sábado, 7 de outubro de 2023

O VAMPIRO BORIS PARTE II

Boris representava tudo o que mais me atraía e mais era proibido para mim. O lado escuro da lua. Hey, babe, take a walk on the wild side. Era um ser da noite, dos bares. Frequentava lugares que eu sonhava conhecer, mas morria de medo. Tinha medo de tudo, quase. Uma aura de permissividade o envolvia. Ele materializava na minha frente as coisas que eu lia em André Gide, Jean Genet, Tennessee Williams e Bukowski. Então aquele mundo fascinante, habitado por seres livres, rebeldes, malditos, inconformados, desencaixados e sem pudores era acessível para mim? Estava agora ao alcance da minha vontade há tanto tempo reprimida? Difícil de lidar. De aceitar. De administrar. Ele vinha e ia embora com a mesma facilidade. Sumia dias sem dar nenhuma explicação. Ao voltar, calava minha boca cheia de cobranças com beijos de tirar o fôlego. E, rolando no carpete, me fazia esquecer de tudo o que fizera ou deixara de fazer. Enquanto minhas roupas iam sendo arrancadas por aqueles incontáveis braços de polvo sedutor. Quanta novidade para um jovem rapaz vindo do interior... Eu achava lindos os seus pés e suas mãos. Ficava horas a admirá-los em silêncio. Na minúscula barraca individual em que acampávamos, deitados após o almoço, eu olhava para seus pés descalços apreciando cada mínimo detalhe. Os dedos longos, de unhas perfeitas, bronzeados pelo sol. Na praia ele estava quase sempre descalço, usava no máximo sandálias havaianas. As mãos, vez por outra, dedilhavam as cordas de algum violão. Ô Antonico, vou lhe pedir um favor. Que só depende da sua boa vontade. Prezado amigo Afonsinho, eu continuo aqui mesmo. Aperfeiçoando o imperfeito. Oba, oba, oba Charlie. Como é que é my friend Charlie. Não era só violões que dedilhavam: Suas mãos devassas me percorriam com igual destreza, invadindo bolsos que ele perfurava em direção a intumescências túrgidas e úmidas do meu incontrolado sexo que desabrochava, quanto riso, ó quanta alegria. Eu estou tão cansado, mas não pra dizer que não acredito mais em você... Nossa sede insaciável de álcool nos levava a uma ronda noturna por botecos e bares nem sempre bem frequentados. E nos despertava outras sedes não menos insaciáveis que às vezes nos faziam ir ao banheiro juntos e lá mesmo, apertados em quatro paredes infectas, aplacá-las aos risos e sair com a maior cara de pau, como se nada tivesse acontecido. Acho que essa loucura toda, entre idas e vindas, não chegou a durar dois anos. Depois disso nos afastamos e, apesar de continuarmos morando na mesma cidade por muito tempo, eu nunca mais o encontrei ou ouvi falar dele. Teria se transformado em morcego e voado para terras distantes? Ou quem sabe seu peito teria sido atravessado por uma estaca? É impressionante a capacidade que algumas pessoas têm de desaparecer da vida da gente sem deixar rastros. Mais de trinta anos se passaram sem que eu nunca o tivesse reencontrado. Mesmo quando já existiam as redes sociais. Nada. Nem um perfil em nenhuma delas. Seriam os vampiros invisíveis nas redes, assim como o são diante dos espelhos? Aí está uma prova que nunca tirei: Não lembro de jamais ter visto a imagem de Boris refletida em um espelho... Amas a noite pelo poder de aniquilamento que encerra, diz a elegia de Drumond. Boris era desses: Dos que se transformam quando o sol começa a se por. Dos que mudam quando é lua cheia. Dos que roubam gardênias perfumadíssimas dos jardins noturnos alheios para te dar de presente. Que juram amor eterno e fazem a eternidade caber em uma noite. Era noite de lua cheia na praia da Pinheira. O mar estava coberto por sua luz prateada. Brilhava no meio da noite. Como brilhávamos, Boris e eu, sobre as pedras da ponta da Praia de Cima. Não havia mais nada além dos nossos corpos entrelaçados sobre as pedras da praia. Nada além da luz da lua. Branca. Iridescente. Censurar ninguém se atreve: Mãos que adentravam calças e cuecas. Línguas desbravavam bocas e outros orifícios. A maior expressão da beleza, do amor e do prazer que eu jamais experimentara. Meu pequeno mundo se expandia a universo. Minha percepção se alargava. Minha vida interior desabrochava à luz da lua e à beira mar. Segura as pontas, meu coração. É tão bom sonhar contigo, ó luar tão cândido... Continua no próximo post. Na foto, obra do artista Titi freak.

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