sábado, 19 de março de 2022

VIVA MAGLIANI

Dia desses estava conversando com Luís Artur Nunes e ele me contou que fora convidado a participar de uma mesa redonda sobre a pintora Maria Lídia Magliani, na abertura de uma exposição em homenagem a ela em Porto Alegre, na Fundação Iberê Camargo. Imediatamente me veio à mente a lembrança de um fato há muito esquecido. Quando eu tinha uns vinte anos mais ou menos, a convite de minha saudosa amiga Kiko, comecei a frequentar o Atelier Livre da Prefeitura, em Porto Alegre, onde tínhamos aulas de desenho. Um belo dia chegamos para a nossa classe habitual e tivemos uma surpresa: A pintora Maria Lídia Magliani tinha sido convidada para ir até lá conversar com os alunos. Quando já estávamos todos sentados às nossas mesas para começar os trabalhos, entra a Magliani inteiramente vestida de lilás. Nunca esqueci a visão deslumbrante que ela encarnava naquela tarde. Usava um macacão todo lilás. Não lembro detalhes, mas era mais ou menos como aquele que Rita Lee usou na capa do álbum Lança Perfume, com pregas na cintura e estreito nos tornozelos. A sandália de salto alto era também lilás. Como lilases eram o esmalte das unhas e o batom que ela usava. Trazia à mão uma carteira grande, evidentemente, lilás também. Sentou-se informalmente em um banquinho alto, dos que usávamos para nos sentar às mesas de desenho. Colocou a carteira sobre a mesa ao lado e começou a falar. Eu a olhava da cabeça aos pés, admirando cada detalhe daquela figura monocromaticamente encantadora, enquanto ela nos narrava fatos da sua carreira e respondia às nossas perguntas. Lembro que o cabelo era particularmente interessante, um black power assimétrico, à la Grace Jones, repartido do lado formando dois triângulos irregulares. Quando eu achava que nada mais poderia me surpreender naquela performance arrebatadora, vem a cereja do bolo: Ela tira da bolsa um cigarro e, para acendê-lo, um isqueiro bic lilás. Cai o pano. Aplausos ensurdecedores... Semana passada, enquanto Luís Artur preparava seu speech para a tal mesa redonda que acontecerá nos próximos dias, se lembrou da história e me pediu para que a recontasse para incluí-la no seu discurso. Para dar uma ideia de como Magliani se apresentava artisticamente para além da obra, mostrar ao público presente a persona performática que ela desenvolveu para si própria. Fiquei muito feliz de poder colaborar de alguma forma com esse evento, digno da trajetória artística e da importância dessa grande artista para a cultura brasileira. Espero que a exposição seja um sucesso e mais, que eu possa chegar a visitá-la. Também fiquei bastante satisfeito de saber que a minha memória não anda me traindo... Na foto, a artista e suas obras.

4 comentários:

  1. Que magnífica história.
    Cai o pano, aplausos ensurdecedores.

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    1. Odlion, chéri! A vida é feita delas. Que bom que vivemos várias juntos, não é?

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  2. Que belo texto. Comovente. Lembro de Magliani, com Elton Manganelli e Caio, ou sem eles, sempre com ela mesma, sempre de preto. À pergunta "Tudo bem, Magliani?", ela respondia: "Não, mas já estou acostumada".

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