quarta-feira, 15 de setembro de 2021

SENHORA DIRETORA

O primeiro professor de direção a gente nunca esquece. No caso, primeira professora: Irene Brietzke. Ela nos ensinou o beabá da encenação. Montar uma cena como quem pinta um quadro. Ler a cena da esquerda para a direita, como quem escreve. Explorar linhas no espaço, diagonais, retas, semicírculos. Compor quadros vivos de acordo com um tema proposto. Lembro que uma vez ela me deu o tema praia para que eu compusesse um quadro com os colegas. Dei tudo de mim para fugir do óbvio, elaborei o mais que pude e entreguei uma praia totalmente "cabeça". Dona de um senso de humor único, após examinar atentamente o resultado, Irene comenta, seriíssima: Refaz essa praia um pouco mais Copacabana e menos Praia do Rosa. Nunca esqueci... Como também nunca esqueci seu comentário após assistir à primeira cena que dirigi com atores (Mario Ruy e Cibele Sastre) cujo tema era Cenas de Um Casamento: Tu tens postura de diretor. Procurei carregar para sempre comigo essa postura... Uma das primeiras peças a que assisti foi o seu inesquecível Salão Grená, com canções de Brecht e Weill, no pequeno palco do CAD - hoje DAD - onde anos depois eu iria estudar e ser aluno justamente dela. Lembro do quanto me impactou e de como saí de lá impressionado e decidido a cursar Artes Cênicas... Fora todo o conhecimento que Irene nos passava nas aulas, a gente tinha o privilégio de acompanhar nos palcos da cidade a trajetória profissional dela como encenadora e atriz. Atuando ou dirigindo, ela arrasava sur la scène. Foram inúmeras montagens com o Grupo Teatro Vivo, espécie de curso de extensão universitária que vinha como prêmio. Entre elas, O Casamento do Pequeno Burguês, Mahagonny, Peer Gynt, A Aurora da Minha Vida, No Natal a Gente Vem te Buscar e tantas outras.... Cursei o DAD de 1984 a 1989. Tempo recorde comparado à maioria dos alunos que ficava anos e anos cursando. Muitos sem ao menos se formar. Mas foram anos muito bem vividos. Tive grandes mestres, Irene foi um deles. Como Ivo Bender, Maria Helena Lopes, Luís Artur Nunes, para citar alguns. Pertencem a uma casta, uma cepa especial, representam uma era de encantamento e arte, algo que se assemelha a um sonho do qual estamos acordando agora. E dando de cara com uma realidade assustadora... Descanse em paz, Irene. Que os Deuses do Teatro te acolham com os louvores a que tens direito. Na foto, Irene pelo luxuoso olhar da fotógrafa Jacqueline Joner.

4 comentários:

  1. Ótimo texto, Robertinho, diz muito de quem ela era. Uma grande mestra de todos nós, privilegiada a nossa geração que teve Irene como farol, como colega, como diretora e como amiga divertida, única! RIP Irene.

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    1. Ivan, querido! Sorte a nossa de termos privado da companhia, do talento, do humor e da sabedoria dela. Beijo.

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  2. Lindo texto, prova cabal de que a educação nos forma para além das fronteiras. Tivemos sorte, nossa geração foi educada.

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