segunda-feira, 14 de abril de 2025

ÚLTIMO SONHO

Fim de domingo com Almodóvar… Não me refiro a seus filmes, mas à leitura da obra O Último Sonho, uma coletânea de doze contos do cineasta espanhol. Sou fã de Pedro Almodóvar num grau meio difícil de mensurar, algo que beira a mais louca obsessão. Referindo-se a esse livro, ele diz ser o mais próximo que já chegou de uma autobiografia. Não há como não concordar, Almodóvar é quase sempre muito autobiográfico no que quer que faça. Mesmo quando não fala necessariamente de si mesmo: Pode ser da mãe, da Espanha, de uma cantora de boleros, de um livro que leu ou de algum filme a que assistiu. E eu, pela total identificação, quase sempre acabo acreditando que fala de mim. Como no conto Romance Ruim, no qual discorre sobre a vontade que tem de escrever um romance, ainda que não seja o romance ideal. Fala também da necessidade que sente de estar com pessoas e conhece-las, o que também me reflete bastante. Eu tenho essa necessidade e espero nunca vir a perde-la. Assim como a vontade de sair, de ver coisas, viver coisas, descobrir coisas novas e me conhecer melhor através delas. Ou pelo menos, como cantou Rita Lee, saber que “enquanto estou vivo e cheio de graça, talvez ainda faça um monte de gente feliz”… No fim de semana que hoje se encerra estive com amigos queridos, assisti a espetáculos de teatro, comemorei com minha amiga Pilly Calvin, que há anos não encontrava, o seu aniversário. Saí da minha rotina de novo idoso, me sacudi, me testei, descobri limites e restrições. Nada que me impeça de ir em frente. Gosto muito da vida, de estar nela. Dia desses, visitando minha amiga e "ídola" Cida Moreira, que se recupera de uma lesão no braço, enquanto conversávamos cheguei à conclusão de que tenho (temos) uma conexão com a vida. Com o estar vivo. Acordar pela manhã e ser grato por estar ali. Pelo dia que começa. Pela luz do sol de outono que invade a janela. Isso. E muito, muito mais… Meu aniversário se aproxima e eu, taurino que só, me ponho a contar os dias e a comemorar antecipadamente. Que a nova idade que chega me dê mais vontade de estar vivo. Apesar de. Além de. Através de. E sobretudo…. Quando digo que não me refiro aos filmes, mas à leitura do livro, minto. Na semana que passou revi O Quarto ao Lado, que agora está disponível na Netflix. Mesmo sem o impacto da grande tela do cinema o filme mantém sua força. E muito do que escrevo agora também é fruto de te-lo revisto. Como podem perceber, Pedro Almodóvar me influencia sempre e de todas as maneiras… Bon avril à tous! Na foto, a capa de O Último Sonho.

quarta-feira, 9 de abril de 2025

MACÁRIO

Volto aos posts relativos às minhas direções em teatro. Achei que já tinha escrito aqui sobre todas elas, mas me dei conta de que faltaram algumas… Meu trabalho de conclusão do curso de direção na faculdade de Artes Cênicas da Universidade Federal do Rio Grande do Sul foi uma adaptação do Macário, de Álvares de Azevedo, no segundo semestre de 1989. Eu já tinha feito muito sucesso com meu trabalho anterior, a Lisístrata de Aristófanes, que me rendeu os prêmios Açorianos e Sated de melhor diretor e o troféu Scalp de teatro. Decidi então fazer algo mais cult, low profile, para poucos mesmo. Apenas três apresentações, à meia-noite, no teatrinho do Dad, do qual retirei algumas poltronas para limitar ainda mais o número de espectadores. Para o papel título escalei o então iniciante Fernando Washburger, que despontava como promessa de jovem ator. No papel de Satã, o antagonista, a talentosíssima Lucia Serpa e, se desdobrando em todos os personagens femininos, a não menos talentosa Ciça Reckziegel. Explorando todo o espaço cênico e a plateia, minha encenação tinha marcações nada realistas. O que conferiu um certo ar expressionista/pós-moderno ao espetáculo. (Eu estava numa fase Gerald Thomas/Bob Wilson, buscando o teatro de imagens, mais experimental e menos popular, digamos assim). Muito dessa atmosfera devo creditar à incrível iluminação concebida pelo saudoso Hermes Mancilha. Com pouquíssimos refletores e uma criatividade sem limites, ele transformou em sonho tudo o que tocou. E em realidade tudo o que sonhei... A peça teve a participação de Guto Vilaverde, nu, em uma inusitada Pietá nos braços de Ciça Reckziegel. Marlene Goidanich se encarregou da preparação vocal e da belíssima sonoplastia. Meu professor orientador foi o querido Beto Ruas, de quem guardo lembranças de muita identificação e afeto. Minhas colegas Nora, Ilana e Lucia me ajudaram na produção e Nora se encarregou dos figurinos. Infelizmente não tenho nenhum registro do espetáculo. Quem viu, viu. Antonio Holfeldt fez uma inspirada crítica no jornal Correio do Povo, falando de Macário e da importância do DAD/UFRGS. Claudio Hemmann assistiu, assim como várias celebridades locais. A diretora Bia Lessa, que estava em cartaz na cidade, foi assistir e, depois da peça, disse que tinha achado o diretor “um gatinho”, o que me deixou lisonjeado rsrsrs… Gosto muito deste meu trabalho, como diretor é um dos meus preferidos. Uma pena que não tenha sido gravado nem fotografado. Mas, como tudo na vida é transitório, a própria vida inclusive, registro aqui como tentativa de preservar a memória dos meus espetáculos. Nas fotos, o programa do espetáculo; feito artesanalmente como quase tudo o que fazíamos à época; nosso teatro, inclusive.