quinta-feira, 16 de maio de 2019

TEMPORAL

Não tinha a menor ideia de que eu fosse um ser tão urbano. Até o dia em que me vi isolado do mundo em um pequeno chalé numa praia de pescadores... Bastou fechar o tempo no fim da tarde de domingo, desabar o maior temporal e cair a força para que eu me visse em apuros. Primeiro porque chequei todos os armários, gavetas e recantos da casa e não achei um único toco de vela. Segundo porque as baterias do iPad e do iPhone começavam a dar sinal de estarem no fim. E terceiro, mas não menos importante, porque o sinal de 3G e mesmo de telefonia desapareceram por completo. O que seria de mim quando a caixinha de som Bluetooth apagasse também? Meu rosto era o único ponto iluminado na casa inteira, pela luz da tela do iPad. Bebia as últimas taças de vinho da última garrafa. Quando as baterias restantes acabassem o que iria acontecer? Não tinha nenhuma resposta. Só uma agitação interna que começava a crescer e a dar sinais de que poderia se transformar em desespero... Depois de um tempo ouvindo música e olhando para o nada na escuridão, a chuva acalmou e resolvi sair até a frente do condomínio para dissipar a minha angústia e ver se o apagão era geral. Vamos estabelecer como sendo rive gauche o lado da rua que dá para o mar. E rive droite, o que dá para o continente. Pois a energia acabou justamente no meu lado: Rive droite. Do outro lado tudo estava iluminado. Atravessei a rua e entrei no primeiro restaurante que vi aberto. Nas mesas em volta da minha as pessoas conversavam normalmente, como se nada estivesse acontecendo. E, pensando bem, nada estava acontecendo daquele lado da rua. A chuva já acalmara e a energia elétrica nem sequer havia caído. Então me dei conta de que o perigo maior esteve o tempo todo dentro de mim. Do lado de fora, a vida seguia molhada, varrida pela ventania e mais ou menos iluminada... No dia seguinte fiquei sabendo que perto dali uma tragédia no mar tirara a vida de uma famosa modelo durante o temporal. Teria sido essa a razão da minha angústia? Essa resposta eu também não tinha. Então rezei...

2 comentários:

  1. Seguimos urbanos... nada de "eu quero uma casa no campo..."

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  2. Sabe que esse dilema me persegue, Odilon? Cidade grande ou praia? Mas continuo optando pela metrópole...rsrsrs.

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