quarta-feira, 24 de fevereiro de 2010


TEATRO

Essa noite eu tive um sonho. Não, não era um sonho de valsa. Sonhei que o teatro tinha deixado de existir. Que eu acordava pela manhã, tomava café e ia para o trabalho. E quando eu saía de lá, à tardinha, eu ia pra casa, tomava um uísque pra relaxar, jantava, assistia um pouco de televisão e ia dormir. E todos os dias eram iguais. Não havia a menor possibilidade de mudanças. Não havia a perspectiva do sonho, da ilusão, do encantamento, da diversão. Todas as pessoas eram chatas. Reclamavam das próprias vidas e falavam mal das vidas das outras. Tinham as cabeças iguais, gostavam todas das mesmas coisas: de novela, de big brother, de futebol, da Veja, da Caras, do Faustão, do Amaury Junior, do Pedro Bial, da Beyoncé, da Ivete, da Claudinha Leite, de churrasco, de temaki, de confit, de chutney, de relish, de pilates e do Jesus Luz. Ah, e claro: do CQC e de satnd-up comedy. Vestiam todas as mesmas roupas, tinham o mesmo corte de cabelo, o mesmo silicone, as mesmas tatuagens e o mesmo botox. E quando, por acaso, viam alguma coisa diferente, elas não gostavam, torciam o nariz, falavam mal. E o gosto dessas pessoas todas ia ficando cada vez pior, péssimo. Elas foram todas emburrecendo, eu inclusive. E, atônito, eu não podia fazer nada pra mudar aquela triste realidade. Eu pensava: eu sou um ator! Eu faço teatro! Eu quero falar para as pessoas que existe muito mais beleza, poesia, graça e magia do que elas imaginam! Mas o teatro tinha deixado de existir. Sem ele eu não tinha um canal de comunicação com as pessoas, com o mundo em si. E pior: me dei conta que não era só o teatro que havia deixado de existir. Toda e qualquer forma de expressão artística também. Olhei em volta e percebi que os grafittis tinham desaparecido dos muros. Até aquele painel dos Gêmeos, belíssimo, ali da 23 de Maio. Tudo sumiu, desapareceu como por encanto. E a cidade ficou fria, cinza e sem personalidade, pois, antes disso tudo, o Kassab já havia retirado os luminosos e as TVs gigantes que faziam da Paulista a nossa Times Square. Não tinha mais shows de música nem espetáculos de dança. Nem música ao vivo existia mais. (Ta, essa era a parte boa do sonho). A Pinacoteca e a Sala São Paulo agora eram dois templos evangélicos. A Bienal, imensa e vazia, funcionava como estacionamento e o Paulo Borges estava desempregado. Então me dei conta de que não podia viver sem o teatro. Que naquele mundo quadrado, sem estética, sem conceito e sem direção de arte, não havia lugar para mim. Quando me deparei comigo mesmo abordando os motoristas dos carros no sinal da Paulista com a Augusta, com o rosto pintado de purpurina, eu acordei num sobressalto. Acordei e pensei: Que bom que foi só um sonho. Aliás, um pesadelo. Que bom que existe o teatro, que eu posso fazer teatro. Que bom que as pessoas vão ao teatro e gostam. Ou não. Que bom que eu vou ao teatro e gosto. Bem, eu, geralmente, não gosto. Mas vou.
Luz em resistência. Cai o pano. The masquerade is over.

Mentira, gente. Não sonhei nada disso. É pura ficção. Achei que o blog tava precisando um pouco de. A realidade é bem diferente, né?

2 comentários:

  1. Esse e o meu favorito !!!! maravilhoso....
    japsan

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  2. E o melhor de tudo é que Teatro é só memória. Você faz, faz, faz e passa. A imortalidade está na sua própria forma efêmera. Como a vida. Passa.
    Agnes

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