terça-feira, 31 de dezembro de 2019

FELIZ 2020

Último dia do ano. Último ano da década. Me enchi de bons pensamentos antes de me sentar à frente do computador para começar a redigir esse post. Espero que saia algo que preste... Rsrsrs. O dia hoje amanheceu belíssimo, céu de brigadeiro, daqueles que a gente nem precisa colocar filtro nas fotos antes de postar. Agora, que já estamos no meio da tarde, cai uma forte chuva de verão. Un orage d’été, como dizem os franceses. Penso em agradecer pelo ano que tive. Muitos dirão que foi um ano difícil e, de fato, foi. Mas prefiro focar nas coisas boas, sempre. Trabalhei, viajei, li, conheci, aprendi, visitei, fiz projetos e acreditei. A política vai mal mas, cá entre nós, faz muito tempo que é assim por aqui. Já sobrevivemos a uma ditadura militar de fato, que durou duas décadas. Não vai ser essa gentalha que está aí agora que vai nos fazer desistir... Esse ano decidi fazer tudo como se fosse um dia igual aos outros, só para variar. Acordei cedo como sempre faço, tomei café da manhã e fui para a academia treinar. Depois passei no supermercado, comprei coisas para o almoço, ó, santo cotidiano. As coisas mais prosaicas, mais banais. É nelas que pretendo me concentrar.... Só para me contradizer, já arrumei a mesa com toalha e flores brancas, tirei a louça do armário, talheres do faqueiro, montei um banquete só para mim e para o Weidy. Estou cozinhando lentilhas e assando um lombo de porco... Não assisti Bacurau nem o último Tarantino. Achei Dois Papas muito chato e estou amando The Crown (Tá, eu sei que todo mundo já assistiu, mas eu demoro até decidir). O polêmico especial de Natal do Porta dos Fundos só me arrancou uma risada nos seus quarenta e cinco minutos de duração. Piadas óbvias, chulas e desnecessárias. Para citar Shakespeare, muito barulho por nada... Continuo revivendo o passado em fotos, livros e discos. Em escritos, também. Que tenho guardado tudo o que escrevi ao longo da adolescência. Continuo tendo vontade de ter uma casa na praia para onde eu pretendo ir e ficar. Não faço mais muitos planos para o futuro. Acho o presente uma dádiva. A grande graça divina, o milagre da existência. E o silêncio, o maior dos artigos de luxo... Caetano cantou profético, nos anos oitenta, no álbum Velô: Somos uns boçais. Concordo plenamente. E, como tais, estamos tratando de esculhambar geral. Com a sociedade, com as relações, com a natureza, com o planeta. Que Deus tenha pena de nós, que ainda não sabemos o que fazemos. Será que não?
Desejo de coração um feliz 2020 para todos! Amor, paz, empatia, solidariedade, compaixão, saúde, educação, cultura, arte, lazer e o que faltar a gente inventa...
Na foto, meu vaso de flores brancas e palmas para 2020!

segunda-feira, 30 de dezembro de 2019

VELHO COLEGA

Dia desses, arrumando os armários de casa, dei com um desenho feito por mim, na página de um antigo caderno, autografado pelo poeta Mario Quintana. Lembrei com saudade do nosso encontro e deixei o desenho no mesmo lugar em que o encontrara. Hoje pela manhã, não sei porquê, senti uma enorme vontade de fotografar o desenho e postar no instagram. Quando coloquei a legenda da foto, veio a necessidade de dizer algo mais sobre esse encontro e sobre essa época. Andava-se muito a pé pelas ruas de Porto Alegre. Pelas ruas do centro, mais especificamente. Meu colégio era no centro, minha irmã Rita trabalhava no centro, onde eu ia buscá-la à noite, depois do expediente. Mario Quintana estava sempre por lá. Encontrar o poeta na Praça da Alfândega ou na Rua da Praia era coisa corriqueira, posto que ele morava no antigo Hotel Majestic, hoje Casa de Cultura que leva seu nome. Eu tinha dezesseis para dezessete anos e me auto-intitulava poeta. Andava pela cidade com minhas poesias e desenhos numa bolsa à tira-colo. Imagino que hoje eu não teria coragem de me aproximar de um poeta como Mario e, muito menos, de parar para conversar com ele. Na ocasião achei super normal ele dizer que o meu desenho parecia uma Anita Malfatti. Como também achei óbvio que ele me chamasse de colega quando disse ser também poeta. Minha irmã trabalhava no Jornal Correio do Povo, na Companhia Jornalística Caldas Júnior, onde era de fato colega dele, pois o poeta escrevia para o jornal. Essa Porto Alegre não existe mais. Jovens de dezesseis anos perambulando pelo centro à noite, nem pensar. Poetas iluminando praças com seu talento, pura mitologia. Estávamos no primeiro ano da década de oitenta quando se deu o ocorrido. Hoje Quintana segue lá, na Praça da Alfândega, só que como estátua. Assim como seu quarto no Hotel Majestic, só que como museu. Ainda nos encontraríamos mais algumas vezes. Numa delas, autografou uma antologia de poemas dele onde oficializou por escrito nosso "coleguismo". Onde foi parar tudo isso que parece que aconteceu ontem? Foi parar no meu armário. Na minha lembrança, na minha memória. Só queria dividir aqui com alguém...
Nas fotos, o desenho "Anita" e a antologia autografada pelo "colega".

terça-feira, 24 de dezembro de 2019

PACTO DE NATAL

Meu amigo Marcel Bahlis e eu, quando ainda éramos bem jovens, fizemos um pacto de Natal. Todos os anos, no dia 24 de dezembro, nós nos telefonaríamos de onde estivéssemos para saber como estávamos. Lembro que no dia em que firmamos esse pacto dissemos: Mesmo que um de nós esteja no Brasil e o outro, nos Estados Unidos. Ou, sei lá, um no Japão e o outro na África. Um dos dois sempre irá ligar para o outro. Depois que fizemos o trato, ainda passamos alguns Natais juntos. Com o tempo, fomos nos afastando sem nunca ligar de fato um para o outro na data combinada. Mas todos os anos, desde então, eu sempre me lembro dele no dia 24 de dezembro. Algumas vezes eu quase liguei. Depois, pensava: Bobagem. Coisa de adolescente. Antes tivesse ligado! Agora, que meu amigo já nos deixou há quase dois anos, não tenho mais para onde ligar... Quando nos conhecemos eu ainda morava em Soledade. Ele morava em Porto Alegre, mas passava as férias na minha cidade, pois a família da mãe dele era de lá. Depois me mudei para Porto Alegre e ficamos ainda mais unidos. Viajávamos juntos, saíamos, fazíamos planos para o futuro. Até que meu amigo, que tinha mar no nome, foi levado por ele... Hoje estou aqui, humildemente tentando contato. Tentando honrar nosso pacto, ainda que com alguns anos de atraso. E desejando que seja, tenha sido, venha a ser um dia, sempre, no mínimo, doce. Pois, como já cantou Caymmi, é doce morrer no mar, nas ondas verdes do mar... Feliz Natal, meu amigo. Eu estou bem, morando em São Paulo, como já sonhava desde então. Sigo atrás dos meus sonhos, já realizei alguns deles, não desisti de quase nenhum. Sempre vou lembrar da gente ouvindo Milton Nascimento, até quando saíamos de bicicleta pela estrada levando meu toca-fitas portátil. Dos nossos porres, das nossas noites de boemia, das viagens que fizemos juntos. Das nossas poesias e romances. Da nossa utopia... E, para terminar citando Unencounter, a versão em inglês da Canção da América, de Milton, “now you left the town and I’m here looking for you”...
Nas fotos, tiradas por mim, Marcel em três momentos: Me servindo uma pizza no quintal da casa da minha mãe em Soledade, fumando no campo durante a lida campeira com meu pai e posando para mim no riacho.

quinta-feira, 19 de dezembro de 2019

BODAS DE ESTANHO

Hoje meu blog está completando dez anos! Uau!! Confesso que nem eu pensava que duraria tanto. E, sinceramente, 2009 parece que foi ontem mesmo... Já não tenho mais o mesmo entusiasmo que tinha em compartilhar ideias, coisas que vi e vivi, assisti, viajei. Mas, ainda assim, é digno de nota e de comemoração que ele se mantenha ativo. Já não posto mais com a mesma frequência e intensidade que postava. Normal, eu também já não me jogo na vida com a mesma frequência e intensidade de outrora... Estranhíssimo para mim, me referir a 2009 como outrora. Rsrsrs... Ao longo destes dez anos eu tenho relacionado o número de anos de vida do blog aos anos das bodas de casamento. Afinal, essa relação que tenho com ele, ainda que esporádica, não deixa de ser uma espécie de casamento. Pois bem, dez anos correspondem às bodas de estanho ou zinco. Isso me faz lembrar que uma vez, durante uma das turnês nacionais da Terça Insana, cada um dos integrantes do elenco ganhou, não lembro de quem, uma taça para champanhe de estanho. Marco Luque, que não ligara a mínima para o mimo, me deu de presente a sua para que eu ficasse com um par. Desde então elas estão guardadas na minha cristaleira. Que eu me lembre, nunca foram usadas. Acho que hoje finalmente irei usá-las para fazer um brinde, totalmente adequado, às bodas de estanho do blog... Já o zinco, esse me inspira poesia. Me faz lembrar de versos como: “Barracão de zinco, sem telhado, sem pintura, lá no morro”. Ou então: “A porta do barraco era sem trinco. E a lua, furando nosso zinco, salpicava de estrelas nosso chão”. Tem imagem mais linda?
Agradeço a todos que me seguem, que me leem, que me curtem, que me comentam. E, mesmo que ninguém mais o faça, eu seguirei sozinho aqui. Falando comigo mesmo, como nas páginas de um diário. Sempre fui um usuário moderado da internet. E é assim que pretendo me manter. Longe de brigas, bate-bocas e polêmicas. Fora de grupos, bolhas, alas ou facções. Apenas dividindo, com quem por ventura me ler, o que de melhor eu puder extrair dessa história contada por um idiota, cheia de som e fúria e sem sentido algum (para citar Shakespeare)...
Na foto, as tais taças de estanho.

sábado, 14 de dezembro de 2019

MAIS GUARDADOS

Remexendo guardados, como sempre faço nessa época do ano, para liberar espaço, passar coisas adiante, doar ou só jogar no lixo mesmo, encontrei o texto a seguir escrito nas páginas de um caderno de notas de 1990, ano que fui morar em Paris. A leitura revela o quanto Porto Alegre já me parecia aquém dos meus desejos, sonhos e ambições...
Sem compromisso de escrever algo que valha a pena. Apenas, nesse caderno, porque é o papel que tenho em mãos para fazê-lo. Nem tudo é deserto e calor no mês de janeiro em Porto Alegre. Em meio ao costumeiro, ao quase nada de todos os dias, algumas coisas acontecem. Então passo a misturar literatura e realidade, vida real e sonho, perder um pouco a noção do que é apenas ambição e do que já se concretizou. Passou por aqui alguém muito interessante. Eu, que já estava embebido de Vampiro Lestat, viajei nessa presença encantadora, que me enlevava contando histórias de sua mãe, de sua avó egípcia, de como vieram para o Brasil, de sua vida, embriagando-me com suas mesuras, delicadezas, seu cavalheirismo. Conheci um gentleman na minha fantasia. Hoje e sempre existem bons atores fora dos palcos. Esse pode ser um deles. Da mesma forma me encanta. Mais ainda, talvez. Alguém que sabe conduzir a atenção, a atração e o desejo de outrem na sua direção é um mestre. Da sedução, que seja. Um Don Juan. Sempre desejei conhecer um. Ele não vestia capa, veludos nem rendas. Tampouco carregava uma espada. Também não tinha a menor necessidade, pois sabia ser encantador de camiseta e jeans surrados, puídos. Não subia pelas paredes. Não escalava os telhados. Mas sugava meu pescoço como se fosse um deles, um dos seres das trevas. Não me bebeu o sangue, graças a Deus, apenas cobriu-me de beijos, sua saliva a banhar-me no calor da tarde e sabor de pêssegos. Trazidos por ele para me agradar. Há certas coisas que apesar de tão inesperadas e rápidas, passam deixando marcas de coisa que aconteceu de verdade, que durou um certo tempo. Talvez por terem essa característica momentânea, por já se saberem fugazes, talvez por isso mesmo se permitam ser mais profundas, mais intensas no pouco tempo que tem para acontecer. Não sei. O bom, depois que essas coisas passam, é a sensação de felicidade que nos deixam. Parece saudade, parece um prazer solitário, secreto. Sou um pouco assim, curto mais as coisas depois que elas já aconteceram. Gostoso estar escrevendo agora que a chuva já caiu e o calor baixou a bola... 31 de janeiro de 1990.
Me agrada constatar que meu estilo de escrita já se formara.
Na foto, Tom Cruise como o irresistível vampiro Lestat, de Anne Rice.

quinta-feira, 5 de dezembro de 2019

ELIS & EU

Um pôster do show Essa Mulher, de Elis. A coleção O Mundo da Criança. O troféu Açorianos de melhor direção de 1988. Alguns porta-retratos sobre o armário dos livros. Muitos livros. Bonecos. Plantas aqui e ali. Uma sombrinha oriental pendurada no teto à guisa de lustre. Cartões postais pendurados na parede. Almofadas. Um tapete branco. Um retrato de Clarice Lispector feito a lápis por uma amiga. Uma canga de praia cobrindo uma antiga poltrona. Um pufe em formato de feijão forrado de veludo com uma pilha de livros de arte encima. Uma TV de plasma fixada na parede. Um armário embutido de madeira pintado de branco. Uma escada guardada atrás da porta. Um sofá-cama. Uma trama de fios ligando aparelhos eletrônicos a um tê. Uma janela com vista para os prédios do outro lado da rua. Haddock Lobo. Dois prédios acima morava Caio Fernando Abreu. Seríamos vizinhos. Um prato de porcelana com a foto de um casal tirada no Pão de Açúcar. Basta de clamares inocência, canta Elis Regina no toca-discos. Ah, um toca-discos. Cadernos de notas. De viagem. Arquivos de computador. CDs. Disquetes. Anotações que não foram utilizadas. Do tipo: “Sabe quando a esmola é demais e o santo desconfia? Quando é bom demais para ser verdade? Quando parece um sonho e você não quer acordar por nada? Pois meu agosto estava sendo assim. Até que acordei e vi que realmente era um sonho. Um sonho que vivi acordado mas, ainda assim, um sonho. Me dei conta de que apesar de velho e vivido eu continuo com a cabeça nas nuvens”... Ou então: “Fui convidado para um evento LGBT. Fiquei pensando no que seria exatamente um “evento LGBT”. E também se eu teria roupa adequada para a ocasião”... Ou ainda uma lista de coisas para fazer em Paris na próxima vez que eu for até lá, cujo título é Paris Prochaine Fois... Fotografias. Nem sei quantas. Os assuntos e épocas todos misturados. Daria um trabalho incrível organizá-las. Nem pensar. Pelo menos eu sei em que caixa estão cada uma delas. Ou penso que sei... A lembrança de um sonho em que eu podia voar. E era muito fácil: Me concentrava, agitava os braços, pegava impulso e voava. A cidade vista de cima. Ruas, avenidas, prédios, monumentos. Minha casa. A da minha infância, em Soledade. As ruas de Soledade. O açougue que tinha uma cabeça de boi na fachada e que eu morria de medo quando era criança. Engraçado, pensei no sonho, já não me amedronta... A praça, a igreja. Tudo lá. No sonho... E eu aqui, no quarto de hóspedes do apartamento. Nas minhas mãos, o livro Elis e Eu, de João Marcelo Bôscoli, que acabei de ler. Um pôster do show Essa Mulher. A coleção O Mundo da Criança. Completa, quinze volumes. O troféu Açorianos de melhor direção de 1988. Basta de clamares inocência...
Na foto, o referido pôster, que guardo desde 1979.

quarta-feira, 4 de dezembro de 2019

ENFIM, DEZEMBRO!

O mês de dezembro chegou trazendo um pouco de frio a São Paulo. O que achei positivo, frente às altas temperaturas que nos aguardam no verão que se aproxima. Trouxe também balanços do ano (inevitáveis nessa época), lembranças de outros tempos e algumas desilusões. Mas isso faz parte da vida adulta. A gente precisa é saber lidar com elas... No campo das lembranças, as mais distintas e distantes aparecem do nada. Hoje mesmo, enquanto assistia a um depoimento de uma bailarina no canal Arte 1, fiquei recordando com detalhes da sala de ensaio do meu grupo de teatro em Porto Alegre nos anos oitenta. A cúpula de um prédio antigo da Universidade Federal, se não me engano da Engenharia. Ou seria da Arquitetura? Mas a sala em si me veio inteira. Com direito a tacos soltos do parquê que revestia o chão e manchas na pintura das paredes. Uma claraboia redonda por onde entrava a luz externa e que parecia uma escotilha de navio. Os tatames de lona verde que usávamos para nos aquecer e fazer exercícios de acrobacia. As caixas com sapatos, roupas e acessórios. As cadeiras antigas de madeira. Alguns exercícios e cenas que improvisávamos. Eu tinha vinte e três anos e andava de Vespa pela cidade... Lembranças do meu amigo Marcelo Pezzi, que morreu há vinte e cinco anos e que no mês passado aniversariava. Se não me engano, ele era do dia 27 de novembro... Já no campo dos balanços do ano vejo um misto de realizações e frustrações. Comemoramos dignamente os dezoito anos da Terça Insana, com uma breve turnê nacional e duas temporadas bem sucedidas aqui em São Paulo: De maio a julho aos sábados no Teatro Folha e setembro e outubro às terças no Procópio Ferreira. Ambos teatros onde ainda não havia me apresentado (Realizações). Deixa ver o que mais... Ah! Frustrações e desilusões prefiro nem perder tempo relatando aqui. Já basta o desgaste que provocam na gente enquanto as vivemos. Ficar relembrando só faz conferir-lhes importância ainda maior. Não pretendo carregar comigo pro ano novo nada que me tenha feito mal... Li muitos livros bons, assisti a filmes, séries, shows e espetáculos. Esses últimos, bem menos do que costumava assistir. Procurei me exercitar mais, beber menos e dormir mais e melhor. Estive mais vezes junto ao mar e tomei sol cedo pelas manhãs. Revi amigos queridos que não via há bastante tempo. Trabalhei mais do que no ano anterior e viajei menos do que nos anteriores. Dediquei mais tempo e atenção ao que tenho do que ao que não tenho. E assim espero seguir vivendo... Bom dezembro a todos!
Na foto eu, bem reflexivo, pela lente do fotógrafo Gilberto Perin.

quinta-feira, 28 de novembro de 2019

SOL & CHUVA

Eu, que ingenuamente pensei que o mau gosto tivesse atingido o seu ápice nas saídas de praia rendadas, com brilhos e plumas, descubro estarrecido que, junto ao mar, ele pode ir ainda muito mais além. A primavera verão 2019 acaba de trazer a Ilhabela o sutiã de biquíni com babados. São inacreditáveis quatro camadas de babados em cada peito. Nem sei dizer com o que se parece, porque não se parece com absolutamente nada que eu já tenha visto nessa encarnação. Lembram do shortinho de renda em camadas que parecia uma capa de botijão de gás? Pois é, foi superado... E a moça que está ao meu lado na praia está usando um modelo AMARELO! Deus é mais. Só o humor é capaz de nos salvar... O fato é que estamos passando uns dias em Camburi e resolvemos vir passar o dia em Ilhabela para matar a saudade. E ela continua bela. Melhor dizendo, belíssima. Malgrado o mau gosto estético de alguns visitantes. Se é que se pode dizer que mau gosto seja estético...
O tempo passou e já estou de volta em casa. Fui recebido por uma São Paulo fria, escura e chuvosa. O oposto total dos dias ensolarados passados na praia. Mas fui surpreendido por um filme coreano maravilhoso. Parasita. Não sei como consegui arranjar ânimo para sair de casa numa tarde chuvosa para ir ao cinema. Ainda bem que fui. Envolvente e surpreendente do início ao fim. Vai da comédia à tragédia, passando pelo triller e pelo nonsense para terminar de forma completamente poética. Um presente de fim de ano. Palmas para Bong Joon-ho, roteirista e diretor. Aliás, mais do que simplesmente palmas: A Palma de Ouro, que ele já abocanhou no Festival de Cannes. Fica a dica para esse novembro que praticamente termina. À bientôt!
Nas fotos, o sol sobre o mar de Ilhabela e a chuva sobre a Rua Augusta, em São Paulo.

sexta-feira, 22 de novembro de 2019

DIA DE CHUVA

Acabo de sair do cinema. Fui assistir ao novo filme de Woody Allen, Um Dia de Chuva em Nova Iorque. No original, Rainy Day in New York. Amo o título. E devo confessar que já sabia que iria amar o filme também. Aliás, vou confessar algo ainda mais grave. Um furo de reportagem: Na minha cabeça eu vivo como numa espécie de filme deste cineasta. Entre parques, rooftops e piano-bares, tomando drinks e, invariavelmente, ouvindo jazz. Porter, Berlin, Gershwin. Agora mesmo, que cheguei em casa a tempo de escapar do toró que se anunciava, escrevo ouvindo Nat King Cole e bebendo uísque... Romântico e cômico na medida, como sempre. Um personagem central que é uma espécie de alter-ego do diretor e roteirista, como sempre. Nova Iorque como cenário, como quase sempre. Só que, dessa vez, um elenco surpreendentemente jovem. A começar pelos protagonistas: Timothée Chalamet (de Call me by Your Name), Elle Fanning e Selena Gomez. A trilha sonora traz, como tema da vez, Everything Happens to Me. Em várias versões, inclusive tocada ao piano e cantada pelo próprio protagonista. Nada mal para um fim de tarde de sexta-feira em uma São Paulo que chove quase diariamente. Digam o que disserem de Woody Allen, ele continua sendo, ao lado de Pedro Almodóvar, um dos meus cineastas preferidos. Dos poucos que me fazem sair de casa para assisti-los. Não obstante um certo machismo mal disfarçado, ao retratar as mulheres bonitas e desejáveis como burras. Ainda que de forma light, isso se evidencia em vários momentos do filme. Como quando o protagonista cita "in the roaring traffic's boom, in the silence of my lonely room", de Cole Porter, e a mocinha pensa que é Shakespeare... Mas é sempre um deleite assistir a uma película nova de Allen. Pena que o tempo esteja passando depressa demais e logo não teremos mais filmes novos dele para assistir. Como os personagens dizem, a certa altura do filme:
- O tempo voa.
- Pena que seja de classe econômica.
- O que isso quer dizer, exatamente?
- Que a viagem nem sempre é confortável.
Ainda bem que temos filmes novos de Woody Allen a cada ano. Isso faz com que a nossa viagem seja mais confortável. Pelo menos a minha viagem pessoal...
Na foto, o protagonista Timothée Chalamet como uma espécie de Woody Allen jovem.

sábado, 16 de novembro de 2019

DELICADEZAS

Sou fã da cantora Evinha, que há muito tempo vive em Paris. Quando criança eu adorava cantar o hit Luciana, que ela emplacara no Festival Internacional da Canção, nos shows de teatro que fazia no porão de casa. De uns tempos para cá tenho ouvido seus álbuns antigos no YouTube. Amo tudo o que ela gravou de Beatles e Michael Jackson. Mais tudo o que gravou da nossa MPB. E do cancioneiro internacional. Só não conheço o que ela cantava com o Trio Esperança, formado com os irmãos. Agora, finalmente, tive a oportunidade de vê-la cantar, ao vivo, sobre o palco. Foi no Teatro Italia, no centro de São Paulo, na última terça-feira, acompanhada ao piano pelo marido Gérard Gambus. No repertório, canções do nosso hitmaker mor Guilherme Arantes. Um luxo. Evinha é tranquila. Mostra logo a que veio. Comunica. Simplifica. Apazigua... Em tempos de ataques explícitos, deselegâncias e ironias nada finas, ela apresenta delicadezas. Dá novos sentidos às letras já coloridas de Guilherme Arantes. Pinta e borda filigranas. Que prazer. Que sorte a minha e de todas as pessoas que compareceram àquela terça nada insana... Estava tudo lá: De Êxtase a Cuide-se Bem, passando por Um Dia Um Adeus - que parece ter sido composta para a voz de Evinha- e mais Brincar de Viver, Deixa Chover e outras tantas. No final, um brinde com antigos hits como Teletema e Casaco Marron. Um deleite. Aplausos também para o produtor Thiago Marques Luiz, sempre nos presenteando com shows das estrelas da nossa canção popular. Saí do espetáculo com a certeza de que amanhã a luminosidade, alheia a qualquer vontade, há de imperar...
Nas fotos, Evinha sur la scène e a contracapa autografada do CD.

domingo, 10 de novembro de 2019

ON THE ROAD

Sexta-feira. Mês de novembro. Ano que termina. A van que nos leva para uma apresentação em Poços de Caldas entra agora em um engarrafamento na estrada. Chove. A tarde cai rapidamente. Várias cidades se sucedem a pouca distância umas das outras. Nas redes sociais memes indicam que finalmente "sextou". E que Lula poderá sair da prisão. Procuro no YouTube uma versão rap da música Cavalgada, de Roberto Carlos, que toca no final do filme francês Encontros, a que assisti recentemente. Me dou conta de que estou sempre procurando alguma coisa na internet. E mal consigo lembrar como é que eu conseguia viver sem essas procuras quando ainda não havia internet. Parece que foi ontem, mas já está tão distante esse tempo, essa realidade. Saimos do engarrafamento. A chuva engrossa. Daqui a pouco vamos parar para um café, um lanche, fazer xixi, essas coisas que se faz na estrada. Leio Patti Smith. O Ano do Macaco. Sua escrita me inspira. Parece mentira que essa escritora que adoro tenha lançado dois livros de uma só vez. Esse e também Devoção, que li muito devotamente. É uma pena que não vou estar em São Paulo justamente no dia em que ela vai se apresentar em um festival e lançar os livros batendo um papo com os leitores no Sesc Pompeia. C'est dommage. Uma lástima. Mas, na verdade, não sei se iria mesmo se estivesse em Sampa na data. Ando avesso a eventos populares. Tudo que reúna mais de cem pessoas me espanta. Prefiro ficar comigo e com meus botões. Já fizemos a parada. No Frango Assado. Comi uma empada (de frango) e um pão de queijo. Sem requeijão. Não havia nenhuma bebida alcoólica para vender no Frango Assado. E esse fim de tarde de sexta-feira clamando por um drink... Já anoiteceu. A chuva arrefeceu. Seguimos viagem em direção a Poços de Caldas. Em direção ao fim do ano. Em direção a... Corte de tempo. Já estou de novo em São Paulo. A viagem de volta foi tranquila e incrivelmente rápida. Nem parecia o mesmo trajeto. Nossa apresentação em Poços de Caldas foi no Teatro Urca, onde já se apresentou Carmen Miranda. Um lugar lindo. Mas, infelizmente, em adiantado estado de depredação. Por que tudo nesse país tem de ser assim? Há quase vinte anos percorro o Brasil inteiro fazendo teatro e é sempre a mesma coisa: Teatros estaduais ou municipais jogados às traças. Os que funcionam, inevitavelmente, são os mantidos pela iniciativa privada. Há quem seja contra... Saúdo o mês de novembro, que se inicia pródigo em efemérides. Essa semana mesmo, volto a Porto Alegre para duas apresentações no histórico e amado Teatro São Pedro. E, depois de vinte e três anos morando em São Paulo, pela primeira vez estarei de volta à cidade na Feira do Livro. Vida que segue...
Nas fotos, interior das Thermas Antônio Carlos, que merecerão post especial, e a lua tímida espiando no céu de Sampa.

quinta-feira, 7 de novembro de 2019

ENCONTROS

Sempre que estou morrendo de saudades de Paris, tendo surtos, palpitações, crises de abstinência, procuro algum programa que, por aqui mesmo, alivie mon petit coeur. Foi assim que decidi assistir ao filme Encontros, de Cédric Klapisch. Na verdade eu já havia sido atraído pelo cartaz, que mostra um jovem casal com a vista do Sacre-Coeur ao fundo. O rapaz é o ator François Civil, de quem sou fã desde que assisti à série Dix Pour Cent, no Netflix. Agradabilíssima surpresa. O tema, um dos meus favoritos: A solidão das grandes cidades. Só que aqui, abordado do ponto de vista dos jovens. Como cada um lida com a própria solidão. De que maneira cada um deles tenta superar as dificuldades da vida adulta. Rémi e Melánie são vizinhos, não se conhecem, estão sempre por um triz para que aconteçam os tais encontros do título. Mas o que vemos é uma série de desencontros. Ela dorme muito. Ele é insone. Ela tenta vários dates por aplicativos de relacionamentos. Ele se isola. Ambos procuram, por razões diferentes, psicoterapeutas. A história se passa em uma Paris surpreendentemente urbana, jovem, tecnológica e - malgré a alcunha de Cidade Luz - obscura. Totalmente oposta ao clichê romântico de cartão postal tão largamente explorado pelo cinema do mundo inteiro... Outra agradável surpresa: Camille Cottin, a Andrea de Dix Pour Cent, como a psicanalista da personagem Melánie. E Pierre Niney, que viveu Yves Saint Laurent no filme homônimo, como um amigo mala que o personagem Rémi reencontra pelo Facebook. Parece aqui, não? Aliás, parece com qualquer lugar do mundo... Eu, que vivi uma Paris bem mais tête à tête, cujos matchs se davam ao vivo, em lugares direcionados à paquera ou a outros tipos de relacionamentos, fiquei bastante surpreso. Primeiro porque nem me lembrava que solidão é um assunto que também diz respeito aos jovens. Segundo, porque nem havia internet quando eu fui jovem em Paris... Pra não dizer que só falei bem: Há um erro grave de continuidade. Quando os prédios aparecem no térreo, com os personagens entrando nas portarias, o dela fica à direita da imagem e o dele, à esquerda. Quando eles estão em casa, ele na sacada e ela na janela da chambre de bonne, estão ao contrário, como na foto que ilustra o post. Será que só eu percebi? Rsrsrs... Ah, quase me esquecia: Tem um gatinho tão fofo, mas tão fofo, que rouba as cenas em que aparece. E o árabe do mercadinho, que dá palpites e conhece toda a vizinhança e arredores. Mais a cara de Paris, impossível... Last, but not least: No final do filme, já nos créditos, uma versão remix de Cavalgada, do Rei Roberto, cantada em português. Chorei...
Na foto, os jovens solitários Rémi e Melánie em Paris. Bem que eu gostaria de um pouco de solidão em Paris agora.

segunda-feira, 28 de outubro de 2019

IMPERMANÊNCIA

Há dias uma dor lombar do lado direito me impede de ir à academia treinar. Não há nada pior para um taurino do que algo que o impeça de cumprir a sua rotina diária... Me cai às mãos um raio de esperança e de inspiração: Um novo livro de Patti Smith. Devoção. E é com incontida devoção que me debruço sobre ele... Acordo de madrugada com uma chuva forte que lava a cidade. Volto a dormir. Quando finalmente me levanto, ao abrir o celular encontro a triste notícia: Morreu Jorge Fernando. Parte da vida volta em flash-back. Eu muito jovem, recém-saído de Soledade para estudar na capital, Porto Alegre, acompanhando o seriado Ciranda Cirandinha pela televisão. Depois vieram Guerra dos Sexos, Vereda Tropical, Cambalacho, Brega & Chique, Que Rei Sou Eu, Rainha da Sucata e tantas outras novelas. Como não amar, mesmo à distância, essa figura iluminada e iluminadora? Mais tarde, já morando em São Paulo, fui com meu amigo Edson Cordeiro assistir ao espetáculo Boom, que ele protagonizava, aqui perto de casa, no teatro Procópio Ferreira, onde hoje me apresento com a Terça Insana. Edinho me levou ao camarim depois da apresentação e cheguei a ser apresentado a ele, rapidamente, em meio a uma profusão de fãs e amigos que disputavam sua atenção... Um dos meus sonhos nessa vida era trabalhar com ele. Esse, infelizmente, não deu tempo de realizar. Mas o que fazer, senão seguir em frente tentando realizar outros tantos? Cheguei a ser chamado para fazer uma participação no seriado Macho Man, de Fernanda Young e Alexandre Machado, do qual ele era o protagonista. Mas um problema de agenda me impediu de participar. No dia da gravação eu tinha apresentação do meu espetáculo solo em São José do Rio Preto... Impermanência. Vida que segue. Minhas referências. Meus ídolos. Minhas fontes de inspiração... Agora vou à farmácia comprar remédio para a dor na lombar. Depois, fazer compressa com a bolsa de água quente. Felizmente, ainda tenho Patti Smith...
Nas fotos, o sorriso inesquecível de Jorge Fernando e Patti Smith na capa de Devoção.

quarta-feira, 23 de outubro de 2019

DOMINGO NO TEATRO

Dia desses fui assistir ao espetáculo Velórios, que a minha amiga Patrícia Vilela dirigiu com seus alunos. Era uma tarde de domingo, sem maiores expectativas, mas que acabou se revelando única e inesquecível. Já, já eu falo do espetáculo em si. Primeiro quero falar do prazer que foi conhecer pessoalmente o ator Reinaldo Gonzaga. Fomos apresentados e nos sentamos juntos no café do teatro após a função bebendo, rindo e conversando. Reinaldo tem uma voz incrivelmente grave, tão encorpada que a gente tem a impressão de estar ouvindo Deus falar. E como ele fala pausadamente, com voz baixa e muito bem articulado, contando histórias interessantíssimas, não tem como a gente não ficar prestando atenção. Enquanto ouvia, eu ficava olhando pra ele e lembrando de quando eu era criança em Soledade e já era fã, não apenas dele, mas também do pai dele, o grande ator Castro Gonzaga. Seu Castro imortalizou coronéis que representou em novelas como Gabriela e Saramandaia. Além de achar Reinaldo um ótimo ator, lembro que eu também o achava bonito. Sentia por ele algo que à época eu não conseguia entender o que era, mas que hoje imagino que fosse atração... Pois bem, ele tinha ido assistir à peça porque vai ser dirigido pela Patrícia em um monólogo que irá montar. Agora vamos ao espetáculo, os tais Velórios. Um texto interessantíssimo, escrito por cinco autores diferentes. São cinco histórias, todas elas passadas em velórios, com os mesmos personagens, sendo que em cada uma delas é um dos personagens que morre. E elas são ligadas por textos que versam sobre a morte, ditos em solos pelos diferentes atores. O que constitui um fio condutor que dá unidade ao todo. Os alunos de Patrícia revelam-se ótimos atores, todos muito talentosos e versáteis, acalentadoras promessas de que nosso ofício irá se manter por muitos anos ainda. Evoé! Patrícia, que é uma excelente atriz, surge à frente de sua jovem companhia como uma diretora firme e certa do que pretende realizar. Como diria minha professora de direção Irene Brietzke, tem postura de diretor. E diz logo a que veio. Já estou na fila para ser dirigido por ela logo depois do Reinaldo... Ficamos um bom tempo lá, bebendo, rindo e jogando muita conversa fora. Quando o domingo já findava, voltei para casa pensando nas voltas que a vida dá. Em como nem passava pela cabeça daquele menino do interior do Rio Grande do Sul que eu era sentar um dia na mesma mesa e trocar tantas ideias com um ator como Reinaldo Gonzaga, que eu via na tela da televisão lá na remota Soledade da minha infância. A vida é mesmo bela e cheia de descobertas. Que fenômeno incrível é a gente estar nela. E saber aproveitar cada dia...
Nas fotos eu, bobo de tão alegre com o Reinaldo e com minha amiga, a diretora e atriz Patrícia Vilela.

domingo, 13 de outubro de 2019

TCHAU, DOMINGO

Não gosto de domingos que findam. Há algo de melancolia no ar a cada final de tarde da semana que inicia. Mas o de hoje foi diferente. Especial. O dia foi lindo, quente, ensolarado. Tomei sol logo cedo, das oito e meia até as dez. Depois cozinhei, comi, escutei música. Nada que eu normalmente não faça. Mas havia uma luz especial iluminando o dia, a casa, a piscina cheia de condôminos a aproveitar o dia de descanso. E quando a tarde finalmente terminou, o céu se tingiu de tons inusitados. O vinho branco estava suavemente gelado, a música de Nina Simone no iPad especialmente linda e, para coroar tudo de ainda mais magia, a lua cheia surgiu tingida do fogo do sol que se pusera... Sabe quando a gente se sente abençoado por nada? Pelo simples fato de estar vivo? Foi assim. Mágoas? Que nada. Arrependimentos? Nenhum. De repente você se dá conta de que esse fim de tarde poderia ser em Paris, à beira do Canal Saint Martin, ou Nova Iorque ou Buenos Aires, Soledade, Porto Alegre, não importa. A lua é a mesma. O céu é o mesmo, não tem a menor importância se quem governa é Trump, Bolsonaro ou Macron. Ninguém manda no seu momento. Seus amigos podem estar se digladiando, sua família pode estar dividida, você pode ter ídolos que defendem esta ou aquela posição política. Seu dia está findando e um novo dia irá começar. Você pode ter se envolvido por uma pessoa encantadora que fez você se apaixonar e te abandonou. Você pode ter se iludido que iria ser chamado para aquele trabalho que iria impulsionar a sua carreira. Maysa morreu. Elis Regina morreu. Amy Winehouse morreu. Barbara Gancia conseguiu parar de beber. Isso, ao menos, é bom. Eu estou bebendo somente aos finais de semana e indo à academia de segunda a sexta. Amei e fui amado. Li muito, desde Monteiro Lobato até Haruki Murakami. Escrevo também, eu me arrisco. Se escrevesse para uma coluna semanal já estaria demitido, dada a escassez que tenho escrito agora... Ontem morreu tia Zelça. Ela não era minha tia. Era a melhor amiga da minha mãe. Naquela época em que fui criança, a gente só chamava de tio ou tia os irmãos dos pais da gente. Só que tia Zelça era tipo best friend forever da minha mãe. Eu adorava ir tomar café da tarde chez elle. Ela fazia os melhores sonhos feitos em casa do mundo... Que chato a gente ir ficando velha e ir perdendo todo mundo que importa... Chega! Me despeço desse domingo de primavera querendo que o verão chegue logo e que a gente pare de perder pessoas amadas. E passe a ganhar cada vez mais delas...
Na foto, tia Zelça e seus olhos azuis inesquecíveis.

segunda-feira, 7 de outubro de 2019

ESTRELA DO BRASIL

Eu, que no post anterior declarei não estar mais indo ao cinema fui, inesperadamente, na sexta-feira passada, ao entardecer, assistir a Hebe, a Estrela do Brasil. Sem nenhuma expectativa, confesso. E tive uma agradável surpresa. Pensei que seria algo na linha "chapa branca" mais ou menos como foi o musical a ela dedicado. Mas felizmente não era. O filme mostra uma espécie de lado B da apresentadora mais querida do Brasil. Traz uma Hebe de carne e osso, angustiada, envolvida em polêmicas, brigas conjugais e muito álcool. Sempre amei a figura dela, não apenas como a excelente enterteiner, one woman show que era, mas também como pessoa; uma mulher à frente de seu tempo, cheia de empatia pelo outro, sempre preocupada em dar voz aos excluídos, desmistificar tabus e combater preconceitos. Hoje, nessa era tosca de polarização que vivemos, ela estaria lascada. Aliás, já se lascava bastante à época. Hebe era acusada pela esquerda de ser de direita e pela direita de ser subversiva. Era, na verdade, adorada por todos. Lidem com esse barulho! Ela lidou. E teve uma trajetória louvável... Mas percebo agora que não estou falando do filme e sim da personagem em si. Que seja. Se não fosse por ela o filme não seria tão bom. Mas tem muito mais: A admirável performance da atriz Andréa Beltrão, de quem também sou fã de carteirinha. Andréa traz uma Hebe humana e cheia de falhas, bem como a gente gosta de ver uma celebridade na vida real. E o melhor: Não imita Hebe Camargo, risco em que nove entre dez atrizes cairiam... Marco Rica como o marido Lélio também está impecável. Estive algumas vezes no programa da Hebe. A primeira, logo que me mudei para São Paulo, ainda no teatro da Barra Funda, como integrante do elenco da peça O Pequeno Mago, do grupo XPTO. Depois fui como diretor do show de Edson Cordeiro; e uma terceira vez como ator de três cenas que fiz ao vivo com Grace Gianoukas e Carla Fioroni, ilustrando situações do tema abordado no programa. Sempre simpática, o que me impressionou desde a primeira vez que a vi pessoalmente é que ela era a mesma o tempo todo, estando no ar ou no comercial. Não mudava quando as câmeras estavam ligadas ou desligadas. Coisa rara de se ver... O filme ainda relembra figuras lendárias como Chacrinha, Dercy Gonçalves, Patrício Bisso e Roberta Close. Adoro a cena em que o produtor do programa, já cansado dos rolos em que Hebe se metia, ao ver que ela queria falar da inflação e do custo de vida, sugere que ela só fale de coisas leves, pois em momentos de crise o povo quer mais é esquecer dos problemas. Ao que ela responde: Voce já passou fome? Ele diz que não. E ela encerra, categórica: Eu já passei... Palmas para o filme de Maurício Farias. E viva Hebe Camargo!
Nas fotos, Andréa Beltrão esfuziante como Hebe no cartaz do filme e eu com a Hebe em si, recém chegado na Pauliceia, de mala e cuia, nos bastidores do seu programa.

quinta-feira, 3 de outubro de 2019

OUTUBRO COLORIDO

Gente, por favor, fala a verdade: Nós já estamos mesmo no mês de outubro? Não é algum tipo de pegadinha? Eu sei que o tempo está passando cada vez mais depressa, mas esse ano está simplesmente voando! E outubro, quando chega, é o seguinte: A-ca-bou o ano. A gente mal tem tempo de fazer aquela arrumação nos armários que vem planejando desde janeiro e pimba! Já é Natal outra vez... Pois bem, o meu ano está acabando sem que eu tivesse conseguido realizar metade das coisas que me propus para 2019. Nem meu solo com textos do Caio Fernando Abreu, que há dois anos venho tentando montar, eu consegui. Não desisti, que fique claro. Sigo na batalha. Mas terá de ficar para 2020... E a vida segue mais ou menos assim, mais ou menos no improviso, coisas acontecendo enquanto outras não acontecem... Seguem, por exemplo, outubro adentro, as comemorações dos dezoito anos da Terça Insana. Todas as terças aqui em São Paulo, no Teatro Procópio Ferreira, e viagens nos fins de semana. Seguem também minhas leituras e meus treinos na academia. Tenho ido cada vez menos ao teatro e, menos ainda, ao cinema. Desde o último Almodóvar, Dor e Glória, que não entro em uma sala escura. Em compensação tenho assistido a séries e filmes em casa, pelo Netflix, coisa que antes raramente fazia. E por falar em leituras, nos últimos dias me caiu às mãos uma excelente, que tenho apreciado com muita atenção e empatia: A Saideira, corajoso relato da jornalista Barbara Gancia sobre a sua incansável luta contra o alcoolismo. Apesar de sério e contundente, o livro vem colorido pelas pitadas de humor tão características de Barbara. O que torna a leitura extremamente prazerosa e palatável. Eu, que adoro beber e morro de medo de me tornar dependente, tenho lido com os olhos bem abertos. Diria mesmo arregalados... Já no Netflix, a série Pose, com roteiro e direção de Ryan Murphy, o mesmo do maravilhoso American Horror Story, tem me feito refém da televisão. Com o maior elenco trans da história das séries de televisão, Pose chega em ótimo momento aqui nesse fim de mundo onde a questão LGBTQI+ ainda é uma questão... Que o mês que se inicia seja de trocas, compreensão, empatias, simpatias, conhecimento, renovação e alegrias!
Na foto, Dominique Jackson como a esfuziante Elektra Wintour, na sárie Pose, e Barbara Gancia na capa de A Saideira.

quinta-feira, 26 de setembro de 2019

PERSEVERANÇA

Graças a Deus, taí uma coisa que nunca me faltou: Perseverança. Me considero a personificação da própria. Mas estou me referindo aqui ao título do novo livro de memórias de Antonio Bivar. Adoro essa ideia do Bivar de lançar a autobiografia em vários volumes, cada um deles dedicado a uma fase distinta da vida do autobiografado. A gente acompanha com o interesse e o entusiasmo de quem acompanha um folhetim, por exemplo. E Bivar é mestre nessa capacidade de contar a própria história de maneira a prender o leitor. Uma espécie de Sherazade, das Mil e Uma Noites... Desta vez não pude comparecer ao lançamento, pois foi numa terça-feira e estou em cartaz às terças com a Terça Insana. Mas comprei imediatamente e já devorei... Não vou chover no molhado mais uma vez dizendo que amo esse autor, que sou seu fã de carteirinha, que li todos os seus livros, etc. Basta digitar o nome dele no campo de busca do blog e pipocarão posts dedicados a esse ícone da dramaturgia e da cultura pop brasileiros. E esse Perseverança, que vem a ser o sexto volume da biografia, vem com mais novidades. Eu, que me achava conhecedor da vida de Bivar, fui surpreendido com fatos que desconhecia totalmente. Como, por exemplo, ele ter dirigido o show da dupla Leandro e Leonardo, quando estes despontavam para o sucesso no início dos anos noventa. E ter feito os dois cantarem Luar do Sertão acompanhados de Marlene Dietrich numa gravação ao vivo feita aqui no Brasil. Sempre surpreendente esse Bivar... Isso sem falar na fascinante história da sua visita ao quarto de hotel de Quentin Crisp, em Nova Iorque, e a entrevista que dela resultou; os bastidores do programa TVLeezão, mais uma parceria de sucesso de Bivar com Rita Lee; as deliciosas histórias de sua participação nas revistas Around e AZ, de Joyce Pascowitch. Sou completamente apaixonado por esse período e por essas publicações. Adoro todo o staf criativo, formado por artistas que admiro, entre os quais, para citar apenas um, Caio Fernando Abreu. Sinto como se pertencesse a essa geração, que é anterior à minha, e da qual não vejo correspondentes na minha própria. Me sinto, então, tremendamente só... Gosto especialmente dos trechos do seu diário, que ele inclui generosamente como um presente para os leitores. Que bom que Bivar se mantém ativo e producente. E eu, com muita perseverança, me mantenho à espera de seus novos lançamentos...
Nas fotos, Bivar em si com modelito afro no lançamento do livro e a capa de Perseverança, com aquarela do próprio.

sábado, 21 de setembro de 2019

SETEMBRO INSANO

O mês de setembro mal começou e já se aproxima do fim. E tem sido bem insano. A primavera explode em floradas de ipês que enfeitam as cidades e enchem os olhos, a alma, o coração. As comemorações dos dezoito anos da Terça Insana seguem agora, além da turnê nacional, com temporada em São Paulo às terças-feiras no Teatro Procópio Ferreira. Lá temos recebido, Grace e eu, convidados que já fizeram parte do elenco ou que fizeram participações ou mesmo só admiram o projeto ou foram influenciados por ele. Tem sido emocionante para mim que nunca havia me apresentado nesse teatro onde assisti a tantos espetáculos inesquecíveis... Já passamos por Belo Horizonte, Campinas, Jacareí, Cerquilho, Santos, Guarujá, Araras, Caxias do Sul e Florianopolis, de onde escrevo. Nos apresentaremos logo menos às 21 horas e amanhã às 19 horas. Amo essa cidade, espécie de ilha encantada que guarda muitas lembranças da minha juventude... De modo que, na insanidade de apresentar e reapresentar cenas e personagens criados ao longo de dezoito anos de Terça Insana, sigo meu setembro adentro sempre grato aos deuses que me permitem estar sobre o palco, um dos lugares onde mais gosto de estar nessa vida. O outro é Paris...
Na foto, minha personagem Betina Botox, que volta atualizada. Ou, como ela prefere dizer, totalmente reloaded.

quinta-feira, 12 de setembro de 2019

SP EM PODCAST

Por indicação de minha amiga Agnes Zuliani, estou participado de uma série em podcast para a Prefeitura de São Paulo. Para quem ainda não sabe - como era o meu caso até receber o convite e começar a gravar - podcast é um novo formato de mídia ou, melhor dizendo, uma nova plataforma de exibição de conteúdos em áudio. Só isso já seria interessante o bastante. Mas é ainda melhor: Trata-se de uma série de ficção, chamada Idas e Vindas, que conta a história da Capital Paulista. Para um apaixonado por São Paulo como eu, é um deleite conhecer a origem dos nomes de suas ruas, por exemplo. Ou como ela foi fundada. E o melhor: Tem um clima de novela de rádio que torna tudo uma delícia de se fazer. Tenho a oportunidade de exercitar diferentes vozes e sotaques. Já gravamos episódios sobre a Revolução de 32 e sobre a Semana de Arte Moderna, entre outros. Já dei voz a padres, bandeirantes, combatentes e até a um pirata inglês. Sem falar no deleite que foi personificar o poeta suíço/francês Blaise Cendras no episódio sobre a semana de 1922... Sempre desejei trabalhar com a voz para além dos palcos e isso finalmente se apresenta para mim. Quando ainda morava em Porto Alegre, cheguei a gravar alguns spots de rádio. O primeiro que gravei foi para a Gang, uma loja/marca de roupas. No estúdio da Versus, produtora do saudoso Bira Valdez. Lembro até hoje minha fala: "Quando eu era pequeno, tinha o maior medo de cair dentro da bolsa da minha mãe". E o locutor assinava: "Gang, a loja que te entende"... Pois agora, já passado em anos, finalmente tenho a oportunidade de trabalhar nesse nicho do mercado que sempre desejei. O que reforça minha crença de que nunca é tarde para se começar ou recomeçar o que quer que seja. Basta estar atento e forte... A direção, sempre atenta aos detalhes, é de Daniela Pistone, que vem a ser também a autora da série. Estou adorando participar...
Na foto eu, todo compenetrado, dando voz aos personagens de Daniela.

sábado, 24 de agosto de 2019

FUTURO

Senti vontade de repostar esse texto de fevereiro de 2010:
Lembra do futuro, aquela abstração longínqua e improvável que aconteceria lá pelo ano dois mil? Pois é. Sinto informar que ele chegou. E a conseqüência imediata e inevitável dessa chegada é que você deixou de ser aquele jovem um tanto irresponsável, cheio de sonhos na cabeça e com toda uma vida pela frente e se transformou nesse senhor de meia idade, com cabelos grisalhos e muita, muita responsabilidade. Ah! E sem o menor saco pra balada.
Só isso? Que nada. Muito mais. E agora não adianta reclamar. O futuro está aí e veio em conseqüência dos nossos atos passados e presentes. Quanta violência! Quanta desigualdade social! Quanto calor! Quanto frio! Quantas enchentes! Quantos desastres naturais...Pois é, pensássemos nisso tudo antes, quando o futuro ainda era aquela abstração longínqua etc. Imagino o futuro personificado, chegando aqui no nosso presente para dar o seu recado. Ele chegaria riquíssimo, coberto de ouro, num veículo ultra-moderno, pois, como todo mundo passou a vida inteira guardando dinheiro pro futuro, não deu outra: ele enriqueceu. Ele desceria de sua geringonça voadora saudando a todos com um simpático cumprimento:
- E aí, gentalha, tudo bem com vocês? Claro que não! Dá pra ver... Ahahaha! Eu sou o Futuro! Vocês não vivem esperando por mim? Então, cheguei! Agora lidem com isso...
Os céticos e os pessimistas, que achavam que o futuro era negro, ficam logo decepcionados, pois ele é branco, louro, tem olhos azuis e é belíssimo. Os crentes, que passaram a vida repetindo que “o futuro a Deus pertence” ficam estarrecidos ante a revelação feita por ele logo de cara, na lata:
- Sou autônomo. Não tenho vínculo com nenhuma divindade e muito menos com facção religiosa.
A turba, reunida em plena Avenida Paulista debaixo de chuva, segue atônita escutando as bombásticas declarações desse ser, misto de tempo verbal com o porvir da humanidade:
-Não quero nem saber se o pretérito é perfeito, imperfeito ou mais que perfeito. Eu sou o futuro do presente. De vocês. Sou a conseqüência do que vocês estão fazendo hoje. Agora, o que vocês gostariam que acontecesse é lá com o Futuro do Pretérito, aquela bicha insuportável. Aliás, quando eu estava vindo pra cá, cruzei com o Presente do Subjuntivo e ele falou: Espero que esteja tudo bem com você, porque pior do que está não vai ficar, não é? Eu falei: vai. Ah, vai. Bom, gente, a verdade é que nenhum tempo verbal fala mais comigo. O Gerúndio me vê e sai correndo. O infinitivo não pode nem me olhar. O Particípio ta passado! Ahahaha!
A multidão incrédula começa a achar que o Futuro se passou no champanhe, cuja flute é automaticamente preenchida assim que ele termina de sorver o líquido gelado & rosé...E ele segue o discurso:
- Sorry, galera. Só vim dar um toque. É tanta vidente, astrólogo, tarólogo, enfim, tanta gente abusando da boa fé de vocês pra falar em nome do futuro que eu resolvi vir pessoalmente pra esclarecer. Você aí: desista, você não vai ganhar na loteria. Desculpe, minha senhora, mas aquela loura não vai sair da vida do seu marido. Ah! Vocês não vão virar chefes dos seus chefes, esqueçam aquela promoção...Estão me achando pessimista? Cruel? Que nada, só digo a verdade. Deixa ver o que mais...ah! Não vai ter paz no futuro. Portanto, no próximo Ano Novo, peçam outra coisa pra Iemanjá. Aliás, poupem-se daqueles rituais intermináveis de comer doze grãos de lentilha, pular não sei quantas ondinhas do mar, bobagem. Bebam e pronto. Brindem o presente. Enquanto eu não venho de vez! Como ja falei, era só um toque. Se quiserem, podem continuar poluindo, batendo, discriminando, matando, desmatando, subornando, votando mal, roubando, desviando dinheiro público pra contas na Suíça, não to nem aí. Só não digam que não avisei. E agora eu ja vou indo, que ainda tenho que dar uma passadinha no Rio de Janeiro. Bye!
Dito isso, ele desaparece no céu, parecendo a Xuxa quando entrava na nave no fim do programa, lembra? Esquece...
E a multidão começou a dispersar jogando muita bituca de cigarro, latinhas de cerveja e refrigerante, papéis e embalagens pet no chão, enquanto reclamava sem parar dos alagamentos da cidade.

segunda-feira, 5 de agosto de 2019

AGOSTO A GOSTO

Eu não poderia ter adentrado o mês de agosto de maneira melhor: Com duas apresentações da Terça Insana em Belo Horizonte, uma na sexta e outra no sábado, duas casas lindas, cheias de mineiros muito animados que nos cobriram de carinhos, risadas e aplausos... Fomos muito bem recebidos nas Minas Gerais, com temperaturas amenas e muitos mimos. De volta a São Paulo, fui correndo ao Parque do Carmo para apreciar a floração das cerejeiras, posto que a florada dura uns quatro dias no máximo. Tanta beleza com tão pouca duração nos dá uma medida exata da impermanência de tudo nessa vida. A própria vida em si, inclusive... Minha mãe não gostava do mês de agosto. Para completar, meu pai faleceu no primeiro dia desse mês. Enquanto me abraçava, aos prantos, ela maldizia o mês nefasto que levara meu pai... Há várias crenças negativas sobre esse mês que, para mim, é exatamente igual a todos os outros que compõem o ano. Na verdade até gosto. Acho que agosto marca o início de um novo ciclo: O segundo semestre, que nos leva rapidinho para o fim do ano. E, consequentemente, para o novo, o que está por vir... Eu sugiro que cada um faça do seu agosto o que bem entender. Ou não faça nada, se assim lhe aprouver. Quer ficar zen, totalmente conectado com seu eu interior? Fique. Desligue a TV, o rádio, esqueça os jornais. Até porque as notícias não andam lá muito boas. Quer brigar com todo mundo que pensa diferente de você? Brigue, xingue, grite. Bloqueie nas redes sociais. Mas desfrute intensamente este mês que nada tem de louco ou mal assombrado. Viva o mês de agosto ao gosto do freguês. E, para terminar citando Caio Fernando Abreu, que sempre é oportuno: Que se possa sonhar, isso é o que conta. Com mãos dadas, suspiros, juras. E beijos, muitos. Bem molhados... Bom agosto a todos!
Na foto eu, bem pimpão, no Bosque das Cerejeiras do Parque do Carmo.

quinta-feira, 25 de julho de 2019

P.S. DE SP

Caros leitores, peço desculpas por andar escrevendo tão pouco. Julho já se encaminha para o final e eis-me aqui no segundo e talvez último post do mês. Não é que eu não tenha vontade de escrever, pelo contrário, tenho muita. Vontade de escrever qualquer coisa, mesmo algo acadêmico como: Pesquisas recentes nos Estados Unidos apontam para uma desestimulação da escrita... Ou alguma coisa sensacionalista, do tipo: Blogueiro em crise desiste de tudo após ficar quase um mês sem escrever... Mas o que eu tenho vontade mesmo, aliás, muita vontade de escrever, é um romance. Um romance bem romântico, no qual eu utilizaria alguns dados autobiográficos, para acrescentar certa veracidade extra à trama. Algo do tipo: O personagem central é um ator de meia idade que, apesar de estar em cartaz há anos com um espetáculo de sucesso, está em crise. Pessoal e profissional. Um belo dia ele recebe, pelo direct do instagram, elogios de alguém que o assistira na noite anterior. Começam uma conversa que acaba evoluindo primeiro do virtual para o real e, segundo, do café onde marcaram o primeiro encontro para a casa de um dos dois. A história se passaria obviamente em Paris. Sim, porque o personagem central é filho de pai francês e mãe brasileira e ainda bastante pequeno foi levado para a Cidade Luz, onde fez seus estudos e concluiu sua formação de escritor. Depois disso ele optaria por residir no Brasil, embora não deixasse de passar pelo menos três meses por ano na capital francesa. Entre passeios por parques, museus e boulevards o leitor acompanharia o desenrolar dessa paixão proibida. Claro, a paixão teria de ser proibida. Ambos são casados e não tem a menor intenção de se separarem de seus parceiros. O primeiro encontro se passaria no Le Fumoir (meu bar preferido em Paris) e o personagem, ao invés de café, pediria uma coup de champagne. O romance seria escrito com poucas narrações e muitos diálogos. Tal como em P.S. de Paris, de Marc Levy, que mal acabei de ler e já estou relendo... Eu não poderia, obviamente, copiar Marc Levy, apesar de estar apaixonado pela sua escrita ágil, vivaz e contemporânea, cuja trama prende a atenção desde o primeiro capítulo. Adoro esse tempo verbal que estou empregando: O futuro do pretérito. É um tempo no qual as coisas ainda não aconteceram, mas há grande possibilidade de que venham a acontecer. Como podem aferir, apesar de não andar escrevendo muito estou sempre ligado na Língua Portuguesa e nas suas infinitas possibilidades de expressão... Não deixem de ler Marc Levy, o escritor francês mais traduzido do momento. Já, já prometo estar de volta. Quem sabe cheio de inspiração para escrever? Bom inverno para todos...
Na foto, o salão do Le Fumoir, onde se passaria o primeiro encontro da dupla apaixonada. Fiz a foto em 2015, última vez que estive em Paris.

sábado, 6 de julho de 2019

INVERNO ABSURDO

Enfim, o inverno chegou. São Paulo estava se recusando a aceitar essa realidade, continuava fazendo calor por aqui em pleno mês de junho. Mas, finalmente, julho veio trazendo o tão aguardado (por mim) frio. Depois de dois dias chovendo incessantemente, o sábado amanheceu do jeito que gosto: Frio e ensolarado. Como nas manhãs da minha infância e juventude no sul. Como em Paris... Falando nela, a Cidade Luz, minha saudade tem me levado a buscá-la cada vez mais por aqui mesmo. Ontem fui conhecer o Le Jazz do Shopping Higienópolis, enquanto fazia hora para assistir a um espetáculo. Adoro o Le Jazz, tanto o original da Rua dos Pinheiros quanto o dos Jardins, na Melo Alves, mais perto da minha casa. Mas ontem, nessa nova unidade do shopping, me senti como se estivesse em Paris. O clima, o cardápio, a taça de vinho num tamanho mais próximo ao que servem por lá, enfim, tudo. Para quem não sabe o Le Jazz é um restaurante bem no estilo brasserie française que, sem querer imitar, tem muito a cara da capital francesa... Depois subi para assistir, no Teatro Folha, ao espetáculo Quando Tudo Estiver Pronto. Uma agradável surpresa! Comédia dramática com toques de teatro do absurdo, um elenco afinadíssimo, um verdadeiro prazer. Lilian Blanc arrasadora como a mãe judia, esbanjando timming e carisma sur la scène... E por falar em teatro do absurdo, na segunda-feira (ótimo dia para se ir ao teatro) assisti ao novo espetáculo de Dan Nakagawa, o intrigante O Aniversário de Jean Lucca. Dan já me surpreendera positivamente com Normalopatas, sua primeira direção. Agora, mais seguro e amadurecido, ele confirma seu talento para a direção e a dramaturgia. Original, para dizer o mínimo. Você não pode deixar de assistir... Agora vou curtir meu friozinho com sol dando um rolé no bairro da Liberdade. Bon hiver à tous!
PS. Depois que dei esse título ao post, lembrei que tenho visto as pessoas utilizarem o termo absurdo como elogio, para se referirem a algo muito bom, muito incrível, muito sensacional. E fico me perguntando: O termo tem realmente esse significado? Deixo a questão para o leitor refletir....
Nas fotos, o cartaz de O Aniversário de Jean Lucca, Eliete Cigarini, Sylvio Zilber, Patrícia Pichamone, Otavio Martins, Lilian Blanc e Filipe Ribeiro agradecem os merecidos aplausos e o salão do Le Jazz Higienópolis.

quarta-feira, 26 de junho de 2019

JOIA DE CORAL

A felicidade não manda avisar quando vai chegar. A ninguém. A ninguém. Canta Gal no iPad, na varanda de frente para o mar de Ilhabela. E é a mais pura verdade. Ela chegou em pleno inverno, no meio da semana, em uma Ilhabela quase que reservada exclusivamente para nós. Chegamos no domingo, justamente quando todos começavam a voltar para São Paulo depois do feriado prolongado de Corpus Christi. Viemos passar o aniversário do Weidy junto ao mar... O bom de se estar aqui nessa época do ano é que os lugares que normalmente são cheios de gente ficam vazios para nós. Um paraíso particular. E o melhor: Poucos mosquitos, comparado ao verão. Alugamos um chalé na Praia do Curral que fica no alto da montanha, de frente para o mar. Todos os dias temos um show de por do sol na varanda de casa. Nem dá mais vontade de voltar... Sempre que venho para Ilhabela descubro ou redescubro álbuns de artistas que não ouvia há muito tempo. Agora, nessa temporada, tem sido o disco de Gal dedicado à obra de Ary Barroso, Aquarela do Brasil. O da capa verde. A voz de Gal, à época um cristal, destila a mais pura poesia em versos como "teus lábios, duas joias de coral no engaste sensual de tua boca"... E os dias se sucedem a nos descortinar a beleza inesgotável dessa ilha encantadora. À noite refresca, dá para vestir um moleton. Já os dias são de puro sol e céu de brigadeiro. Gal segue cantando: "O mais lindo luar: tu. A grandeza do mar: tu"... Realmente, a felicidade não manda avisar quando vai chegar...
Na foto, vinho ao por do sol na varanda do chalé.

segunda-feira, 17 de junho de 2019

DOR E GLÓRIA

O primeiro desejo a gente nunca esquece. O cineasta espanhol Pedro Almodóvar resolveu trazer o dele à tona no filme Dor e Glória, que estreou no último fim de semana. Um dos únicos diretores a me fazer sair de casa para ir ao cinema atualmente, ele sempre me surpreende. Agora maduro e sério, Almodóvar tem se dedicado mais ao drama. É claro que prefiro sua fase boleros, cores e travestis. Mas a inegável evolução desse cineasta que começou alternativo e virou cult também é algo que muito me apraz. O filme é lindo. Triste. Intenso. Por vezes arrastado e até um pouco chato. Mas pleno da essência do artista. Para quem como eu acompanha toda a trajetória, desde os primeiros filmes até esse último, está tudo lá. Ou, pelo menos, a origem de tudo o que ele já filmou está nessa belíssima película. A volta de Antonio Banderas, por muito tempo seu ator fetiche, é um luxo só. Principalmente por ser um filme autobiográfico e Banderas personificar o próprio Almodóvar. Sua infância no seminário, como já mostrada em La Mala Educación, é revisitada com detalhes ainda inéditos para os fãs. Seus problemas de saúde, com as drogas e com as relações, explorados até a raiz. É claro que o humor peculiar a Almodóvar também aparece em vários momentos, ainda que de maneira contida. Como na cena em que a amiga o avisa que foi convidado para uma palestra na Islândia e ele, sem a menor vontade de ir, responde: Não entendo porque gostam tanto de mim na Islândia... Ou quando sua mãe está contando histórias das vizinhas e, ao perceber seu interesse, avisa: Não me olhe com essa cara de contador de histórias. Não quero que mostre minhas vizinhas nos teus filmes! Adorável... Um filme maduro, sério, intenso, dramático. Ou seja, um Almodóvar sem lubrificante. Que vai direto ao ponto. E sem nenhum bolero também. Mas, em compensação, traz na trilha uma linda versão em espanhol de A Noite do Meu Bem, de Dolores Duran. Como disse, sempre surpreendente.
Na foto, criador e criatura no set de filmagem.

sábado, 8 de junho de 2019

RAINHAS DA PESADA

Minha segunda incursão na dramaturgia, Rainhas da Pesada foi um presente meu para o ator Paulo Vicente, que queria comemorar com um espetáculo solo os seus quinze anos de teatro. Estávamos no ano de 1994 e eu, meio sem expectativas profissionais em Porto Alegre, já estava de olho em São Paulo. Inspirado no histrionismo ímpar deste maravilhoso ator/comediante e na sua incrível capacidade de interpretar papéis femininos, escrevi sete monólogos. Em cada um deles, Paulo interpretava uma rainha da história, da mitologia ou da ficção. O roteiro seguia mais ou menos a estrutura do teatro de revista (à época eu estava devorando o livro de Neide Veneziano), com pitadas da chanchada dos filmes de Oscarito e Grande Otelo. Acabei sentindo necessidade de ter dois atores para contracenar com algumas rainhas e para agilizar as trocas de cena. Chamei Vinicius Vilanova e Émerson Guimarães, que faziam os compères da revista, revezando-se em pequenos papéis. Mas nem por isso Paulo Vicente deixou de ter o seu solo... Tivemos o privilégio de contar com a produção da Opus, luxo dos luxos em se tratando de espetáculos locais. Geraldo Lopes ainda estava à frente da produtora e, empolgado com nosso projeto, nos deu carta branca para realizá-lo. Ro Cortinhas e Flavia Aguiar se encarregaram dos figurinos e Fiapo Barth criou os objetos cenográficos. Com um trio da pesada como esse assinando o visual, já dá para ter uma ideia da beleza do resultado. Para arrematar o pacote, a luz precisa e bela de Fernando Ochoa. Rainhas da Pesada nos levou a Salvador, onde faríamos uma temporada de um mês. Com o sucesso que fizemos junto ao público baiano, a temporada foi prorrogada. Na temporada baiana tivemos na luz o auxílio luxuoso de Marga Ferreira, a nossa Marguinha. Uma curiosidade: Como os atores que acompanhavam Paulo Vicente em cena tiveram de voltar para Porto Alegre, adaptei o espetáculo e substituí, eu mesmo, os dois atores... Rainhas da Pesada foi a última peça que dirigi em Porto Alegre. No ano seguinte, meu último na capital gaúcha, escrevi, dirigi e atuei em um show performático musical ao lado de Marione Reckziegel chamado Amor à la Carte. As Rainhas fecharam um ciclo de direções na minha carreira. Ao me transferir para São Paulo acabei me dedicando mais à interpretação. Aqui na Pauliceia dirigi apenas uma remontagem de As Filhas de Lear, do grupo Le Plat du Jour, e alguns shows dos cantores Edson Cordeiro e Laura Finochiaro. Mas as coisas estão sempre em transformação, de modo que nunca fecho portas... Por incrível que pareça não tenho nenhuma foto desse espetáculo. Essa que ilustra o post é de uma matéria de capa do segundo caderno do Correio da Bahia, quando da nossa estreia em Salvador. Já recordações, essas tenho muitas. As melhores... Nunca quis remontar as rainhas, embora tenha recebido convites de outros atores. Elas foram escritas para Paulo Vicente, para serem interpretadas por ele e somente por ele. Durante muito tempo Paulo foi meu ator fetiche. E sem dúvida nenhuma continua sendo um deles...
Na foto, Paulo Vicente como Maria Antonieta.

terça-feira, 4 de junho de 2019

PRINCESA ART NOUVEAU

Sempre que estou sentindo muita vontade de estar em Paris, como agora está sendo o caso, acabo descobrindo algum programa para fazer aqui em São Paulo mesmo que me remeta à capital francesa. No último fim de semana esse programa foi uma visita ao Palacete Dona Veridiana, que fica na esquina da rua de mesmo nome com a Avenida Higienópolis. A construção do século dezenove foi residência da proprietária e atualmente abriga a sede paulistana do Iate Clube de Santos. Fui recebido pelo seu administrador, Augusto, que com muita simpatia me mostrou as dependências enquanto me colocava a par de alguns detalhes da vida da ilustre moradora. Dona Veridiana da Silva Prado, uma dama da alta sociedade paulistana, era uma mulher totalmente à frente de seu tempo. Ficou mal vista e mal falada pela conservadora São Paulo de então por ter tido a coragem de se separar do marido e por abrir as portas de sua casa para receber artistas, políticos e intelectuais em memoráveis saraus que deviam sacudir a ainda tímida Pauliceia... Depois de passar uma temporada na frança, Veridiana encantou-se com os salões de Paris e decidiu que construiria o seu próprio salão por aqui. Munida de uma planta feita por um arquiteto francês voltou trazendo no navio quase todo o material com o qual construiria o seu sonho: Mármores, vitrais, tijolos, lustres, esquadrias e tudo o mais. E, obviamente, tombou com a caipirada... Visitar essa relíquia hoje em dia é um pouco como conhecer um Hôtel Particulier francês. Só que lá eles são inteiramente conservados e muitos viraram museus abertos à visitação, como é o caso do Musée Jacquemart-André, um dos meus preferidos. Aqui no palacete em questão pouco do original foi mantido, houve reformas, adaptações para a instalação do clube, e o que restou para ser visto foi basicamente o andar térreo. Os aposentos superiores nem se pode visitar. Mas ainda assim há muitas coisas lindas para se ver como o jardim com fonte e lago de carpas, os cisnes negros, a pintura de Almeida Junior no teto de um dos salões e a Diana de Brecheret no hall de entrada. A mansão de estilo renascentista francês, que em 2001 foi tombada pelo Patrimônio Histórico, Cultural e Ambiental de São Paulo, já recebeu hóspedes ilustres como o imperador Dom Pedro II e a Princesa Isabel. Grande incentivadora das artes, Veridiana da Silva Prado faleceu em 1910, aos oitenta e cinco anos, em seu palacete. Seu primogênito, Antônio da Silva Prado, foi o primeiro prefeito de São Paulo. Saí de lá com vontade de voltar no tempo e ser amigo dela. Para ter o privilégio de frequentar essa casa que abrigou tantas histórias...
Nas fotos, as entradas frontal e lateral da casa, recanto em um dos salões e a Diana de Brecheret no hall principal.

sábado, 1 de junho de 2019

ELECTRA

O mês de junho chegou trazendo uma novidade quente: Electra, o novo álbum de Alice Caymmi. Alice é uma cantora que me chamou a atenção desde a primeira vez que a ouvi cantar. O sobrenome de peso dispensa apresentações. E o enorme talento faz jus à cepa da qual ela descende. Me encantei de cara pelo segundo álbum da jovem cantora, cujo título era Rainha dos Raios, extraído da canção Iansã, de Gil, que Maria Bethânia gravara no antológico álbum Drama. No terceiro álbum ela descambou para um pop meio eletrônico meio comercial sobre o qual nem posso opinar porque me recusei a prestar atenção. Agora, com esse belíssimo Electra, ela reafirma a que veio. Tipo mostra como é que se faz. E como faz bem! Alice lembra Maysa, mas não somente ela: Tem toques de Ângela Ro Ro e pitadas da tia Nana Caymmi... O álbum - todo em piano e voz - resgata pérolas da música popular brasileira em versões totalmente autorais. Que deleite ouvir Alice cantando Fracassos, de Fagner. Ou Diplomacia, de Maysa. Ou Me Deixe Mudo, de Walter Franco. Ou a irreconhecível Pelo Amor de Deus, de Tim Maia... Ela se apropria das canções e as recria de tal forma que passam a parecer suas. Faz tempo que me apaixonei por essa jovem cantora e venho dizendo: Alice Caymmi é a melhor coisa da música popular brasileira atual. Se não for a única. Cheia de potência, vibrante, emocional, intensa, para dizer o mínimo. Mas sou suspeito para falar, pois já sou fã. E fã, sabe como é... Tia Nana, que alfinetou a sobrinha na polêmica entrevista que concedeu ao Estadão quando do lançamento do álbum com músicas de Tito Madi (outra joia rara), deve estar muito feliz e contente com esse resgate. O pianista Itamar Assiere encorpa as composições, conferindo-lhes relevância e profundidade. Ainda que Alice resolvesse cantar algo como, sei lá, Claudinho & Buchecha, ao som do piano de Itamar soaria magnífico... Ouvindo essa beleza de álbum não há como não lembrar do icônico Voz e Suor, de sua tia Nana e Cesar Camargo Mariano. Com Electra, Alice mostra que pode fazer o que bem entender com o vozeirão que Deus lhe deu. E deixa claro que quem sai aos seus não degenera...
Na foto, a capa do álbum. A meu ver a única referência ao mito grego do título. Louco pra assistir ao show!