quarta-feira, 23 de julho de 2025
60 +
Tenho pensado muito sobre a minha nova condição de idoso. Já faz dois anos que entrei nela mas, como sou idoso, penso mais devagar. Aliás, estou fazendo tudo cada vez mais devagar. Tenho dores que antes não tinha. Acho longe trajetos que antes considerava perto. Essa semana fui pela primeira vez consultar um geriatra. Ele me pediu exames que eu nem sabia que existiam, nunca tinha ouvido falar em densiometria óssea nem tampouco em ecodopplercardiograma transtorácico... Sempre me lembro da minha mãe. Uma vez perguntei a ela como era ter setenta anos e ela me respondeu: Não sei, eu não me sinto com setenta. Pra mim eu continuo com uns trinta! Eu também continuo pensando que tenho trinta. Mas não me engano: quando tento realizar os impulsos de trinta que ainda tenho sinto as limitações dos sessenta e dois que já chegaram... Sempre ouvi dizer que o Brasil era o país do futuro. A sensação que tenho agora é de que o futuro chegou e o Brasil já não deu certo. E no tempo que ainda tenho para viver tenho certeza de que não dará. Não acredito que alguém ou algum partido dê jeito nisso. O ser humano tem se aperfeiçoado cada vez mais em piorar... Não tive filhos, portanto não terei netos. Minhas atuais preocupações com o "futuro" se resumem a ter saúde, disposição e meios financeiros para realizar alguns sonhos que ainda não realizei. Trabalho cada vez menos. O etarismo é uma realidade que agora sinto na pele. (Pele que por sinal está cada vez mais enrugada rsrs). Já não recebo convites para trabalhar. Se não me mexo, não vou à luta, fico em casa esperando e nada acontece. A academia me salva. Os exercícios me fazem sentir vivo e disposto. O bom humor me salva. A arte, o teatro, a música e a cultura de um modo geral me salvam. Especialmente a literatura tem me salvado cada vez mais. Tenho relido as primeiras obras que li na infância: Monteiro Lobato e seus incríveis A Chave do Tamanho e Viagem ao Céu. É impressionante como já estava tudo lá. Todos os conceitos importantes da vida, as relações sociais e as de afeto, a filosofia, a política, a ciência e as maravilhas desse mundão de meu Deus... Felizmente ainda tenho curiosidade pela vida e pelas pessoas. Me recuso a me isolar. Dia desses me surpreendi: Fui no show do Alok no Pacaembu! E gostei, ou melhor, curti muito. E ver artistas quase centenários como Othon Bastos e Nathalia Timberg no palco me encheu de esperanças... Tenho a meu favor uma tranquilidade natural que sempre fez parte de mim e agora, na calma da idade avançada, me poupa de estresses e ansiedades desnecessárias. Desfruto da minha própria companhia como sempre fiz. Agradeço a Deus todas as manhãs por acordar vivo e saudável. Estou sempre com o pé que é um leque para viajar e com o texto na ponta da língua para subir ao palco. Rezo todas as noites por mim e pelos que amo. Sofro pelos que nos deixam, sobretudo pelos que nos deixam precocemente. Sigo me encantando com pores de sol, noites estreladas e enluaradas e amanheceres. Amo cada vez mais os animais. E os bons vinhos, né? Que no seco também não dá... Como disse no início, tenho pensado muito sobre a minha nova condição. Já faz dois anos que entrei nela mas, como sou idoso, penso mais devagar...
Na foto, eu 60+ pela lente do fotógrafo & amigo Guto de Castro.
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Querido amigo, que lindo texto. A idade não chegou para a nossa geração, o tempo passou e isso é certo, afinal, o espelho do banheiro não tem filtro. Mas acredito muito que a nossa geração foi privilegiada com saúde e corpinho com reservas extras de colágeno. Tenho uma raivinha mortal quando vou estacionar na vaga preferencial e tá lá aquele desenho infame do velhinho com bengala. Outro dia falei com o gerente do supermercado que sempre vou e, voilà, duas semanas depois o velhinho desapareceu e agora existe apenas a palavra "idoso". Fui lá agradecer e ele me recebeu todo sorrisos.
ResponderExcluirA arte também me salva do isolamento, encontro pessoas, converso, e leio muito. Graças a você cada dia livros mais interessantes.