segunda-feira, 18 de julho de 2011



GARRA NOJENTA
Porto Alegre sempre foi celeiro de gírias e expressões que eram criadas, logo em seguida lançadas no eixo Rio-São Paulo e, não raro, se extendiam ao resto do Brasil. Eu não sei quem foi o criador da expressão garra nojenta. Talvez tenha sido Renato Campão, ou Zé Adão Barbosa, ou até mesmo alguém mais antigo do meio teatral gaúcho. Mas o fato é que todos nós, fazedores de teatro dos anos oitenta e noventa em Porto Alegre, a utilizávamos. A expressão foi cunhada para designar um estilo de interpretação densa, tensa, exageradamente dramática e, por vezes, enfrentativa. Sabe a Regina Duarte nesse remake de O Astro? Garra nojenta. Bete Coelho no teatro? Garra nojenta. Camila Morgado antes de descobrir a veia cômica? Garra nojenta. Desde o início de sua já longa carreira, Cássia Kiss sempre foi exemplo incontestável desse estilo de interpretação. Assim como Renata Sorrah. Ninguém poria em dúvida a garrice de Fernanda Montenegro. Ou da mestra Bibi Ferreira, em Gota d'Água, de Chico Buarque e Paulo Pontes. Mas, esqueçamos por hora o adjetivo “nojenta”, bônus intrínseco do debochado humor portoalegrense, e concentremo-nos no substantivo: A garra. Para além dos limites do teatro e de suas escolas interpretativas, a garra se extende a todos os aspectos da nossa vida. Prática ou não. Aliás, tanto mais prática quanto mais vivida, justamente, com garra. Eu sou um artista a cuja carreira sempre faltou uma certa dose de garra. No sentido de se avançar, de ir atrás, de fazer contatos, bajular, fazer lobby, puxar saco, mesmo. E não me gabo disso, absolutamente. Estou confessando aqui uma deficiência pessoal. Um talento que me falta. Tudo bem, ninguém é perfeito. Quando eu tento ser garra fica meio falso, me atrapalho todo, um desastre... Admiro, por exemplo, estrangeiros que, mal chegados a outros países que não o seu, já conseguem bons trabalhos, lugar para morar, se enturmam com as pessoas mais descoladas da cidade e são seguidos e admirados. Que nome dar a isso? Garra! Admiro modelos, sarados, bombados e bonitos em geral que, mesmo não tendo muita coisa para dar além do corpo e da beleza, o fazem e se dão bem nas carreiras que escolhem seguir. Eles tem o quê? Garra. Garra nojenta...
Lembro agora de outra expressão gaúcha designativa de estilo de interpretação: A Escola Mickey, da qual Grace Gianoukas é a principal representante e, se não me engano, a criadora. Que tem em Ilana Kaplan uma de suas principais seguidoras. Mas, voltando à garra: Caio Fernando Abreu era um escritor garra. Elis Regina, cantora garra. E o que dizer de Maria Bethânia? Quer um exemplo de atriz garra chiquérrima e cult? Glória Pires. Ou Beatriz Segall em Vale Tudo. Já para representar o lado cafona, nada mais garra nojenta do que a bispa Sônia pregando. Aliás, nesse caso, mais nojenta do que garra... E por aí vai. Cafona ou chic, brega ou cult, camp ou kitsch, a garra nojenta segue, através das décadas, impulsionando carreiras. Para cima ou para baixo. Dependendo do ponto de vista...

Na foto, La Fernandona recebe uma Fedra de frente.

4 comentários:

  1. Adoro "Garra Nojenta" !!! Ótima crônica, Robertinho!!! Realmente precisamos ter muita garra, seja nojenta ou não, para esculpir nossas carreiras.
    Eu adoro as expressões gaúchas e as uso, e uma expressão que adoro que aprendi tb com o Zé Adão, é "gestos de velha", principalmente agora, faz o maior sentido hahahahaha beijossss

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  2. Eu achei este texto Garra, como todos os outros que ja escreveste...bj.

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  3. Hahahahaha Adorei!!!

    Vamos combinar, (outra gíria criada por nós e que se espalhou...) tu escreves deliciosamente meu querido!!

    Bjks!

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  4. Você é um cara incrível, mas de verdade.
    Estou aprendendo a amar o seu trabalho!
    Grande abraço

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