segunda-feira, 29 de novembro de 2021

INFLUENCERS

Lucia era muito independente. Tinha apenas dezessete anos quando saíra de casa para morar sozinha em um apartamento tipo estúdio, uma graça, primeiro andar de frente para a rua. Quando me convidou para dirigi-la em um espetáculo alternativo que iria estrelar em um barzinho da moda, eu, que já contava vinte e dois anos, fiquei impressionado com a sua autonomia, morando sozinha, me convidando para sua casa, beber, cheirar, fumar, quem sabe dormir. Tinha ficado anos em cartaz com uma peça adolescente de sucesso, viajara o Brasil, lotava grandes teatros, tinha juntado dinheiro para levar a vida que queria. Eu, que já sonhava com tudo isso, ainda fazia faculdade de teatro e morava com a família... Tinha um nome peculiar, chamava-se Irani. Irani Zucatto, me disse estendendo um pedaço de papel com o número do seu telefone. Todo mês vinha na minha casa trazer as encomendas, era vendedor do Círculo do Livro. Sou ator, me disse. Estou em cartaz com uma peça, a Antígona, de Sófocles, se quiser assistir eu consigo convite para você. Quero muito, pensei. E cheguei mesmo a dizer. Então ele me deu o convite e fui assistir à montagem, na qual ele fazia um guarda. Num ímpeto de coragem fui até o camarim pedindo para falar com ele. O que me impedia de fazer o que eu tanto queria da vida? Era sabido, desde criança, ele vai ser artista, gosta de desenhar, de escrever, de fazer teatro... A Ana morava no apartamento embaixo do meu. Estudava no CAD, o curso de arte dramática da Universidade Federal. Me dizia é a sua cara, você precisa ir até lá conhecer, pelo menos. Me levou para assistir a uma montagem de Woisek. Fiquei tão impressionado. Me apresentou a alguns deles. Eram todos tão livres, tão eles próprios. Que vontade de pertencer àquela turma, àquela realidade. Eu sempre tão preso a não sei o quê. Quando vou ter a liberdade de fazer o que quiser? Eu fiz teatro, me dizia minha mãe. Atuei em duas peças do Dr. Belmonte. Era um médico daqui de Soledade que escrevia para teatro. Também tinha umas companhias que vinham para cá e o papai ajudava, colocava os músicos da orquestra dele para tocar, eu e as tuas tias íamos cantar e representar também. Fiquei amiga da Norah Fontes. Ela queria que eu fosse embora com a companhia deles, ser atriz profissional. Depois ela fez novelas, ficou famosa. Mãe, eu pensava, quero isso para mim também. Será que um dia terei? Some-se a isso as peças a que assisti no Teatro Serelepe, uma companhia itinerante, um teatro de lata que ficou uma grande temporada na minha cidade. E, claro, as novelas de Janete Clair. Esses foram os meus "analogical influencers". Lá se vão trinta e seis anos de carreira. Muitos sonhos realizados e tantos ainda por realizar. Sigo amando as artes em geral e o teatro em particular. Uma relação de amor. Nem sempre correspondido, diga-se de passagem. Mas que só cresce e se renova com o passar dos anos... Nas fotos, Norah Fontes e minha mãe com o acordeon.

2 comentários:

  1. Lindo seu post, quem ama o teatro entende o que você escreve. Quer ver, quer entrar, quer isso pra si.

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  2. Odilon, querido, é como no Teatro Mágico, do Lobo da Estepe, de Hermann Hesse...

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