sábado, 20 de setembro de 2025

QUARENTÃO NO TEATRO

No ano de 1985 eu estreava profissionalmente no teatro em Porto Alegre com o espetáculo infantil Greg, o Grissauro. Com autoria e direção de Alderico Nogueira (por onde anda?) a peça trazia no elenco Adriane Mottola, Paulo Vicente, Marione Reckziegel, Cibele Sastre e o iniciante Roberto Camargo (moi). Completo, portanto, nesse ano da graça de 2025, quarenta anos de carreira! Se isso por si só já não fosse o bastante, vou comemorar a efeméride levando meu espetáculo solo Caio em Revista para Porto Alegre, cidade que me viu brotar como ator e diretor de teatro. E a responsável por essa minha micro-temporada de duas semanas na capital gaúcha é minha colega de elenco de Greg, o Grissauro, Adriane Mottola. Além de me abrir as portas de seu teatro - o Estúdio Stravaganza - Adriane será a responsável pela produção local. Um luxo, um inestimável presente para essa minha comemoração, viva, viva! Sou todo gratidão a Adriane e à sua Companhia Stravaganza... Meu diretor Luis Artur Nunes também está comigo desde os primórdios da minha vida teatral. Foi meu professor no Departamento de Arte Dramática da UFRGS, meu diretor em A Fonte, fui seu assistente de direção em vários espetáculos e agora, nesse Caio em Revista, retomamos nossa parceria teatral. E daqui de São Paulo, sempre comigo na retaguarda, tenho o auxílio luxuoso de Patricia Vilela. Sem ela esse projeto não teria saído do papel... O teatro tem esse poder de unir pessoas formando uma espécie de família, paralela à biológica. Devo dizer que ao longo desses quarenta anos de profissão fui me unindo a tantas pessoas queridas que hoje já tenho uma grande família... Como não me apresento em Porto Alegre desde 2019, quando estive com a Terça Insana no Teatro São Pedro, estou morrendo de saudade de pisar nos palcos gaúchos novamente. Conto com a presença de todos os amigos, colegas, fãs, seguidores, familiares, crushs e ex-amantes (rsrs) para lotar as dependências do Estúdio Stravaganza nos dois últimos finais de semana de novembro. Que eu siga fazendo teatro por, pelo menos, mais quarenta anos. E que ele siga unindo as pessoas e fazendo-as cada vez melhores. Vejam só a minha pretensão! Rsrsrs... Foi em Porto Alegre que tive a base da minha formação teatral, tanto na universidade quanto no mercado de trabalho. Tive mestres aos quais serei eternamente grato como Ivo Bender, Maria Helena Lopes, Luis Artur Nunes, Irene Brietzke, Graça Nunes, Alziro Azevedo, Sandra Dani, Beto Ruas, Flavio Mainieri e Marlene Goidanich. Tive o prazer de trabalhar com colegas inesquecíveis que não poderei citar aqui porque não caberia no espaço do post. E também porque não gostaria de deixar ninguém de fora. São muitas as boas lembranças... Quando, há quarenta anos, Alderico Nogueira me convidou para fazer parte do elenco de Greg, o Grissauro, lembro que não acreditei que já na minha estreia no teatro eu seria colega de Adriane Mottola, de quem eu já era fã desde que a vira em cena no espetáculo Guernica, de Arrabal, com direção de João Carlos Castanha. Depois eu a dirigiria na minha montagem de Lisístrata, mas isso já é uma outra história. Obrigado, Adriane, por me proporcionar esse presente de quarenta anos de teatro! Nas fotos, a equipe de Greg, o Grissauro e eu em cena de Caio em Revista.

quarta-feira, 17 de setembro de 2025

PAPEL PRINCIPAL

Não, não fui contratado para protagonizar um espetáculo, filme ou série. O título do post se refere à belíssima exposição Re-Selvagem - Natureza Inventada, da artista visual francesa Eva Jospin, que visitei ontem à tarde na não menos bela Casa Bradesco. Instalada na Cidade Matarazzo, a Casa Bradesco é um complexo cultural - ou um centro de criatividade, como ela própria se define - que comporta livraria, café e lindas salas de exposição. É tudo tão bonito que a visita valeria a pena mesmo se não houvesse exposição alguma. Mas voltando à exposição, Eva Jospin transporta o visitante para um mundo paralelo (ou perpendicular) ao mesmo tempo ancestral e futurístico. Ao adentrar esse ambiente mágico de florestas e formas arquitetônicas feitas totalmente de papelão a gente se percebe transitório e perene; se dá conta das milhares de árvores, florestas inteiras que foram extintas para que todo o papel do mundo fosse fabricado; e por fim o vê (o papel) novamente transformado nas árvores e florestas que extinguiu. A exposição mexe com a nossa noção de proporção e de longevidade. Outra curiosidade: ela se impõe ao visitante com uma atmosfera de silêncio e reflexão, quase de adoração do que é visto. Como se a gente estivesse em um templo sagrado. Como se viajasse no tempo. O que é muito bem vindo, principalmente quando a gente sabe que está a uma quadra da Avenida Paulista, em plena tarde de terça-feira, entre um compromisso diário e outro e que um trânsito infernal nos espera na saída. É isso o que quis dizer ao afirmar que a exposição de Eva Jospin transporta o visitante para um mundo paralelo. E nesse mundo paralelo, criado pela artista com enorme talento e criatividade, o papelão tem papel principal, o que justifica o título da postagem. Preciso acrescentar que fiquei muito tocado pela obra. Emocionado, mesmo. Sem falar nos imensos painéis bordados em seda, linho, cânhamo e algodão que revestem as paredes de todo o andar superior, a sua "Chambre de Soie", que foi cenário para a coleção AW21 da Maison Dior... Um raro momento de plenitude e graça em meio ao caos do cotidiano é o mínimo que essa bem-vinda exposição nos proporciona. E, como se não bastasse, às terças-feiras a visita é gratuita. O que você está esperando? Nas fotos, uma pequeníssima amostra da grandeza e beleza da exposição.

terça-feira, 9 de setembro de 2025

SO LONG, RO RO

Quando Angela Ro Ro lançou seu primeiro álbum, que tinha apenas seu nome como título, fiquei imediatamente encantado. Além de excelente cantora, ela também assinava todas as composições e tocava piano. Suas canções belíssimas, intensas e carregadas de um romantismo exacerbado calaram fundo no meu coração. Eu tinha quinze para dezesseis anos e já era um romântico de carteirinha. As fotos da capa e da contracapa do disco a mostravam belíssima, lembrando muito Maysa - não apenas pela aparência mas também pela voz grave e rouca. O primeiro show dela a que assisti foi em Porto Alegre, no saudoso Teatro Leopoldina. No palco ela revelava uma outra faceta, não menos encantadora: Era extremamente engraçada. Dali em diante perdi a conta de quantos shows da cantora fui assistir. Além das canções, que eu escutava em casa até quase furar os LPs, o que me fazia ir vê-la no teatro era sua verve cômica. Angela falava quase tanto quanto cantava e o que falava era sempre divertidíssimo (principalmente quando fazia o outing de colegas cantores e cantoras que não se assumiam) e brilhantemente inteligente. Até hoje rio quando lembro de um show dela a que assisti no Teatro Rival, no Rio, no qual ela contou que certa feita o cantor Agepê deu em cima dela e ela o situou dizendo: Pô, Agepê, qual é! Sou eu, Angela Ro Ro! Adorável… Seu segundo álbum, Só nos Resta Viver, é um dos meus preferidos. Ele traz ao mesmo tempo a Angela intensa, romântica, desbragada e sua faceta gaiata, leve e debochada em composições como Meu Mal é a Birita, Blues do Arranco e Tango da Bronquite. Sem falar na regravação do clássico de Nelson Gonçalves Fica Comigo Essa Noite, que lhe caiu como uma luva... O terceiro álbum, Escândalo, é uma obra prima. Desde a capa em formato de jornal sensacionalista até a canção título que Caetano Veloso compôs especialmente para ela. Ela era verdadeiramente um escândalo. De talento e de personalidade. Paro nesses três, para que o post não fique interminável. Mas eu seria capaz de discorrer sobre todos eles por laudas e laudas. Que lástima ela nos deixar assim, tão cedo. Em tempos de longevidade setenta e cinco anos é cedo sim. Ainda mais para uma artista do quilate de Angela Maria Diniz Gonçalves... Infelizmente não tenho foto com ela, nunca fomos apresentados, não fizemos nenhum trabalho juntos e ela morreu sem saber que eu existia. Queria tanto poder ter dividido com ela uma boa mesa de bar! Ainda assim, sua importância na minha vida foi enorme. E continuará sendo. Grande cantora, compositora, pianista, enterteiner, one woman show... Termino clamando aos céus: Senhor, pare de levar embora os artistas, esses seres iluminados que nos fazem transcender a mediocridade da existência. E, citando a própria: “Quem dera pudesse a dor que entristece fazer compreender; os fracos de alma, sem paz e sem calma, ajudasse a ver que a vida é bela, só nos resta viver”... Ainda bem que o legado de Angela Ro Ro ficará para sempre. Assim como as canções, como as paixões e as palavras… Nas fotos, Angela na capa do primeiro LP e o ingresso do show Só nos Resta Viver no Teatro Leopoldina.

sexta-feira, 5 de setembro de 2025

PENSAMENTOS À BEIRA DE

Entrei o mês de setembro do jeito que gosto: Junto ao mar. Mais especificamente junto ao mar de Camburi, no litoral norte de São Paulo, onde não ia desde o meu último aniversário no mês de abril passado. Quem me conhece e segue o blog já deve saber que a combinação mar, eu, música e álcool resulta em reflexões (nem sempre relevantes), que são os meus pensamentos à beira de. Um dos temas recorrentes é: por que morar na capital e não no litoral? Dúvida que me persegue há quase trinta anos! Por mais que reflita, não consigo chegar a uma conclusão que me faça deixar a metrópole e virar um caiçara... Nessa minha temporada praiana refleti sobre o meu suposto transtorno do espectro autista. Digo suposto porque foi diagnosticado por mim mesmo. Tenho cada vez mais certeza de que me enquadro no espectro. Mas calma, me diagnostiquei no nível um. Felizmente consigo, ainda que a duras penas, ter uma vida social. Mas os barulhos das outras pessoas me incomodam cada vez mais. Na praia eles me irritaram e desviaram minha atenção até do barulho do mar, que amo. Eles estão em toda parte. São pessoas que falam um tom acima do aceitável, crianças que gritam, músicas num volume muito alto, martelos e furadeiras, motocicletas com escapamento aberto e até mesmo (pasmem!) pássaros que cantam sem parar... Fora isso, também refleti sobre o meu leve alcoolismo. Digo leve porque consigo administrar minha adição alcoólica também no nível do social. Procuro beber somente nos finais de semana, exceção feita às viagens, como foi o caso dos dias que passei na praia. Impossível não beber todos os dias quando se está junto ao mar… E bebendo e me irritando com os barulhos alheios e refletindo sobre diversos temas (nem sempre relevantes, como falei) os meus dias junto ao mar passaram voando! Tomara que eu possa voltar logo para lá... Agora estou de volta a São Paulo, na minha casa, diante da tela do computador e já morrendo de saudade dos entardeceres de tirar o fôlego que contemplei no litoral. E louco para ir conhecer , amanhã à noite, o teatro Cultura Artística restaurado após o incêndio que o devastou. Coisas da cidade grande... Bom mês de setembro a todos! Na foto, o mar de Camburi visto de uma das alamedas que nos conduzem até ele.

domingo, 31 de agosto de 2025

AGOSTO QUE FINDA

O mês de agosto que hoje finda nos levou Luis Fernando Veríssimo. Grande escritor, talento enorme, incomensurável. Humor preciso, inteligência refinada. Criador de personagens que, assim como ele, ficarão para sempre no imaginário nacional… Agosto levou também minha vontade de escrever. Esse é apenas o segundo e último post aqui no blog esse mês. Andei bastante impressionado pela leitura das obras de ficção da autora japonesa Yoko Ogawa. Comecei pelas três novelas A Piscina, Diário de Gravidez e Dormitório, como já havia contado aqui. Depois maratonei os quatro romances dela já lançados no Brasil: A Fórmula Preferida do Professor, A Polícia da Memória, O Museu do Silêncio e Hotel Íris. Todos geniais. A escritora nos revela o lado escuro da vida e do ser humano. Normalmente são situações e lugares totalmente irreais, fictícios, mas que, de tão bem descritos, a gente embarca e os aceita como reais e muito possíveis. Me fazem lembrar da canção Balada do Lado sem Luz, de Gil, gravada por Bethânia no álbum Pássaro da Manhã: “Mundo das sombras, caverna escondida onde a luz da vida foi quase apagada”… A memória, tema que me encanta, é recorrente em todas as histórias. Em A Fórmula Preferida do Professor, por exemplo, ele a perde e a recupera todos os dias por apenas oitenta minutos; em A Polícia da Memória os policiais que governam uma pequena ilha apagam progressivamente as memórias de seus habitantes; impossível não fazer um paralelo com o apagamento arquitetônico promovido pela construção civil nos bairros de São Paulo: progressivamente as casas somem dando lugar a torres que os uniformizam… Yoko Ogawa descreve com detalhes cenas de humilhação e violência a que determinados personagens se submetem que normalmente fecho os olhos para não ver em filmes e séries. Já em seus livros não consigo deixar de ler. E, mesmo me apavorando, me envolvem e revelam meus próprios lados sombrios. Quem nunca? Afinal, entrar em contato com o pior do ser humano nunca foi tão acessível como agora. Está ao alcance de um clic… O mês que finda também trouxe o aniversário do meu querido diretor, mestre e amigo Luis Artur Nunes. Comemoramos entre amigos com direito a drinks, bolo e velinha soprada pelo aniversariante em meio a muitas conversas e risadas. Cada vez mais me convenço que o bom da vida é estar entre amigos a celebrar o que quer que seja. A vida, por exemplo. O que já estaria sempre de bom tamanho… A imagem que vou guardar de Luis Fernando Veríssimo é ele meio afastado, em silêncio e com um sorriso tímido nos lábios tanto no apartamento de Paris, onde o conheci, como na casa dele em Porto Alegre. E, claro, a memória de seus textos geniais e hilariantes que tanto me inspiraram… Nas fotos, o autógrafo de LFV no livro que ganhei de presente de Mariana e Fernanda no meu aniversário de trinta anos, a bela capa de Hotel Íris e a comemoração do aniversário de Luis Artur.

domingo, 17 de agosto de 2025

PAZ INTERIOR

Dia desses Weidy e eu resolvemos passar o dia de domingo no interior, mais precisamente em Santana de Parnaíba, município da região metropolitana de São Paulo que fica pertinho, a quarenta quilômetros daqui da capital. É quase inacreditável que tão próximo dessa loucura toda que é uma metrópole haja tal joia de preservação arquitetônica e natural. Aquela típica cidade do interior com uma praça, uma igreja, um coreto e ruazinhas repletas de casas do período colonial. O dia se fez ensolarado, nas barracas de comida e bebida e nos restaurantes e bares que circundam a praça as pessoas se divertiam, tiravam fotografias e comiam o morango do amor rsrsrs... Depois de visitar o museu, a praça, a igreja e fotografar as lindas construções, almoçamos num restaurante italiano instalado numa belíssima mansão de pé direito alto e com aquelas janelas de vidros bisotados. Um sonho juste à côté da Pauliceia... De volta à ensandecida megalópole comecei a assistir à série Boca a Boca, do mesmo diretor do filme Homem Com H, o talentosíssimo Esmir Filho. E não é que a série se passa numa pequena cidade do interior tão linda, antiga e preservada quanto Santana de Parnaíba? Na ficção a chamaram de Progresso, mas já pesquisei e descobri tratar-se de Goiás Velho, município do estado de Goiás. Estou louco para ir lá conhecer. Só que essa é bem mais longe daqui... A propósito, adorei a série. Não deixem de assistir, está disponível na Netflix. E dando asas à dispersão, conversando com uma amiga muito querida - que não via há muitos anos e que esteve em São Paulo essa semana - lá pelas tantas o papo enveredou para os sonhos e planos futuros, as mudanças de vida que a gente sempre acaba adiando e onde gostaríamos de morar. Ao contrário de mim, um taurino apegado às coisas e hábitos, que cria raízes difíceis de remover, ela, toda serelepe, vive mudando de vida, de atitudes e planos. E isso inclui os lugares onde mora. Recentemente, cansada de alternar a vida no interior e na capital gaúchos, me contou que mudou-se para a praia. Imediatamente aquela minha velha fantasia de deixar Sampa e ir morar junto ao mar voltou. E ficamos a projetar possibilidades de tornar esse sonho real... O meu grau de dificuldade para mudança de moradia já começa pelo local: Onde, em qual praia eu gostaria de morar? As que mais gosto ficam longe de São Paulo, não tem hospital, meu plano de saúde é daqui... E seguem os empecilhos: Tenho preguiça de encaixotar tudo e transportar. Eu poderia alugar uma casa já mobiliada na praia, mas alugar meu apartamento com tudo dentro para outra pessoa morar é algo impensável para mim. Imaginar outras pessoas se relacionando com meus móveis e objetos, todos plenos de significado para mim e pelos quais nutro afeto incondicional... E mais ainda: Tenho quase certeza que depois de um ou dois meses eu seria tomado por um tédio incontrolável e ia querer fazer tudo o que tem para se fazer na capital e que quase nunca faço quando estou aqui... Difícil, não? Assim eu vou ficando por São Paulo mesmo, cidade que me encanta desde a mais tenra idade e na qual sempre sonhei viver. Nasci no interior do Rio Grande do Sul, na pequena Soledade, onde vivi até os catorze anos de idade, quando me mudei para Porto Alegre para fazer o segundo grau e a faculdade. Desde lá eu já sabia que viver nas grandes cidades seria para mim um caminho sem volta. Apesar de achar a coisa mais linda uma pequena cidade do interior ou uma vila de pescadores junto ao mar, é nos grandes centros urbanos que a vida pulsa, e esse pulsar constante ainda encontra ressonância no meu peito, apesar da idade que avança inexoravelmente... De qualquer maneira, é bom saber que "sempre teremos Paris". Ou Ilhabela, Camburi, Barra do Sahy, Santana de Parnaíba e Goiás Velho... Boas viagens a todos! Nas fotos, o coreto da praça, eu posando em uma esquina, ruazinha ao lado da praça e detalhe do interior do restaurate.

quarta-feira, 23 de julho de 2025

60 +

Tenho pensado muito sobre a minha nova condição de idoso. Já faz dois anos que entrei nela mas, como sou idoso, penso mais devagar. Aliás, estou fazendo tudo cada vez mais devagar. Tenho dores que antes não tinha. Acho longe trajetos que antes considerava perto. Essa semana fui pela primeira vez consultar um geriatra. Ele me pediu exames que eu nem sabia que existiam, nunca tinha ouvido falar em densiometria óssea nem tampouco em ecodopplercardiograma transtorácico... Sempre me lembro da minha mãe. Uma vez perguntei a ela como era ter setenta anos e ela me respondeu: Não sei, eu não me sinto com setenta. Pra mim eu continuo com uns trinta! Eu também continuo pensando que tenho trinta. Mas não me engano: quando tento realizar os impulsos de trinta que ainda tenho sinto as limitações dos sessenta e dois que já chegaram... Sempre ouvi dizer que o Brasil era o país do futuro. A sensação que tenho agora é de que o futuro chegou e o Brasil já não deu certo. E no tempo que ainda tenho para viver tenho certeza de que não dará. Não acredito que alguém ou algum partido dê jeito nisso. O ser humano tem se aperfeiçoado cada vez mais em piorar... Não tive filhos, portanto não terei netos. Minhas atuais preocupações com o "futuro" se resumem a ter saúde, disposição e meios financeiros para realizar alguns sonhos que ainda não realizei. Trabalho cada vez menos. O etarismo é uma realidade que agora sinto na pele. (Pele que por sinal está cada vez mais enrugada rsrs). Já não recebo convites para trabalhar. Se não me mexo, não vou à luta, fico em casa esperando e nada acontece. A academia me salva. Os exercícios me fazem sentir vivo e disposto. O bom humor me salva. A arte, o teatro, a música e a cultura de um modo geral me salvam. Especialmente a literatura tem me salvado cada vez mais. Tenho relido as primeiras obras que li na infância: Monteiro Lobato e seus incríveis A Chave do Tamanho e Viagem ao Céu. É impressionante como já estava tudo lá. Todos os conceitos importantes da vida, as relações sociais e as de afeto, a filosofia, a política, a ciência e as maravilhas desse mundão de meu Deus... Felizmente ainda tenho curiosidade pela vida e pelas pessoas. Me recuso a me isolar. Dia desses me surpreendi: Fui no show do Alok no Pacaembu! E gostei, ou melhor, curti muito. E ver artistas quase centenários como Othon Bastos e Nathalia Timberg no palco me encheu de esperanças... Tenho a meu favor uma tranquilidade natural que sempre fez parte de mim e agora, na calma da idade avançada, me poupa de estresses e ansiedades desnecessárias. Desfruto da minha própria companhia como sempre fiz. Agradeço a Deus todas as manhãs por acordar vivo e saudável. Estou sempre com o pé que é um leque para viajar e com o texto na ponta da língua para subir ao palco. Rezo todas as noites por mim e pelos que amo. Sofro pelos que nos deixam, sobretudo pelos que nos deixam precocemente. Sigo me encantando com pores de sol, noites estreladas e enluaradas e amanheceres. Amo cada vez mais os animais. E os bons vinhos, né? Que no seco também não dá... Como disse no início, tenho pensado muito sobre a minha nova condição. Já faz dois anos que entrei nela mas, como sou idoso, penso mais devagar... Na foto, eu 60+ pela lente do fotógrafo & amigo Guto de Castro.