sábado, 5 de março de 2022

PARISIENSE TRANS

Descobri que sou um parisiense trans. Explico: Não nasci parisiense, sequer francês ou europeu, mas me sinto um deles. Me identifico completamente com os hábitos, o estilo de vida, o humor - e até mesmo a falta de - dos habitantes da Cidade Luz. Gosto da polidez no tratamento com os outros, da reserva que precede a intimidade. Ao contrário de como é por aqui, onde a intimidade vem antes de qualquer coisa. Uma certa falta de paciência também me identifica muito com os parisienses. Por exemplo, uma vez fui com uma amiga brasileira vegetariana que não fala francês a um bistrô que costumo frequentar. Disse ao garçom: Para mim vai ser um vinho branco e um tartare de salmão, por favor. E para a senhorita, que é vegetariana... Ele me interrompe seco: Mas nós não somos vegetarianos. Adoro! Ri muito e disse para a minha amiga que ele havia sugerido uma salada da casa... Gosto muito do hábito de comer e beber nas praças e jardins. De ir direto ao ponto ao abordar qualquer assunto, sem ficar enrolando como nós brasileiros gostamos de fazer. De ter um bar ou café preferido onde se sentar todas as tardes e noites para beber e passar o tempo. O apreço pela cultura, pela língua, literatura e teatro, por exemplo. As crianças são levadas ao teatro pelos pais para assistirem aos clássicos da dramaturgia, o que não acontece por aqui. Gosto de uma sensação de liberdade individual que vem acima e antes de qualquer coisa como casamento, religião, sociedade, fidelidade conjugal e família. Sou muito mais liberté, égalité et fraternité do que pátria acima de tudo, Deus acima de todos... O problema é que para fazer a minha transição de brasileiro para parisiense custa muito caro. Apesar de não precisar fazer uma cirurgia, como ocorre com quem deseja transicionar de um sexo para outro, precisaria realizar uma série de mudanças que já não me julgo apto a fazer. Acho que passei do ponto. Sem falar que não teria dinheiro para comprar um imóvel, viver e pagar impostos em um país estrangeiro. Por enquanto, sigo me travestindo de parisiense. Me montando como se fosse um. E vivendo a ilusão de que ser parisiense bastaria... Na foto eu, o mais francês que pude, em um carnaval em frente ao Ritz. De São Paulo, bien sûr.

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