sexta-feira, 24 de junho de 2022

AU REVOIR, DANUZA!

Morreram Danuza Leão, como disse Drummond ao se referir à morte de Cacilda Becker. Digo isso porque com ela morreram a modelo internacional, a atriz de Glauber, a promoter, a femme du monde, a escritora, a jornalista, a jurada de programa de auditório e toda uma era de glamur, inteligência e bom humor. Impossível ser Danuza hoje em dia, com o fantasma do politicamente correto batendo à porta; com as patrulhas ideológicas reeditadas; com a pobreza e a ignorância dominantes... Hoje em dia cancela-se por apenas uma má impressão que se tem da pessoa. Ninguém se dá o trabalho de ler ou estudar algo antes de discordar e condenar. Mulher à frente de seu tempo, Danuza foi cancelada antes do cancelamento... Seus livros são pérolas em um mercado literário destinado a porcos. Digo, a poucos. Suas crônicas, um deleite. Seu livro de memórias, Quase Tudo, laureado com um Jabuti, um comovente e sensível autorretrato. Adoro a história que ela conta, em um de seus livros de viagens, de quando perguntou ao barman do Ritz de Paris qual era o segredo daquele Dry Martini perfeito e ele teria respondido: O segredo é sussurrar "vermouth" junto à coqueteleira após colocar o gelo e o gin. Adorable... Eu já andava sentindo falta da sua escrita. Era com incontida ansiedade que aguardava o lançamento de seus livros. Quanto desejei conhecê-la pessoalmente e vir a ser seu amigo! Dommage pour moi! Ela se foi. E eu não tive o prazer de estar na sala com Danuza... Na foto, retrato de Danuza em bico de pena de Luiz Jasmin, de 1969.

segunda-feira, 20 de junho de 2022

TRISTESSE

Meu amigo está triste. Ele perdeu alguém que amava muito. Fico sem palavras na tentativa de consolá-lo. Mas também, o que pode confortar o coração de alguém que acaba de perder um ser amado? Lembro então das minhas perdas, as recentes e as mais antigas. Do quanto me fizeram sofrer. De como aquelas dores pareciam não ter fim. Com o tempo percebi que o sofrimento dá lugar a uma imensa saudade povoada de lembranças boas vividas com quem partiu. É uma saudade infinda, posto que não irei mais encontrar essas pessoas por aqui. Mas, quem sabe, em um outro lugar ou dimensão? Digo mais: Algumas vezes as pessoas que perdi me visitam em sonho. Nessas ocasiões é como se não tivessem morrido. Sinto o cheiro, a presença. A voz é a mesma. O toque, o abraço. Minha mãe é a que mais me visita. Está sempre comigo; meu amigo Marcelo, que já partiu há vinte e oito anos; minha irmã astral Lidoka, que perdi há seis anos; a querida Sandra Güez, que nos deixou já se vão quinze anos... Estão todos comigo. Não é modo de falar e sim a mais pura verdade. Às vezes, quando a saudade aperta, ouço músicas que me fazem lembrar momentos vividos juntos. Ou músicas que me emocionem por falar do assunto, como For a Friend, de Jimmy Somerville, que diz: I never cried the way I cried over you. Que a dor do meu amigo passe logo. Que se transforme na tal saudade infinda repleta de lembranças boas a que me referi. Ainda mais ele, que é pura festa e joie de vivre... E, para encerrar, mais Jimmy Somerville: As I watch the sun go down, watching the world fade away, all the memories of you come rushing back to me... Na foto, a tristeza de Jimmy Somerville em si.

domingo, 12 de junho de 2022

SIMPLESMENTE CLÔ

Finalmente, depois de incontáveis alternâncias de medidas restritivas e flexibilizações, fui assitir ao espetáculo Simplesmente Clô, solo do ator Eduardo Martini em cartaz no Teatro União Cultural aqui em São Paulo. Digo isso porque a peça estreou ainda antes da pandemia, saiu de cartaz quando todos os teatros fecharam e foi das primeiras, senão a primeira, a voltar com todos os protocolos de segurança. Que pena que não fui antes! Martini incorpora o estilista Clodovil da cabeça aos pés, passando pela voz, a maneira de falar, os trejeitos, a entonação, enfim, a "façon de bouger" do plêmico criador de moda e comunicador. Figura controversa - para dizer o mínimo - Clô era implacável em seus julgamentos e opiniões. Para além do estilista, o apresentador de televisão era amado e odiado na mesma proporção pelos milhares de espectadores da tevê aberta quando essa era a única plataforma de divulgação ao alcance de toda a população. Hoje, com a internet, ele faria a festa dos haters e canceladores de plantão... Mas o que importa, aqui, é o impecável trabalho de ator de Eduardo Martini. Sua composição é minuciosa. Rica. Divertida. Um trabalho de pesquisa antropológica. A gente tem a impressão de estar vendo o próprio Clodovil Hernandez sur la scène. E olha que eu já assisti ao Clô em si fazendo show. Nenhuma grande suspresa para mim, que sou fã de Eduardo desde que ele fazia o Querubim, ao lado de Dercy Gonçalves, na novela Deus nos Acuda. Se não me engano, desde antes, quando o vi em um dos inúmeros musicais de Claudia Raia. A peça é curta, envolvente do início ao fim, e quando acaba a gente fica querendo ver um pouco mais do carismático personagem defendido com igual carisma pelo seu brilhante intérprete. Não sei até quando fica em cartaz. Mas, olhando para a lente da verdade, recomendo não perder... Na foto, Martini esbanja semelhança com Clodovil sobre a cena.

domingo, 5 de junho de 2022

CAIXA PRETA

Olha o mês de junho aí gente! A gente nem se deu conta de que o ano já estava chegando na metade... Fui visitar a exposição/bazar/festa em homenagem a Vania Toledo organizada por seu filho Juliano, que lhe deu o nome de Caixa Preta. E é o que a gente sente ao adentrar o espaço da True Love Tattoo, no centro de São Paulo: Como se estivéssemos abrindo a caixa preta que revela os segredos da fotógrafa. Está tudo lá. Fotografias ampliadas emolduradas, as câmeras auto-focus que ela carregava na bolsa, as capas dos LPs que fez, os livros fora de catálogo, vídeos de entrevistas que ela deu no programa da Hebe e até mesmo objetos pessoais como roupas, sapatos e acessórios de seu closet. Os personagens dos anos setenta e oitenta do século passado estão todos fotografados e revelados pelo olhar inquieto de Vania. Logo na entrada, o amigo Bivar bebe e fuma sentado a uma mesa de boite; Caio Fernando Abreu abraça Cazuza; Rite Lee e Roberto de Carvalho observam a Avenida Paulista do alto de um terraço; Elis Regina faz caras e bocas exclusivas. E, para além dos famosos e nem tanto, Vania revela os anônimos que abrilhantavam as noites paulistanas e mundanas. Cada drink, um flash. O antológico ensaio Homens, no qual ela despiu corajosamente os amigos, resiste em dois formatos. Capa dura com as fotos soltas, prontas para serem emolduradas, e capa mole em brochura. Ambos há muito fora de catálogo. Assim como Personagens Femininos, ensaio com atrizes interpretando personagens especialmente para os cliques dela. Por um triz não trabalhamos juntos. Vania aceitou participar do meu projeto solo Caio em Revista, no qual interpretarei textos que Caio Fernando Abreu escrevia para as revistas AZ e Around, de Joyce Pascowitch. Ela faria as fotos do material gráfico e da divulgação. Imagino o luxo que seria ter fotos minhas de cena feitas por ela. Na última vez que nos encontramos - no Ritz, evidentemente - agradeci por ela ter aceitado o convite e ela respondeu: Mas vamos fazer logo! Essa coisa de ficar só no projeto não dá! Pois é, dona Vania tinha razão. Ficar só no projeto não dá. Ela já nos deixou há mais de um ano e meu solo segue em projeto... Mas, o importante é que sua vasta obra permanece. Assim como os personagens retratados por ela. Um belo texto escrito pelo inseparável amigo Mario Mendes apresenta a exposição. Entre outras coisas, a gente fica sabendo que Gilberto Gil apelidou a câmera Yashica de Vania de Tia Xica. Adorable... Fui cedo, logo no começo da tarde. Mas a festa se estenderia noite adentro, com DJs tocando e tudo mais. Vi depois, pelas postagens das amigas, que as clubbers todas passaram por lá. Pena que a minha velhice precoce não permite mais esses abusos. Voltei cedinho pra casa. Com o coração aquecido pelas lembranças. E hoje ainda tem mais. Viva Vania Toledo! Nas fotos, a entrada da exposição, Elis brincando de modelo, as câmeras de Vania e o amigo Bivar em bons drinks.