sábado, 17 de outubro de 2015

PLANETA AUGUSTA

Quando cheguei na esquina da minha rua e virei à esquerda, a Rua Augusta não parecia a mesma dos outros dias. Uma profusão de carros e pessoas a congestionava desde lá de baixo, pros lados da Estados Unidos, até lá em cima, na Avenida Paulista. Sem conseguir saber do que se tratava, segui meu caminho em direção ao teatro onde logo mais à noite me apresentaria. Eu era ator e estava em cartaz em um pequeno teatro que fica na própria Augusta, só que do outro lado, além da Avenida Paulista, mais conhecido como Baixo Augusta. Eu carregava comigo uma pequena mala com os figurinos que usaria no espetáculo e um skate, que usava em um dos meus personagens. Estava tão difícil subir a rua naquele dia que pensei que não ia conseguir chegar ao teatro a tempo de me apresentar. O mais curioso é que ninguém sabia me dizer o que estava acontecendo. Me senti mais ou menos como um estrangeiro perdido numa terra estranha. Tentei conversar com um rapaz barbudo que trazia o cabelo preso em uma espécie de cocoruto no alto da cabeça. Ele parecia não entender a minha língua. E seguiu seu caminho com os braços cobertos por tatuagens. Só então percebi que todos à minha volta haviam adotado a mesma barba e o mesmo penteado. As barbas eram longas, de época, e alguns tinham bigodes também de época, com as pontas retorcidas. A rua toda estava tomada por eles. Um exército de talibãs de coque. Tanto homo quanto heterossexuais , todos haviam sucumbido à tendência. Seria apenas uma tendência, pensei, ou tratava-se de algo maior, que escapava à minha compreensão? Alguma nova seita, talvez. Nessa altura eu já havia atravessado a Paulista e descia a Augusta em direção ao basfond. Sou quase atropelado por um ciclista que me chama de veado. Um princípio de incêndio em um pequeno hotel de encontros era a causa do enorme engarrafamento que já atingia quarenta e cinco saunas mistas de extensão. Uma prostituta sorri e pisca para mim e me sinto bem. Ela está tão linda, vestida como uma bonequinha japonesa, com um espartilho tão apertado na cintura que parece que vai parti-la em duas a qualquer momento. Pergunto se posso fotografá-la e ela faz que não, movendo a cabeça para os lados. Que pena, daria uma bela postagem no meu instagram. Em meio à turba segui meu trajeto com a sensação de que não iria conseguir chegar ao destino final. Penso em Blade Runner, de Ridley Scott. One more kiss, dear... Não devo ser deste planeta, pensei enquanto olhava pra trás antes de entrar no teatro para me transformar em pessoas normais... Cai o pano. Blackout. Aplausos imaginários, por favor.
"Para haver algum luxo, por Deus, que eu também preciso! Amém para todos nós"... Aspas e crédito para Clarice.


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