sexta-feira, 31 de março de 2023

TRANS É TUDO

Hoje é o Dia da Visibilidade Trans. Pois dia desses, conversando ao telefone com meu amigo Edson Cordeiro, que há anos mora na Alemanha, falávamos do bem-vindo aumento da visibilidade trans quando me lembrei da nossa saudosa amiga Claudia Wonder. Lamentei que ela, grande precursora dessa visibilidade, não tivesse chegado a viver para ver esse merecido reconhecimento. Edinho então me sugeriu o seguinte: A maneira de fazer com que as portas que ela abriu permaneçam abertas é justamente lembrar dela. Falar dela para as novas gerações. Concordo plenamente. Precisamos atualizar a memória de Claudia. Sua importância não apenas para a comunidade LGBTQIAP+, mas para a sociedade como um todo. Lá nos anos oitenta e noventa do século passado ela já lutava galhardamente pela inserção das travestis na sociedade e no mercado de trabalho. Pela dissociação da imagem das travestis da prostituição. Claudia era uma grande artista e um grande ser humano. Que bom que tive o privilégio de ser seu amigo, de conviver com ela como vizinha de prédio. Aliás, ela, Edson e eu éramos vizinhos e nos acenávamos pela janela. Eles, do predinho da esquina da Hadock Lobo – mais conhecido como A Prédia, tal a quantidade de gays que lá moravam – e eu do meu prédio na Alameda Franca... Aprendi muito com ela, sábia que era. E generosa... Relendo crônicas de Caio Fernando Abreu para a pesquisa do meu solo Caio em Revista, me deparo com uma chamada Meu Amigo Claudia. Nela, Caio conta de um jantar em que esteve na companhia de Claudia; de como ela foi agredida por um “senhor” naquele jantar; de como se sentaram lado a lado e ficaram amigos; conta dos shows dela no Madame Satã e da coragem de Claudia de ser completamente quem era. Corajoso ele também: Na Sampa da década de oitenta do século passado, nem tudo era vanguarda... Essa crônica inspirou o título de um documentário sobre ela chamado, justamente, Meu Amigo Claudia. Pop que só ela, tenho certeza de que teria adorado ver Linn da Quebrada participando do BBB, por exemplo; e o sucesso de Gloria Groove; sem falar no imenso talento de minha amiga gaúcha Valéria Barcellos, cantora e atriz que fará parte da próxima novela das nove da Globo... Há muitos registros de Claudia Wonder em CD, cinema e livro. Eu não vivi aquela Sampa dos oitenta, do Madame Satã, da Claudia nua numa banheira de groselha. Mas tive o privilégio de tê-la pertinho de mim por alguns anos aqui nos jardins. Cheguei a dirigi-la em uma performance na extinta boate So Go em que ela representava aquele androide do filme Marte Ataca. E, também, em um show de Laura Finochiaro no Centro Cultural São Paulo chamado, justamente, Viva a Diversidade. É isso, por hoje. Uma tentativa de dar um pouco mais de visibilidade trans à minha saudosa amiga. Os mais jovens ou desavisados que busquem por ela no Google... Nas fotos, com Claudia Wonder chez moi, com Linn na entrega do Prêmio Arcanjo e com Valéria como Val & Gal na Terça Insana.

terça-feira, 28 de março de 2023

MARÇO FECHANDO O VERÃO

O mês de março, que mal começou, já está na sua reta final. O terceiro mês de um ano que parece ter começado ontem. E assim vamos, céleres rumo ao fim de mais um ano que passará em um triz, como vem sendo desde sei lá quando… (É pau, é pedra, é o fim do caminho). Meus últimos dias de março se passaram junto ao mar de Santa Catarina, na companhia de minhas irmãs Raquél e Regina. (Mais a doce Chica, filha pet da Regina, e nossa nova amiga Lolita). O belíssimo litoral catarinense, que em muito lembra o litoral norte de São Paulo, continua inspirador e relaxante como nos tempos da minha juventude. Junto com minhas irmãs relembramos nossa infância em Soledade e nossa juventude em Porto Alegre. Revivemos histórias, lembramos de nossos pais, familiares, amigos e professores. É incrível como a memória guarda tudo bem guardadinho e, quando é acessada, traz tudo à tona em segundos e a gente viaja no tempo com riqueza de detalhes... (É um peixe, é um gesto, é uma prata brilhando). Fizemos passeios lindos, de carro, a pé (Uma trilha até o alto de um morro) e de bicicleta; revi cidades como Florianóplois, Blumenau e Balneário Camburiú, sempre retornando a nosso QG em Meia Praia, chez minha irmã Regina; reencontrei pessoas queridas, amigos e familiares, entre eles minha sobrinha Viviane e meu sobrinho-neto Martin; pegamos praia todos os dias, bebemos vinho e comemos muito. (Uma semana inteira sem dieta nem treinos, com direito a doces, frituras e chopps). Agora, já de volta a São Paulo, retomo minha espartana (Pero no mucho) rotina diária de treinos e, evidentemente, fecho minha boca. (É o projeto da casa, é o corpo na cama). Mas quer saber? Esses excessos são tão necessários para a saúde quanto as privações. Pelo menos para a saúde mental... E deixa eu parar por aqui, antes que chegue abril, o mês em que irei completar sessenta anos de idade e me tornar, oficialmente, um idoso. Não que eu ainda não o seja. (É o mistério profundo, é o queira ou não queira). Bom fim de março a todos. (É a promessa de vida no meu coração)... Nas fotos, eu em três momentos: No topo do Morro do Macaco, após subir a exaustiva porém deslumbrante trilha de dois quilômetros, com a Chica e com minha irmãs.

sábado, 11 de março de 2023

CARTAS

Se o leitor tiver menos de trinta anos, certamente não sabe o que é uma carta. Ou, pelo menos, nunca escreveu ou recebeu uma. Mas, por outro lado, imagino que ninguém com menos de trinta esteja me lendo... Estou me deliciando com a leitura das cartas de Caio Fernando Abreu reunidas em livro por Ítalo Moriconi. (Para quem não conhece, Moriconi é professor de literatura na UERJ, poeta, doutor em Letras e organizador das antologias Os Cem Melhores Contos Brasileiros do Século e Os Cem Melhores Poemas Brasileiros do Século). Embora tardiamente, a obra me chega às mãos no oportuno momento em que me debruço sobre a vida e obra do escritor gaúcho para a realização do meu solo Caio em Revista, com direção de Luis Artur Nunes. À época do lançamento não dei a devida importância, talvez achando que cartas não tivessem o valor ou a qualidade da obra do escritor. Ledo e Nagle engano, para citar o próprio. O Caio epistolar é tão literário quanto o contista, romancista ou cronista. A gente percebe o seu estilo marcante e particular nos mínimos detalhes. E, por mais que ele não tivesse a preocupação de que "um dia viessem a ser publicadas", se revelava por inteiro nelas assim como no restante da obra. E com que cuidado! Caio, ao mesmo tempo em que burila o próprio estilo, brinca com ele e mesmo se diverte experimentando variações estilísticas. Um primor... O minucioso trabalho de pesquisa de Ítalo Moriconi nos apresenta as missivas em ordem cronológica, o que permite ao leitor acompanhar as mudanças de humor de Caio, suas expectativas em relação à vida, aos fatos, à sociedade, à política, suas alternâncias de estado de espírito, sua peregrinação constante de uma cidade a outra, de um país a outro, sua relação de amor e ódio com os lugares onde vivia. E o quanto se dedicava aos amigos e ao cultivo das amizades. Alguns amigos se recusaram a doar as cartas para a publicação. Compreensível, do ponto de vista de temerem uma possível exposição da intimidade do remetente. Mas ele nunca teve medo de se expor. E mesmo quando ficcionava, estava totalmente exposto no que escrevia. Isso sem falar que tudo o que escrevia era, no mínimo, muito bem feito. Como brincou Luis Artur Nunes, até uma lista de compras feita por Caio seria bem escrita... Isso faz da publicação uma obra relevante e de grande importância para o conhecimento do estilo e da interioridade do Caio "pessoal", que em nada difere do Caio "profissional", uma vez que ele se doava completamente ao que escrevia. E para as novas gerações, que não chegaram a escrever cartas, é, no mínimo, interessantíssimo. Se é que as novas gerações se interessam por alguma coisa que não seja a internet. A leitura dessas cartas tem me envolvido mais do que uma série de televisão, por exemplo. Leio o tempo todo, em casa, no ônibus, antes de dormir. Revivo épocas da minha vida através das vivências de Caio. Que bom que ele escreveu tanto. E que bom que esse tanto está à disposição de quem quiser conhecê-lo melhor. Na foto, a capa da excelente publicação de Ítalo Moriconi.