terça-feira, 13 de março de 2012


VISITA

Quando ela me visita sou tomado por sentimentos nobres, o momento se reveste de um colorido especial e sou imediatamente transposto para um estado de letargia criativa, mesmo que soe paradoxal, uma espécie de embriaguez produtiva. Por que não dizer, um estado de graça. Nunca tive coragem de tomar um ácido, mas, pelo que me contam, deve ser mais ou menos parecido. As cores adquirem novo brilho e as formas, novas texturas. O que era inerte se move, o silêncio se faz ouvir e até mesmo o que era invisível passa a ser visto. Acho muito difícil viver sem ela. Quer dizer, viver até dá. O difícil é escrever sem ela. É por isso que, às vezes, eu fico dias sem postar nada aqui no blog. Fico esperando por ela, olhando pela janela, batendo pernas na rua, folheando livros e revistas, conversando com amigos, indo ao cinema ou ao teatro, fazendo exercícios físicos, correndo, nadando, malhando; visito exposições, sento em cafés, tomo porres, viajo, volto pra casa, tento, enfim, de tudo. Mas, se ela não vem, não rola. Até rola, mas sem a graça e fluência habituais. Estou falando da inspiração. Às vezes ela parece estar me sacaneando. Só pra ver como é que me saio sem ela. Tudo bem, resolvi me virar sozinho. Estou tentando. Então, como está? Eu sei que não fica tão bom. Parece faltar água a uma planta. Sal à comida. Açúcar ao café. Gelo ao drink... Falta Gertrude Stein à minha geração perdida. Minhas paranoias não tem Piva nem Duke Lee. Sinto muito, mas, às vezes, tudo parece estar em falta. Só o que não presta abunda. E até mesmo minha Paris não é uma festa. Os sons que me chegam aos ouvidos incomodam. Ninguém escuta música boa em alto volume. Música em alto volume é sempre axé, funk, forró ou sertanejo. Nunca Ella Fitzgerald. Jamais Cole Porter. Nina Simone em tempo algum. Sou um solitário ouvinte de Antony Hegarty... Espero que ela venha logo me visitar. Quem sabe no próximo fim de semana? Se ela vier, vou deixa-la fazer o que quiser. Se ela não vier, vou me deitar e ler Baudelaire...

Na foto, Nora Prado em momento inspirado da fotógrafa Irene Santos.

2 comentários:

  1. Vizinho ao prédio onde moro tem um casarão centenário, que já viu dias melhores. Toda noite e madrugada adentro escapa dele e chega até a janela do meu banheiro o som de jazz, sempre os mais antigos, sempre os melhores. Vou sentir falta disso.
    Lindo seu texto, para variar.

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