sexta-feira, 17 de outubro de 2025
LÁ EM NOVEMBRO…
O mês de outubro já está na segunda quinzena e eis-me aqui a postar pela primeira vez... É que já estou com a cabeça lá em novembro, em Porto Alegre, onde irei comemorar meus quarenta anos de teatro apresentando meu solo Caio em Revista no Estúdio Stravaganza. Já vejo jacarandás em flor pintando de roxo as ruas do Centro e do Bom Fim. Ah, o Bom Fim! Bairro onde vivi toda a minha juventude... Ouço Ney Lisboa no iPad, no iPhone, o tempo todo no modo repeat: Minha gata não insista, Disneylândias não vão nos levar ao céu... A Feira do Livro ocupando a Praça da Alfândega, livros à mancheia. Memórias de um tempo que já não sei se existiu de fato ou se fantasio na minha imaginação de new old man. E, depois da meia-noite, a fauna ensandecida do Ocidente... Os palcos em que subi na capital. Renascença, São Pedro, Bruno Kiefer, Leopoldina, Câmara, Bourbon. Meus colegas e amigos, mestres, diretores. Lembro em flashs, cheios de carinho e saudosismo, o que fiz, o que vivi, o que experimentei. Marcelo et moi tomando chopps no Líder em plena segunda-feira. As aulas de acrobacia da Wal. As entrevistas para Tania Carvalho, Mery Mezzari, Ivete Brandalize, Ruy Carlos Osterman... Incontáveis pores de sol, os saudosos Ivo Bender e Tatata Pimentel, happy hours com Miriam Ribeiro, Ida Celina e Paulo Vicente. Os pedalinhos no lago da Redenção... Porto Alegre me mostrou as inúmeras possibilidades que a pequena Soledade me escondia. Nunca vou esquecer as noites do Bom Fim, os bares da Osvaldo Aranha, os projetos Seis e Meia e Pixinguinha, a Reitoria da UFRGS, a UFRGS em si, minha escola de teatro prestes a desabar desde os anos oitenta do século passado até hoje em dia. Meus amigos, namorados, namoradas & amantes. Minhas fantasias e meus sonhos realizados. O Espaço IAB! O Teatro da Assembleia, o estúdio de gravação do Bira Valdez, o Bira em si, com seu charme, talento e delicadeza, o apartamento térreo da Claudinha Meneghetti na Travessa Cauduro, o primeiro comercial que fiz na vida, da Casa dos Gravadores, gravado no recém-inaugurado Shopping Iguatemi, o Claudinho descendo a escada do Fim do Século do jeito que quisesse... Minha Vespa subindo e descendo veloz a Protásio indo e vindo do Porto de Elis. As noites de verão no Escaler e no Luar Luar, meus shows com a Marione no Richard Arte & Café, a luz da Marguinha sempre botando tudo pra cima... Estou contando os dias, mal posso esperar! Ingressos à venda no Sympla! Aloka...
Na foto, meu saudoso amigo Marcelo Pezzi e os jacarandás em flor da janela do meu quarto no Bom Fim.
sábado, 20 de setembro de 2025
QUARENTÃO NO TEATRO
No ano de 1985 eu estreava profissionalmente no teatro em Porto Alegre com o espetáculo infantil Greg, o Grissauro. Com autoria e direção de Alderico Nogueira (por onde anda?) a peça trazia no elenco Adriane Mottola, Paulo Vicente, Marione Reckziegel, Cibele Sastre e o iniciante Roberto Camargo (moi). Completo, portanto, nesse ano da graça de 2025, quarenta anos de carreira! Se isso por si só já não fosse o bastante, vou comemorar a efeméride levando meu espetáculo solo Caio em Revista para Porto Alegre, cidade que me viu brotar como ator e diretor de teatro. E a responsável por essa minha micro-temporada de duas semanas na capital gaúcha é minha colega de elenco de Greg, o Grissauro, Adriane Mottola. Além de me abrir as portas de seu teatro - o Estúdio Stravaganza - Adriane será a responsável pela produção local. Um luxo, um inestimável presente para essa minha comemoração, viva, viva! Sou todo gratidão a Adriane e à sua Companhia Stravaganza... Meu diretor Luis Artur Nunes também está comigo desde os primórdios da minha vida teatral. Foi meu professor no Departamento de Arte Dramática da UFRGS, meu diretor em A Fonte, fui seu assistente de direção em vários espetáculos e agora, nesse Caio em Revista, retomamos nossa parceria teatral. E daqui de São Paulo, sempre comigo na retaguarda, tenho o auxílio luxuoso de Patricia Vilela. Sem ela esse projeto não teria saído do papel... O teatro tem esse poder de unir pessoas formando uma espécie de família, paralela à biológica. Devo dizer que ao longo desses quarenta anos de profissão fui me unindo a tantas pessoas queridas que hoje já tenho uma grande família... Como não me apresento em Porto Alegre desde 2019, quando estive com a Terça Insana no Teatro São Pedro, estou morrendo de saudade de pisar nos palcos gaúchos novamente. Conto com a presença de todos os amigos, colegas, fãs, seguidores, familiares, crushs e ex-amantes (rsrs) para lotar as dependências do Estúdio Stravaganza nos dois últimos finais de semana de novembro. Que eu siga fazendo teatro por, pelo menos, mais quarenta anos. E que ele siga unindo as pessoas e fazendo-as cada vez melhores. Vejam só a minha pretensão! Rsrsrs... Foi em Porto Alegre que tive a base da minha formação teatral, tanto na universidade quanto no mercado de trabalho. Tive mestres aos quais serei eternamente grato como Ivo Bender, Maria Helena Lopes, Luis Artur Nunes, Irene Brietzke, Graça Nunes, Alziro Azevedo, Sandra Dani, Beto Ruas, Flavio Mainieri e Marlene Goidanich. Tive o prazer de trabalhar com colegas inesquecíveis que não poderei citar aqui porque não caberia no espaço do post. E também porque não gostaria de deixar ninguém de fora. São muitas as boas lembranças... Quando, há quarenta anos, Alderico Nogueira me convidou para fazer parte do elenco de Greg, o Grissauro, lembro que não acreditei que já na minha estreia no teatro eu seria colega de Adriane Mottola, de quem eu já era fã desde que a vira em cena no espetáculo Guernica, de Arrabal, com direção de João Carlos Castanha. Depois eu a dirigiria na minha montagem de Lisístrata, mas isso já é uma outra história. Obrigado, Adriane, por me proporcionar esse presente de quarenta anos de teatro!
Nas fotos, a equipe de Greg, o Grissauro e eu em cena de Caio em Revista.
quarta-feira, 17 de setembro de 2025
PAPEL PRINCIPAL
Não, não fui contratado para protagonizar um espetáculo, filme ou série. O título do post se refere à belíssima exposição Re-Selvagem - Natureza Inventada, da artista visual francesa Eva Jospin, que visitei ontem à tarde na não menos bela Casa Bradesco. Instalada na Cidade Matarazzo, a Casa Bradesco é um complexo cultural - ou um centro de criatividade, como ela própria se define - que comporta livraria, café e lindas salas de exposição. É tudo tão bonito que a visita valeria a pena mesmo se não houvesse exposição alguma. Mas voltando à exposição, Eva Jospin transporta o visitante para um mundo paralelo (ou perpendicular) ao mesmo tempo ancestral e futurístico. Ao adentrar esse ambiente mágico de florestas e formas arquitetônicas feitas totalmente de papelão a gente se percebe transitório e perene; se dá conta das milhares de árvores, florestas inteiras que foram extintas para que todo o papel do mundo fosse fabricado; e por fim o vê (o papel) novamente transformado nas árvores e florestas que extinguiu. A exposição mexe com a nossa noção de proporção e de longevidade. Outra curiosidade: ela se impõe ao visitante com uma atmosfera de silêncio e reflexão, quase de adoração do que é visto. Como se a gente estivesse em um templo sagrado. Como se viajasse no tempo. O que é muito bem vindo, principalmente quando a gente sabe que está a uma quadra da Avenida Paulista, em plena tarde de terça-feira, entre um compromisso diário e outro e que um trânsito infernal nos espera na saída. É isso o que quis dizer ao afirmar que a exposição de Eva Jospin transporta o visitante para um mundo paralelo. E nesse mundo paralelo, criado pela artista com enorme talento e criatividade, o papelão tem papel principal, o que justifica o título da postagem. Preciso acrescentar que fiquei muito tocado pela obra. Emocionado, mesmo. Sem falar nos imensos painéis bordados em seda, linho, cânhamo e algodão que revestem as paredes de todo o andar superior, a sua "Chambre de Soie", que foi cenário para a coleção AW21 da Maison Dior... Um raro momento de plenitude e graça em meio ao caos do cotidiano é o mínimo que essa bem-vinda exposição nos proporciona. E, como se não bastasse, às terças-feiras a visita é gratuita. O que você está esperando?
Nas fotos, uma pequeníssima amostra da grandeza e beleza da exposição.
terça-feira, 9 de setembro de 2025
SO LONG, RO RO
Quando Angela Ro Ro lançou seu primeiro álbum, que tinha apenas seu nome como título, fiquei imediatamente encantado. Além de excelente cantora, ela também assinava todas as composições e tocava piano. Suas canções belíssimas, intensas e carregadas de um romantismo exacerbado calaram fundo no meu coração. Eu tinha quinze para dezesseis anos e já era um romântico de carteirinha. As fotos da capa e da contracapa do disco a mostravam belíssima, lembrando muito Maysa - não apenas pela aparência mas também pela voz grave e rouca. O primeiro show dela a que assisti foi em Porto Alegre, no saudoso Teatro Leopoldina. No palco ela revelava uma outra faceta, não menos encantadora: Era extremamente engraçada. Dali em diante perdi a conta de quantos shows da cantora fui assistir. Além das canções, que eu escutava em casa até quase furar os LPs, o que me fazia ir vê-la no teatro era sua verve cômica. Angela falava quase tanto quanto cantava e o que falava era sempre divertidíssimo (principalmente quando fazia o outing de colegas cantores e cantoras que não se assumiam) e brilhantemente inteligente. Até hoje rio quando lembro de um show dela a que assisti no Teatro Rival, no Rio, no qual ela contou que certa feita o cantor Agepê deu em cima dela e ela o situou dizendo: Pô, Agepê, qual é! Sou eu, Angela Ro Ro! Adorável… Seu segundo álbum, Só nos Resta Viver, é um dos meus preferidos. Ele traz ao mesmo tempo a Angela intensa, romântica, desbragada e sua faceta gaiata, leve e debochada em composições como Meu Mal é a Birita, Blues do Arranco e Tango da Bronquite. Sem falar na regravação do clássico de Nelson Gonçalves Fica Comigo Essa Noite, que lhe caiu como uma luva... O terceiro álbum, Escândalo, é uma obra prima. Desde a capa em formato de jornal sensacionalista até a canção título que Caetano Veloso compôs especialmente para ela. Ela era verdadeiramente um escândalo. De talento e de personalidade. Paro nesses três, para que o post não fique interminável. Mas eu seria capaz de discorrer sobre todos eles por laudas e laudas. Que lástima ela nos deixar assim, tão cedo. Em tempos de longevidade setenta e cinco anos é cedo sim. Ainda mais para uma artista do quilate de Angela Maria Diniz Gonçalves... Infelizmente não tenho foto com ela, nunca fomos apresentados, não fizemos nenhum trabalho juntos e ela morreu sem saber que eu existia. Queria tanto poder ter dividido com ela uma boa mesa de bar! Ainda assim, sua importância na minha vida foi enorme. E continuará sendo. Grande cantora, compositora, pianista, enterteiner, one woman show... Termino clamando aos céus: Senhor, pare de levar embora os artistas, esses seres iluminados que nos fazem transcender a mediocridade da existência. E, citando a própria: “Quem dera pudesse a dor que entristece fazer compreender; os fracos de alma, sem paz e sem calma, ajudasse a ver que a vida é bela, só nos resta viver”... Ainda bem que o legado de Angela Ro Ro ficará para sempre. Assim como as canções, como as paixões e as palavras… Nas fotos, Angela na capa do primeiro LP e o ingresso do show Só nos Resta Viver no Teatro Leopoldina.
sexta-feira, 5 de setembro de 2025
PENSAMENTOS À BEIRA DE
Entrei o mês de setembro do jeito que gosto: Junto ao mar. Mais especificamente junto ao mar de Camburi, no litoral norte de São Paulo, onde não ia desde o meu último aniversário no mês de abril passado. Quem me conhece e segue o blog já deve saber que a combinação mar, eu, música e álcool resulta em reflexões (nem sempre relevantes), que são os meus pensamentos à beira de. Um dos temas recorrentes é: por que morar na capital e não no litoral? Dúvida que me persegue há quase trinta anos! Por mais que reflita, não consigo chegar a uma conclusão que me faça deixar a metrópole e virar um caiçara... Nessa minha temporada praiana refleti sobre o meu suposto transtorno do espectro autista. Digo suposto porque foi diagnosticado por mim mesmo. Tenho cada vez mais certeza de que me enquadro no espectro. Mas calma, me diagnostiquei no nível um. Felizmente consigo, ainda que a duras penas, ter uma vida social. Mas os barulhos das outras pessoas me incomodam cada vez mais. Na praia eles me irritaram e desviaram minha atenção até do barulho do mar, que amo. Eles estão em toda parte. São pessoas que falam um tom acima do aceitável, crianças que gritam, músicas num volume muito alto, martelos e furadeiras, motocicletas com escapamento aberto e até mesmo (pasmem!) pássaros que cantam sem parar... Fora isso, também refleti sobre o meu leve alcoolismo. Digo leve porque consigo administrar minha adição alcoólica também no nível do social. Procuro beber somente nos finais de semana, exceção feita às viagens, como foi o caso dos dias que passei na praia. Impossível não beber todos os dias quando se está junto ao mar… E bebendo e me irritando com os barulhos alheios e refletindo sobre diversos temas (nem sempre relevantes, como falei) os meus dias junto ao mar passaram voando! Tomara que eu possa voltar logo para lá... Agora estou de volta a São Paulo, na minha casa, diante da tela do computador e já morrendo de saudade dos entardeceres de tirar o fôlego que contemplei no litoral. E louco para ir conhecer , amanhã à noite, o teatro Cultura Artística restaurado após o incêndio que o devastou. Coisas da cidade grande... Bom mês de setembro a todos!
Na foto, o mar de Camburi visto de uma das alamedas que nos conduzem até ele.
domingo, 31 de agosto de 2025
AGOSTO QUE FINDA
O mês de agosto que hoje finda nos levou Luis Fernando Veríssimo. Grande escritor, talento enorme, incomensurável. Humor preciso, inteligência refinada. Criador de personagens que, assim como ele, ficarão para sempre no imaginário nacional… Agosto levou também minha vontade de escrever. Esse é apenas o segundo e último post aqui no blog esse mês. Andei bastante impressionado pela leitura das obras de ficção da autora japonesa Yoko Ogawa. Comecei pelas três novelas A Piscina, Diário de Gravidez e Dormitório, como já havia contado aqui. Depois maratonei os quatro romances dela já lançados no Brasil: A Fórmula Preferida do Professor, A Polícia da Memória, O Museu do Silêncio e Hotel Íris. Todos geniais. A escritora nos revela o lado escuro da vida e do ser humano. Normalmente são situações e lugares totalmente irreais, fictícios, mas que, de tão bem descritos, a gente embarca e os aceita como reais e muito possíveis. Me fazem lembrar da canção Balada do Lado sem Luz, de Gil, gravada por Bethânia no álbum Pássaro da Manhã: “Mundo das sombras, caverna escondida onde a luz da vida foi quase apagada”… A memória, tema que me encanta, é recorrente em todas as histórias. Em A Fórmula Preferida do Professor, por exemplo, ele a perde e a recupera todos os dias por apenas oitenta minutos; em A Polícia da Memória os policiais que governam uma pequena ilha apagam progressivamente as memórias de seus habitantes; impossível não fazer um paralelo com o apagamento arquitetônico promovido pela construção civil nos bairros de São Paulo: progressivamente as casas somem dando lugar a torres que os uniformizam… Yoko Ogawa descreve com detalhes cenas de humilhação e violência a que determinados personagens se submetem que normalmente fecho os olhos para não ver em filmes e séries. Já em seus livros não consigo deixar de ler. E, mesmo me apavorando, me envolvem e revelam meus próprios lados sombrios. Quem nunca? Afinal, entrar em contato com o pior do ser humano nunca foi tão acessível como agora. Está ao alcance de um clic… O mês que finda também trouxe o aniversário do meu querido diretor, mestre e amigo Luis Artur Nunes. Comemoramos entre amigos com direito a drinks, bolo e velinha soprada pelo aniversariante em meio a muitas conversas e risadas. Cada vez mais me convenço que o bom da vida é estar entre amigos a celebrar o que quer que seja. A vida, por exemplo. O que já estaria sempre de bom tamanho… A imagem que vou guardar de Luis Fernando Veríssimo é ele meio afastado, em silêncio e com um sorriso tímido nos lábios tanto no apartamento de Paris, onde o conheci, como na casa dele em Porto Alegre. E, claro, a memória de seus textos geniais e hilariantes que tanto me inspiraram… Nas fotos, o autógrafo de LFV no livro que ganhei de presente de Mariana e Fernanda no meu aniversário de trinta anos, a bela capa de Hotel Íris e a comemoração do aniversário de Luis Artur.
domingo, 17 de agosto de 2025
PAZ INTERIOR
Dia desses Weidy e eu resolvemos passar o dia de domingo no interior, mais precisamente em Santana de Parnaíba, município da região metropolitana de São Paulo que fica pertinho, a quarenta quilômetros daqui da capital. É quase inacreditável que tão próximo dessa loucura toda que é uma metrópole haja tal joia de preservação arquitetônica e natural. Aquela típica cidade do interior com uma praça, uma igreja, um coreto e ruazinhas repletas de casas do período colonial. O dia se fez ensolarado, nas barracas de comida e bebida e nos restaurantes e bares que circundam a praça as pessoas se divertiam, tiravam fotografias e comiam o morango do amor rsrsrs... Depois de visitar o museu, a praça, a igreja e fotografar as lindas construções, almoçamos num restaurante italiano instalado numa belíssima mansão de pé direito alto e com aquelas janelas de vidros bisotados. Um sonho juste à côté da Pauliceia... De volta à ensandecida megalópole comecei a assistir à série Boca a Boca, do mesmo diretor do filme Homem Com H, o talentosíssimo Esmir Filho. E não é que a série se passa numa pequena cidade do interior tão linda, antiga e preservada quanto Santana de Parnaíba? Na ficção a chamaram de Progresso, mas já pesquisei e descobri tratar-se de Goiás Velho, município do estado de Goiás. Estou louco para ir lá conhecer. Só que essa é bem mais longe daqui... A propósito, adorei a série. Não deixem de assistir, está disponível na Netflix. E dando asas à dispersão, conversando com uma amiga muito querida - que não via há muitos anos e que esteve em São Paulo essa semana - lá pelas tantas o papo enveredou para os sonhos e planos futuros, as mudanças de vida que a gente sempre acaba adiando e onde gostaríamos de morar. Ao contrário de mim, um taurino apegado às coisas e hábitos, que cria raízes difíceis de remover, ela, toda serelepe, vive mudando de vida, de atitudes e planos. E isso inclui os lugares onde mora. Recentemente, cansada de alternar a vida no interior e na capital gaúchos, me contou que mudou-se para a praia. Imediatamente aquela minha velha fantasia de deixar Sampa e ir morar junto ao mar voltou. E ficamos a projetar possibilidades de tornar esse sonho real... O meu grau de dificuldade para mudança de moradia já começa pelo local: Onde, em qual praia eu gostaria de morar? As que mais gosto ficam longe de São Paulo, não tem hospital, meu plano de saúde é daqui... E seguem os empecilhos: Tenho preguiça de encaixotar tudo e transportar. Eu poderia alugar uma casa já mobiliada na praia, mas alugar meu apartamento com tudo dentro para outra pessoa morar é algo impensável para mim. Imaginar outras pessoas se relacionando com meus móveis e objetos, todos plenos de significado para mim e pelos quais nutro afeto incondicional... E mais ainda: Tenho quase certeza que depois de um ou dois meses eu seria tomado por um tédio incontrolável e ia querer fazer tudo o que tem para se fazer na capital e que quase nunca faço quando estou aqui... Difícil, não? Assim eu vou ficando por São Paulo mesmo, cidade que me encanta desde a mais tenra idade e na qual sempre sonhei viver. Nasci no interior do Rio Grande do Sul, na pequena Soledade, onde vivi até os catorze anos de idade, quando me mudei para Porto Alegre para fazer o segundo grau e a faculdade. Desde lá eu já sabia que viver nas grandes cidades seria para mim um caminho sem volta. Apesar de achar a coisa mais linda uma pequena cidade do interior ou uma vila de pescadores junto ao mar, é nos grandes centros urbanos que a vida pulsa, e esse pulsar constante ainda encontra ressonância no meu peito, apesar da idade que avança inexoravelmente... De qualquer maneira, é bom saber que "sempre teremos Paris". Ou Ilhabela, Camburi, Barra do Sahy, Santana de Parnaíba e Goiás Velho... Boas viagens a todos!
Nas fotos, o coreto da praça, eu posando em uma esquina, ruazinha ao lado da praça e detalhe do interior do restaurate.
quarta-feira, 23 de julho de 2025
60 +
Tenho pensado muito sobre a minha nova condição de idoso. Já faz dois anos que entrei nela mas, como sou idoso, penso mais devagar. Aliás, estou fazendo tudo cada vez mais devagar. Tenho dores que antes não tinha. Acho longe trajetos que antes considerava perto. Essa semana fui pela primeira vez consultar um geriatra. Ele me pediu exames que eu nem sabia que existiam, nunca tinha ouvido falar em densiometria óssea nem tampouco em ecodopplercardiograma transtorácico... Sempre me lembro da minha mãe. Uma vez perguntei a ela como era ter setenta anos e ela me respondeu: Não sei, eu não me sinto com setenta. Pra mim eu continuo com uns trinta! Eu também continuo pensando que tenho trinta. Mas não me engano: quando tento realizar os impulsos de trinta que ainda tenho sinto as limitações dos sessenta e dois que já chegaram... Sempre ouvi dizer que o Brasil era o país do futuro. A sensação que tenho agora é de que o futuro chegou e o Brasil já não deu certo. E no tempo que ainda tenho para viver tenho certeza de que não dará. Não acredito que alguém ou algum partido dê jeito nisso. O ser humano tem se aperfeiçoado cada vez mais em piorar... Não tive filhos, portanto não terei netos. Minhas atuais preocupações com o "futuro" se resumem a ter saúde, disposição e meios financeiros para realizar alguns sonhos que ainda não realizei. Trabalho cada vez menos. O etarismo é uma realidade que agora sinto na pele. (Pele que por sinal está cada vez mais enrugada rsrs). Já não recebo convites para trabalhar. Se não me mexo, não vou à luta, fico em casa esperando e nada acontece. A academia me salva. Os exercícios me fazem sentir vivo e disposto. O bom humor me salva. A arte, o teatro, a música e a cultura de um modo geral me salvam. Especialmente a literatura tem me salvado cada vez mais. Tenho relido as primeiras obras que li na infância: Monteiro Lobato e seus incríveis A Chave do Tamanho e Viagem ao Céu. É impressionante como já estava tudo lá. Todos os conceitos importantes da vida, as relações sociais e as de afeto, a filosofia, a política, a ciência e as maravilhas desse mundão de meu Deus... Felizmente ainda tenho curiosidade pela vida e pelas pessoas. Me recuso a me isolar. Dia desses me surpreendi: Fui no show do Alok no Pacaembu! E gostei, ou melhor, curti muito. E ver artistas quase centenários como Othon Bastos e Nathalia Timberg no palco me encheu de esperanças... Tenho a meu favor uma tranquilidade natural que sempre fez parte de mim e agora, na calma da idade avançada, me poupa de estresses e ansiedades desnecessárias. Desfruto da minha própria companhia como sempre fiz. Agradeço a Deus todas as manhãs por acordar vivo e saudável. Estou sempre com o pé que é um leque para viajar e com o texto na ponta da língua para subir ao palco. Rezo todas as noites por mim e pelos que amo. Sofro pelos que nos deixam, sobretudo pelos que nos deixam precocemente. Sigo me encantando com pores de sol, noites estreladas e enluaradas e amanheceres. Amo cada vez mais os animais. E os bons vinhos, né? Que no seco também não dá... Como disse no início, tenho pensado muito sobre a minha nova condição. Já faz dois anos que entrei nela mas, como sou idoso, penso mais devagar...
Na foto, eu 60+ pela lente do fotógrafo & amigo Guto de Castro.
sábado, 12 de julho de 2025
MENINO BONITO
Acordo numa manhã fria de sábado em pleno inverno, que este ano está excepcionalmente frio em São Paulo. Antes mesmo de fazer o desjejum me deparo com um vídeo no Instagram: Chico Chico, o filho de Cássia Eller, cantando Menino Bonito, de Rita Lee. Há muito tempo alguém ou alguma coisa não me emocionava tanto na música brasileira. Me arrepiou da cabeça aos pés. Me fez chorar. Um choro que era ao mesmo tempo de saudade de Cássia e de felicidade pelo belo presente que ela nos deixou. Chico desconstrói estereótipos tal qual a mãe. Se apresenta com as pernas de fora, cantando no feminino como Rita escreveu a canção, e com a força, a potência e a irreverência que herdou da mamis. Herdou também o vozeirão de arrepiar. Além de excelente cantora, Cássia sempre subverteu padrões de comportamento. E quando parecia que já estava totalmente assimilada ela apareceu grávida dando um verdadeiro nó na cabeça da imprensa e do público. Que bom que ela fez isso! Que bom que deu à luz essa joia que é Chico Chico. Ele atualiza conceitos de masculino e feminino, de beleza e de modernidade. Desejo sinceramente que ele tenha muito sucesso. Que consiga tocar muitas pessoas como me tocou. Emocionar muitas pessoas como me emocionou. Não é possível que em meio a tanta brutalidade e mediocridade não tenha restado um pouquinho, um cantinho, um laivo de sensibilidade no coração das pessoas. Acho maravilhoso que além do legado genético de Cássia, seja através das palavras de Rita Lee, do sentimento que a levou a compor esses versos, que ele chegue até nós nesse momento. Não deixe de ouvir, está disponível em todas as plataformas digitais. E, se possível, assista também ao vídeo, que está no YouTube.
Na foto, Francisco Eller fazendo jus ao título do post.
terça-feira, 8 de julho de 2025
VAN NADA VÃ
Nesse domingo que passou tive o prazer de assistir ao belíssimo espetáculo A Mulher da Van, protagonizado por ninguém menos do que Nathalia Timberg, brilhando muito em cena do alto de seus noventa e seis anos de idade. Ela prova com sua performance que o teatro é perene, que a arte, a cultura e o talento são perenes, ao contrário de toda essa baboseira efêmera, consumista e sem sentido que rola nas redes sociais. Como se assistir a essa incrível demonstração da longevidade do talento não fosse o bastante, ainda tive o prazer de ver brilhando ao lado dela os queridos e não menos talentosos amigos Nilton Bicudo, Noemi Marinho e Cléo de Páris. Além dos também excelentes Caco Ciocler, Lilian Blanc, Duda Mamberti e Roberto Arduim. Elencaço, não? O texto do inglês Alan Bennett (traduzido por Clara Carvalho) surge limpo e brilhante na bela encenação do diretor Ricardo Grasson, que confere tons poéticos à história real da mulher que mora em uma van estacionada em frente à casa do dramaturgo. A solidão, o envelhecimento e as dificuldades de convivência dos personagens vêm à tona com boas doses de um humor ora delicado, ora cruel, mas sempre elegante e prazeroso de se assistir. Nada melhor para encerrar uma noite de domingo no inverno de São Paulo. Saí do teatro pensando que ainda há muito a ser vivido e visto, mesmo para quem já tem idade avançada. Como eu, por exemplo, que já conto sessenta e dois anos de vida. Ou para quem tem ainda mais. A vida é o aqui e o agora. E a gente nunca sabe até quando eles irão durar. Resta saber aproveitar... Se arruma e vai ao teatro que tem espaço na van! Viva o teatro! Viva Nathalia Timberg!
Nas fotos, Nathalia como Mary Shepherd (a mulher da van) e como ela própria (belíssima) aos 96 anos.
quarta-feira, 2 de julho de 2025
VICIOUS
O título do post refere-se a uma sitcom britânica maravilhosa que estou maratonando, vejam só, no YouTube. Maldosas, malvadas, perversas, em bom português. O próprio título já seria mal visto por aqui rsrs… Mas o melhor do humor inglês é justamente isso: Ser cruel e passar longe do politicamente correto. E os atores, ah! Que deleite. Ian McKellen e Derek Jacobi, dois monstros sagrados do teatro e do cinema, vivem Freddie e Stuart, o casal gay idoso que está junto há quase cinquenta anos vivendo uma relação no mínimo conturbada. E a graça está justamente aí: Eles se dizem coisas horríveis, acabam um com o outro o tempo todo, mas com a elegância e o refinamento de quem recita um poema. Como só os ingleses sabem fazer… Tem também Ash, o vizinho jovem e hétero (combinação que faz com que o casal de protagonistas se jogue sobre ele como vampiras sedentas de sangue). E as amigas Violet e Penelope - igualmente idosas - a quem eles lançam os maiores impropérios… Tem a mãe de Stuart - ainda mais velha - que telefona todos os dias e não sabe da orientação sexual do filho: Para ela, Freddie é o colega de apartamento dele. Nem o cachorro escapa: Tem vinte anos e vive dentro de uma cesta coberto por um pano... Aqui no nosso país a série seria tachada de etarista e homofóbica. Ou, no mínimo, diriam que reforça estereótipos. Sabemos que envelhecer não é fácil para ninguém. Para as bichas, eternamente preocupadas com a aparência e discriminadas dentro da própria comunidade LGBT - que as chama de tias, mariconas ou cacuras - menos ainda. A parada do orgulho nos trouxe a questão esse ano. Mas em vez de fazer drama, que tal rir dessa situação? É o que Vicious se propõe e realiza com excelência. Eu rio alto com meus fones de ouvido assistindo à série na academia enquanto faço cardio. Ah! E antes que me ataquem: Tenho lugar de fala (como gay e como idoso) e bom humor, graças a Deus! Rsrsrs… Vicious: Diversão da melhor qualidade, de graça, no YouTube…
Na foto, os fabulosos Ian McKellen e Derek Jacobi em cena de Vicious.
segunda-feira, 16 de junho de 2025
AU REVOIR, RIO!
Deixo o Rio de Janeiro feliz por ter revisto a cidade (que não visitava desde janeiro de 2017), ter reencontrado amigos, assistido a espetáculos, descoberto lugares que não conhecia e também por ter tido a oportunidade de visitar a exposição de Cazuza. Foram poucos dias, cinco no total, mas de tão intensos pareceu muito mais. Deu muita saudade do tempo em que eu vivia na ponte aérea para as apresentações da Terça Insana por aqui… Gostei bastante de assistir ao espetáculo/depoimento de Ítala Nandi, Paixão Viva, espécie de palestra semi-encenada na qual ela conta toda a sua trajetória pelo cinema, teatro e televisão. Um formato interessante de ser explorado, ainda mais quando a pessoa em questão tem uma trajetória tão rica em realizações e relacionamentos como a dela. E ela o faz com um pé nas costas, como se estivesse em casa recebendo a plateia… Encerrei a programação teatral no domingo com o espetáculo Os Mambembes, colorida e animada montagem inspirada no clássico O Mambembe, de Artur de Azevedo. A peça celebra o amor pelo teatro e as dificuldades que os artistas encontram pelo caminho enquanto perseguem seu sonho. Estreou em turnê pelo interior do Brasil onde era apresentada na rua em cima de um caminhão. Talvez por isso os atores estejam gritando tanto o tempo todo em cena. Uma direção mais atenta os faria adaptar o registro da interpretação para o palco do teatro. Mas o espetáculo é lindo e os atores, estelares, todos ótimos… Não deu tempo de fazer tudo o que eu queria, mas consegui ir até o centro da cidade para um lanche na belíssima Confeitaria Colombo, que adoro sempre revisitar. Volto para São Paulo repleto de boas imagens, memórias e afetos. Esperando em breve poder retornar… Nas fotos, o belíssimo salão da Confeitaria Colombo, Ítala Nandi agradece os aplausos, elenco de Os Mambembes idem e detalhe do Aeroporto Santos Dumond onde escrevo enquanto espero meu voo de volta para São Paulo.
domingo, 15 de junho de 2025
LE BLÉ NOIR
Copacabana guarda muitas surpresas escondidas nas suas pequenas ruazinhas. Uma delas é o simpático Le Blé Noir, que descobri totalmente ao acaso enquanto fazia um tour de reconhecimento das redondezas. Uma creperia francesa que serve aquele crepe bretão, feito com trigo sarraceno escuro (o blé noir do título) e a cidra da Bretanha, que é deliciosa e não tem nada a ver com aquela brasileira bagaceira que as pessoas jogam no mar como oferenda para Iemanjá e faz a coitada ter ressaca e dor de cabeça rsrs… O ambiente é super agradável, com luz baixa e música idem. Só não me senti na Bretanha porque nunca estive lá. Mas cheguei perto: Lembrei de um restaurante bretão que fui com meu amigo João Faria em Paris, ao lado do Beaubourg, na praça Stravinsky, aquela que tem a fonte com esculturas de Niki de Saint Phalle. Foi lá que conheci o crepe de blé noir e a cidra bretã. Matei a saudade e descobri um novo cantinho para chamar de meu aqui no Rio. De sobremesa pedi a cidra, que veio servida em uma inesperada xícara. Adorei. Essas descobertas que faço ao acaso enquanto estou flanando pelas ruas das cidades que visito são as que mais me agradam; muito mais do que aquelas que alguém nos recomenda ou que estão bombando na internet (como as do tiktok, por exemplo). Por essas e outras coisas legais é que adoro viajar. E voltar aos lugares que já conheço. Vou formando assim o meu portfólio local... o Blé Noir Fica na rua Xavier da Silveira, 19-A em Copacabana e abre às 19:30. Recomendo!
Nas fotos, a fachada do restaurante, o vinho que acompanhou meu prato, detalhe do salão e a xícara de cidra.
sexta-feira, 13 de junho de 2025
EXAGERADO
Várias surpresas e alegrias nessa minha volta ao Rio. Exemplo delas é a exposição Cazuza Exagerado, em cartaz no rooftop do Shopping Leblon. De caráter imersivo, ela te faz entrar em uma espécie de túnel do tempo que percorre toda a trajetória do ídolo pop. Da infância até a doença que o levou precocemente. Passando pelo teatro, as primeiras canções, a banda Barão Vermelho e a consagração da carreira solo. A exposição é linda, super bem montada, rica em detalhes, objetos pessoais e lembranças que a mãe Lucinha Araújo guardou do único filho com muito amor e cuidado. A medida que se anda pelo espaço da mostra, vai-se entrando em diversos ambientes relacionados à trajetória de Cazuza. Como o Circo Voador, o Cassino do Chacrinha e a Pizzaria Guanabara, por exemplo. Mais do que as canções, a poesia sempre foi a marca de Cazuza, o meio através do qual ele melhor expressou seu romantismo exacerbado. Ou exagerado, nas palavras do próprio. Felizmente a poesia tem o merecido destaque na exposição. Ela transborda a cada ambiente. Em manuscritos, em páginas datilografadas; nas máquinas de escrever que ele usava, nas máquinas fotográficas, nos bilhetes que escrevia para os pais, amigos e namorados. Aliás, foi no dia dos namorados que visitei a exposição. Um lindo presente para mim, que passei o dia longe do meu. (Sempre tive Cazuza como uma espécie de namorado imaginário). Fiquei especialmente emocionado diante da máquina de escrever Remington, exatamente igual à que uso em cena no meu espetáculo solo Caio em Revista. E, claro, a garrafa de Jack Daniel’s que uso também. A emoção me pegou na foto dele com Caio feita por Vânia Toledo. Assim como em uma outra na qual ele aparece ao lado de minha saudosa amiga Lidoka. Quando cheguei no ambiente que reproduz o camarim do último show no Canecão eu já estava jogado a seus pés com mil rosas roubadas. E as lágrimas rolaram soltas na sala que refaz o Canecão em si, com uma projeção de Cazuza sobre o palco cantando O Tempo Não Para… Adorei uma sala cujas paredes, teto e chão são totalmente cobertos por fotos do cantor que, animadas por inteligência artificial, o mostram cantando trechos de seus grandes sucessos. Pra que mentir, fingir que perdoou? A emoção acabou, que coincidência é o amor, a nossa música nunca mais tocou… Que engraçado, parece que foi ontem. Me vi jovem e romântico outra vez. Que bom que o tempo não para e nos traz Cazuza de volta nesta belíssima exposição. É como se ele me perguntasse: Mais uma dose? E eu respondesse: é claro que eu to a fim. A noite nunca tem fim, babe. Por que a gente é assim? Nas fotos, as várias fases de Cazuza, o Circo Voador, Remington & Jack Daniel's, Caju e o Velho Guerreiro e eu no camarim do Canecão.
quinta-feira, 12 de junho de 2025
A BALEIA
De volta ao Rio de Janeiro - depois de oito anos - para assistir à estreia para convidados do espetáculo A Baleia, do americano Samuel D. Hunter, mais uma belíssima direção do mestre Luis Artur Nunes. José de Abreu lidera com galhardia e muito talento o elenco afiadíssimo que é composto por Luisa Thiré, Gabriela Freire, Eduardo Speroni e Alice Borges. Como sempre acontece nas direções de Luis Artur, a grande estrela do espetáculo é o texto. Que, no caso, é brilhante. Samuel D. Hunter mergulha na interioridade dos personagens trazendo à tona todas as suas fraquezas, tristezas, falhas, arrependimentos e decepções. Não sem delicadeza, algum humor e belas imagens. Assim como citações de Herman Melville. Apesar de denso, o texto tem cenas curtas, o que agiliza a história e, quando a gente vê, as duas horas do espetáculo já se passaram. Um grande deleite para o espectador mais atento, que gosta realmente de teatro. Teatro de verdade, com T maiúsculo. Sem grandes pirotecnias cênicas, Luis Artur constrói o seu espetáculo lançando mão basicamente da matéria prima essencial que são os atores. Coisa raríssima de se ver hoje em dia, diga-se de passagem. Um diretor que dirige atores e faz o texto surgir inteiro e bem trabalhado sobre o palco. Cada frase é dita e compreendida em sua totalidade. Já tive a graça de ser dirigido por ele duas vezes - em A Fonte, de Érico Veríssimo, e mais recentemente no meu solo Caio em Revista - e de ser seu assistente de direção em vários outros espetáculos. Além de ter sido seu aluno na faculdade de teatro. Posso dizer com conhecimento de causa que ele se supera a cada novo trabalho. Costumo dizer que trabalhar com Luis Artur Nunes é uma espécie de pós-graduação, como um mestrado ou doutorado. A gente aprende muito enquanto divide com ele a sala de ensaio e os palcos. Sou muitíssimo grato por viver no mesmo tempo que esse grande homem de teatro. E aproveito para agradecer aqui por mais esse lindo presente que é A Baleia. A peça fica em cartaz até 20 de julho aqui no Rio, no teatro Adolpho Bloch, e depois A Baleia irá singrar outros mares Brasil afora. Eu se fosse você não perdia! Nas fotos, o elenco agradece os merecidos aplausos e eu, bem pimpão, entre o diretor e o protagonista Zé de Abreu.
sábado, 7 de junho de 2025
HUMOR PROIBIDO
Quando eu estava na Terça Insana as pessoas viviam me perguntando qual era o limite do humor. Até hoje, toda vez que dou uma entrevista, me fazem essa pergunta e eu invariavelmente respondo: A elegância. Humor tem que ser engraçado (obviamente), inteligente (é o mínimo que se espera dele) e, claro, elegante. É claro que estou me referindo a um humor de bom gosto, refinado. Como era, por exemplo, o de Caio Fernando Abreu e o de Antonio Bivar (sim, eles também faziam humor). E como é, modestamente, o meu. Pelo menos é o tipo de humor que gosto de fazer e de consumir. Mas sei que a maioria dos humoristas e comediantes passam longe dessa minha idealizada elegância. Até porque, vamos combinar, por aqui elegância não vende. Não dá dinheiro. Ou, para ser ainda mais popular, não paga boleto. De uns tempos para cá todo mundo reclama que está tudo muito chato, que não se pode falar mais nada, que tem muito mimimi. A verdade é que nunca pode. Mas, como não havia limite - olha ele aí- todo mundo falava o que quisesse e quem se sentisse ofendido que desligasse a tevê ou simplesmente não fosse ao teatro. Só que o mundo evoluiu (pouco pro meu gosto) e as pessoas passaram a ocupar seus espaços na sociedade sendo quem são. E não querem mais, obviamente, ser alvo de chacota. Todo o humor que cresci assistindo era preconceituoso e discriminatório. Doía demais ver Jorge Dória dizer, referindo-se ao filho gay, “onde foi que eu errei” e todos a minha volta acharem aquilo engraçado. Quando a Terça Insana surgiu representou uma espécie de respiro. O humor que praticávamos dava voz aos discriminados, ao invés de deprecia-los. Vinha como uma renovação daquele velho humor que a televisão repetia há décadas: Da mulher gostosa e burra e da bicha estereotipada, por exemplo. Acho muito feio o que a maioria dos comediantes de stand up brasileiros faz, mas me limito a não consumi-los. Seria muita pretensão da minha parte querer que se calassem (Também acho feio o que a maioria dos fanqueiros e fanqueiras cantam). O humor sempre pôs o dedo nas feridas. Os bobos da corte eram pagos pelos reis para fazerem piadas justamente sobre eles, os reis. Acho um exagero, por exemplo, um humorista ser condenado à prisão por ter feito piadas preconceituosas no seu show. É claro que racismo, homofobia, misoginia e anti-semitismo são crimes. Que o processem, que lhe apliquem multas por danos morais, que tirem seu show da internet. Mas condenar à prisão acho desmedido. Lembra muito aqueles episódios ocorridos durante a ditadura militar, em que soldados invadiam teatros, batiam nos atores e os levavam presos apenas por discordarem do regime. Como aconteceu com o elenco de Roda Viva, que tinha no elenco artistas do calibre de Marília Pera e Zezé Motta, para citar apenas duas. Me pergunto o que seria de Dercy Gonçalves hoje em dia. Ou de Chico Anisio que, no auge do governo Figueiredo (o do prendo e arrebento) se dirigia diretamente a ele dizendo: Alô, João Batista? Salomé de Passo Fundo. E em seguida mandava ver nas críticas… Não quero de forma alguma comparar esses grandes artistas do passado com essa “galera do stand up” de hoje. Não há termos de comparação. O que me entristece é que, na minha humilde opinião, o humor perdeu a graça. Perdeu o requinte e a inteligência. Sutileza, então, nem se fala. Mas aí já seria querer demais. Dizem que rir é o melhor remédio e eu concordo. Acredito que realmente é. Mas que tal rirmos de nós mesmos ao invés de depreciar o próximo? Fica a dica... Na foto, a impagável Dercy torcendo a cara para o mau humor.
sexta-feira, 30 de maio de 2025
VUELVO AL SUR
De volta ao meu estado natal, o Rio Grande do Sul, para rever familiares e amigos e comemorar o aniversário de minha irmã Raquél… Já faz seis meses que estive aqui pela última vez. Em novembro do ano passado vim rapidamente a Porto Alegre mas, dessa vez, a viagem se estendeu a Soledade (minha terra natal) e também a Ametista do Sul, onde comemoramos o aniversário da Raquél. Minha irmã Rita, que mora nos Estados Unidos e eu não via há dez anos, veio também. Foi maravilhoso revê-la. (Antes de virmos para o sul ela ficou comigo alguns dias em São Paulo e curtimos um pouco da Pauliceia). Tudo foi muito emocionante, para dizer o mínimo. Revi Soledade, a fazenda do meu pai, meu sobrinho Henrique e sua esposa Camila, minha irmã Regina e meu cunhado Elimar e, para coroar a experiência, conheci a encantadora cidade de Ametista do Sul. Incrustrada em um vale repleto de pedreiras de ametistas, a cidade oferece inúmeras atrações culturais, gastronômicas e enológicas. Eu, que a princípio achei que teria medo de entrar em seus restaurantes e lojas subterrâneos, me surpreendi pela beleza natural dessas instalações... Em Soledade, a fazenda de meu pai, repleta de memórias da minha infância, está totalmente refeita e atualizada pela competente administração de Henrique e Camila. E minha cidade natal está bastante transformada pelo progresso que a desenvolve... Senti muito não ter tido tempo de rever meus amigos Soledadenses; mas espero poder regressar brevemente com tempo de rever a todos e, quem sabe, apresentar meu espetáculo no centro cultural de Soledade. Por falar nisso, em Porto Alegre estive com minha amiga Adriane Mottola e já acertamos a possibilidade de trazer meu solo Caio em Revista para seu teatro, o Estúdio Stravaganza, no segundo semestre. Revi alguns amigos queridos e visitei a exposição Carne, do fotógrafo Gilberto Perin, da qual faz parte uma foto minha que ele fez em 2018; também revi meu best friend fotógrafo Guto de Castro e, evidentemente, fizemos novas fotos que em breve postarei. (Numa fria manhã de outono, ele me fotografou de sunga em pleno parque da Redenção)…Volto para casa revigorado, feliz por ter voltado às minhas origens e, sobretudo, cheio de esperanças de retomar essa conexão. Que as diferenças - sejam quais forem - não ofusquem as semelhanças e identificações que nos unem a quem amamos. E que possamos caminhar juntos em direção ao bem comum da humanidade. Já deu pra perceber que desejo pouca coisa, não? Rsrsrs… Bom fim de maio a todos!
Na foto, entardecer na Fazenda Santa Rita em Soledade.
terça-feira, 20 de maio de 2025
ANDY FOREVER
Rever as obras de Andy Warhol é sempre bom e surpreendente. Esse fim de semana fui, com minha irmã Rita, visitar a exposição dele na Faap. Tirando o excesso de pessoas que lotavam as dependências da exposição, foi tudo lindo. Apreciar as obras de Warhol sempre foi e será um deleite para mim. Espécie de mago do pop, tudo o que ele tocava virava arte. Há quem discorde. Mas esses não contam para mim… Já conheço quase tudo, estive em várias exposições dele aqui no Brasil e também no exterior. Sem falar nas obras que compõem o acervo do Museu de Arte Moderna de Paris, no Beaubourg. Uma das minhas preferidas está lá: Ten Lizes. O rosto de Elizabeth Taylor reproduzido dez vezes em uma tela de fundo prateado de grandes dimensões. Adoro os desenhos que ele fez para revistas e grifes, as polaroides, os filmes em parceria com Paul Morrisey, os diários, a série da Netflix feita a partir dos diários e, sobretudo, o entourage, a galera que o cercava e que ele tratava de lançar ao estrelato. E, evidentemente, sua profecia já tornada realidade, de que todos no futuro teriam seus quinze minutos de fama… Apesar de ter me irritado com o excesso de pessoas que circulavam na exposição, não deixei de ficar contente de ver tanta gente interessada em arte. Saí de lá com a sensação de que nem tudo está perdido…
Nas fotos, as musas de Warhol Liza e Liz e Keith Haring na camiseta.
terça-feira, 6 de maio de 2025
HOMEM COM H
Me deixei levar pelo filme Homem Com H, cinebiografia de Ney Matogrosso com roteiro e direção de Esmir Filho, como quem embarca em uma viagem ao próprio passado. Como quem folheia um álbum de fotografias. Era a minha infância que eu via projetada na tela do cinema. Traduzida em sons e imagens. Logo no começo Ney aparece cantando no coral de que participava a canção Casinha Pequenina. Foi a música que toquei na minha primeira audição de piano no colégio das freiras em Soledade. Eu teria nove anos no máximo e tremia como vara verde. Mas nunca esqueci... A linda canção na voz de Ney abriu um portal sem volta para mim. O filme me abduziu. Não tenho críticas, só elogios. A interpretação de Jesuíta Barbosa encanta nos mínimos detalhes. Olhares. Gestos. Silêncios. Respirações. O personagem lhe caiu como uma luva. A direção de Esmir Filho, solar, moderna, traz à tona todas as experiências vividas por Ney de maneira intensa e, ao mesmo tempo, leve. Sobretudo gostosa de acompanhar. O roteiro é todo costurado por canções e shows que marcaram as diversas fases da carreira do cantor. Que eu, graças a Deus, tive o prazer de acompanhar. Me vi nos embates de Ney com o pai, na dificuldade que tinham de se relacionar, no carinho e proteção da mãe, no deslumbramento com que ele, ainda criança, assiste com ela à performance de Elvira Pagã no palco. Na descoberta da sexualidade, da capacidade de se expressar através da arte. Agradeço ao diretor Esmir Filho, sua homenagem a Ney Matogrosso homenageou também esse humilde fã do astro retratado no filme... E os garotos lindos que compõem o elenco? E a praia de Ipanema dos anos setenta e oitenta recriada pela direção de arte impecável de Thales Junqueira, que anima imagens imortalizadas pelas lentes de Alair Gomes? Demais para um senhor da minha idade, haja coração. Saí do cinema morrendo de vontade de voltar para assistir a tudo de novo... Ah, não deixem de prestar atenção em Augusto Trainotti, que faz Cato, o colega de Ney na aeronáutica. Ele já chamou a atenção como o soldado que acompanha a personagem de Fernanda Torres na cadeia em Ainda Estou Aqui. Além de um lindo rostinho que a câmera adora, ele tem muito talento como ator e bailarino... O primeiro show de Ney Matogrosso a que assisti foi Feitiço, no Teatro Leopoldina de Porto Alegre, em 1979. Depois perdi a conta de quantos outros assisti. O show Inclassificáveis assisti aqui em São Paulo e no Canecão, no Rio, na companhia dos saudosos Lidoka e Ezequiel Neves. Um dos que mais amei foi Beijo Bandido, no qual ele se apresentava com um terno branco cujo paletó tinha um forro de cetim vermelho. São muitas memórias ligadas a Ney Matogrosso, desde minha infância, quando ele surgiu com o Secos & Molhados sacudindo padrões e preconceitos, até os dias atuais. Graças ao amigo em comum que tivemos, o saudoso Ocimar Versolato, pude estar com Ney diversas vezes, não apenas em shows, mas tembém em festas do Ocimar e quando ele o levou para assistir à Terça Insana. Tenho uma caixa de CDs dele chamada Camaleão, com 17 álbuns de carreira e algumas raridades. Não paro de ouvir desde que voltei do cinema... O filme termina com a imagem impressionante do Ney Matogrosso atual e real se apresentando para uma plateia de milhares no show do Aliance Park aos 83 anos de idade. Mexe com a noção de passagem do tempo. Saí do cinema pensando que a transitoriedade, a impermanência das coisas e dos seres vivos pode ter diferentes extensões e durabilidades. Me lembrou uma frase do livro A Culpa é das Estrelas, de John Green, que diz: "alguns infinitos são maiores do que outros". É isso aí. Ney é infinito... Se você nunca viu rastro de cobra nem couro de lobisomem corre para o cinema pra assistir a Homem Com H.
Nas fotos, o cartaz do filme e Esmir Filho dirigindo Jesuíta Barbosa.
sábado, 26 de abril de 2025
LENA IN HEAVEN
O ano de 1987 começou com uma perspectiva muito excitante para mim: Estrear um espetáculo em São Paulo. Eu tinha vinte e três anos, estava cursando a faculdade de teatro em Porto Alegre e, se já não fosse o bastante, era um dos integrantes do elenco do Grupo Tear, sob a regência de Maria Helena Lopes. Eu, que conhecera São Paulo na infância - quando vim visitar meus tios e primos na companhia de meus avós - agora me encantava com a Sampa cantada por Caetano Veloso. Nas noites efervescentes do Bexiga meu walkman tocava Talking Heads. Heaven era minha canção preferida: Todos estão tentando chegar no bar. O bar se chama paraíso. No paraíso a banda toca minha música favorita… Nosso espetáculo se chamava Império da Cobiça. Tinha sido criado a partir de improvisações inspiradas pelo livro Memórias do Fogo, de Eduardo Galeano. Um processo longo e por vezes doloroso. Mas sempre estimulante e encantador. Errávamos muito. Mas quando acertávamos era um deleite. E a Lena, como a chamávamos carinhosamente, invariavelmente nos conduzia ao deleite. Era o mínimo que ela buscava… De São Paulo fomos para o Rio de Janeiro. Foi quando mais me aproximei dela. Fizemos coisas juntos, passeamos, demos entrevistas, fomos ao cinema. Lembro de ter assistido com ela ao filme Veludo Azul, de David Lynch, num cinema em Botafogo. Lena me contou que fizera uma edição própria do filme: Primeiro assistiu da metade para o fim e, na sessão seguinte, do início ao meio. Só ela… Uma das minhas maiores alegrias era fazê-la rir das minhas imitações das pessoas que conhecíamos ao longo da turnê. Era quando eu sentia que a agradava de verdade. Em cena eu sabia que às vezes deixava a desejar, iniciante que era… A primeira coisa que aprendi com ela foi a escutar. Acho que foi no primeiro dia de aula na faculdade. Nunca esqueci. Levei para a vida. (Imagino o que ela diria hoje nesse mundo em que todos só falam sem ouvir nada)… Outro ensinamento que nunca esqueci: Você tem medo, mas faz. Sempre que tremo na base antes de entrar em cena ou fazer o que for preciso na vida, lembro dessas palavras e não deixo o medo me paralisar. Sigo em frente (todo cagado, mas sigo)… Antunes Filho, outro grande gênio do teatro que já se foi, a reverenciava. Era no teatro dele, no Sesc Consolação, que Lena apresentava suas encenações em São Paulo. Antunes dizia que ela não era diretora, de tão boa que era ele a considerava diretor. E ela, feminista, batia pé na defesa de seu gênero: Sou diretora! Estou na praia, no litoral norte de São Paulo, onde vim passar meu aniversário. Foi no dia dos meus anos que eu soube, por uma rede social, que ela faleceu. Desde então uma sucessão de imagens, cenas, lembranças, me invadiram. Lena risonha e feliz montada na minha Vespa para tirarmos uma fotografia juntos na frente do teatro. Lena brindando seu aniversário numa festa surpresa que fizemos para ela na sala de ensaio. Lena nos mostrando Erté em um livro de arte. Lena no meu apartamento da rua Garibaldi para assistirmos a um filme no meu vídeo cassete. Lena me fazendo repetir incontáveis vezes a frase “quero o sangue e o reino” nos ensaios da peça já estreada; acho que nunca consegui dizer aquilo do jeito que ela queria (me perdoa, por favor, mesmo in heaven)… Memórias, não apenas do fogo, mas da terra, da água e do ar… Obrigado, Maria Helena Lopes, por tudo o que você fez pelo teatro gaúcho e nacional. Obrigado, especialmente, por tudo o que você fez por mim. Por ter me olhado com carinho e atenção; por ter tido paciência com minha juventude e despreparo; por ter assistido às minhas direções (ela que não assistia a quase nada e, quando assistia, quase nunca gostava); por ter me inspirado, me aberto os olhos e, sobretudo, por ter me estendido a mão… Meu walkman não existe mais. Choro enquanto escrevo esse post ouvindo Talking Heads à beira-mar nos fones sem fio do celular… “Há, no paraíso, uma festa e todo mundo está lá. Todos partirão ao mesmo tempo. Quando essa festa acabar, ela começará de novo. Não será diferente. Será exatamente igual. O paraíso é um lugar onde nada nunca acontece”… Tenho certeza que você vai sacudir o paraíso e fazer muita coisa acontecer. Siga na luz!
Na foto, Lena e Sergio preparam o brinde na festa suspresa que fizemos para ela na sala de ensaio.
segunda-feira, 14 de abril de 2025
ÚLTIMO SONHO
Fim de domingo com Almodóvar… Não me refiro a seus filmes, mas à leitura da obra O Último Sonho, uma coletânea de doze contos do cineasta espanhol. Sou fã de Pedro Almodóvar num grau meio difícil de mensurar, algo que beira a mais louca obsessão. Referindo-se a esse livro, ele diz ser o mais próximo que já chegou de uma autobiografia. Não há como não concordar, Almodóvar é quase sempre muito autobiográfico no que quer que faça. Mesmo quando não fala necessariamente de si mesmo: Pode ser da mãe, da Espanha, de uma cantora de boleros, de um livro que leu ou de algum filme a que assistiu. E eu, pela total identificação, quase sempre acabo acreditando que fala de mim. Como no conto Romance Ruim, no qual discorre sobre a vontade que tem de escrever um romance, ainda que não seja o romance ideal. Fala também da necessidade que sente de estar com pessoas e conhece-las, o que também me reflete bastante. Eu tenho essa necessidade e espero nunca vir a perde-la. Assim como a vontade de sair, de ver coisas, viver coisas, descobrir coisas novas e me conhecer melhor através delas. Ou pelo menos, como cantou Rita Lee, saber que “enquanto estou vivo e cheio de graça, talvez ainda faça um monte de gente feliz”… No fim de semana que hoje se encerra estive com amigos queridos, assisti a espetáculos de teatro, comemorei com minha amiga Pilly Calvin, que há anos não encontrava, o seu aniversário. Saí da minha rotina de novo idoso, me sacudi, me testei, descobri limites e restrições. Nada que me impeça de ir em frente. Gosto muito da vida, de estar nela. Dia desses, visitando minha amiga e "ídola" Cida Moreira, que se recupera de uma lesão no braço, enquanto conversávamos cheguei à conclusão de que tenho (temos) uma conexão com a vida. Com o estar vivo. Acordar pela manhã e ser grato por estar ali. Pelo dia que começa. Pela luz do sol de outono que invade a janela. Isso. E muito, muito mais… Meu aniversário se aproxima e eu, taurino que só, me ponho a contar os dias e a comemorar antecipadamente. Que a nova idade que chega me dê mais vontade de estar vivo. Apesar de. Além de. Através de. E sobretudo…. Quando digo que não me refiro aos filmes, mas à leitura do livro, minto. Na semana que passou revi O Quarto ao Lado, que agora está disponível na Netflix. Mesmo sem o impacto da grande tela do cinema o filme mantém sua força. E muito do que escrevo agora também é fruto de te-lo revisto. Como podem perceber, Pedro Almodóvar me influencia sempre e de todas as maneiras… Bon avril à tous!
Na foto, a capa de O Último Sonho.
quarta-feira, 9 de abril de 2025
MACÁRIO
Volto aos posts relativos às minhas direções em teatro. Achei que já tinha escrito aqui sobre todas elas, mas me dei conta de que faltaram algumas… Meu trabalho de conclusão do curso de direção na faculdade de Artes Cênicas da Universidade Federal do Rio Grande do Sul foi uma adaptação do Macário, de Álvares de Azevedo, no segundo semestre de 1989. Eu já tinha feito muito sucesso com meu trabalho anterior, a Lisístrata de Aristófanes, que me rendeu os prêmios Açorianos e Sated de melhor diretor e o troféu Scalp de teatro. Decidi então fazer algo mais cult, low profile, para poucos mesmo. Apenas três apresentações, à meia-noite, no teatrinho do Dad, do qual retirei algumas poltronas para limitar ainda mais o número de espectadores. Para o papel título escalei o então iniciante Fernando Washburger, que despontava como promessa de jovem ator. No papel de Satã, o antagonista, a talentosíssima Lucia Serpa e, se desdobrando em todos os personagens femininos, a não menos talentosa Ciça Reckziegel. Explorando todo o espaço cênico e a plateia, minha encenação tinha marcações nada realistas. O que conferiu um certo ar expressionista/pós-moderno ao espetáculo. (Eu estava numa fase Gerald Thomas/Bob Wilson, buscando o teatro de imagens, mais experimental e menos popular, digamos assim). Muito dessa atmosfera devo creditar à incrível iluminação concebida pelo saudoso Hermes Mancilha. Com pouquíssimos refletores e uma criatividade sem limites, ele transformou em sonho tudo o que tocou. E em realidade tudo o que sonhei... A peça teve a participação de Guto Vilaverde, nu, em uma inusitada Pietá nos braços de Ciça Reckziegel. Marlene Goidanich se encarregou da preparação vocal e da belíssima sonoplastia. Meu professor orientador foi o querido Beto Ruas, de quem guardo lembranças de muita identificação e afeto. Minhas colegas Nora, Ilana e Lucia me ajudaram na produção e Nora se encarregou dos figurinos. Infelizmente não tenho nenhum registro do espetáculo. Quem viu, viu. Antonio Holfeldt fez uma inspirada crítica no jornal Correio do Povo, falando de Macário e da importância do DAD/UFRGS. Claudio Hemmann assistiu, assim como várias celebridades locais. A diretora Bia Lessa, que estava em cartaz na cidade, foi assistir e, depois da peça, disse que tinha achado o diretor “um gatinho”, o que me deixou lisonjeado rsrsrs… Gosto muito deste meu trabalho, como diretor é um dos meus preferidos. Uma pena que não tenha sido gravado nem fotografado. Mas, como tudo na vida é transitório, a própria vida inclusive, registro aqui como tentativa de preservar a memória dos meus espetáculos.
Nas fotos, o programa do espetáculo; feito artesanalmente como quase tudo o que fazíamos à época; nosso teatro, inclusive.
segunda-feira, 31 de março de 2025
TEATRO DOS BONS
Ontem fui assistir pela segunda vez a O Antipássaro, espetáculo solo do ator Nilton Bicudo, com textos da poeta Orides Fontela e direção de Elias Andreato. Nesta nova temporada no Teatro Ágora há uma pianista executando ao vivo a belíssima trilha sonora. O que já era bom ficou ainda melhor. Niltinho exala talento pelos poros. Sua entrega ao texto e ao teatro em si é extremamente tocante. Nunca fui muito fã de poesia, ainda mais no teatro. Mas ele se apropria com tamanha força das palavras de Orides que elas nem soam como poemas, mas como grandes verdades que tocam a plateia e calam fundo nos que se permitem aprecia-las. Além de dizer os poemas, Nilton também dá voz à própria Orides com falas extraídas de entrevistas que ela deu para a televisão em programas como o de Jô Soares, por exemplo. É quando o ator acrescenta delicadas doses de humor ao lirismo do espetáculo. Nisso, diga-se, ele é mestre. Vide a sua inesquecível performance em Myrna Sou Eu, outro solo em que dava vida ao pseudônimo feminino de Nelson Rodrigues. Esse Antipássaro é uma pequena joia ornada das mais belas filigranas. A noite de domingo e o mês de março foram encerrados de maneira brilhante... Na quinta-feira fui assistir a Não Me Entrego, Não, espetáculo do ator Othon Bastos, que impressiona pela vitalidade e lucidez aos noventa e um anos de idade. Desde que entra em cena e é imediatamente aplaudido até o final de quase duas horas de peça, ele dá um show de carisma e talento puro. Com roteiro e direção de Flávio Marinho, o espetáculo revisita a longa e profícua carreira deste grande ator dos palcos, da televisão e do cinema. Uma aula de cultura brasileira. E a agradável sensação de que a passagem do tempo a tudo melhora... Tão bom quanto fazer teatro é assistir a teatro dos bons, como esses dois inesquecíveis espetáculos que tive o prazer de ter ido essa semana. Longa vida a O Antipássaro e a Não Me Entrego, Não!
Nas fotos, Niltinho e Othon bastos recebem os merecidíssimos aplausos.
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