segunda-feira, 8 de dezembro de 2025

DEZEMBRE-SE

Ainda não havia saudado a chegada do mês de dezembro, de tão inebriado que ainda estou pelos dias felizes que vivi em Porto Alegre. Então vamos lá: Bem-vindo, mês de dezembro! Esse que tem sido um dos meus meses preferidos do ano, só perdendo para abril, evidentemente, que é o mês do meu aniversário. Em dezembro a gente finalmente percebe que o que tinha de acontecer no ano já aconteceu. Ou não. E se não aconteceu é porque não era o caso. É também quando se faz um balanço do ano. Para mim, o saldo desse balanço é invariavelmente positivo, posto que sou uma pessoa otimista, que foca no que deu certo. Dezembro marca também o início do verão, essa que já foi em outros tempos minha estação preferida. Agora sou mais dado a meios termos, como outonos e primaveras... Gosto mais de mim em dezembro, acho que me torno uma pessoa melhor. Ao olhar para trás analisando o ano que termina percebo que cresci em diversos aspectos. E que ainda tenho muito para crescer e aprender, malgrado o fim que se aproxima. Hoje pela manhã na academia, ao cumprimentar um colega que não via há semanas, eu disse: Que bom que chegamos até aqui! Ao que ele respondeu: Um ano a menos, agora não é mais um ano a mais... Fiquei pensando sobre o que ouvi e respondi em seguida: Se a gente for pensar assim, é um ano a menos desde que nascemos... Meu otimismo ainda me surpreende rsrs... É claro que quem, como eu, já passou dos sessenta, não tem mais a vida inteira pela frente. Mas ainda tem um bom bocado! Eu sigo vivendo um dia de cada vez. E toda manhã, ao acordar, agradeço a Deus por estar vivo, por viver mais um dia com saúde e feliz. Se for o último, paciência. Não há muito que se possa fazer quanto a isso... Voltando ao mês de dezembro, sempre me dedico a fazer certas coisas em casa nessa época do ano. Como limpar a cristaleira que herdei da minha mãe, assim como todos os copos, taças e objetos que ela abriga no seu interior. É todo um ritual: Coloco uma música para tocar, tiro tudo de dentro, limpo as prateleiras e os vidros, lavo tudo e recoloco tudo de volta no seu devido lugar. É claro que a cada ano os lugares das coisas mudam rsrs. Mas a gente também não muda a cada ano que passa? Enquanto faço isso vou lembrando dos dezembros da minha infância, quando eu entrava de férias e passava a frequentar a piscina do clube; quando meu pai mandava pintar a casa; quando nossa vizinha Doroty, que era professora de artes, vinha pintar motivos natalinos com tinta guache no vidro da porta da nossa casa; e quando toda a minha rua, a principal da cidade, era ornamentada com luzinhas coloridas que ziguezagueavam da entrada da cidade até a Vila Ipiranga... Tenho quase certeza de que já contei tudo isso aqui no blog. O que não deixa de ser também mais um ritual de dezembro. Agora que estou encerrando o post me dou conta de que hoje é o dia de Nossa Senhora da Conceição, dia que minha mãe montava a árvore de Natal. Ou o pinheirinho, como dizíamos no sul. E para terminar citando Caio Fernando Abreu, "olhando essas antigas fotografias me dou conta de que a árvore não era dessas de plástico de hoje em dia, mas de pinheiro autêntico"... Desejo um excelente mês de dezembro a todos! Na foto, Caio Fernando Abreu e seu irmão, que ilustra o texto Torturas de Natal, da Revista AZ, que faz parte do meu solo Caio em Revista.

terça-feira, 2 de dezembro de 2025

40 ANOS BLUES

Estou no aeroporto de Porto Alegre esperando para embarcar no voo que me levará de volta a São Paulo. Os dias que passei aqui foram plenos, iluminados, cheios de emoção e de reencontros há muito esperados. Voltar a me apresentar na cidade com um espetáculo meu, cumprir uma temporada - ainda que curta - em cartaz, fechou um ciclo de quarenta anos desde a minha estreia profissional no teatro que foi justamente aqui, na Porto Alegre da minha juventude. Comemorar esses quarenta anos de teatro junto a todos que estiveram comigo nessa caminhada, nos mais diversos elencos, colegas, professores e diretores, meus familiares que sempre me apoiaram, minha irmã Raquél que me recebe em sua casa, minha amiga Adriane Mottola que me abriu as portas do seu encantador teatro Estúdio Stravaganza (temo agradecimentos mais específicos porque sempre me fazem correr o risco de deixar alguém de fora, traído que já começo a ser por minha memória de idoso) é algo imensurável e que não tem preço. Para completar, a cidade se fez bela, luminosa, com dias ensolarados e noites frescas, o parque da Redenção verde e florido, uma primavera na medida para quem, como eu, há muito tempo não a desfrutava por tantos dias seguidos (foram vinte dias no total). O avião ainda nem decolou e já estou morrendo de saudades e de vontade de voltar… Para terminar citando Beckett, oh dias felizes! Na foto, eu totalmente em êxtase após a estreia de Caio em Revista em Porto Alegre.

domingo, 23 de novembro de 2025

CAIO IN POA

Escrevo ainda sob o impacto da estreia de Caio em Revista aqui em Porto Alegre. Trazer esse espetáculo para a capital gaúcha me enche de alegria por vários motivos. Dentre eles, mostrar para os admiradores do Caio romancista e contista que ele se permitia ser leve e bem humorado quando se dedicava às crônicas de revistas. Os que tiveram, como eu, a sorte de privar da sua companhia e amizade, sabem que ele era uma pessoa divertida e agradabilíssima na convivência com os amigos. Isso eu consegui com este espetáculo. Me lancei em "longa e minuciosa pesquisa" - para citar seu alterego feminino Nadja de Lemos - na qual folheei incansáveis exemplares das revistas AZ e Aroud, de Joyce Pascowitch, para as quais ele colaborou com a inspiração e genialidade que lhe eram peculiares. Depois de muitas crises de rinite consegui reunir esse precioso material com o qual agora presenteio o público gaúcho nessa comemoração dos meus quarenta anos de teatro. O impacto a que me referi no começo do post nada mais é do que a incontida emoção que me inundou na noite da estreia, quando tive o privilégio de ser assistido e aplaudido por amigos queridos, colegas, professores e familiares. Abraçar pessoas que não via há muitos anos me encheu de felicidade. Andava carente desse contato, desse afeto que transborda de maneira sincera e natural. Hoje está fazendo um atípico domingo de primavera cinza, com ventos fortes que fazem assobiar as janelas. Estive pela manhã passeando com minha irmã Raquél pela praia de Ipanema, na zona sul de Porto Alegre, e os tons plúmbeos da paisagem me remeteram a terras distantes, memórias de outros tempos e situações. Logo mais, às dezoito horas, farei a última apresentação desse primeiro fim de semana da temporada. E, na semana que vem, faremos mais três apresentações na sexta, no sábado e no domingo. Espero rever ainda muitos amigos e conhecer novos gaúchos antes de voltar à Pauliceia. Vocês já sabem, mas não custa relembrar: Caio em Revista, meu espetáculo solo que tem direção de Luis Artur Nunes, está em cartaz no Estúdio Stravaganza, sexta e sábado às 20 horas e domingo às dezoito. Os ingressos estão à venda no Sympla e no local. Na foto, eu e o cartaz de Caio em Revista na frente do Estúdio Stravaganza.

domingo, 16 de novembro de 2025

GAY PORT

O escritor gaúcho Caio Fernando Abreu costumava se referir carinhosamente à sua querida Porto Alegre com essa alcunha: Gay Port. Gay não apenas no sentido alfabético-militante (lgbt etc.), mas também no literal, de alegre mesmo. É assim que tenho percebido a cidade desde que aqui aportei: Alegre, intensa, florida, plural e colorida. Inclusiva, inclusive. Vim para a estreia (no próximo dia 21) de meu espetáculo solo Caio em Revista, com o qual comemorarei meus quarenta anos de carreira no teatro. Adoro a cidade nesta época do ano. Jacarandás em flor pintam e bordam de roxo suas ruas. A Feira do Livro agita a Praça da Alfândega e arredores. Tive o prazer de estar presente em dois lançamentos de livros dedicados à memória do teatro gaúcho: Por Uma Crítica Expandida da Cena, de Airton Tomazzoni, e Grupo de Teatro Província - Memórias, do meu amado diretor e amigo Luis Artur Nunes. As sessões de autógrafos na praça são precedidas de uma pequena explanação dos autores sobre as obras nas dependências do Clube do Comércio, belíssimo exemplar do estilo art-déco que se debruça sobre a Praça da Alfândega e seus jacarandás. Uma pena que esse tesouro não esteja adequadamente preservado... Revi amigos queridos que há muito não encontrava e colegas de profissão que há séculos eu não via. Tenho aproveitado as manhãs para caminhar no Parque da Redenção, lugar intimamente ligado às minhas memórias da juventude. Na semana que vem começo a ensaiar minha peça no teatro, o Estudio Stravaganza, da minha amiga Adriane Mottola, que "importou" de São Paulo o meu espetáculo para finalmente mostrá-lo aos gaúchos. Nem preciso dizer o quanto estou feliz & animado com esta curta temporada que me traz de volta aos palcos gaúchos depois de seis anos sem me apresentar por aqui. Aqui onde tudo começou. Aqui para onde sempre volto. Que esse porto seja para sempre alegre! Em todos os sentidos... Nas fotos, alameda de palmeiras no Parque da Redenção e o art-déco da entrada do Clube do Comércio.

sexta-feira, 31 de outubro de 2025

AVE NOTURNA

Eu amo os animais. Em vários aspectos eu acho que eles são melhores do que nós, os pretensiosos humanos. Aliás, como já afirmei aqui no blog, amo cada vez mais os animais. Não apenas a Lina, minha gatinha, mas o reino animal como um todo. O que não gosto é de barulho. E tem uns sabiás que me incomodam muito! Rsrs. Adoro, por exemplo, o canto do bem-te-vi: harmônico, melódico, uma musiquinha feliz em tom maior. Já o do sabiá é atonal, dissonante, quase dodecafônico. Uma vez ou outra, vá lá. Mas aqui onde moro eles cantam o dia inteiro, incluindo a madrugada. Em um cantinho do prédio ao lado, que dá bem na janela do meu quarto, tem um ninho deles. Desde que moro aqui, há quase trinta anos, já vi muitos ficarem com as peninhas todas brancas e serem substituídos por novos integrantes da família. Como também já afirmei aqui, sou um velho chato e rabugento que reclama de tudo o que me perturba os ouvidos. Dia desses um deles me acordou em plena madrugada, acho que não eram nem três e meia, cantando a plenos pulmões. Era tão intenso o seu cantar que acabei achando engraçado, bonitinho, não consegui me irritar. E ri sozinho na cama pensando: esse sabiá deve ter transado! Essa animação toda nesse horário só pode ter sido em consequência de um orgasmo rsrs… Tadinhos dos sabiás! Devem andar perdidos com todas essas alterações do clima, primaveras que se parecem com outonos, invernos que lembram verões. Eu os amo também, só quis tirar alguma graça da situação. Perco a Luiza Mel, mas não perco a piada…

quarta-feira, 22 de outubro de 2025

ALÉM DO HORIZONTE

Acordei às quatro horas da manhã para ir ao hospital, onde seria acompanhante de um amigo em um procedimento cirúrgico. Ainda não tinha amanhecido quando cheguei, no horário marcado, às cinco horas. Depois de preencher todos os documentos necessários para a internação, fomos conduzidos a uma sala onde, isolados por uma cortina de plástico, ele despiu suas roupas, vestiu aquele avental constrangedor que deixa a bunda de fora e me entregou todos os seus pertences. Durante o tempo em que ficamos nesse “cercadinho” cortinado conversamos sobre diversos assuntos (não nos víamos há meses) e colocamos a conversa em dia. Distraídos pela conversação fomos surpreendidos por uma luz que invadiu o recinto vinda da janela. Era o sol, que finalmente surgia por trás dos edifícios que desenhavam o skyline da cidade. A vida nos grandes centros urbanos acaba nos privando desses espetáculos diários da natureza: um nascer ou pôr de sol, uma noite estrelada, um horizonte que se estende ao infinito. Me levantei da cama onde estava sentado e mirei pela janela esse momento de pura inspiração em meio à fria e pragmática manhã de primavera. Um funcionário veio, acomodou o meu amigo em uma maca e o levou para a sala de cirurgia. Me despedi dele desejando-lhe boa sorte. Fui até a cafeteria do hospital para fazer meu desjejum e, enquanto tomava minha xícara de café, fiquei pensando em como eu estaria me sentindo se estivesse no lugar dele. Me imaginei percorrendo corredores, entrando e saindo de elevadores, sempre deitado na maca a olhar para o teto. Vi diversas luzes passando sobre a minha cabeça. Eu estaria calmo ou nervoso? Tranquilo ou com medo? Acho que certamente estaria rezando... Também faço isso quando vou ao teatro assistir ao espetáculo de algum colega: Quando soa o terceiro sinal e as luzes se apagam, fico imaginando como será que ele está se sentindo na coxia, minutos antes de entrar em cena. E como eu estaria, se estivesse no seu lugar. Da mesma forma quando vou me despedir de alguém no aeroporto: No momento em que a pessoa some após ultrapassar a catraca me imagino no lugar dela indo embora pra qualquer lugar… É interessante a gente sair de vez em quando da nossa vida e se projetar na vida de uma outra pessoa. Talvez seja um vício, uma deformação profissional, já que é isso o que faço há pelo menos quarenta anos trabalhando no teatro. Mas é um exercício estimulante e ao mesmo tempo agradável. Sobretudo nos ajuda a compreender o outro antes de simplesmente julgar, por exemplo. Sem falar que faz com que a gente se conheça mais e melhor… Agora o sol já está alto e eu sigo esperando o meu amigo sair da sala de cirurgia. Esperar é outra atividade interessantíssima na qual sou bastante treinado. E também faz um bem enorme. Mas isso já é assunto para uma outra postagem… Mais um tempo se passou e já estou na minha casa, assim como meu amigo já está na casa dele. O procedimento foi um sucesso, ele nem precisou ficar hospitalizado, esperamos apenas algumas horas até ele receber a alta. Nesse tempo conversamos ainda mais e matamos a saudade. Uma brecha no cotidiano atribulado da grande metrópole, onde para encontrar um amigo é toda uma questão de disponibilidade de agendas… O entardecer eu vi daqui mesmo, da janela do meu apartamento. Com uma agradável sensação de dever cumprido. Com amor! E, lembrando os versos de Roberto Carlos: Além do horizonte existe um lugar bonito e tranquilo pra gente se amar...

sexta-feira, 17 de outubro de 2025

LÁ EM NOVEMBRO…

O mês de outubro já está na segunda quinzena e eis-me aqui a postar pela primeira vez... É que já estou com a cabeça lá em novembro, em Porto Alegre, onde irei comemorar meus quarenta anos de teatro apresentando meu solo Caio em Revista no Estúdio Stravaganza. Já vejo jacarandás em flor pintando de roxo as ruas do Centro e do Bom Fim. Ah, o Bom Fim! Bairro onde vivi toda a minha juventude... Ouço Ney Lisboa no iPad, no iPhone, o tempo todo no modo repeat: Minha gata não insista, Disneylândias não vão nos levar ao céu... A Feira do Livro ocupando a Praça da Alfândega, livros à mancheia. Memórias de um tempo que já não sei se existiu de fato ou se fantasio na minha imaginação de new old man. E, depois da meia-noite, a fauna ensandecida do Ocidente... Os palcos em que subi na capital. Renascença, São Pedro, Bruno Kiefer, Leopoldina, Câmara, Bourbon. Meus colegas e amigos, mestres, diretores. Lembro em flashs, cheios de carinho e saudosismo, o que fiz, o que vivi, o que experimentei. Marcelo et moi tomando chopps no Líder em plena segunda-feira. As aulas de acrobacia da Wal. As entrevistas para Tania Carvalho, Mery Mezzari, Ivete Brandalize, Ruy Carlos Osterman... Incontáveis pores de sol, os saudosos Ivo Bender e Tatata Pimentel, happy hours com Miriam Ribeiro, Ida Celina e Paulo Vicente. Os pedalinhos no lago da Redenção... Porto Alegre me mostrou as inúmeras possibilidades que a pequena Soledade me escondia. Nunca vou esquecer as noites do Bom Fim, os bares da Osvaldo Aranha, os projetos Seis e Meia e Pixinguinha, a Reitoria da UFRGS, a UFRGS em si, minha escola de teatro prestes a desabar desde os anos oitenta do século passado até hoje em dia. Meus amigos, namorados, namoradas & amantes. Minhas fantasias e meus sonhos realizados. O Espaço IAB! O Teatro da Assembleia, o estúdio de gravação do Bira Valdez, o Bira em si, com seu charme, talento e delicadeza, o apartamento térreo da Claudinha Meneghetti na Travessa Cauduro, o primeiro comercial que fiz na vida, da Casa dos Gravadores, gravado no recém-inaugurado Shopping Iguatemi, o Claudinho descendo a escada do Fim do Século do jeito que quisesse... Minha Vespa subindo e descendo veloz a Protásio indo e vindo do Porto de Elis. As noites de verão no Escaler e no Luar Luar, meus shows com a Marione no Richard Arte & Café, a luz da Marguinha sempre botando tudo pra cima... Estou contando os dias, mal posso esperar! Ingressos à venda no Sympla! Aloka... Na foto, meu saudoso amigo Marcelo Pezzi e os jacarandás em flor da janela do meu quarto no Bom Fim.

sábado, 20 de setembro de 2025

QUARENTÃO NO TEATRO

No ano de 1985 eu estreava profissionalmente no teatro em Porto Alegre com o espetáculo infantil Greg, o Grissauro. Com autoria e direção de Alderico Nogueira (por onde anda?) a peça trazia no elenco Adriane Mottola, Paulo Vicente, Marione Reckziegel, Cibele Sastre e o iniciante Roberto Camargo (moi). Completo, portanto, nesse ano da graça de 2025, quarenta anos de carreira! Se isso por si só já não fosse o bastante, vou comemorar a efeméride levando meu espetáculo solo Caio em Revista para Porto Alegre, cidade que me viu brotar como ator e diretor de teatro. E a responsável por essa minha micro-temporada de duas semanas na capital gaúcha é minha colega de elenco de Greg, o Grissauro, Adriane Mottola. Além de me abrir as portas de seu teatro - o Estúdio Stravaganza - Adriane será a responsável pela produção local. Um luxo, um inestimável presente para essa minha comemoração, viva, viva! Sou todo gratidão a Adriane e à sua Companhia Stravaganza... Meu diretor Luis Artur Nunes também está comigo desde os primórdios da minha vida teatral. Foi meu professor no Departamento de Arte Dramática da UFRGS, meu diretor em A Fonte, fui seu assistente de direção em vários espetáculos e agora, nesse Caio em Revista, retomamos nossa parceria teatral. E daqui de São Paulo, sempre comigo na retaguarda, tenho o auxílio luxuoso de Patricia Vilela. Sem ela esse projeto não teria saído do papel... O teatro tem esse poder de unir pessoas formando uma espécie de família, paralela à biológica. Devo dizer que ao longo desses quarenta anos de profissão fui me unindo a tantas pessoas queridas que hoje já tenho uma grande família... Como não me apresento em Porto Alegre desde 2019, quando estive com a Terça Insana no Teatro São Pedro, estou morrendo de saudade de pisar nos palcos gaúchos novamente. Conto com a presença de todos os amigos, colegas, fãs, seguidores, familiares, crushs e ex-amantes (rsrs) para lotar as dependências do Estúdio Stravaganza nos dois últimos finais de semana de novembro. Que eu siga fazendo teatro por, pelo menos, mais quarenta anos. E que ele siga unindo as pessoas e fazendo-as cada vez melhores. Vejam só a minha pretensão! Rsrsrs... Foi em Porto Alegre que tive a base da minha formação teatral, tanto na universidade quanto no mercado de trabalho. Tive mestres aos quais serei eternamente grato como Ivo Bender, Maria Helena Lopes, Luis Artur Nunes, Irene Brietzke, Graça Nunes, Alziro Azevedo, Sandra Dani, Beto Ruas, Flavio Mainieri e Marlene Goidanich. Tive o prazer de trabalhar com colegas inesquecíveis que não poderei citar aqui porque não caberia no espaço do post. E também porque não gostaria de deixar ninguém de fora. São muitas as boas lembranças... Quando, há quarenta anos, Alderico Nogueira me convidou para fazer parte do elenco de Greg, o Grissauro, lembro que não acreditei que já na minha estreia no teatro eu seria colega de Adriane Mottola, de quem eu já era fã desde que a vira em cena no espetáculo Guernica, de Arrabal, com direção de João Carlos Castanha. Depois eu a dirigiria na minha montagem de Lisístrata, mas isso já é uma outra história. Obrigado, Adriane, por me proporcionar esse presente de quarenta anos de teatro! Nas fotos, a equipe de Greg, o Grissauro e eu em cena de Caio em Revista.

quarta-feira, 17 de setembro de 2025

PAPEL PRINCIPAL

Não, não fui contratado para protagonizar um espetáculo, filme ou série. O título do post se refere à belíssima exposição Re-Selvagem - Natureza Inventada, da artista visual francesa Eva Jospin, que visitei ontem à tarde na não menos bela Casa Bradesco. Instalada na Cidade Matarazzo, a Casa Bradesco é um complexo cultural - ou um centro de criatividade, como ela própria se define - que comporta livraria, café e lindas salas de exposição. É tudo tão bonito que a visita valeria a pena mesmo se não houvesse exposição alguma. Mas voltando à exposição, Eva Jospin transporta o visitante para um mundo paralelo (ou perpendicular) ao mesmo tempo ancestral e futurístico. Ao adentrar esse ambiente mágico de florestas e formas arquitetônicas feitas totalmente de papelão a gente se percebe transitório e perene; se dá conta das milhares de árvores, florestas inteiras que foram extintas para que todo o papel do mundo fosse fabricado; e por fim o vê (o papel) novamente transformado nas árvores e florestas que extinguiu. A exposição mexe com a nossa noção de proporção e de longevidade. Outra curiosidade: ela se impõe ao visitante com uma atmosfera de silêncio e reflexão, quase de adoração do que é visto. Como se a gente estivesse em um templo sagrado. Como se viajasse no tempo. O que é muito bem vindo, principalmente quando a gente sabe que está a uma quadra da Avenida Paulista, em plena tarde de terça-feira, entre um compromisso diário e outro e que um trânsito infernal nos espera na saída. É isso o que quis dizer ao afirmar que a exposição de Eva Jospin transporta o visitante para um mundo paralelo. E nesse mundo paralelo, criado pela artista com enorme talento e criatividade, o papelão tem papel principal, o que justifica o título da postagem. Preciso acrescentar que fiquei muito tocado pela obra. Emocionado, mesmo. Sem falar nos imensos painéis bordados em seda, linho, cânhamo e algodão que revestem as paredes de todo o andar superior, a sua "Chambre de Soie", que foi cenário para a coleção AW21 da Maison Dior... Um raro momento de plenitude e graça em meio ao caos do cotidiano é o mínimo que essa bem-vinda exposição nos proporciona. E, como se não bastasse, às terças-feiras a visita é gratuita. O que você está esperando? Nas fotos, uma pequeníssima amostra da grandeza e beleza da exposição.

terça-feira, 9 de setembro de 2025

SO LONG, RO RO

Quando Angela Ro Ro lançou seu primeiro álbum, que tinha apenas seu nome como título, fiquei imediatamente encantado. Além de excelente cantora, ela também assinava todas as composições e tocava piano. Suas canções belíssimas, intensas e carregadas de um romantismo exacerbado calaram fundo no meu coração. Eu tinha quinze para dezesseis anos e já era um romântico de carteirinha. As fotos da capa e da contracapa do disco a mostravam belíssima, lembrando muito Maysa - não apenas pela aparência mas também pela voz grave e rouca. O primeiro show dela a que assisti foi em Porto Alegre, no saudoso Teatro Leopoldina. No palco ela revelava uma outra faceta, não menos encantadora: Era extremamente engraçada. Dali em diante perdi a conta de quantos shows da cantora fui assistir. Além das canções, que eu escutava em casa até quase furar os LPs, o que me fazia ir vê-la no teatro era sua verve cômica. Angela falava quase tanto quanto cantava e o que falava era sempre divertidíssimo (principalmente quando fazia o outing de colegas cantores e cantoras que não se assumiam) e brilhantemente inteligente. Até hoje rio quando lembro de um show dela a que assisti no Teatro Rival, no Rio, no qual ela contou que certa feita o cantor Agepê deu em cima dela e ela o situou dizendo: Pô, Agepê, qual é! Sou eu, Angela Ro Ro! Adorável… Seu segundo álbum, Só nos Resta Viver, é um dos meus preferidos. Ele traz ao mesmo tempo a Angela intensa, romântica, desbragada e sua faceta gaiata, leve e debochada em composições como Meu Mal é a Birita, Blues do Arranco e Tango da Bronquite. Sem falar na regravação do clássico de Nelson Gonçalves Fica Comigo Essa Noite, que lhe caiu como uma luva... O terceiro álbum, Escândalo, é uma obra prima. Desde a capa em formato de jornal sensacionalista até a canção título que Caetano Veloso compôs especialmente para ela. Ela era verdadeiramente um escândalo. De talento e de personalidade. Paro nesses três, para que o post não fique interminável. Mas eu seria capaz de discorrer sobre todos eles por laudas e laudas. Que lástima ela nos deixar assim, tão cedo. Em tempos de longevidade setenta e cinco anos é cedo sim. Ainda mais para uma artista do quilate de Angela Maria Diniz Gonçalves... Infelizmente não tenho foto com ela, nunca fomos apresentados, não fizemos nenhum trabalho juntos e ela morreu sem saber que eu existia. Queria tanto poder ter dividido com ela uma boa mesa de bar! Ainda assim, sua importância na minha vida foi enorme. E continuará sendo. Grande cantora, compositora, pianista, enterteiner, one woman show... Termino clamando aos céus: Senhor, pare de levar embora os artistas, esses seres iluminados que nos fazem transcender a mediocridade da existência. E, citando a própria: “Quem dera pudesse a dor que entristece fazer compreender; os fracos de alma, sem paz e sem calma, ajudasse a ver que a vida é bela, só nos resta viver”... Ainda bem que o legado de Angela Ro Ro ficará para sempre. Assim como as canções, como as paixões e as palavras… Nas fotos, Angela na capa do primeiro LP e o ingresso do show Só nos Resta Viver no Teatro Leopoldina.

sexta-feira, 5 de setembro de 2025

PENSAMENTOS À BEIRA DE

Entrei o mês de setembro do jeito que gosto: Junto ao mar. Mais especificamente junto ao mar de Camburi, no litoral norte de São Paulo, onde não ia desde o meu último aniversário no mês de abril passado. Quem me conhece e segue o blog já deve saber que a combinação mar, eu, música e álcool resulta em reflexões (nem sempre relevantes), que são os meus pensamentos à beira de. Um dos temas recorrentes é: por que morar na capital e não no litoral? Dúvida que me persegue há quase trinta anos! Por mais que reflita, não consigo chegar a uma conclusão que me faça deixar a metrópole e virar um caiçara... Nessa minha temporada praiana refleti sobre o meu suposto transtorno do espectro autista. Digo suposto porque foi diagnosticado por mim mesmo. Tenho cada vez mais certeza de que me enquadro no espectro. Mas calma, me diagnostiquei no nível um. Felizmente consigo, ainda que a duras penas, ter uma vida social. Mas os barulhos das outras pessoas me incomodam cada vez mais. Na praia eles me irritaram e desviaram minha atenção até do barulho do mar, que amo. Eles estão em toda parte. São pessoas que falam um tom acima do aceitável, crianças que gritam, músicas num volume muito alto, martelos e furadeiras, motocicletas com escapamento aberto e até mesmo (pasmem!) pássaros que cantam sem parar... Fora isso, também refleti sobre o meu leve alcoolismo. Digo leve porque consigo administrar minha adição alcoólica também no nível do social. Procuro beber somente nos finais de semana, exceção feita às viagens, como foi o caso dos dias que passei na praia. Impossível não beber todos os dias quando se está junto ao mar… E bebendo e me irritando com os barulhos alheios e refletindo sobre diversos temas (nem sempre relevantes, como falei) os meus dias junto ao mar passaram voando! Tomara que eu possa voltar logo para lá... Agora estou de volta a São Paulo, na minha casa, diante da tela do computador e já morrendo de saudade dos entardeceres de tirar o fôlego que contemplei no litoral. E louco para ir conhecer , amanhã à noite, o teatro Cultura Artística restaurado após o incêndio que o devastou. Coisas da cidade grande... Bom mês de setembro a todos! Na foto, o mar de Camburi visto de uma das alamedas que nos conduzem até ele.

domingo, 31 de agosto de 2025

AGOSTO QUE FINDA

O mês de agosto que hoje finda nos levou Luis Fernando Veríssimo. Grande escritor, talento enorme, incomensurável. Humor preciso, inteligência refinada. Criador de personagens que, assim como ele, ficarão para sempre no imaginário nacional… Agosto levou também minha vontade de escrever. Esse é apenas o segundo e último post aqui no blog esse mês. Andei bastante impressionado pela leitura das obras de ficção da autora japonesa Yoko Ogawa. Comecei pelas três novelas A Piscina, Diário de Gravidez e Dormitório, como já havia contado aqui. Depois maratonei os quatro romances dela já lançados no Brasil: A Fórmula Preferida do Professor, A Polícia da Memória, O Museu do Silêncio e Hotel Íris. Todos geniais. A escritora nos revela o lado escuro da vida e do ser humano. Normalmente são situações e lugares totalmente irreais, fictícios, mas que, de tão bem descritos, a gente embarca e os aceita como reais e muito possíveis. Me fazem lembrar da canção Balada do Lado sem Luz, de Gil, gravada por Bethânia no álbum Pássaro da Manhã: “Mundo das sombras, caverna escondida onde a luz da vida foi quase apagada”… A memória, tema que me encanta, é recorrente em todas as histórias. Em A Fórmula Preferida do Professor, por exemplo, ele a perde e a recupera todos os dias por apenas oitenta minutos; em A Polícia da Memória os policiais que governam uma pequena ilha apagam progressivamente as memórias de seus habitantes; impossível não fazer um paralelo com o apagamento arquitetônico promovido pela construção civil nos bairros de São Paulo: progressivamente as casas somem dando lugar a torres que os uniformizam… Yoko Ogawa descreve com detalhes cenas de humilhação e violência a que determinados personagens se submetem que normalmente fecho os olhos para não ver em filmes e séries. Já em seus livros não consigo deixar de ler. E, mesmo me apavorando, me envolvem e revelam meus próprios lados sombrios. Quem nunca? Afinal, entrar em contato com o pior do ser humano nunca foi tão acessível como agora. Está ao alcance de um clic… O mês que finda também trouxe o aniversário do meu querido diretor, mestre e amigo Luis Artur Nunes. Comemoramos entre amigos com direito a drinks, bolo e velinha soprada pelo aniversariante em meio a muitas conversas e risadas. Cada vez mais me convenço que o bom da vida é estar entre amigos a celebrar o que quer que seja. A vida, por exemplo. O que já estaria sempre de bom tamanho… A imagem que vou guardar de Luis Fernando Veríssimo é ele meio afastado, em silêncio e com um sorriso tímido nos lábios tanto no apartamento de Paris, onde o conheci, como na casa dele em Porto Alegre. E, claro, a memória de seus textos geniais e hilariantes que tanto me inspiraram… Nas fotos, o autógrafo de LFV no livro que ganhei de presente de Mariana e Fernanda no meu aniversário de trinta anos, a bela capa de Hotel Íris e a comemoração do aniversário de Luis Artur.

domingo, 17 de agosto de 2025

PAZ INTERIOR

Dia desses Weidy e eu resolvemos passar o dia de domingo no interior, mais precisamente em Santana de Parnaíba, município da região metropolitana de São Paulo que fica pertinho, a quarenta quilômetros daqui da capital. É quase inacreditável que tão próximo dessa loucura toda que é uma metrópole haja tal joia de preservação arquitetônica e natural. Aquela típica cidade do interior com uma praça, uma igreja, um coreto e ruazinhas repletas de casas do período colonial. O dia se fez ensolarado, nas barracas de comida e bebida e nos restaurantes e bares que circundam a praça as pessoas se divertiam, tiravam fotografias e comiam o morango do amor rsrsrs... Depois de visitar o museu, a praça, a igreja e fotografar as lindas construções, almoçamos num restaurante italiano instalado numa belíssima mansão de pé direito alto e com aquelas janelas de vidros bisotados. Um sonho juste à côté da Pauliceia... De volta à ensandecida megalópole comecei a assistir à série Boca a Boca, do mesmo diretor do filme Homem Com H, o talentosíssimo Esmir Filho. E não é que a série se passa numa pequena cidade do interior tão linda, antiga e preservada quanto Santana de Parnaíba? Na ficção a chamaram de Progresso, mas já pesquisei e descobri tratar-se de Goiás Velho, município do estado de Goiás. Estou louco para ir lá conhecer. Só que essa é bem mais longe daqui... A propósito, adorei a série. Não deixem de assistir, está disponível na Netflix. E dando asas à dispersão, conversando com uma amiga muito querida - que não via há muitos anos e que esteve em São Paulo essa semana - lá pelas tantas o papo enveredou para os sonhos e planos futuros, as mudanças de vida que a gente sempre acaba adiando e onde gostaríamos de morar. Ao contrário de mim, um taurino apegado às coisas e hábitos, que cria raízes difíceis de remover, ela, toda serelepe, vive mudando de vida, de atitudes e planos. E isso inclui os lugares onde mora. Recentemente, cansada de alternar a vida no interior e na capital gaúchos, me contou que mudou-se para a praia. Imediatamente aquela minha velha fantasia de deixar Sampa e ir morar junto ao mar voltou. E ficamos a projetar possibilidades de tornar esse sonho real... O meu grau de dificuldade para mudança de moradia já começa pelo local: Onde, em qual praia eu gostaria de morar? As que mais gosto ficam longe de São Paulo, não tem hospital, meu plano de saúde é daqui... E seguem os empecilhos: Tenho preguiça de encaixotar tudo e transportar. Eu poderia alugar uma casa já mobiliada na praia, mas alugar meu apartamento com tudo dentro para outra pessoa morar é algo impensável para mim. Imaginar outras pessoas se relacionando com meus móveis e objetos, todos plenos de significado para mim e pelos quais nutro afeto incondicional... E mais ainda: Tenho quase certeza que depois de um ou dois meses eu seria tomado por um tédio incontrolável e ia querer fazer tudo o que tem para se fazer na capital e que quase nunca faço quando estou aqui... Difícil, não? Assim eu vou ficando por São Paulo mesmo, cidade que me encanta desde a mais tenra idade e na qual sempre sonhei viver. Nasci no interior do Rio Grande do Sul, na pequena Soledade, onde vivi até os catorze anos de idade, quando me mudei para Porto Alegre para fazer o segundo grau e a faculdade. Desde lá eu já sabia que viver nas grandes cidades seria para mim um caminho sem volta. Apesar de achar a coisa mais linda uma pequena cidade do interior ou uma vila de pescadores junto ao mar, é nos grandes centros urbanos que a vida pulsa, e esse pulsar constante ainda encontra ressonância no meu peito, apesar da idade que avança inexoravelmente... De qualquer maneira, é bom saber que "sempre teremos Paris". Ou Ilhabela, Camburi, Barra do Sahy, Santana de Parnaíba e Goiás Velho... Boas viagens a todos! Nas fotos, o coreto da praça, eu posando em uma esquina, ruazinha ao lado da praça e detalhe do interior do restaurate.

quarta-feira, 23 de julho de 2025

60 +

Tenho pensado muito sobre a minha nova condição de idoso. Já faz dois anos que entrei nela mas, como sou idoso, penso mais devagar. Aliás, estou fazendo tudo cada vez mais devagar. Tenho dores que antes não tinha. Acho longe trajetos que antes considerava perto. Essa semana fui pela primeira vez consultar um geriatra. Ele me pediu exames que eu nem sabia que existiam, nunca tinha ouvido falar em densiometria óssea nem tampouco em ecodopplercardiograma transtorácico... Sempre me lembro da minha mãe. Uma vez perguntei a ela como era ter setenta anos e ela me respondeu: Não sei, eu não me sinto com setenta. Pra mim eu continuo com uns trinta! Eu também continuo pensando que tenho trinta. Mas não me engano: quando tento realizar os impulsos de trinta que ainda tenho sinto as limitações dos sessenta e dois que já chegaram... Sempre ouvi dizer que o Brasil era o país do futuro. A sensação que tenho agora é de que o futuro chegou e o Brasil já não deu certo. E no tempo que ainda tenho para viver tenho certeza de que não dará. Não acredito que alguém ou algum partido dê jeito nisso. O ser humano tem se aperfeiçoado cada vez mais em piorar... Não tive filhos, portanto não terei netos. Minhas atuais preocupações com o "futuro" se resumem a ter saúde, disposição e meios financeiros para realizar alguns sonhos que ainda não realizei. Trabalho cada vez menos. O etarismo é uma realidade que agora sinto na pele. (Pele que por sinal está cada vez mais enrugada rsrs). Já não recebo convites para trabalhar. Se não me mexo, não vou à luta, fico em casa esperando e nada acontece. A academia me salva. Os exercícios me fazem sentir vivo e disposto. O bom humor me salva. A arte, o teatro, a música e a cultura de um modo geral me salvam. Especialmente a literatura tem me salvado cada vez mais. Tenho relido as primeiras obras que li na infância: Monteiro Lobato e seus incríveis A Chave do Tamanho e Viagem ao Céu. É impressionante como já estava tudo lá. Todos os conceitos importantes da vida, as relações sociais e as de afeto, a filosofia, a política, a ciência e as maravilhas desse mundão de meu Deus... Felizmente ainda tenho curiosidade pela vida e pelas pessoas. Me recuso a me isolar. Dia desses me surpreendi: Fui no show do Alok no Pacaembu! E gostei, ou melhor, curti muito. E ver artistas quase centenários como Othon Bastos e Nathalia Timberg no palco me encheu de esperanças... Tenho a meu favor uma tranquilidade natural que sempre fez parte de mim e agora, na calma da idade avançada, me poupa de estresses e ansiedades desnecessárias. Desfruto da minha própria companhia como sempre fiz. Agradeço a Deus todas as manhãs por acordar vivo e saudável. Estou sempre com o pé que é um leque para viajar e com o texto na ponta da língua para subir ao palco. Rezo todas as noites por mim e pelos que amo. Sofro pelos que nos deixam, sobretudo pelos que nos deixam precocemente. Sigo me encantando com pores de sol, noites estreladas e enluaradas e amanheceres. Amo cada vez mais os animais. E os bons vinhos, né? Que no seco também não dá... Como disse no início, tenho pensado muito sobre a minha nova condição. Já faz dois anos que entrei nela mas, como sou idoso, penso mais devagar... Na foto, eu 60+ pela lente do fotógrafo & amigo Guto de Castro.

sábado, 12 de julho de 2025

MENINO BONITO

Acordo numa manhã fria de sábado em pleno inverno, que este ano está excepcionalmente frio em São Paulo. Antes mesmo de fazer o desjejum me deparo com um vídeo no Instagram: Chico Chico, o filho de Cássia Eller, cantando Menino Bonito, de Rita Lee. Há muito tempo alguém ou alguma coisa não me emocionava tanto na música brasileira. Me arrepiou da cabeça aos pés. Me fez chorar. Um choro que era ao mesmo tempo de saudade de Cássia e de felicidade pelo belo presente que ela nos deixou. Chico desconstrói estereótipos tal qual a mãe. Se apresenta com as pernas de fora, cantando no feminino como Rita escreveu a canção, e com a força, a potência e a irreverência que herdou da mamis. Herdou também o vozeirão de arrepiar. Além de excelente cantora, Cássia sempre subverteu padrões de comportamento. E quando parecia que já estava totalmente assimilada ela apareceu grávida dando um verdadeiro nó na cabeça da imprensa e do público. Que bom que ela fez isso! Que bom que deu à luz essa joia que é Chico Chico. Ele atualiza conceitos de masculino e feminino, de beleza e de modernidade. Desejo sinceramente que ele tenha muito sucesso. Que consiga tocar muitas pessoas como me tocou. Emocionar muitas pessoas como me emocionou. Não é possível que em meio a tanta brutalidade e mediocridade não tenha restado um pouquinho, um cantinho, um laivo de sensibilidade no coração das pessoas. Acho maravilhoso que além do legado genético de Cássia, seja através das palavras de Rita Lee, do sentimento que a levou a compor esses versos, que ele chegue até nós nesse momento. Não deixe de ouvir, está disponível em todas as plataformas digitais. E, se possível, assista também ao vídeo, que está no YouTube. Na foto, Francisco Eller fazendo jus ao título do post.

terça-feira, 8 de julho de 2025

VAN NADA VÃ

Nesse domingo que passou tive o prazer de assistir ao belíssimo espetáculo A Mulher da Van, protagonizado por ninguém menos do que Nathalia Timberg, brilhando muito em cena do alto de seus noventa e seis anos de idade. Ela prova com sua performance que o teatro é perene, que a arte, a cultura e o talento são perenes, ao contrário de toda essa baboseira efêmera, consumista e sem sentido que rola nas redes sociais. Como se assistir a essa incrível demonstração da longevidade do talento não fosse o bastante, ainda tive o prazer de ver brilhando ao lado dela os queridos e não menos talentosos amigos Nilton Bicudo, Noemi Marinho e Cléo de Páris. Além dos também excelentes Caco Ciocler, Lilian Blanc, Duda Mamberti e Roberto Arduim. Elencaço, não? O texto do inglês Alan Bennett (traduzido por Clara Carvalho) surge limpo e brilhante na bela encenação do diretor Ricardo Grasson, que confere tons poéticos à história real da mulher que mora em uma van estacionada em frente à casa do dramaturgo. A solidão, o envelhecimento e as dificuldades de convivência dos personagens vêm à tona com boas doses de um humor ora delicado, ora cruel, mas sempre elegante e prazeroso de se assistir. Nada melhor para encerrar uma noite de domingo no inverno de São Paulo. Saí do teatro pensando que ainda há muito a ser vivido e visto, mesmo para quem já tem idade avançada. Como eu, por exemplo, que já conto sessenta e dois anos de vida. Ou para quem tem ainda mais. A vida é o aqui e o agora. E a gente nunca sabe até quando eles irão durar. Resta saber aproveitar... Se arruma e vai ao teatro que tem espaço na van! Viva o teatro! Viva Nathalia Timberg! Nas fotos, Nathalia como Mary Shepherd (a mulher da van) e como ela própria (belíssima) aos 96 anos.

quarta-feira, 2 de julho de 2025

VICIOUS

O título do post refere-se a uma sitcom britânica maravilhosa que estou maratonando, vejam só, no YouTube. Maldosas, malvadas, perversas, em bom português. O próprio título já seria mal visto por aqui rsrs… Mas o melhor do humor inglês é justamente isso: Ser cruel e passar longe do politicamente correto. E os atores, ah! Que deleite. Ian McKellen e Derek Jacobi, dois monstros sagrados do teatro e do cinema, vivem Freddie e Stuart, o casal gay idoso que está junto há quase cinquenta anos vivendo uma relação no mínimo conturbada. E a graça está justamente aí: Eles se dizem coisas horríveis, acabam um com o outro o tempo todo, mas com a elegância e o refinamento de quem recita um poema. Como só os ingleses sabem fazer… Tem também Ash, o vizinho jovem e hétero (combinação que faz com que o casal de protagonistas se jogue sobre ele como vampiras sedentas de sangue). E as amigas Violet e Penelope - igualmente idosas - a quem eles lançam os maiores impropérios… Tem a mãe de Stuart - ainda mais velha - que telefona todos os dias e não sabe da orientação sexual do filho: Para ela, Freddie é o colega de apartamento dele. Nem o cachorro escapa: Tem vinte anos e vive dentro de uma cesta coberto por um pano... Aqui no nosso país a série seria tachada de etarista e homofóbica. Ou, no mínimo, diriam que reforça estereótipos. Sabemos que envelhecer não é fácil para ninguém. Para as bichas, eternamente preocupadas com a aparência e discriminadas dentro da própria comunidade LGBT - que as chama de tias, mariconas ou cacuras - menos ainda. A parada do orgulho nos trouxe a questão esse ano. Mas em vez de fazer drama, que tal rir dessa situação? É o que Vicious se propõe e realiza com excelência. Eu rio alto com meus fones de ouvido assistindo à série na academia enquanto faço cardio. Ah! E antes que me ataquem: Tenho lugar de fala (como gay e como idoso) e bom humor, graças a Deus! Rsrsrs… Vicious: Diversão da melhor qualidade, de graça, no YouTube… Na foto, os fabulosos Ian McKellen e Derek Jacobi em cena de Vicious.

segunda-feira, 16 de junho de 2025

AU REVOIR, RIO!

Deixo o Rio de Janeiro feliz por ter revisto a cidade (que não visitava desde janeiro de 2017), ter reencontrado amigos, assistido a espetáculos, descoberto lugares que não conhecia e também por ter tido a oportunidade de visitar a exposição de Cazuza. Foram poucos dias, cinco no total, mas de tão intensos pareceu muito mais. Deu muita saudade do tempo em que eu vivia na ponte aérea para as apresentações da Terça Insana por aqui… Gostei bastante de assistir ao espetáculo/depoimento de Ítala Nandi, Paixão Viva, espécie de palestra semi-encenada na qual ela conta toda a sua trajetória pelo cinema, teatro e televisão. Um formato interessante de ser explorado, ainda mais quando a pessoa em questão tem uma trajetória tão rica em realizações e relacionamentos como a dela. E ela o faz com um pé nas costas, como se estivesse em casa recebendo a plateia… Encerrei a programação teatral no domingo com o espetáculo Os Mambembes, colorida e animada montagem inspirada no clássico O Mambembe, de Artur de Azevedo. A peça celebra o amor pelo teatro e as dificuldades que os artistas encontram pelo caminho enquanto perseguem seu sonho. Estreou em turnê pelo interior do Brasil onde era apresentada na rua em cima de um caminhão. Talvez por isso os atores estejam gritando tanto o tempo todo em cena. Uma direção mais atenta os faria adaptar o registro da interpretação para o palco do teatro. Mas o espetáculo é lindo e os atores, estelares, todos ótimos… Não deu tempo de fazer tudo o que eu queria, mas consegui ir até o centro da cidade para um lanche na belíssima Confeitaria Colombo, que adoro sempre revisitar. Volto para São Paulo repleto de boas imagens, memórias e afetos. Esperando em breve poder retornar… Nas fotos, o belíssimo salão da Confeitaria Colombo, Ítala Nandi agradece os aplausos, elenco de Os Mambembes idem e detalhe do Aeroporto Santos Dumond onde escrevo enquanto espero meu voo de volta para São Paulo.

domingo, 15 de junho de 2025

LE BLÉ NOIR

Copacabana guarda muitas surpresas escondidas nas suas pequenas ruazinhas. Uma delas é o simpático Le Blé Noir, que descobri totalmente ao acaso enquanto fazia um tour de reconhecimento das redondezas. Uma creperia francesa que serve aquele crepe bretão, feito com trigo sarraceno escuro (o blé noir do título) e a cidra da Bretanha, que é deliciosa e não tem nada a ver com aquela brasileira bagaceira que as pessoas jogam no mar como oferenda para Iemanjá e faz a coitada ter ressaca e dor de cabeça rsrs… O ambiente é super agradável, com luz baixa e música idem. Só não me senti na Bretanha porque nunca estive lá. Mas cheguei perto: Lembrei de um restaurante bretão que fui com meu amigo João Faria em Paris, ao lado do Beaubourg, na praça Stravinsky, aquela que tem a fonte com esculturas de Niki de Saint Phalle. Foi lá que conheci o crepe de blé noir e a cidra bretã. Matei a saudade e descobri um novo cantinho para chamar de meu aqui no Rio. De sobremesa pedi a cidra, que veio servida em uma inesperada xícara. Adorei. Essas descobertas que faço ao acaso enquanto estou flanando pelas ruas das cidades que visito são as que mais me agradam; muito mais do que aquelas que alguém nos recomenda ou que estão bombando na internet (como as do tiktok, por exemplo). Por essas e outras coisas legais é que adoro viajar. E voltar aos lugares que já conheço. Vou formando assim o meu portfólio local... o Blé Noir Fica na rua Xavier da Silveira, 19-A em Copacabana e abre às 19:30. Recomendo! Nas fotos, a fachada do restaurante, o vinho que acompanhou meu prato, detalhe do salão e a xícara de cidra.

sexta-feira, 13 de junho de 2025

EXAGERADO

Várias surpresas e alegrias nessa minha volta ao Rio. Exemplo delas é a exposição Cazuza Exagerado, em cartaz no rooftop do Shopping Leblon. De caráter imersivo, ela te faz entrar em uma espécie de túnel do tempo que percorre toda a trajetória do ídolo pop. Da infância até a doença que o levou precocemente. Passando pelo teatro, as primeiras canções, a banda Barão Vermelho e a consagração da carreira solo. A exposição é linda, super bem montada, rica em detalhes, objetos pessoais e lembranças que a mãe Lucinha Araújo guardou do único filho com muito amor e cuidado. A medida que se anda pelo espaço da mostra, vai-se entrando em diversos ambientes relacionados à trajetória de Cazuza. Como o Circo Voador, o Cassino do Chacrinha e a Pizzaria Guanabara, por exemplo. Mais do que as canções, a poesia sempre foi a marca de Cazuza, o meio através do qual ele melhor expressou seu romantismo exacerbado. Ou exagerado, nas palavras do próprio. Felizmente a poesia tem o merecido destaque na exposição. Ela transborda a cada ambiente. Em manuscritos, em páginas datilografadas; nas máquinas de escrever que ele usava, nas máquinas fotográficas, nos bilhetes que escrevia para os pais, amigos e namorados. Aliás, foi no dia dos namorados que visitei a exposição. Um lindo presente para mim, que passei o dia longe do meu. (Sempre tive Cazuza como uma espécie de namorado imaginário). Fiquei especialmente emocionado diante da máquina de escrever Remington, exatamente igual à que uso em cena no meu espetáculo solo Caio em Revista. E, claro, a garrafa de Jack Daniel’s que uso também. A emoção me pegou na foto dele com Caio feita por Vânia Toledo. Assim como em uma outra na qual ele aparece ao lado de minha saudosa amiga Lidoka. Quando cheguei no ambiente que reproduz o camarim do último show no Canecão eu já estava jogado a seus pés com mil rosas roubadas. E as lágrimas rolaram soltas na sala que refaz o Canecão em si, com uma projeção de Cazuza sobre o palco cantando O Tempo Não Para… Adorei uma sala cujas paredes, teto e chão são totalmente cobertos por fotos do cantor que, animadas por inteligência artificial, o mostram cantando trechos de seus grandes sucessos. Pra que mentir, fingir que perdoou? A emoção acabou, que coincidência é o amor, a nossa música nunca mais tocou… Que engraçado, parece que foi ontem. Me vi jovem e romântico outra vez. Que bom que o tempo não para e nos traz Cazuza de volta nesta belíssima exposição. É como se ele me perguntasse: Mais uma dose? E eu respondesse: é claro que eu to a fim. A noite nunca tem fim, babe. Por que a gente é assim? Nas fotos, as várias fases de Cazuza, o Circo Voador, Remington & Jack Daniel's, Caju e o Velho Guerreiro e eu no camarim do Canecão.

quinta-feira, 12 de junho de 2025

A BALEIA

De volta ao Rio de Janeiro - depois de oito anos - para assistir à estreia para convidados do espetáculo A Baleia, do americano Samuel D. Hunter, mais uma belíssima direção do mestre Luis Artur Nunes. José de Abreu lidera com galhardia e muito talento o elenco afiadíssimo que é composto por Luisa Thiré, Gabriela Freire, Eduardo Speroni e Alice Borges. Como sempre acontece nas direções de Luis Artur, a grande estrela do espetáculo é o texto. Que, no caso, é brilhante. Samuel D. Hunter mergulha na interioridade dos personagens trazendo à tona todas as suas fraquezas, tristezas, falhas, arrependimentos e decepções. Não sem delicadeza, algum humor e belas imagens. Assim como citações de Herman Melville. Apesar de denso, o texto tem cenas curtas, o que agiliza a história e, quando a gente vê, as duas horas do espetáculo já se passaram. Um grande deleite para o espectador mais atento, que gosta realmente de teatro. Teatro de verdade, com T maiúsculo. Sem grandes pirotecnias cênicas, Luis Artur constrói o seu espetáculo lançando mão basicamente da matéria prima essencial que são os atores. Coisa raríssima de se ver hoje em dia, diga-se de passagem. Um diretor que dirige atores e faz o texto surgir inteiro e bem trabalhado sobre o palco. Cada frase é dita e compreendida em sua totalidade. Já tive a graça de ser dirigido por ele duas vezes - em A Fonte, de Érico Veríssimo, e mais recentemente no meu solo Caio em Revista - e de ser seu assistente de direção em vários outros espetáculos. Além de ter sido seu aluno na faculdade de teatro. Posso dizer com conhecimento de causa que ele se supera a cada novo trabalho. Costumo dizer que trabalhar com Luis Artur Nunes é uma espécie de pós-graduação, como um mestrado ou doutorado. A gente aprende muito enquanto divide com ele a sala de ensaio e os palcos. Sou muitíssimo grato por viver no mesmo tempo que esse grande homem de teatro. E aproveito para agradecer aqui por mais esse lindo presente que é A Baleia. A peça fica em cartaz até 20 de julho aqui no Rio, no teatro Adolpho Bloch, e depois A Baleia irá singrar outros mares Brasil afora. Eu se fosse você não perdia! Nas fotos, o elenco agradece os merecidos aplausos e eu, bem pimpão, entre o diretor e o protagonista Zé de Abreu.

sábado, 7 de junho de 2025

HUMOR PROIBIDO

Quando eu estava na Terça Insana as pessoas viviam me perguntando qual era o limite do humor. Até hoje, toda vez que dou uma entrevista, me fazem essa pergunta e eu invariavelmente respondo: A elegância. Humor tem que ser engraçado (obviamente), inteligente (é o mínimo que se espera dele) e, claro, elegante. É claro que estou me referindo a um humor de bom gosto, refinado. Como era, por exemplo, o de Caio Fernando Abreu e o de Antonio Bivar (sim, eles também faziam humor). E como é, modestamente, o meu. Pelo menos é o tipo de humor que gosto de fazer e de consumir. Mas sei que a maioria dos humoristas e comediantes passam longe dessa minha idealizada elegância. Até porque, vamos combinar, por aqui elegância não vende. Não dá dinheiro. Ou, para ser ainda mais popular, não paga boleto. De uns tempos para cá todo mundo reclama que está tudo muito chato, que não se pode falar mais nada, que tem muito mimimi. A verdade é que nunca pode. Mas, como não havia limite - olha ele aí- todo mundo falava o que quisesse e quem se sentisse ofendido que desligasse a tevê ou simplesmente não fosse ao teatro. Só que o mundo evoluiu (pouco pro meu gosto) e as pessoas passaram a ocupar seus espaços na sociedade sendo quem são. E não querem mais, obviamente, ser alvo de chacota. Todo o humor que cresci assistindo era preconceituoso e discriminatório. Doía demais ver Jorge Dória dizer, referindo-se ao filho gay, “onde foi que eu errei” e todos a minha volta acharem aquilo engraçado. Quando a Terça Insana surgiu representou uma espécie de respiro. O humor que praticávamos dava voz aos discriminados, ao invés de deprecia-los. Vinha como uma renovação daquele velho humor que a televisão repetia há décadas: Da mulher gostosa e burra e da bicha estereotipada, por exemplo. Acho muito feio o que a maioria dos comediantes de stand up brasileiros faz, mas me limito a não consumi-los. Seria muita pretensão da minha parte querer que se calassem (Também acho feio o que a maioria dos fanqueiros e fanqueiras cantam). O humor sempre pôs o dedo nas feridas. Os bobos da corte eram pagos pelos reis para fazerem piadas justamente sobre eles, os reis. Acho um exagero, por exemplo, um humorista ser condenado à prisão por ter feito piadas preconceituosas no seu show. É claro que racismo, homofobia, misoginia e anti-semitismo são crimes. Que o processem, que lhe apliquem multas por danos morais, que tirem seu show da internet. Mas condenar à prisão acho desmedido. Lembra muito aqueles episódios ocorridos durante a ditadura militar, em que soldados invadiam teatros, batiam nos atores e os levavam presos apenas por discordarem do regime. Como aconteceu com o elenco de Roda Viva, que tinha no elenco artistas do calibre de Marília Pera e Zezé Motta, para citar apenas duas. Me pergunto o que seria de Dercy Gonçalves hoje em dia. Ou de Chico Anisio que, no auge do governo Figueiredo (o do prendo e arrebento) se dirigia diretamente a ele dizendo: Alô, João Batista? Salomé de Passo Fundo. E em seguida mandava ver nas críticas… Não quero de forma alguma comparar esses grandes artistas do passado com essa “galera do stand up” de hoje. Não há termos de comparação. O que me entristece é que, na minha humilde opinião, o humor perdeu a graça. Perdeu o requinte e a inteligência. Sutileza, então, nem se fala. Mas aí já seria querer demais. Dizem que rir é o melhor remédio e eu concordo. Acredito que realmente é. Mas que tal rirmos de nós mesmos ao invés de depreciar o próximo? Fica a dica... Na foto, a impagável Dercy torcendo a cara para o mau humor.

sexta-feira, 30 de maio de 2025

VUELVO AL SUR

De volta ao meu estado natal, o Rio Grande do Sul, para rever familiares e amigos e comemorar o aniversário de minha irmã Raquél… Já faz seis meses que estive aqui pela última vez. Em novembro do ano passado vim rapidamente a Porto Alegre mas, dessa vez, a viagem se estendeu a Soledade (minha terra natal) e também a Ametista do Sul, onde comemoramos o aniversário da Raquél. Minha irmã Rita, que mora nos Estados Unidos e eu não via há dez anos, veio também. Foi maravilhoso revê-la. (Antes de virmos para o sul ela ficou comigo alguns dias em São Paulo e curtimos um pouco da Pauliceia). Tudo foi muito emocionante, para dizer o mínimo. Revi Soledade, a fazenda do meu pai, meu sobrinho Henrique e sua esposa Camila, minha irmã Regina e meu cunhado Elimar e, para coroar a experiência, conheci a encantadora cidade de Ametista do Sul. Incrustrada em um vale repleto de pedreiras de ametistas, a cidade oferece inúmeras atrações culturais, gastronômicas e enológicas. Eu, que a princípio achei que teria medo de entrar em seus restaurantes e lojas subterrâneos, me surpreendi pela beleza natural dessas instalações... Em Soledade, a fazenda de meu pai, repleta de memórias da minha infância, está totalmente refeita e atualizada pela competente administração de Henrique e Camila. E minha cidade natal está bastante transformada pelo progresso que a desenvolve... Senti muito não ter tido tempo de rever meus amigos Soledadenses; mas espero poder regressar brevemente com tempo de rever a todos e, quem sabe, apresentar meu espetáculo no centro cultural de Soledade. Por falar nisso, em Porto Alegre estive com minha amiga Adriane Mottola e já acertamos a possibilidade de trazer meu solo Caio em Revista para seu teatro, o Estúdio Stravaganza, no segundo semestre. Revi alguns amigos queridos e visitei a exposição Carne, do fotógrafo Gilberto Perin, da qual faz parte uma foto minha que ele fez em 2018; também revi meu best friend fotógrafo Guto de Castro e, evidentemente, fizemos novas fotos que em breve postarei. (Numa fria manhã de outono, ele me fotografou de sunga em pleno parque da Redenção)…Volto para casa revigorado, feliz por ter voltado às minhas origens e, sobretudo, cheio de esperanças de retomar essa conexão. Que as diferenças - sejam quais forem - não ofusquem as semelhanças e identificações que nos unem a quem amamos. E que possamos caminhar juntos em direção ao bem comum da humanidade. Já deu pra perceber que desejo pouca coisa, não? Rsrsrs… Bom fim de maio a todos! Na foto, entardecer na Fazenda Santa Rita em Soledade.

terça-feira, 20 de maio de 2025

ANDY FOREVER

Rever as obras de Andy Warhol é sempre bom e surpreendente. Esse fim de semana fui, com minha irmã Rita, visitar a exposição dele na Faap. Tirando o excesso de pessoas que lotavam as dependências da exposição, foi tudo lindo. Apreciar as obras de Warhol sempre foi e será um deleite para mim. Espécie de mago do pop, tudo o que ele tocava virava arte. Há quem discorde. Mas esses não contam para mim… Já conheço quase tudo, estive em várias exposições dele aqui no Brasil e também no exterior. Sem falar nas obras que compõem o acervo do Museu de Arte Moderna de Paris, no Beaubourg. Uma das minhas preferidas está lá: Ten Lizes. O rosto de Elizabeth Taylor reproduzido dez vezes em uma tela de fundo prateado de grandes dimensões. Adoro os desenhos que ele fez para revistas e grifes, as polaroides, os filmes em parceria com Paul Morrisey, os diários, a série da Netflix feita a partir dos diários e, sobretudo, o entourage, a galera que o cercava e que ele tratava de lançar ao estrelato. E, evidentemente, sua profecia já tornada realidade, de que todos no futuro teriam seus quinze minutos de fama… Apesar de ter me irritado com o excesso de pessoas que circulavam na exposição, não deixei de ficar contente de ver tanta gente interessada em arte. Saí de lá com a sensação de que nem tudo está perdido… Nas fotos, as musas de Warhol Liza e Liz e Keith Haring na camiseta.

terça-feira, 6 de maio de 2025

HOMEM COM H

Me deixei levar pelo filme Homem Com H, cinebiografia de Ney Matogrosso com roteiro e direção de Esmir Filho, como quem embarca em uma viagem ao próprio passado. Como quem folheia um álbum de fotografias. Era a minha infância que eu via projetada na tela do cinema. Traduzida em sons e imagens. Logo no começo Ney aparece cantando no coral de que participava a canção Casinha Pequenina. Foi a música que toquei na minha primeira audição de piano no colégio das freiras em Soledade. Eu teria nove anos no máximo e tremia como vara verde. Mas nunca esqueci... A linda canção na voz de Ney abriu um portal sem volta para mim. O filme me abduziu. Não tenho críticas, só elogios. A interpretação de Jesuíta Barbosa encanta nos mínimos detalhes. Olhares. Gestos. Silêncios. Respirações. O personagem lhe caiu como uma luva. A direção de Esmir Filho, solar, moderna, traz à tona todas as experiências vividas por Ney de maneira intensa e, ao mesmo tempo, leve. Sobretudo gostosa de acompanhar. O roteiro é todo costurado por canções e shows que marcaram as diversas fases da carreira do cantor. Que eu, graças a Deus, tive o prazer de acompanhar. Me vi nos embates de Ney com o pai, na dificuldade que tinham de se relacionar, no carinho e proteção da mãe, no deslumbramento com que ele, ainda criança, assiste com ela à performance de Elvira Pagã no palco. Na descoberta da sexualidade, da capacidade de se expressar através da arte. Agradeço ao diretor Esmir Filho, sua homenagem a Ney Matogrosso homenageou também esse humilde fã do astro retratado no filme... E os garotos lindos que compõem o elenco? E a praia de Ipanema dos anos setenta e oitenta recriada pela direção de arte impecável de Thales Junqueira, que anima imagens imortalizadas pelas lentes de Alair Gomes? Demais para um senhor da minha idade, haja coração. Saí do cinema morrendo de vontade de voltar para assistir a tudo de novo... Ah, não deixem de prestar atenção em Augusto Trainotti, que faz Cato, o colega de Ney na aeronáutica. Ele já chamou a atenção como o soldado que acompanha a personagem de Fernanda Torres na cadeia em Ainda Estou Aqui. Além de um lindo rostinho que a câmera adora, ele tem muito talento como ator e bailarino... O primeiro show de Ney Matogrosso a que assisti foi Feitiço, no Teatro Leopoldina de Porto Alegre, em 1979. Depois perdi a conta de quantos outros assisti. O show Inclassificáveis assisti aqui em São Paulo e no Canecão, no Rio, na companhia dos saudosos Lidoka e Ezequiel Neves. Um dos que mais amei foi Beijo Bandido, no qual ele se apresentava com um terno branco cujo paletó tinha um forro de cetim vermelho. São muitas memórias ligadas a Ney Matogrosso, desde minha infância, quando ele surgiu com o Secos & Molhados sacudindo padrões e preconceitos, até os dias atuais. Graças ao amigo em comum que tivemos, o saudoso Ocimar Versolato, pude estar com Ney diversas vezes, não apenas em shows, mas tembém em festas do Ocimar e quando ele o levou para assistir à Terça Insana. Tenho uma caixa de CDs dele chamada Camaleão, com 17 álbuns de carreira e algumas raridades. Não paro de ouvir desde que voltei do cinema... O filme termina com a imagem impressionante do Ney Matogrosso atual e real se apresentando para uma plateia de milhares no show do Aliance Park aos 83 anos de idade. Mexe com a noção de passagem do tempo. Saí do cinema pensando que a transitoriedade, a impermanência das coisas e dos seres vivos pode ter diferentes extensões e durabilidades. Me lembrou uma frase do livro A Culpa é das Estrelas, de John Green, que diz: "alguns infinitos são maiores do que outros". É isso aí. Ney é infinito... Se você nunca viu rastro de cobra nem couro de lobisomem corre para o cinema pra assistir a Homem Com H. Nas fotos, o cartaz do filme e Esmir Filho dirigindo Jesuíta Barbosa.