quarta-feira, 22 de outubro de 2025
ALÉM DO HORIZONTE
Acordei às quatro horas da manhã para ir ao hospital, onde seria acompanhante de um amigo em um procedimento cirúrgico. Ainda não tinha amanhecido quando cheguei, no horário marcado, às cinco horas. Depois de preencher todos os documentos necessários para a internação, fomos conduzidos a uma sala onde, isolados por uma cortina de plástico, ele despiu suas roupas, vestiu aquele avental constrangedor que deixa a bunda de fora e me entregou todos os seus pertences. Durante o tempo em que ficamos nesse “cercadinho” cortinado conversamos sobre diversos assuntos (não nos víamos há meses) e colocamos a conversa em dia. Distraídos pela conversação fomos surpreendidos por uma luz que invadiu o recinto vinda da janela. Era o sol, que finalmente surgia por trás dos edifícios que desenhavam o skyline da cidade. A vida nos grandes centros urbanos acaba nos privando desses espetáculos diários da natureza: um nascer ou pôr de sol, uma noite estrelada, um horizonte que se estende ao infinito. Me levantei da cama onde estava sentado e mirei pela janela esse momento de pura inspiração em meio à fria e pragmática manhã de primavera. Um funcionário veio, acomodou o meu amigo em uma maca e o levou para a sala de cirurgia. Me despedi dele desejando-lhe boa sorte. Fui até a cafeteria do hospital para fazer meu desjejum e, enquanto tomava minha xícara de café, fiquei pensando em como eu estaria me sentindo se estivesse no lugar dele. Me imaginei percorrendo corredores, entrando e saindo de elevadores, sempre deitado na maca a olhar para o teto. Vi diversas luzes passando sobre a minha cabeça. Eu estaria calmo ou nervoso? Tranquilo ou com medo? Acho que certamente estaria rezando... Também faço isso quando vou ao teatro assistir ao espetáculo de algum colega: Quando soa o terceiro sinal e as luzes se apagam, fico imaginando como será que ele está se sentindo na coxia, minutos antes de entrar em cena. E como eu estaria, se estivesse no seu lugar. Da mesma forma quando vou me despedir de alguém no aeroporto: No momento em que a pessoa some após ultrapassar a catraca me imagino no lugar dela indo embora pra qualquer lugar… É interessante a gente sair de vez em quando da nossa vida e se projetar na vida de uma outra pessoa. Talvez seja um vício, uma deformação profissional, já que é isso o que faço há pelo menos quarenta anos trabalhando no teatro. Mas é um exercício estimulante e ao mesmo tempo agradável. Sobretudo nos ajuda a compreender o outro antes de simplesmente julgar, por exemplo. Sem falar que faz com que a gente se conheça mais e melhor… Agora o sol já está alto e eu sigo esperando o meu amigo sair da sala de cirurgia. Esperar é outra atividade interessantíssima na qual sou bastante treinado. E também faz um bem enorme. Mas isso já é assunto para uma outra postagem…
Mais um tempo se passou e já estou na minha casa, assim como meu amigo já está na casa dele. O procedimento foi um sucesso, ele nem precisou ficar hospitalizado, esperamos apenas algumas horas até ele receber a alta. Nesse tempo conversamos ainda mais e matamos a saudade. Uma brecha no cotidiano atribulado da grande metrópole, onde para encontrar um amigo é toda uma questão de disponibilidade de agendas… O entardecer eu vi daqui mesmo, da janela do meu apartamento. Com uma agradável sensação de dever cumprido. Com amor! E, lembrando os versos de Roberto Carlos: Além do horizonte existe um lugar bonito e tranquilo pra gente se amar...
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Rob amado, seu texto é puro cinema. A gente vai visualizando e vivendo cada frase... Que delícia saber que, nesse tempo de múltiplas telas, alguém tão próximo ainda exerce o poder e a magia das palavras, aguçando nossa imaginação. Obrigado por tudo e, ahhhh, delete esses amigos doentes! Você merece os mais saudáveis... ops, NÃOOOO... [esquece o que eu disse... 🤣🤣🤣]
ResponderExcluirMil beijos! ❤️🙌🫶
Conte sempre comigo, Fari! Desde que cheguei em SP com a malinha e o chimarrãozinho rsrs...
Excluir🥰😘💙
ExcluirOi amigo,
ResponderExcluirO Fariello tem toda razão, seu texto é puro cinema. Que sorte desse amigo ter você e sua disponibilidade. Depois que voltei a salvador tenho treinado muito essa arte de esperar, se me derem um livro e um chocolate posso esperar o dia todo.
Eu nem preciso do chocolate, Odilon! Rsrs
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