domingo, 27 de novembro de 2011


MINHA AVÓ

Minha avó materna se chamava Adelaide. Mas todos a chamavam de Laida. Nós, os netos, a chamávamos de Vó Laida. Seu marido se chamava Democratino. Mas todos o chamavam de Democrata. Ou Demo. Nós, os netos, o chamávamos de Vô Democrata. E assim a vida ia passando... Eu adorava passar os fins de semana na casa da minha vó. Morávamos mais ou menos na entrada da cidade e meus avós, no extremo oposto. Digamos que na saída. Então, no sábado depois do almoço eu pegava minha bicicleta Tigrão verde (Depois substituída por uma Monareta vermelha), minha mochila com pijama, escova de dentes, alguma roupa e livros para fazer os temas de casa e atravessava a cidade feliz da vida com a aventura... Tudo era divertido na casa da minha vó. Era uma casa de madeira, de dois pisos. No andar superior, por onde se entrava, tinha o quarto dos meus avós, a sala, um quarto de hóspedes de solteiro e um quarto de hóspedes de casal, onde eu dormia. Uma cama de casal inteira, só para mim! Tinha um armário com espelho na porta e uma cômoda com tampo de mármore. Gostava tanto desse quarto que herdei o armário e a cômoda. Mas, como não tenho espaço para eles no meu apartamento, ficaram com minha irmã Raquél. Descendo a escada chegava-se ao andar de baixo, onde ficavam a cozinha, a sala de jantar, uma espécie despensa e o banheiro, que era separado em sala de banho e toilette... O supra sumo do fim de semana chez-grand-mère era ficar assistindo TV até tarde. Minha avó ficava até o encerramento da programação, o que eu quase nunca conseguia fazer, pois pegava no sono bem antes e ela me levava pra cama no colo. O encerramento da programação da TV era com uma animação de carneirinhos pulando sobre uma criança que dormia e tinha uma musica cuja letra dizia: Já é hora de dormir, não espere mamãe mandar. Um bom sono pra você, e um alegre despertar... Minha vó fumava, bebia e gostava de ler... Ou seja, era todo um universo a se descobrir, sempre encantador. Tinha, no quarto de hóspedes de solteiro, um armário biblioteca, todo envidraçado, onde ela guardava seus livros. Tinha um livro sobre nudismo que eu adorava folhear escondido para ver as fotos das pessoas peladas, o que naquele tempo era praticamente impossível, principalmente para uma criança... Dos livros a que eu tinha acesso permitido, meu preferido era As Aventuras do Avião Vermelho, de Érico Veríssimo. Lembro que numa das aventuras os personagens iam parar na lua e lá tudo era escrito de trás pra frente. E no letreiro da sorveteria, por exemplo, estava escrito Setevros... O café da manhã era outra das minhas atividades preferidas. Minha vó tomava cafés da manhã muito longos, fazendo palavras cruzadas Coquetel. Como ela era craque, fazia as mais difíceis. E eu a acompanhava com minha versão facilitada, para iniciantes, o Picolé... Minha vó tinha guardados pequenos tesouros que eu adorava pedir para que ela me mostrasse. Como a caixinha de música com a bailarina que dançava girando em frente a um espelho. Ou o boneco João Bêbado, espécie de João Bobo que a gente fazia cambalear com um copinho imantado... Quando meus avós fizeram bodas de ouro, toquei órgão na missa: A Sonata ao Luar, de Beethoven, na entrada dos noivos, e a Ave Maria, de Gounoud, na saída... Lembro até hoje do cheiro da minha vó, que eu adorava. Era uma mistura de Maderas de Oriente, da Myrurgia, com cigarro e bafo de pinga. Ah! E uma pitada de talco, da Myrurgia também. Acho que Maja. Ou Promesa... O cigarro que ela fumava era Kissme. Sem filtro... Minha vó nos levava no cinema. Viajava e nos trazia presentes que sempre eram novidades. Pelo menos para nós, que morávamos em Soledade, quase tudo era novidade. Foi com minha avó que conheci São Paulo, aos onze anos... O post está ficando longo e ainda tenho tanta coisa pra dizer sobre ela. Quem sabe no próximo fim de semana. Agora é hora de pegar a bicicleta e atravessar a cidade de volta pra casa...

Na foto, Vó Laida com sua filha Doracy, a minha mãe.

2 comentários:

  1. Este comentário foi removido pelo autor.

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  2. É incrível a incoerência do ser humano.
    Ao mesmo tempo em que, para mim,
    sempre foi importante ser original e única,
    sinto uma alegria imensa ao encontrar
    características, hábitos, manias e traços
    parecidos com os meus nas obras de autores
    que admiro. E acho que é mais do que um
    desejo de se identificar, de se aceitar ou
    se encontrar no mundo. Cheguei à conclusão
    de que isso é uma “ego trip” minha. Explico:
    ao me enxergar num texto de qualidade,
    eu na realidade me elogio. Se leio algo que
    me faz pensar: -“Eu também sinto assim ! “
    e considero que quem escreveu isso é
    verdadeiramente bom, isso me traz conforto
    e até alívio. Mas claro que não gosto de
    concordar com tudo aquilo que leio. Quando
    li este post lindo sobre sua avó eu lembrei
    de mim mesma. Sou muito sensorial também,
    presto muita atenção em cheiros, gostos,
    texturas, imagens e sons. Se ao entrar no
    elevador uma senhora estiver com o perfume
    que minha avó costumava usar, isso imediatamente me transporta aos meus cinco
    anos, quando eu ia todo domingo à casa
    da minha avó Thereza e ela preparava
    o melhor chocolate quente
    do mundo naquelas xícaras azuis, simples e
    convidativas. Chego a sentir o sabor.
    Depois ela me deixava brincar de ser gente
    grande em sua penteadeira de atriz
    hollywoodiana dos anos 40. Eu lembro
    perfeitamente do seu pó de arroz:
    adocicado e profundamente rosa !
    Eu tomava um banho com sua água de colônia,
    que ela pronunciava colÓnia. Seu sofá tinha
    estampas grandes, em amarelo, bege e marrom,
    bem anos 70. Sua mão era macia como seda.
    Quando chego ao térreo e saio do elevador é
    como se tivesse feito uma viagem expressa
    no tempo e fico até meio tonta em voltar
    pra realidade. Essas lembranças me atingem
    como um vento forte. Sou nostálgica não saudosista. Gosto do novo, mas amo coisas antigas, elas têm história e bagagem.
    Seu Blog é incrível, muito bom mesmo, espero
    que continue escrevendo. O estilo do texto
    MINHA AVÓ me lembrou o Realismo,
    descritivo, palpável, real, verdadeiro e direto apesar da riqueza de detalhes. Só o conteúdo que é diferente da escola Realista porque é positivo, caloroso, doce e sensível apesar de intenso.
    Ainda bem que passei por aqui hoje.

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