quinta-feira, 19 de outubro de 2023

O VAMPIRO BORIS - FINAL

Saniasin. Rajneesh. Baguan. Osho. Roupa vermelha, colar. Mala. Terceiro olho, cajal preto nos olhos. Incenso. Buda. Seitas, mistérios, iniciações. Boris trazia segredos, prometia iluminações, mudanças. Uma nova era. Seres evoluídos. Evolua, não polua, escrevia nas páginas dos meus cadernos, junto à imagem de uma lua crescente, por ele desenhada como um grafitti. Tanto para mim. Ao alcance da mão e tão distante. Flertava com a dança e com o teatro. A yoga, a biodança. Retiros espirituais. Como alguns instantes vacilantes e só. Vento devastando como um sonho que gente maluca gosta de sonhar... A praia da Pinheira, em Santa Catarina. O bairro do Bom Fim, em Porto Alegre. Desfilamos nesses dois lugares nossas juventudes e nossos sonhos. Nossas ilusões passageiras e as que se mantiveram comigo, pois ele já se foi. Para onde, não sei. Talvez para a Paris do século XIX, com seus teatros e bulevares, como fez Lestat, no romance de Anne Rice. Acho que nunca saberei: Boris era um ser envolto em mistério. Que a vida me trouxe e depois me levou. Como os vampiros que vem, causam o maior estrago, ceifam vidas e se vão. Sem deixar rastros, apenas cicatrizes. E lembranças. Depois partem, alados. Misteriosos. Antes que o dia amanheça, desaparecem. Noite adentro, mundo afora. E eu sinto aquela coisa no meu peito: Sinto aquela grande confusão. Eu sei que também sou um vampiro, que nunca vai ter paz no coração... Já faz um bom tempo que recebi a mensagem da minha amiga com a notícia da morte de Boris. Não mudou muita coisa para mim: Continuei sem vê-lo ou ouvir falar dele como vinha acontecendo há quase quarenta anos, desde que nos afastamos. Nem ao menos em sonho ele me visitou. Vez por outra, remexendo guardados, encontro alguma fotografia em que ele aparece comigo ou com alguns dos nossos amigos. Nada muito nítido ou revelador, todas meio fora de foco, tremidas como as lembranças que tenho dele. Encontro também dois bilhetes que ele me mandou da Praia da Pinheira, escritos em pedaços de papel de embrulho cor de rosa, com uma conta de bar anotada à mão no verso. Típico. A cara dele. Não creio que eu vá reencontrá-lo em uma possível vida após a morte. Tivemos tempo demais nesta aqui e isso nunca aconteceu. Até porque ele não deve ter morrido de fato. Talvez descanse sob a superfície da terra junto ao cemitério do Père-Lachaise, em Paris, ou nos arredores do French Quarter, em Nova Orleans. Até que o som de alguma banda de rock o desperte novamente em um século qualquer, em uma nova era, como ele gostava de dizer. Não sei. O que era para ter sido, foi. O que não foi, a gente inventa. Romanceia. Auto ficciona. Com pitadas de terror e erotismo, que é para tornar a leitura envolvente e, quem sabe, inspiradora para possíveis corações apaixonados. Como eram os nossos naquele adorável e inesquecível fin de siècle...

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