sábado, 5 de dezembro de 2020

DEZEMBRO PANDÊMICO

Minha gatinha Lina elegeu o armário do quarto como seu novo point. Dorme horas por dia lá dentro, entre camisas, calças, meias e camisetas. Ignora solenemente os meus apelos: Filha, não tem nada a ver o que você está fazendo. O momento é de sair do armário. Você precisa fazer o seu outting! Alheia à minha militância, segue entocada em sono profundo. Sabe que até a invejo? Bem que eu queria ter um local assim para mim, meio útero materno para me refugiar... A memória, essa, não para. Não sei com que mecanismos de busca, quando vejo ela já foi lá atrás, no passado distante, e me trouxe coisas das quais eu nem me lembrava. Uma saída para cavalgar no campo com meu pai, cumprindo a lida campeira diária em plenas férias de verão. Preciso dizer que era um custo para ele me convencer a acompanhá-lo. Quando conseguia, lá íamos nós, um silêncio perturbador tomando conta do carro até chegarmos à fazenda. Montávamos nossos cavalos, o meu era sempre um bem mansinho, que o menino era da cidade, gostava de teatro, essas coisas. Andávamos campo afora quando chegamos a um pequeno cemitério familiar, bem comum nos pampas gaúchos. Achei graça em não sei que detalhe de um túmulo e subi na grade para ver mais de perto quando bati com a cabeça numa casa de marimbondos e um deles me picou no meio da testa. Não lembro de mais nuances desse episódio, mas a dor, ah! Essa eu lembro até hoje... Meu saudoso amigo Marcelo Pezzi e eu andando de carro pelas ruas de Soledade com Nina Simone no toca-fitas cantando My Baby Just Cares For Me... Eu, tendo experiências com drogas alucinógenas e morrendo de medo de voltar para casa e ser descoberto pelos meus pais ou irmãs. Horas sentado no meio-fio da calçada esperando o barato cessar... A primeira vez que estive frente a frente com um artista famoso, na Feira da Criança, em Porto Alegre, com meu tio Nerinho. Fomos até lá para curtir a feira e pegar um autógrafo de Carlos Leite, o comediante que fazia o personagem Beleza num programa de humor... Meu quarto de menino em Soledade. A casa da minha vó. A casa do meu tio Dinarte em Cruz Alta, da qual lembro de detalhes como a luz da rua entrando pelo vitral por cima da porta quando íamos dormir, o pé direito altíssimo, os filmes que meu tio passava em super 8... Assisto com incontida euforia à reprise da novela Sassaricando, no canal Viva. Grandes atores, estrelas do teatro dando um show a cada capítulo. Um veaudeville filmado. Por que não temos mais isso hoje em dia? Não temos mais tantas coisas hoje em dia... Cadê a Lina? Dorme tranquila dentro do armário. Já lá se vai quase um ano dessa palhaçada... Bom dezembro a todos! Na foto, Carlos Leite, o Beleza.

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