sábado, 6 de fevereiro de 2010

Ao fundo: Edifício Italia e Oca do Ibirapuera.
FUTURO


Relendo os textos que postei aqui, achei que o blog estava ficando muito “memórias”, ou seja, voltado demais ao passado. Então resolvi escrever sobre o futuro. Lembra do futuro, aquela abstração longínqua e improvável que aconteceria lá pelo ano dois mil? Pois é. Sinto informar que ele chegou. E a conseqüência imediata e inevitável dessa chegada é que você deixou de ser aquele jovem um tanto irresponsável, cheio de sonhos na cabeça e com toda uma vida pela frente e se transformou nesse senhor de meia idade, com cabelos grisalhos e muita, muita responsabilidade. Ah! E sem o menor saco pra balada.
Só isso? Que nada. Muito mais. E agora não adianta reclamar. O futuro está aí e veio em conseqüência dos nossos atos passados e presentes. Quanta violência! Quanta desigualdade social! Quanto calor! Quanto frio! Quantas enchentes! Quantos desastres naturais...Pois é, pensássemos nisso tudo antes, quando o futuro ainda era aquela abstração longínqua etc. Imagino o futuro personificado, chegando aqui no nosso presente para dar o seu recado. Ele chegaria riquíssimo, coberto de ouro, num veículo ultra-moderno, pois, como todo mundo passou a vida inteira guardando dinheiro pro futuro, não deu outra: ele enriqueceu. Ele desceria de sua geringonça voadora saudando a todos com um simpático cumprimento:
“E aí, gentalha, tudo bem com vocês? Claro que não! Dá pra ver...Ahahaha! Eu sou o Futuro! Vocês não vivem esperando por mim? Então, cheguei! Agora lidem com isso.”
Os céticos e os pessimistas, que achavam que o futuro era negro, ficam logo decepcionados, pois ele é branco, louro, tem olhos azuis e é belíssimo. Os crentes, que passaram a vida repetindo que “o futuro a Deus pertence” ficam estarrecidos ante a revelação feita por ele logo de cara, na lata:
“Sou autônomo. Não tenho vínculo com nenhuma divindade e muito menos com facção religiosa.”
A turba, reunida em plena Avenida Paulista debaixo de chuva, segue atônita escutando as bombásticas declarações desse ser, misto de tempo verbal com o porvir da humanidade:
“Não quero nem saber se o pretérito é perfeito, imperfeito ou mais que perfeito. Eu sou o futuro do presente. De vocês. Sou a conseqüência do que vocês estão fazendo hoje. Agora, o que vocês gostariam que acontecesse é lá com o Futuro do Pretérito, aquela bicha insuportável. Aliás, quando eu estava vindo pra cá, cruzei com o Presente do Subjuntivo e ele falou: Espero que esteja tudo bem com você, porque pior do que está não vai ficar, não é? Eu falei: vai. Ah, vai. Bom, gente, a verdade é que nenhum tempo verbal fala mais comigo. O Gerúndio me vê e sai correndo. O infinitivo não pode nem me olhar. O Particípio ta passado! Ahahaha!”
A multidão incrédula começa a achar que o Futuro se passou no champanhe, cuja flute é automaticamente preenchida assim que ele termina de sorver o líquido gelado & rosé...E ele segue o discurso:
“Sorry, galera. Só vim dar um toque. É tanta vidente, astrólogo, tarólogo, enfim, tanta gente abusando da boa fé de vocês pra falar em nome do futuro que eu resolvi vir pessoalmente pra esclarecer. Você aí: desista, você não vai ganhar na loteria. Desculpe, minha senhora, mas aquela loura não vai sair da vida do seu marido. Ah! Vocês não vão virar chefes dos seus chefes, esqueçam aquela promoção...Estão me achando pessimista? Cruel? Que nada, só digo a verdade. Deixa ver o que mais...ah! Não vai ter paz no futuro. Portanto, no próximo Ano Novo, pecam outra coisa pra Iemanjá. Aliás, poupem-se daqueles rituais intermináveis de comer doze grãos de lentilha, pular não sei quantas ondinhas do mar, bobagem. Bebam e pronto. Brindem o presente. Enquanto eu não venho de vez! Como ja falei, era só um toque. Se quiserem, podem continuar poluindo, batendo, discriminando, matando, subornando, votando mal, roubando, desviando dinheiro público pra contas na Suíca, não to nem aí. Só não digam que não avisei. E agora eu ja vou indo, que ainda tenho que dar uma passadinha no Rio de Janeiro. Bye!”
Dito isso, ele desaparece no céu, parecendo a Xuxa quando entrava na nave no fim do programa, lembra? Esquece...
E a multidão começou a dispersar jogando muita bituca de cigarro, latinhas de cerveja e refrigerante, papéis e embalagens pet no chão, enquanto reclamava sem parar dos alagamentos da cidade.

2 comentários:

  1. hummm.... texto de gente grande... mesmo com 1,68...rs

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  2. Guri, tu estas indo longe e surpreendendo de fato. Uma delicia te ler, bjs.

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