sábado, 11 de março de 2023

CARTAS

Se o leitor tiver menos de trinta anos, certamente não sabe o que é uma carta. Ou, pelo menos, nunca escreveu ou recebeu uma. Mas, por outro lado, imagino que ninguém com menos de trinta esteja me lendo... Estou me deliciando com a leitura das cartas de Caio Fernando Abreu reunidas em livro por Ítalo Moriconi. (Para quem não conhece, Moriconi é professor de literatura na UERJ, poeta, doutor em Letras e organizador das antologias Os Cem Melhores Contos Brasileiros do Século e Os Cem Melhores Poemas Brasileiros do Século). Embora tardiamente, a obra me chega às mãos no oportuno momento em que me debruço sobre a vida e obra do escritor gaúcho para a realização do meu solo Caio em Revista, com direção de Luis Artur Nunes. À época do lançamento não dei a devida importância, talvez achando que cartas não tivessem o valor ou a qualidade da obra do escritor. Ledo e Nagle engano, para citar o próprio. O Caio epistolar é tão literário quanto o contista, romancista ou cronista. A gente percebe o seu estilo marcante e particular nos mínimos detalhes. E, por mais que ele não tivesse a preocupação de que "um dia viessem a ser publicadas", se revelava por inteiro nelas assim como no restante da obra. E com que cuidado! Caio, ao mesmo tempo em que burila o próprio estilo, brinca com ele e mesmo se diverte experimentando variações estilísticas. Um primor... O minucioso trabalho de pesquisa de Ítalo Moriconi nos apresenta as missivas em ordem cronológica, o que permite ao leitor acompanhar as mudanças de humor de Caio, suas expectativas em relação à vida, aos fatos, à sociedade, à política, suas alternâncias de estado de espírito, sua peregrinação constante de uma cidade a outra, de um país a outro, sua relação de amor e ódio com os lugares onde vivia. E o quanto se dedicava aos amigos e ao cultivo das amizades. Alguns amigos se recusaram a doar as cartas para a publicação. Compreensível, do ponto de vista de temerem uma possível exposição da intimidade do remetente. Mas ele nunca teve medo de se expor. E mesmo quando ficcionava, estava totalmente exposto no que escrevia. Isso sem falar que tudo o que escrevia era, no mínimo, muito bem feito. Como brincou Luis Artur Nunes, até uma lista de compras feita por Caio seria bem escrita... Isso faz da publicação uma obra relevante e de grande importância para o conhecimento do estilo e da interioridade do Caio "pessoal", que em nada difere do Caio "profissional", uma vez que ele se doava completamente ao que escrevia. E para as novas gerações, que não chegaram a escrever cartas, é, no mínimo, interessantíssimo. Se é que as novas gerações se interessam por alguma coisa que não seja a internet. A leitura dessas cartas tem me envolvido mais do que uma série de televisão, por exemplo. Leio o tempo todo, em casa, no ônibus, antes de dormir. Revivo épocas da minha vida através das vivências de Caio. Que bom que ele escreveu tanto. E que bom que esse tanto está à disposição de quem quiser conhecê-lo melhor. Na foto, a capa da excelente publicação de Ítalo Moriconi.

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