quinta-feira, 11 de fevereiro de 2010


FELIZ ANIVERSÁRIO, MÃE

Se minha mãe estivesse viva, hoje completaria oitenta e dois anos de idade. Mas, infelizmente, quis o destino que ela nos deixasse aos setenta e nove. Ela se chamava Doracy, com ipsilone, como ela dizia. Mas todos gostavam de chamá-la de Dora. Não Dóra, com o ó aberto, mas Dora, com a vogal fechada. Dora era uma das pessoas mais leves, gentis, divertidas e engraçadas que jamais conheci. Acho que sou muito parecido com ela. Não fisicamente, mas com seu jeito moleca, menina mesmo aos quase oitenta anos. Acho que foi dela também que herdei minha capacidade de criar personagens e imitar pessoas. Pois a Dora, sempre que contava uma história, ia naturalmente mudando a voz para caracterizar as pessoas de quem estava falando. Ela me ensinou a gostar de música. Gostava muito de cantar. Uma das lembranças mais antigas que tenho de uma música é justamente minha mãe cantando “vestiu uma camisa listada e saiu por aí”, de Carmen Miranda, de quem ela era fã. Ela sempre contava que Carmen fora enterrada com um tailleur de veludo vermelho, bem maquiada e com as unhas pintadas também de vermelho. De encarnado, que era como ela chamava a cor vermelha. Falando em morte de cantora, quando Elis Regina morreu, em 1982, eu e minhas irmãs já morávamos em Porto Alegre e minha mãe vinha mais ou menos uma ou duas vezes por mês nos visitar. Pois no dia da morte de Elis, quando ela chegou no apartamento e me viu chorando copiosamente, mandou essa: “quero só ver se quando eu morrer tu vais chorar tanto quanto estás chorando pela Elis. Nossa, eu mal consegui subir as escadas, pois as tuas lágrimas estão correndo como cachoeira até lá embaixo!” Deliciosamente irônica e exagerada. Essa era a Dorinha. Divertidíssima e sempre com uma resposta na ponta da língua pra tudo e todos. O dono de um mercadinho onde ela fazia compras adorava provocá-la, só pra rir com suas tiradas. Um dia ele saudou-a dizendo: Olha, Dona Doracy, que novidade, papel higiênico perfumado! E ela emenda: "o que adianta ser perfumado se é pra passar no fedido?" Ela também se deliciava ao vê-lo ruborizar de vergonha...
Adorava vê-la reclamando da Argentina no inverno: “que raiva dessa Argentina, a gente não manda nada pra ela e ela ta sempre mandando frente fria pra cá”. Quando minhas irmãs sugeriam que ela entrasse para um grupo de terceira idade, ela dizia: não sou palhaça! Certa vez ela foi com minha irmã a um chá de senhoras e, quando o grupo da terceira idade começou a apresentar o seu número de dança, ela disparou: “É isso que vocês querem me ver fazendo? Deus me livre...”
Sinto muita falta da minha mãe e, acima de tudo, uma enorme saudade de todos os bons momentos que vivemos juntos. Às vezes ainda me pego pensando em telefonar para ela avisando que vou viajar, que vou aparecer na TV ou que saí em alguma revista, como eu sempre fazia. Ela assistia a todos os meus espetáculos, sem exceção. E, na segunda apresentação da Terca Insana, lá estava ela sentada a uma mesinha do Next Cabaret, acompanhada de minha irmã Rita, Edson Cordeiro e Claudia Wonder, minha amiga trans. Dora, assim como eu, adorava comemorar o dia dos seus anos. Recebia as amigas com a casa e o coração em festa. Hoje sua casa em Soledade estaria repleta de amigas...Feliz Aniversário, mãe!
Ah, e eu chorei muito mais por ti do que pela Elis...

3 comentários:

  1. Oh meu Deus quanta saudade e quanta certeza tenho de que ela ainda esta a meu lado! Dorinha foi unica e absolutamente adoravel. Bela homenagem tu fizeste a ela, meu irmao querido. bjs.

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  2. Lindo!!! No Blog do meu coração ela foi e sempre será homenageada. Bjos

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