esta importante data no Rio de Janeiro. Mas aproveito para esclarecer que o Rio será sempre en passent para mim. E estar morando uns meses aqui me faz ainda mais paulistano, pelo contraste. Minha casa é São Paulo. Minha cara é São Paulo. São Paulo é muitas, é diversa, é plural. É palco de todas as manifestações, de todas as expressões. A todos recebe e a todos agrega. Em São Paulo, de noite, eu rondo a cidade a te procurar. Tenho a liberdade de me sentir no Japão. E muitos jardins para passear. Hoje é dia de comemorar e agradecer. É uma pena mas não posso ficar nem mais um minuto com vocês. Sinto muito, mas não pode ser. Olha as pessoas descendo a Ladeira da Memória até o Vale do Anhangabaú! Ainda bem que é sempre lindo andar na cidade de São Paulo...
Na foto, o Apóstolo Paulo e, ao fundo, a Catedral da Sé.

terça-feira, 15 de março de 2016

CARAVANA RELIDA

Ontem participei, na Casa da Gávea, de uma leitura dramática da peça A Caravana da Ilusão, de Alcione Araújo, dentro de um ciclo de leituras em homenagem aos setenta anos desse dramaturgo já falecido. Tive a honra de ter trabalhado na montagem da peça como assistente de direção de Luís Arthur Nunes. Luís foi convidado para dirigir essa leitura mas, como estaria viajando na data, me indicou para substituí-lo na direção. E aí foi só alegria... Dos seis atores que participaram da leitura, quatro eram do elenco original: Andrea Dantas, Angel Palomero, Carolyna Aguiar e Marcos Breda. Mais a participação de Rose Abdalah e Rogério Freitas, que tive o prazer de conhecer. À medida que o trabalho começou, entre cortes e acréscimos no texto, sugestões de intenção para uma fala ou outra, marcações de movimentos, as lembranças afloravam. Tudo o que estava guardado em algum canto da memória vinha à tona divertindo e emocionando a todos. Eu era ainda bem jovem quando participei da montagem dessa peça aqui no Rio. Era o começo da década de noventa e eu tinha acabado de voltar de Paris, onde morei por um ano, caindo direto em dois trabalhos como assistente de Luís Arthur: A Volta ao Lar, de Harold Pinter, e A Caravana da Ilusão. Essa Caravana foi muito especial em vários sentidos. Um primor de encenação, em que cada gesto ou movimento era desenhado como em uma coreografia e pontuados pela deslumbrante trilha sonora especialmente composta por João Carlos Assis Brasil. Tudo isso embalado no belíssimo cenário concebido pelo saudoso Alziro Azevedo, uma caixa mágica composta por telas de filó e telões pintados que transportavam quem assistisse para um mundo de ilusões. O autor, Alcione, ainda vivo na ocasião, participou diretamente da montagem: Primeiro, fazendo uma leitura da peça, ele mesmo, para toda a equipe, em sua casa. O que já foi uma noite memorável. E depois, como Luís Arthur resolveu criar um personagem narrador para manter o texto das rubricas, que é belíssimo, reescrevendo trechos das falas desse novo personagem. Enfim, foi um trabalho lindo que deixou muita saudade. E um pouco dessa saudade toda pode ser saciado no ensaio, na leitura em si e no debate com o público após a apresentação. Fomos presenteados pelos deuses do teatro. Só me resta agradecer ao Luís Arthur pela indicação e à Coordenadora Marcia do Valle por tê-la aceito! E, para terminar citando o próprio Alcione Araujo: "E, entre os homens, nós (artistas) fomos destinados a isso: A criar sonhos e morrer de ilusão"...
Na foto, da esquerda para a direita, Rose Abdalah, Angel Palomero, Carol Aguiar, Marcos Breda, Rogério Freitas e Andrea Dantas clicados por mim da cabine de luz.

terça-feira, 8 de março de 2016

SELEÇÃO ANTI-NATURAL

Oi, tudo bem? Olha, eu tô achando que você é velho demais... Baixinho demais, também. Mas isso é o de menos. Eu vou te falar uma coisa que pode parecer preconceito, mas não é: Você é um pouco afeminado. Delicado demais. Nada contra, não é pessoal, só tô tentando te passar o perfil do job. (Sempre desconfie quando a pessoa se refere ao trabalho como "job"; é mais ou menos como elogiar alguém ou alguma coisa dizendo que é "top" ou fotografar usando pau de selfie; no mínimo, duvidoso). Sua voz é fina, aguda, meio anasalada... Deixa eu ver o que mais... Esse sotaque é do sul, né? É forte, tem que suavizar. Hum... Muito branco, você parece gringo. Você canta, não? Mas canta para musical? Canta belting? Ah, popular não adianta. Do you speak English? No? Ah, meu filho, sem inglês hoje em dia você não vai nem ali na esquina. French? Ah, francês não conta. Desculpa, mas quem é que fala francês no mundo além da França? O Canadá? A Suíça? Nem isso. Meio Canadá e meia Suíça... Gorduras localizadas... Isso é um problema terrível. Vejo uma certa barriga querendo se pronunciar. Hoje em dia é muito importante ter um abdômen definido. Não precisa ser do tipo tanquinho, evidentemente, você não é modelo! Mas um corpo sarado é indispensável que se tenha. Pra começo de conversa! Bebe? Bom, pelo menos não fuma. Já é alguma coisa... Tem alguma habilidade específica? Break, parcours, passinho? Sabe dirigir? Tem habilitação? Para ali na marca e dá um sorriso, por favor? Pode tirar a camisa? Ok, valeu. Só mais uma coisinha: Você é homem, carneiro, homem-carneiro, o quê? Ovelha? Ah, homem-ovelha. Tá, entendi. Não vai ser fácil encaixar você, tá? Olha só, qualquer coisa a produção vai estar entrando em contato. Ah! A gente só liga pra quem for aprovado, ok? É muita gente, não tem como ligar pra todo mundo. Então se até o fim da semana ninguém ligar pra você, você já sabe que não rolou. Tá bom? Brigada. Próximo! Oi, tudo bem? Olha, eu tô achando que você tá um pouco acima do peso...

quinta-feira, 3 de março de 2016

VONTADE DE ESCREVER

Tenho tanta vontade de escrever! Não apenas esses breves posts que publico aqui, mas, sei lá, um romance, por exemplo. Ou uma peça de teatro. Uma biografia, um roteiro de filme, um livro de contos ou memórias. Só que há algo dentro de mim que me impede de fazê-lo, uma incapacidade ou talvez até uma limitação. O que não tenho vontade de fazer é dar opinião. Não acredito que tenha a menor relevância as pessoas saberem o que eu acho ou deixo de achar sobre esse ou aquele assunto ou fato. Dar opinião se banalizou. Temos opiniões de todos sobre tudo em todas as plataformas. E, claro, nas (argh!) redes sociais. Que mais parecem anti-sociais, tal a quantidade de amizades que desfazem. Olha eu aqui dando opinião! Não falei? Opinião tá pior do que bunda, todo mundo quer dar... Adorei a participação de Glória Pires no Oscar. "Não sou capaz de opinar" é, além de extremamente sincero, brilhante. Se essa frase fosse usada mais amiúde, nos livraria de boa parte do lixo que é postado diariamente na internet, por exemplo... Estou lendo um livro de Jean Cocteau cujo título é A Dificuldade de Ser. Se ele, que era múltiplo, que era tantos em um só, tinha essa dificuldade, imaginem euzinho. " Não sou alegre, nem triste. Mas posso ser tanto uma coisa como outra e com excesso", escreve Cocteau sobre seu estilo nesse intrigante livro. E mais: ... "não vejo nada que me reflita, que desvende a minha figura. Nem no elogio, nem na reprovação, não encontro a mínima tentativa de desenredar o verdadeiro do falso. É verdade que para o silêncio dos que poderiam desembaraçar o meu novelo eu encontro desculpas". Que maravilha poder expressar-se dessa forma, ainda que com dificuldade... O fato é que o amor que tenho pelo ato de escrever não se traduz em obra escrita. Muito menos publicada. Nem sei se algum dia se traduzirá. E, ainda citando o genial Cocteau: " Eu já passei dos cinquenta anos. Isso quer dizer que a morte não deve percorrer longo caminho para me encontrar. A comédia está bem avançada e restam-me poucas falas"... A meu favor tenho a inegável constatação de que hoje em dia, com os avanços da medicina e o aumento da expectativa de vida, a morte terá que percorrer um caminho bem mais longo até me encontrar. Minha comédia ainda terá , portanto, muitas falas. Quem viver, lerá...
Na foto, o múltiplo Jean Cocteau na capa de seu livro.