quarta-feira, 31 de dezembro de 2014

ADEUS ANO VELHO

Estou assando um lombinho de porco para comer logo mais, à noite, com alguns amigos que vem passar o Ano Novo conosco. Também estou cozinhando lentilhas. Logo cedo fui à padaria e vi vários corredores da São Silvestre, com seus uniformes, se preparando para a corrida. Meu gato resolveu dormir dentro do armário. Deixei. É um direito que ele tem, ninguém é obrigado a sair do armário se não quiser. Uma certa melancolia me invade. Não quero lembrar aqui das coisas ruins desse ano que finda. E não foram poucas, sabemos, em quase todas as áreas. Da política ao entretenimento, da civilização a mais completa barbárie. Prefiro me concentrar em tudo o que aconteceu de bom e firmar meu pensamento na esperança de coisas melhores para o Ano Novo. 2015, ano ímpar. Que seja ímpar também em possibilidades, em crescimento, aprendizado, realizações, descobertas e prosperidade. Convoco todos a dar adeus não apenas ao ano velho, mas a tudo o que é velho e não nos serve mais. Principalmente às velhas ideias. Saudemos o novo, o fresco, o jovem, o avanço do pensamento e das ações. E, para encerrar citando o querido e saudoso Caio Fernando Abreu, "que seja doce"... Feliz Ano Novo a todos!
Na foto, a belíssima Tonia Carrero brinda ao que está por vir.

domingo, 28 de dezembro de 2014

AGENDAS

Um dos presentes que ganhei de Natal foi uma agenda para 2015. Essa foi a primeira vez que ganhei uma agenda antes do ano novo começar. Isso me fez pensar sobre minhas agendas...
Guardo todas. Minha vida catalogada. Fonte de pesquisa que sempre me soluciona dúvidas, mistérios e falhas da memória. Dia desses, nos meus ataques de desapego, me desfiz de uma década inteira delas: de 1986 a 1995. Não sem dor e, muito menos, sem revisá-las detalhadamente. Cada capa, contracapa, citação, rabisco, colagem... Exceção feita somente à de 1991, ano que morei em Paris e por isso está guardada juntamente com as de 1996 em diante. Já conto quase vinte anos de agendas comigo. Outra curiosidade: Colo nas agendas os ingressos de todos os espetáculos de teatro, shows, cinema, exposições e visitas a museus e parques. Tudo coladinho no dia em que lá estive. Todas as viagens que fiz, minhas partidas e chegadas. As visitas que amigos me fizeram, quando chegaram e quando partiram. Gosto da sensação de ter um certo controle sobre o que vivi no passado. É como se pudesse voltar no tempo, reviver o que foi bom e deixou saudades. Às vezes, do nada, sinto uma necessidade urgente de saber o que eu estava fazendo no dia de hoje há dois anos. Vou lá nas agendas e pimba! Fui ao cinema assistir a um inesquecível filme que mudou minha vida. Ou nada. Encontro simplesmente uma página em branco. É claro que, nesse caso, olha um pouco mais para trás e um pouco mais para a frente. Só para checar em que pé andava a minha vidinha... Agora, por exemplo, resolvi checar o que fiz no ano passado nesse dia. Estava em Cananéia, litoral sul de São Paulo, onde logo pela manhã peguei a balsa para passar o dia na Ilha Comprida. Muito bom reviver aqueles dias. Ainda que seja apenas na memória...
Na foto, a cidade de Cananéia vista da balsa.

segunda-feira, 22 de dezembro de 2014

ADIÓS TERÇA INSANA

Agora é pra valer: Nesse fim de semana apresentamos a Terça Insana em São Paulo pela última vez. Grace, sua criadora, promete voltar em formatos e títulos diferentes. Mas para mim, que estive a seu lado desde o primeiro show no ano de 2001 e lá permaneci por oito anos consecutivos, foi a despedida de fato. Acho que esgotei minhas possibilidades no formato. Eu sei que parece burrice parar de fazer algo que está rendendo tanto dinheiro a tantos atores. Mas, para mim, o legal era fazer quando quase ninguém fazia e representávamos uma novidade no cenário do humor nacional. Agora o formato se banalizou. E eu já quase não acho mais graça no humor. Pelo menos em fazer esse tipo de humor. Foi muito emocionante reencontrar antigos colegas no palco e na plateia. Rever e revisitar antigos personagens. A Terça Insana representou para mim, além do enorme sucesso, uma verdadeira escola. Eu aprendi a fazer algo que não sabia, ou não sabia que sabia. Graças à insistência e à generosidade de Grace Gianoukas. Ela soube me conduzir do tímido apresentador que eu era nas primeiras apresentações ao versátil comediante em que me transformei. Modéstia, evidentemente, à parte. Muito bom assistir da coxia Luis Miranda dando um show de interpretação com sua impagável Sheila. Marco Luque, verdadeiro one man show, fazendo tudo o que sabe - e não é pouco - em seu Silas Simplesmente. Arthur Kohl, Renato Caldas, Agnes Zuliani, Mila Ribeiro, Guilherme Uzeda e Leia Bastos, a personificação da mascote Insanete, desfilaram seus tipos nas três noites do Teatro Bradesco. E, claro, Grace Gianoukas, a insana mor, que dividiu-se em três: Aline Dorel, Preguiça e Cinderela. Quem viu, viu. Quem mão viu não vai ver mais.
Na foto, elenco e equipe técnica recebem chuva de pétalas ao final do espetáculo de domingo.

sexta-feira, 19 de dezembro de 2014

BODAS DE FERRO

Hoje meu blog completa cinco anos! São as nossas bodas de ferro. Na verdade cinco anos são bodas de madeira ou ferro. Escolhi ferro porque é mais resistente e, claro, para poder homenagear a Dama de Ferro de Paris, la Tour Eiffel. Adoro a relação que tenho com meu blog, por isso chamo seus aniversários de bodas, pois é como se fôssemos casados. E o melhor é que nosso convívio perdura e se renova através dos anos. Apesar de não ter se tornado um sucesso da internet, não ter bombado - para usar um termo mais adequado ao veículo - meu blog me enche de satisfação e mais, me mantém vivo, conectado, atento ao meu redor. Ainda que modestamente, o número de seguidores vem crescendo ao longo desses cinco anos e já conto com cento e noventa leitores cadastrados e mais de setenta mil visualizações. Confesso que em vários momentos tive medo de desistir, de não ter assunto ou inspiração. Mas, graças a Deus, quando um me faltou a outra me deu suporte para seguir e vice-versa. Sim, porque sem inspiração para escrever, só tendo muito assunto. E, quando não se tem assunto, a inspiração inventa um e tudo bem. O ideal é quando tenho os dois. Aí o texto flui que é uma beleza. Na minha cabeça o blog funciona mais ou menos como uma coluna semanal que eu assinasse em uma publicação qualquer. Só não é impresso nem assalariado. Mas, quem sabe um dia? O fato é que estou muito feliz com a longevidade do meu veículo de informação e desejo que ele permaneça por muitos anos me inspirando e me ajudando a ser uma pessoa mais feliz. Longa vida ao blog!
Na foto, minha selfie "Tour Dans la Tête". Muito antes de a selfie ter sido inventada.

segunda-feira, 15 de dezembro de 2014

ADIÓS AMIGOS

Esse é o título da turnê de encerramento da Terça Insana que me trouxe a Porto Alegre para duas apresentações lotadas no Teatro Bourbon Country. Meus companheiros de palco deram seu adiós à capital gaúcha no dia seguinte ao último espetáculo e eu permaneci por mais uns dias para matar saudades. Emocionante encerrar minha participação nesse projeto que ajudei a fundar e que, de tão pequeno e despretensioso que era no início, nunca pensei que pudesse tomar as proporções que com o tempo tomou. Ainda participarei de mais três apresentações em São Paulo, no próximo fim de semana, e aí sim, adiós amigos de fato. E o mais bacana de ter vindo encerrar a turnê aqui em Porto Alegre, além do adiós, é justamente também poder dizer olá a amigos que há muito não via. Desfruto meus poucos dias na cidade apreciando-a em seus mínimos detalhes. Revejo ruas e prédios do bairro onde morei, o velho Bom Fim. O Parque da Redenção e seus recantos outrora belos e hoje um tanto abandonados e decadentes. A Avenida Beira-Rio, toda refeita e ainda mais bela. A Zona Sul, o Rio Guaíba. Dei uma rápida passada em um interessante bazar, o Brechó do Desapego, na pista do velho e bom Bar Ocidente. No fim de semana, após o espetáculo, aproveitei para ver minha amiga Valéria Houston cantar no Venezianos Bar & Pub. Um grande talento em um pequeno e mal iluminado espaço. Valéria está pronta para plateias bem maiores. Espero poder revê-la na quarta-feira no foyer do Theatro São Pedro, onde se apresentará ao meio dia e meia. Ontem à noite tentei assistir ao concerto da OSPA com a participação de Maria Rita, mas fiquei só ouvindo, de longe, tal a aglomeração de pessoas no Parcão. Mas sentamos em uma simpática pizzaria de onde pudemos apreciar a queima de fogos. Amanhã à noite ainda terá mais, vou ao Theatro São Pedro para ver Elza Soares cantar Lupicínio Rodrigues. Como dá para perceber, minha pequena temporada gaúcha está sendo bastante proveitosa. Já, já conto mais.
Nas fotos, elenco e plateia lotada de Adiós Amigos e o velho e belo chafariz da Redenção.

domingo, 7 de dezembro de 2014

ZAZ 2014

Que bom que 2014 está terminando. Esse ano eu não fui a Paris e não gosto muito de anos em que não vou visitar minha cidade preferida. Mas é justamente sobre Paris a melhor novidade que o ano que se encerra me trouxe: O novo álbum da cantora Zaz inteiramente dedicado à Ville Lumière. O título do disco é Paris e a cidade aparece em todas as canções gravadas. Exala Paris não apenas nas letras, mas também nos ritmos e sonoridades. Isso sem falar, é claro, no timbre da cantora que lembra muito o de Piaf. É um grande prazer, para mim, escutar essa preciosidade. Mas também não deixa de ser uma certa tortura, tal o grau a que sua audição eleva minha abstinência de Paris... Brincadeira. Eu adoro absolutamente tudo que me lembre ou me transporte até Paris, suas ruas, telhados, odores, sonoridades, estações de metro, escadarias, pontes, museus, teatros, bistrôs, monumentos, parques e jardins. Enfim: Tudo o que me traga a sua atmosfera. E isso, o novo álbum de Zaz faz com maestria. Que bom que vivi para apreciá-lo. Que bom que Zaz surgiu como um vento de frescor e renovação na canção contemporânea. Que bom que 2014 está acabando e em 2015 irei rever minha amada Paris.
Na foto, a capa do novo CD de Zaz.

quarta-feira, 3 de dezembro de 2014

DEZEMBRO

O mês de dezembro chegou! Com a sua chegada, lá se vai mais um ano. E, junto com ele, nos tornamos ainda mais velhos, vividos e experientes. Comecei esse último mês do ano, exatamente no dia primeiro, filmando minha participação em Mãe Só Há Uma, o novo longa de Anna Muylaert. Essa foi minha segunda participação em um filme da cineasta, a primeira tendo sido em janeiro desse mesmo ano, quando filmei Que Horas Ela Volta. E o segundo Anna Muylaert a gente nunca esquece. Tive uma participação bem pequena, como o maitre da pizzaria onde a família do protagonista vai jantar. Mas só eu sei o trabalho que tive para equilibrar a bandeja cheia de copos e bebidas, servindo incontáveis vezes noite adentro... No dia 2 tive o prazer de ser convidado para assistir ao pocket show de Rodrigo Vellozo em um estudio onde estava sendo gravado o seu primeiro DVD, para uma seleta plateia de amigos e familiares. Muito já falei aqui no blog desse jovem cantor, pianista e compositor de quem sou fã declarado e só posso dizer que ele está cada vez melhor. E me emociona logo de cara, quando abre o show lendo um texto de Caio Fernando Abreu... Outra coisa boa que dezembro me trouxe foi Mundo Adentro, Vida Afora, a autobiografia da maternidade aos trinta, de Antonio Bivar, escritor de quem já muito falei por aqui e do qual sou seguidor adicto. Estava esperando faz tempo pelo lançamento desse livro que, já nas primeiras páginas, me encantou. Estou lendo petit à petit, para prolongar o prazer de descobri-lo... No mais, a temperatura está amena, os dias em São Paulo tem estado lindos, com entardeceres e amanheceres fantásticos e lindas noites enluaradas. E dezembro está só começando.
Na foto, o pequeno notável Rodrigo Vellozo em ação e o novo livro de Bivar.

quinta-feira, 27 de novembro de 2014

PARA UM AMIGO QUE PARTIU

Se estivesse vivo, hoje meu amigo Marcelo Pezzi estaria de aniversário. E nós, certamente, iríamos comemorar juntos a passagem de seus anos. Pois lá se vão vinte anos que ele partiu. Súbita e precocemente. E nem posso dizer que para mim é como se ele estivesse vivo, porque não é. Não está. Só eu sei a falta que ele me faz. Tem coisas que a gente atravessa a vida sem conseguir chegar a entender. Talvez aceite. Ou nem isso, apenas se acostume. Mas entender é muito difícil. Não raro me pego imaginando como seria se ele estivesse aqui. Quanta coisa mudou, cresceu, evoluiu desde 1994! Quantos avanços tecnológicos tivemos. Ele seria, sem dúvida alguma, o mais adicto internauta. E as viagens que faríamos juntos? Os filmes a que assistiríamos, as conversas, desabafos, comemorações. É uma saudade infinda, não existe a menor possibilidade de ser saciada, eu nunca mais terei meu amigo de volta. Quisera eu ter a certeza que muitos tem de que encontrarão seus mortos queridos em uma outra dimensão. Se for assim, ótimo, eu vou adorar. Mas aqui na Terra, nessa única vida concreta que tenho, por enquanto só me resta a enorme falta que ele me faz... A única certeza que tenho é que não receberei mais cartas dele, nem visitas ou ao menos telefonemas. Lembro bem da alegria que sentia quando morava em Paris e encontrava na caixa postal uma carta do Marcelo. Já sabia que era dele pelo envelope, enorme e todo personalizado. A carta, então, era um verdadeiro estudo de diagramação e direção de arte. Era um artista, o meu amigo. Um artista, para mim, insubstituível. Se eu pudesse pedir um presente pelo dia de hoje, seria mais uma vez abraçá-lo, beijá-lo e, então, dizer adeus. Como não me foi dado dizer. Nem sei quantos anos ele estaria fazendo hoje, me perdi na passagem dos anos de sua ausência. Mas, onde quer que ele esteja, o dia será de festa, de celebração. Para mim será um dia de saudade. Uma saudade ainda muito maior do que a que sinto nos outros dias...
Na foto, Marcelo contempla os jacarandás na janela do meu quarto em Porto Alegre.

terça-feira, 25 de novembro de 2014

CASTANHA

Fiquei passado com o filme Castanha. Ou melhor, trespassado: O filme fura, espeta, cutuca com vara curta. Confesso que fui ao cinema esperando pouco mais do que me divertir com as hilariantes criações do comediante, que acompanho desde os anos oitenta, quando ele integrava a genial Cia. Tragicômica Balaio de Gatos. Tive um baque! Ao longo da projeção um nó foi se formando e apertando cada vez mais. O filme confunde, instiga e provoca no melhor sentido. Roteirizar a própria vida, transformá-la em ficção, poderia resultar em catástrofe não fosse o despudor com que Castanha o faz. Mais do que isso, a crueza. Zero glamour. Zero arrogância. Zero auto-promoção. Castanha faz sua própria biografia não-autorizada. O que poderia soar regional ou interno demais, atinge o universal por tocar nas profundezas humanas. O cotidiano que dói, que maltrata, que exclui e que faz rir, também. Mais do que o indivíduo ou o núcleo familiar, o país está retratado no filme. Feio como só ele sabe ser quando quer e com quem quer. Remete aos primeiros filmes de Almodóvar só que ainda mais pungente e sem a glamurização da comédia. A Porto Alegre do filme pode ser qualquer cidade do mundo. Assim como a boate onde ele apresenta seu show, que poderia estar localizada em qualquer periferia do planeta. O filme tira o espectador do seu mundo e o apresenta a um outro, completamente diferente, talvez completamente igual, mas inteiro, duro, seco. E o devolve cheio de indagações. Que filme é esse? É ficção? É documentário? Castanha existe? Só por isso já valeria a pena. Mas Castanha, o filme, vale por muito mais. Entre outras coisas, por Celina, a mãe de Castanha, para mim a estrela do filme. E, claro, por Davi Pretto, o brilhante diretor e roteirista. Não é cinema gaúcho. É cinema universal. João Carlos Castanha é um grande ator, sabe-se há muito. A novidade é que Castanha, o filme, é uma grande obra. E Davi Pretto, um grande cineasta. Corram, antes que saia de cartaz!

quarta-feira, 19 de novembro de 2014

ALCOHOL FREE

Estou vivendo uma experiência no mínimo interessante. Por conta de um medicamento que o dermatologista me prescreveu, decidi ficar duas semanas sem beber nada de álcool. Digo decidi porque ele não me proibiu a ingestão de bebidas alcoólicas. Apenas me pediu que bebesse pouco. Beber pouco, para mim, é praticamente uma contradição, um paradoxo. O verbo, no meu entender, já traz implícito o sentido de muito ou, pelo menos, bastante. Dessa forma preferi não beber nada, assim dou uma purificada no organismo - principalmento no fígado - e, de quebra, já testo os limites do meu auto-controle. Vou confessar uma coisa: Como diria a cantora Kátia, não está sendo fácil... Mas até que tenho me saído bem. Já fui até ao Ritz sem álcool. O duro foi sair do cinema depois de assistir ao filme Saint Laurent e não beber. Mas passei essa fase com louvor. Hoje já estou no meu oitavo dia limpo. E mesmo que eu não resista a mais um fim de semana na seca e venha a cair em tentação, já estarei bem satisfeito comigo: No fim de semana já terei completado dez dias, então, pra quem bebe diariamente, já terá sido a glória. Diariamente, não. A segunda-feira eu já instituí como alcohol free day há tempos... Só não posso beber amanhã. Já pensou? Em pleno dia da consciência negra ficar com a consciência pesada? Não pode. Se aguentar bravamente até terça-feira que vem, na quarta vou comemorar em alto estilo. Lavar a égua. Comer água, como se diz no popular. Porque, cá entre nós, de cara limpa nem sempre dá pra aguentar, néam?
Na foto, Deutz, mon champagne préféré.

segunda-feira, 17 de novembro de 2014

TAPA NA LOUÇA

Hoje dei banho na louça inglesa que foi da minha avó. Ou no que restou dela. Fui procurar não sei o quê na parte mais alta do armário da cozinha e percebi que as peças estavam quase pretas de poeira e gordura acumuladas. Enquanto lavava cuidadosamente a porcelana, fui invadido por uma série de lembranças relacionadas a esse lindo conjunto que outrora fora um completo aparelho de chá e jantar e que hoje se resume a pouco mais de meia dúzia de peças de cada uma das funções. Minha avó, como já contei aqui no blog, tinha temperamento. E que temperamento! Casou muito cedo com meu avô, por volta dos quinze anos, que, à época, era a idade em que as moçoilas contraíam matrimônio. Ocorre que pouco tempo depois da boda vó Laida desencantou- se de meu avô e procurou os pais para dizer que queria o desquite. Meu bisavô foi firme na negativa: Filha minha não se desquita. E, se desquitar, não sai nem na janela. Argumento mais do que suficiente para fazê-la desistir do intuito. Imagine, nem na janela, ela que adorava uma rua! Com o passar dos anos meu avós encontraram o sossego da boa convivência. Mas, antes disso, muita porcelana voou pelos ares... Lembrei também de um episódio do programa Vila Sésamo, que não perdia na minha infância. Num quadro sobre a importância da cedilha, ela fugia das palavras e essas se transformavam. Nunca esqueci da louça que, com a fuga da cedilha, ficou louca... Antes de ser minha, essa louça foi de minha irmã Raquél, a quem minha avó doou diretamente, no intuito de preservar o que restara. Como não é tão afeita a velharias como eu, quando mudei para São Paulo minha irmã me presenteou com esse pequeno tesouro. Agora que sacudi a poeira e dei a volta por cima, vou fazer a Rita Lobo e colocar tudo na roda para impressionar as visitas. Uma molheira e um prato fundo restaram escurecidos, não consegui salvar. Se alguém tiver uma dica de como clarear porcelana, evidentemente que sem remover a pintura, por favor deixe um comentário. Agradecido. Acho que usarei a leiteira para servir pequenas porções de gaspacho nas xícaras... Que tal?
Na foto, minha louça toda linda de banho tomado.

sexta-feira, 14 de novembro de 2014

3 X YVES

Assim como aconteceu com Coco Chanel, a enxurrada de cinebiografias da vez recai sobre o estilista fancês Yves Saint Laurent. Depois do excelente documentário L'Amour Fou, de 2010, e de Yves Saint Laurent, de janeiro de 2014, chega agora aos cinemas Saint Laurent, a versão não-autorizada da vida do criador do smooking feminino e do vestido Mondrian. Não sei nada de moda nem sou crítico de cinema. O que me encanta nos três filmes é o personagem em si. Confesso que, dos três, o que mais me emocionou foi o documentário de Pierre Thoretton, L'Amour Fou. Achei também o mais completo, que mostra mais da vida louca e criativa desse gênio da alta costura, sua incessante busca pela renovação, pela estética, pelo prazer, pelo amor, fama, sucesso, drogas, amizades, bofes, obras de arte e o próprio sentido de ser quem ele era em meio ao turbilhão que provocava com suas criações e ousadia. Já em Yves Saint Laurent, de Jalil Lespert, o que me marcou foram as interpretações do jovem Pierre Niney, como o personagem título, e de Guillaume Gallienne, como o companheiro e sócio Pierre Bergé, ambos integrantes da Comédie- Française. O que, a meu ver, já seria garantia de qualidade. Mas Pierre Niney, além do enorme talento, encanta pela sensibilidade e doçura com que compõe o personagem, quase um patinho feio que ao longo da história desabrocha em fabuloso cisne. Por fim, Saint Laurent, de Bertrand Bonello, o que menos gostei dos três: É bem bacana também, mas tem trechos longos e didáticos que chegam a ficar chatos. Sem falar que mais para o final o roteiro dá uma boa surtada e fica misturando diferentes épocas da vida do estilista e, do nada, introduz um Saint Laurent já velho, interpretado por Helmut Berger, que é tão diferente do jovem Saint Laurent de Gaspard Ulliel, que cheguei a pensar que se tratasse de Pierre Bergé já viúvo. Mas o filme tem muita coisa boa, como o talento e as belezas do protagonista Gaspard Ulliel e de Louis Garrel, que interpreta Jacques de Bascher, outra grande paixão de Yves. Traz curiosidades, como a correspondência de Saint Laurent com Andy Warhol. E traz também mais ousadias, como a cena de nu frontal que revela outros dotes do talentoso ator principal... Eu sempre sou muito tocado pela vida dessas pessoas geniais, loucas e criativas. E, invariavelmente, saio do cinema doido para entrar em uma boate, cheirar cocaína, fumar, tomar pílulas e beber champagne até cair. Só que não...
Na foto, Yves em si ladeado por seus intérpretes: À esquerda, Pierre Niney e, à direita, Gaspard Ulliel.

quarta-feira, 12 de novembro de 2014

IGREJAZZ

Eu adoro jazz. E, como fã que sou desse estilo musical, estou sempre em busca de grupos, cantores e cantoras que o pratiquem. Não me canso de ouvir as mais diversas versões de uma mesma música feita por diferentes artistas. Minha busca não se restringe apenas a músicos e cantores, também procuro sempre encontrar novos lugares onde possa apreciar o jazz executado ao vivo. Recentemente contei aqui no blog do projeto Jazz Ao Meio Dia, da Livraria Cultura. Pois a minha mais recente descoberta foi justamente o Igrejinha, bar que adoro e do qual já falei diversas vezes aqui no blog, do meu amigo Ricardo K e de seu fofo sócio Edu Revi. Pois não é que agora tem jazz ao vivo no Igrejinha? Sim, todas as terças-feiras, a partir das 21 horas, com o excelente trio Faithfull Jazz. O projeto vem de começar, ainda não foi descoberto por muita gente, então é bom se jogar logo antes que fique lotado demais, pois o espaço é pequeno e não cabem muitas pessoas. Eu fui ontem à noite e adorei. Enquanto saboreava meu drink ao som de My Funny Valentine, fiquei lembrando de Elis, divertidíssima em Alô, Alô Marciano, de Rita Lee, quando suspira blasé: "Ai, que chic é o jazz, meu Deus!" Então corre...

terça-feira, 11 de novembro de 2014

ESFINGE

Era assim tão surpreendente porque, quando a gente menos esperava, surgia detrás das pedras com seu olhar distante, seus longos cabelos louros encaracolados soltos ao vento, suas roupas esvoaçantes, exóticas, coloridas. Era assim tão diferente porque, naquele lugar onde ninguém pintava a cara, ninguém usava perfume nem andava de salto alto, ela sempre pintava seu belo rosto de traços felinos, desfilando muito bem maquilada, perfumada e usando os mais altos sapatos de salto alto. Era assim tão misteriosa porque sempre batia pé quanto aos seus misticismos, seus ocultismos, as suas seitas. Era assim tão sonhadora porque, numa época em que todos faziam amor com quem quisessem, preferia ficar sozinha e saciar ela própria os seus desejos a ter de se relacionar intimamente com quem quer que fosse dos homens que tinha à sua volta. Era assim tão desgarrada porque não tinha lugar fixo para morar, não tinha família e não fazia questão de dar nenhuma pista do seu paradeiro a ninguém. Era assim tão independente porque pagava, ela própria, as suas contas, suas roupas exóticas, os seus perfumes raros e a comida não menos rara e cara que comia, seguidora que era de regimes e dietas muito especiais. Era assim tão corajosa porque, com a onda de assaltos e violência que assolava os lugares, andava sozinha a altas horas da noite ou da madrugada, dependendo da sua disposição para ficar nos bares observando atenta as pessoas, procurando aquela que seria a escolhida para tirá-la da solidão. Era assim tão chocante porque, a cada um dos homens que a assediavam com segundas intenções, respondia na lata que até então só havia feito amor com mulheres e isso já há longos e insuportáveis três anos. Era assim tão sem tabus nem preconceitos porque, quando uma vez conversávamos, me disse sem rodeios: Desejo é um ser andrógino, um homulher, que, este sim, me possuirá, será possuído por mim e me dará prazer. Era assim tão direta porque não tinha papas na língua e dizia tudo o que bem entendia e pensava. Era assim tão oriental porque gostava de incensos e especiarias e véus e sedas e tal. Era assim tão insana porque não tinha pé nem cabeça e ninguém a compreendia. Era assim tão sui-generis porque não havia ninguém como ela. Era assim tão solitária porque ninguém lhe interessava. Era assim tão fascinante por ser dona de um passado e de um presente tão incríveis. Era assim tão esfingética por ser tão indecifrável...
Escrevi esse conto na Ilha do Mel, em fevereiro de 1985. Na foto, Shirley Mallman, que lembra muito a moça que me inspirou.

terça-feira, 4 de novembro de 2014

UPDATED PIRACAIA

Já falei inúmeras vezes aqui no blog do quanto curto e preciso ir a Piracaia de tempos em tempos para recarregar minhas energias. E quando digo Piracaia me refiro ao sensacional La Figueira, misto de retiro, pousada, templo, centro de reconexão com a natureza, escola, complexo esportivo, casa de cultura, gastronomia e o que mais você desejar no alto da montanha, com vista para um enorme vale que descortina a figueira em si e, mais ao longe e abaixo, a represa. Uma experiência sempre inesquecível e renovadora. Nesse último fim de semana tive o privilégio de lá voltar, como special guest dos proprietários, e tive uma grata surpresa: La Figueira foi totalmente revista, melhorada, ampliada, atualizada e agora, na minha modesta opinião, está perfeita. (Antes eu achava - como urbanóide que sou - que faltava o acesso à internet para a perfeição). Agora tem internet, sauna, suítes maravilhosas com vista para o vale. Inclusive os banheiros tem inacreditáveis vistas para as montanhas. Só vivendo para saber. Você pode reunir um grupo e locar o espaço para qualquer tipo de atividade relacionada à saúde, ao auto-conhecimento, à reeducação alimentar, ou, até mesmo, para fazer uma inusitada festa particular. Retiros de silêncio e jejum são frequentes por lá. É claro que eu não vou assim tão desapegado e costumo levar várias coisinhas para passar o tempo. Entre elas bons drinks, é claro. Mas a grande estrela para mim, mesmo agora com a internet, continua sendo o silêncio. Esse meu sonho de consumo, meu artigo de luxo preferido. Depois do champagne, bien sûr... Vê-se macacos, tucanos, besouros-rinocerontes e sapos. E as noites costumam ser de tirar o fôlego, tal a quantidade de estrelas. Se tiver lua cheia, então, já viu... Se quem me lê não se animar a ir até lá para conhecer, pelo menos dê uma olhada e curta a página deles no facebook, La Figueira Piracaia. O mês de novembro não poderia ter entrado de maneira melhor...
Nas fotos, Rodrigo e Weidy fazem circo enquanto eu medito de frente para o vale.

quarta-feira, 29 de outubro de 2014

RESSACA

Acordou passava do meio-dia. O calor de quarenta graus fazia a cidade derreter. Porto Alegre sempre foi um forno no verão, pensou, a cabeça pesada de ressaca. No videocassete o filme de Jim Jarmusch, Stranger Than Paradise. (Não esquecer de rebobinar a fita antes de devolver para a locadora). Será que a Vespa está na garagem? Por Deus, não lembrava de na-da. Sim, constatou depois de ver pela janela, estava lá, estacionada na vaga. Tudo correra bem... Ou, pelo menos, quase tudo. Ou quase bem... Ocidente lotado, incontáveis gin-tônicas, a Gorda vestida como a Madonna, Paulo Vicente de maiô e estola de pele, procura-se Suzan desesperadamente! Aos poucos começava a lembrar: A festa na casa da Martinha! Tinha tomado um hipofagin antes daqueles uísques todos... Talking Heads, Laurie Anderson, The Cure, o pó mocosado na folhagem da portaria! Será que ainda está? Tinha certeza que entre uma aula no prédio antigo do DAD e o ensaio na cúpula da Engenharia guardara lá... Aff! Ressaca assim só depois daquela noite no Esperança, o bar do Java na Fernandes Vieira. Ou seria na Felipe? Que depois de uma rodada de beijos foram todos esticar na casa do Leandro. Quem tinha ido, mesmo? Não importa. O Leandro era namorado do seu melhor amigo e pegou super mal. Uma saia justa de couro. Sem forro... Restos de gel purpurinado grudavam o cabelo na nuca. Olhando no espelho pensou: Ligo pro Walter assim que voltar ao normal. Preciso passar hoje mesmo no Scalp pra dar um jeito nesse cabelo. Entre a aula de dança na Choreo e o show do Mareu. Onde é que guardara o retrato em monóculo que a Rochelle fez dentro do caixão do Beijo Ardente? A década inteira passava na sua cabeça: Mil novecentos e oitenta, oitenta e um, oitenta e dois, oitenta e três... Quatro , cinco, seis, sete... Em que ano a Gorda de Madonna? As festas da Martinha, quando foram os Talking Heads? A Vespa na garagem, os ensaios do Tear, o Esperança, a video-locadora, o Leandro... O Ocidente a década inteira, do início ao fim, isso era certo. Meu Deus, que ressaca! Ressaca de uma década. Depois Cazuza morreu, ele foi morar em Paris, os noventa foram chegando e, de repente, tudo já era passado... Nunca mais quatre-vingt!
Na foto, minha tentativa de digitalizar o monóculo de Rochelle Costi.

segunda-feira, 27 de outubro de 2014

TAXI

Saiu da boate entre bocejos, tragadas e goles. Foi o tempo de atravessar a rua, acenar e entrar no taxi que passava. Livre, graças a Deus. Percebeu pelo luminoso aceso em cima do carro. Afundou no banco traseiro enquanto dava a direção a seguir. Quando o taxi cruzou a Paulista de ponta a ponta, do Paraíso até a Consolação, o relógio digital no alto do Conjunto Nacional marcava quase quatro horas da manhã. Vinda do rádio, a voz de Baby Consuelo soava como uma última possibilidade de esperança: Eu queria tanto encontrar você... Olhando as pessoas que passavam a pé pela avenida era fácil distinguir quem estava saindo de casa para trabalhar de quem voltava pra casa depois de uma noite de festa, dança, bebida, incontáveis cigarros e interminável busca. Cai, cai aqui na minha mão. Eu não vou deixar cair, não... Na memória da retina as luzes ainda piscavam fortes e na cabeça, pulsava retumbante a batida da música eletrônica, remixando o auê com você de Baby Consuelo. Do Brasil, lembrou num esgar. Consuelo era tão melhor... Os últimos goles da última cerveja antes de pagar e descer do táxi em frente ao hotel. Só nos filmes as pessoas descem primeiro do taxi e pagam depois, pensou. Ou lembrou, como em um flash. O motorista arrancou e ele, parado à porta do hotel, ainda escutou, vindo do rádio do taxi que se afastava: Você voa no céu feito gaivota. Você é um passarinho... Deitado sozinho em seu quarto de hotel, olhava pro teto quando pensou: Isso já foi há tanto tempo. A boate da Brigadeiro nem existe mais. Como era mesmo o nome? Diesel? Base? Deixa pra lá...

terça-feira, 14 de outubro de 2014

SEM PALAVRAS

Outubro já está na metade e eu apenas chegando ao segundo post do mês. É raro de acontecer, mas às vezes é exatamente assim que me sinto: Sem palavras. Ontem fui assistir ao belíssimo filme Atilla Marcel, de Sylvain Chomet, no qual o protagonista, Paul, só pronuncia uma única palavra: Papai. E o filme acaba. Fiquei impressionado com a atuação daquele jovem ator francês, Guillaume Gouix, que passa pelas mais variadas emoções ao longo da história sem pronunciar uma só palavra. Aliás, só uma. Un seul mot: Papa. Acho que o filme me tocou justamente por esse detalhe: A ausência de palavras do personagem. E me refiro aqui, no meu caso, à palavra escrita. Pois, felizmente, falar eu continuo falando. Pouco. Mas falo. Acho que estamos vivendo um momento em que tudo é dito demais, falado demais o tempo todo. A própria Clarice Lispector, hoje tão citada pelos que tem muito a dizer, já declarou: "Minhas desequilibradas palavras são o luxo de meu silêncio". Eu modestamente venho dizendo há um bom tempo que silêncio em si é um artigo de luxo. E não apenas o silêncio externo, real. Mas o interno, também. O silêncio da alma. Fiquei lembrando do impressionante monólogo sem palavras Depois do Expediente, a que assisti aqui em São Paulo, nos anos oitenta, com a maravilhosa e saudosa Ileana Kwasinsky... A gente ouve tantas coisas, lê tantas coisas o tempo todo, recebe tanta informação, útil ou não, que se perde no alarido geral. Quero dizer que estou em crise de escrita. As palavras me escapam. Adoro dizer isso em francês: Les mots m'échappent... E é bom que assim seja, de vez em quando. Até que essa crise passe, talvez eu não escreva mais nada aqui. Não farei críticas nem elogios. Não reclamarei de ninguém nem de nada. E, sobretudo, não tentarei convencer ninguém a votar no mesmo candidato que eu. Que pra isso já basta o Facebook. E deixa eu parar por aqui porque, para quem está sem palavras, já estou escrevendo demais. Estou parecendo o filho de um famoso casal de atores que foi na estreia do musical de sua mãe, postou uma foto no instagram e escreveu: "Sem palavras para a estreia da minha mãe, etc, etc, etc..." e seguiu transformando em extenso parágrafo o que deveria ser apenas a legenda da foto. Eu ri imaginando o que ele escreveria se estivesse COM palavras... Bom, agora chega! E até, quem sabe, novembro! Enquanto isso, não deixem de assistir ao intrigante Atilla Marcel.
Na foto, o silêncio cheio de palavras não ditas de Guillaume Gouix.

quarta-feira, 1 de outubro de 2014

PARA SEMPRE TEU, CAIO F.

Adentro o mês de outubro no maior estilo, indo para o Rio de Janeiro para a exibição do documentário Para Sempre Teu, Caio F., de Candé Salles, inspirado no livro homônimo de Paula Dip, do qual tive a honra de participar como ator. O filme reúne depoimentos de amigos do escritor Caio Fernando Abreu, imagens do próprio Caio e atores interpretando os seus textos. Já contei aqui no blog, no post 15 ANOS, mas a importância da ocasião exige replay: Conheci Caio no começo dos anos noventa, quando morava em Paris, através de um grande amigo em comum, Luiz Arthur Nunes, que anteviu nossas possíveis afinidades. Eu hospedara o Luiz na minha humilde residência parisiense antes de ele ir a Londres e lá encontrar o Caio. Quando voltou para Paris, disse que tinha deixado meu número de telefone para ele, que em alguns dias chegaria na capital francesa. Detalhe: Caio era meu escritor preferido e um dos meus ídolos vivos sobre a Terra. Corte de tempo: Quase caio para trás quando atendo o telefone e escuto do outro lado da linha sua voz grave anunciando: É o Caio! Quando a gente tem vinte e poucos anos, morar em Paris já é um sonho. Imagine ter vinte e poucos, estar morando em Paris, conhecer o seu escritor preferido e ficar amigo dele? C'est inestimable... Além disso tudo e do que se seguiu por anos até a morte de Caio, muito da honra que sinto de participar desse filme vem do fato de eu estar apresentando uma faceta dele que é pouco conhecida do grande público de fãs e admiradores da sua obra: O Caio divertido, engraçado. Os amigos sabem: Ele era dono de um refinadíssimo senso de humor. E nada mais divertido do que falar bobagens "enchendo o cú de brama" na sua companhia. Pois interpreto sua Lenda das Jaciras, ou As Quatro Irmãs (Psico-antropologia Fake). Adorável desde o título, como só ele sabia ser... O texto não aparece inteiro no filme, pois a cena ficaria longa demais. Mas nas mãos de Candé ele teve uma edição perfeita, dando uma clara ideia de cada uma das quatro irmãs: Jacira, Telma, Irma e Irene. Pra quem não sabe, era assim que Caio classificava os quatro tipos de bichas existentes. Todas clássicas, arquetípicas... O filme será exibido no Festival do Rio nos dias 5, 7 e 8 de outubro. Você pode conferir horários e salas de exibição no site do festival. É isso! Bom outubro para todos. O meu está começando em alto estilo...
Na foto, colagem de Caio que ilustra o cartaz do filme de Candé e Paula.

terça-feira, 30 de setembro de 2014

TESTES

Eu deveria ter nascido na França. Mas, seu eu realmente tivesse nascido lá, será que seria essa pessoa 85% boa e apenas 15% má? Não sei. Não saberia precisar. Se eu fosse um candidato à presidência do Brasil, seria Eduardo Jorge. Tadinho de mim! Não teria a menor chance de me eleger... Pelo menos eu seria pai daquele filho gato que está bombando nas redes sociais. Ah! Meus amigos falam de mim como uma pessoa "gente boa". Isso eu sou mesmo. E acho que se tivesse nascido na França seria mais gente boa ainda, pois teria mais motivos para ser feliz e, consequentemente, fazer os outros felizes. Teve também uma porta na qual entrei que revelou que sou 78% alegre, um verdadeiro sol que ilumina a vida das pessoas à minha volta. Confesso que esse me fez bem para o ego... Teve mais alguns que não lembro exatamente o que deram. Acho que se eu fosse um músico erudito seria Mozart, e sou uma pessoa com uma memória de elefante, quase nunca esqueço de nada. Das poucas coisas da internet que não tem me aborrecido atualmente: Esses testes. Adoro, para dizer a verdade. E você que está me lendo? Quantos testes desse tipo já fez? Quero saber... Ah! Agora eu vou olhar para a lente da verdade e revelar em primeira mão: Se eu fosse um estilista, seria Clodovil! Tá boa, santa? Os nossos comerciais entram agora mas eu volto em seguida. Marcos!

quarta-feira, 24 de setembro de 2014

JAZZ AO MEIO DIA

Na verdade é ao meio dia e meia. Mas é jazz. E dos bons. Faz tempo que vejo o cartaz, sempre que passo pelo Conjunto Nacional: Terças-feiras, doze e trinta, jazz com Tito Martino Jazz Band. Ou esquecia, ou não podia, ou não dava tempo. Até que nessa terça, finalmente, me programei e fui. E adorei! A banda tem sete integrantes. Dois deles são jovens, mas já devem ter lá seus trinta e poucos. Os outros são mais vividos: Uns tiozinhos cheios de suingue e muito talento. Mal o show começa e a gente já se sente em um filme de Woody Allen, nos jazz clubes de Nova Iorque ou andando pelo Central Park. Em seguida estamos em Paris, percorrendo as margens do Sena. Para logo depois voltar aos Estados Unidos e embarcar em um trem com Marilyn Monroe, Jack Lemon e Tony Curtis em plena Lei Seca, viajando para a Florida. O jazz é assim, tem esse poder de nos transportar. E traz consigo Mood Indigo, Hello Dolly e It Had To Be You, entre outros clássicos do estilo, tocados da maneira mais tradicional. Antes de começar, o maestro pergunta à plateia lotada do Teatro Eva Herz quantos já estão ali pela vigésima ou quadragésima vez. Várias pessoas levantam a mão. Depois ele pergunta quem está vindo pela primeira vez. Outras tantas e mais eu levantamos. Percebe-se então que o projeto é o maior sucesso de público. O que me faz muito feliz. Música da melhor qualidade oferecida semanalmente no horário do almoço. Eu já suspeitava que acharia maravilhoso. E realmente: É uma ma-ra-vi-lha. E o melhor: De graça. Corre!
Mais informações em www.titomartinojazzband.com.br

segunda-feira, 22 de setembro de 2014

OLHARES DE CLAUDIA WONDER

Durante os últimos anos que estive na Terça Insana, fui acumulando livros e DVDs em uma pilha de espera, tal era a correria que eu estava vivendo, sem tempo para colocar em dia minhas leituras e sessões de cinema. Hoje, cinco anos após a minha saída do grupo, ainda tenho livros a me esperar pacientemente para serem lidos. Já estou quase no fim da fila, ou melhor, pilha. Um desses que me esperavam é o livro da minha amiga Claudia Wonder que, infelizmente, já não está mais entre nós. No mês que vem fará cinco anos que ela nos deixou. Desde o fim de semana passado retomei o contato com minha amiga através da leitura desses seus ""Olhares de Claudia Wonder"". Um interessante painel caleidoscópico do universo trans, LGBT e do universo mesmo, como um todo sobre o qual habitamos. Seu olhar atento e antenado, sempre questionador, faz falta nesses tempos estranhos que estamos vivendo. Claudia sempre foi à luta. E chamava consigo os que estavam atentos como ela, sem esquecer de dar um toque para os desavisados. O livro reúne crônicas, comentários, perfis e entrevistas que ela fazia para o portal Gonline e para a Revista G Magazine. As entrevistas revelam personagens incríveis como Rogéria, Phedra D. Córdoba e Miguel Magno. Os perfis nos apresentam personalidades trans do Brasil e do mundo, como Coccinelle, Divina Valéria e Thelma Lipp. A leitura tem me enchido de saudades. Quando do lançamento do livro, fui à noite de autógrafos na Livraria Cultura do Conjunto Nacional. Claudia estava sentada a uma mesa na entrada da livraria recebendo o público e fazendo as dedicatórias. No meu exemplar ela escreveu assim: "Roberto, o que dizer? Você com certeza é um dos amores da minha vida!!! Tenha sempre meu olhar de carinho pra você, amado!!! Claudia Wonder. 2008". E tenho mesmo. Guardado no fundo do meu coração.
Na foto, o olhar atento e forte de La Wonder.

segunda-feira, 15 de setembro de 2014

MY MARILYN

Graças à Radio Swiss Jazz, que baixei no meu iPad, estou sempre descobrindo cantores, cantoras, músicos e grupos interessantes. Minha mais recente descoberta foi o David Klein Quintet e seu álbum My Marilyn, um belíssimo tributo à atriz Marilyn Monroe. O álbum relê jazzisticamente temas de filmes seus como Some Like it Hot e canções imortalizadas pela blonde como Diamonds e My Heart Bellongs to Daddy. Sem falar em várias outras pérolas como Kiss, Incurably Romantic, Let's Make Love e She Acts Like a Woman Should. Como sou daqueles que não se sentem satisfeitos no plano digital, minha irmã Rita me mandou dos states o CD em si, propriamente dito. Que é luxo só. O encarte traz fotos belíssimas da Diva Platinada. Entre elas, uma de Marilyn com Ella Fitzgerald, de quem era fã apaixonada. Já está tocando no modo repeat e vai permanecer por um bom tempo... A foto da capa do álbum, de Bert Stern, faz parte do último ensaio fotográfico que Marilyn fez antes de morrer, aquela famosa sessão no Bel-Air Hotel de Los Angeles regada a Dom Pérignon safra 1953. Tive o privilégio de visitar a exposição dessas fotografias aqui em São Paulo há alguns anos e adquiri o livro/catálogo cujas imagens desnudam o mito. Mas voltando ao álbum: Não deixem de ouvir My Marilyn. Super recomendo...

sábado, 13 de setembro de 2014

TIAS AVÓS

Acho que já contei aqui no blog que minha mãe foi criada pelos avós. Portanto, considerava seus tios e tias como irmãos. Logo, do lado materno, eu tinha somente tios e tias. Minhas três tias avós, que eu considerava como tias, eram: Tia Jecyra, Tia Cenyra e Tia Cecy. Todas com ipsilon, assim como minha mãe Doracy. Muito phynas elas... Tia Jecyra morava em Espumoso, cidade onde na verdade nasci, mas fica só entre nós, pois meu pai me registrou como nascido em Soledade e serei um soledadense até morrer. Embora eu desconfie que minha paixão por espumantes venha daí... Pois eu adorava ir a Espumoso visitar essa tia que tinha um acordeon e me deixava tocar. A casa da Tia Jecyra era cor de rosa. Seu marido, Tio Sereno, gostava de sair para caçadas e, quando voltava, nos convidava a comer perdizes assadas, o que se tornava uma grande festa com enormes mesas cheias de parentes na garagem. O banheiro da casa da tia Jecyra era todo preto e rosa. Os azulejos e o piso eram pretos e as louças, cor de rosa. Achava aquilo o máximo, muito, mas muito antes de sequer ter ouvido falar em casa cor... Tia Cecy morava em São Leopoldo e, sempre que tia Jecyra ia visitá-la, passava por Soledade e me levava com ela. Viajávamos na Rural Williys do Tio Sereno e eu, obviamente, ia sentado no banco da frente, junto com minha tia, todos devidamente sem cinto de segurança. A casa da Tia Cecy era divertidíssima, tinha um atelier de costura, ela fazia vestidos de festa dignos de Denner. Lá tinha também minha prima adotiva Verinha que já na época era gay assumidérrima e cantava e tocava violão. Adorava ouvi-la cantar os sucessos Rain and Tears e Marie Jouli, de Demis Roussos... Tia Cecy era casada com Tio Cantídio, de quem já muito falei por aqui. Principalmente por ele ter sido a pessoa responsável por despertar e incentivar em mim o gosto pela leitura. Uma ocasião estávamos todos à mesa almoçando e o Fabinho, neto da Tia Cecy, que na época devia ter uns quatro aninhos, aproveitando uma brecha na conversa, disparou: Dona Marieta caiu na valeta rasgou a buceta e costurou com linha preta! Bem antes dele chegar na buceta um silêncio constrangedor se formou e só foi quebrado, com alívio, quando Tia Cecy explodiu em sonora gargalhada, no que foi seguida por todos... Depois de viúva Tia Cecy se mudou para Florianópolis. Quando fui me apresentar pela primeira vez na capital catarinense com a Terça Insana, fui às lágrimas quando, ao espiar o público por uma fresta da cortina antes de o espetáculo começar, vi minha tia já bem velhinha, com mais de noventa anos, sentada numa das primeiras fileiras... Tia Cenyra, das três, era a que eu tinha menos afinidade, pois quase nunca a via. Ela morava em Porto Alegre e tinha uma renca de filhas! Nem lembro quantas. Seu marido, Tio Claudio, fabricava aeromodelos e tinha uma oficina em casa para confeccioná-los. Era bem bacana ficar horas bisbilhotando por lá, nas poucas vezes que estive em sua casa. Pobre Tia Cenyra, teve uma morte trágica, atropelada por um ônibus... As três já se foram, mas deixaram saudades. Nunca vou esquecer que Tia Jecyra, sempre que chegava na nossa casa para uma visita, me beijava dizendo: Oi, meu amor! E cochichava: Sirva um uísque do teu pai pra tia... Sem gelo! Adorável...
Na foto, Tia Cenyra pagando de pin-up à beira-rio...

segunda-feira, 8 de setembro de 2014

OSTENTAÇÃO

Você já ouviu falar no funk ostentação? Claro, né? E no forró ostentação? Ainda não? Como assim? Você está por fora... Descobri ontem à tarde na televisão, esse eletrodoméstico infernal, a nova tendência do momento. O que teríamos para ostentar, fiquei pensando. Só se for a nossa falta de educação, de cultura, de informação. Nossos valores distorcidos, nossas meias verdades. Nossa cafonice, nossos babados. Nossos dentes faltando, amarelos demais. Nossos dentes sobrando, brancos demais. Nossas rugas demais. Nossos botox e plásticas demais. Nosso excesso de silicone. Nosso barraco com wi-fi e gato net. Nosso saldo devedor. Ou melhor, negativado... Forró ostentação, por outro lado, é totalmente sintomático. A cara do país onde vivemos. Podemos, graças a Deus, comprar televisão de plasma, tablets, pacotes turísticos a perder de vista. Mas ai de nós se adoecermos e precisarmos ser internados em um hospital público. Não sabemos ler, escrever ou mesmo falar corretamente a nossa própria língua, mas de que isso importa se temos smart phones e postamos tudo o que temos nas redes sociais? Ostentar é constrangedor em qualquer situação ou classe social. O fenômeno ostentação, seja ele ligado ao funk, ao forró, ao sertanejo, ao brega ou ao que for, revela muito da nossa condição de pobres indigentes que confundem ter com ser. Não somos nada, logo, não temos nada. Então vamos ostentar nossa pobreza de espírito embalada em ouro e falsos brilhantes. Nossa falta de criatividade. De genialidade. Nossa ignorância envolta em glamour. Quem sabe a TV nos mostra num domingo à tarde e a gente emplaca? Já pensou? Vai ser um baita sucesso. Aí é só correr pro abraço. E beijinho no ombro pras invejosas de plantão...

terça-feira, 2 de setembro de 2014

MAGIA AO LUAR

A estreia de um novo filme de Woody Allen é algo que sempre me faz uma pessoa mais feliz. Sou daqueles cuja vida já valeria a pena se fosse somente para prestigiar as obras desse cineasta. Seu humor, longe de ficar só na superfície, é repleto de questionamentos. E melancolia. Magia ao luar poderia ser uma comédia de sessão da tarde não fosse a genialidade desse mestre da sétima arte. Que usa um confronto entre ciência e misticismo, razão e emoção, para questionar o sentido da vida e a banalidade das coisas. Sua transitoriedade e finitude. Com a delicadeza das histórias de amor e a ironia das comédias mais refinadas. Tudo embalado em uma reconstituição de época perfeita, lindas paisagens, excelente trilha sonora (como sempre), ótimos atores e, de lambuja, Ute Lemper dando uma canja como a cantora de cabaret que de fato é. Nada que Woody Allen já não tenha feito antes em outros filmes. Só que ele, assim como os bons vinhos, fica cada vez melhor. E faz comigo, como diz a canção de Cole Porter que está na trilha, something that simply mystifies me. Ainda bem! O novo Woody Allen é um velho e bom Woody Allen. Cheguei em casa e coloquei para tocar You Do Something To Me, na versão de Bryan Ferry, no modo repeat até cansar. Depois troquei para a versão de Ella Fitzgerald. Que nunca me faz cansar. Assim como Woody Allen. E fiquei, ou melhor, continuei pensando no sentido da vida e na banalidade das coisas. Sua transitoriedade. E finitude...

sexta-feira, 29 de agosto de 2014

MELANCOLIA

Não é ao filme de Lars von Trier que me refiro, mas à melancolia em si, propriamente dita. Uma espécie de irmã da tristeza. Prima-irmã da depressão. Essa, por sua vez, mais química, física, médica. Diagnosticada. Me agarro à primeira como uma alternativa à prima pois ela, a melancolia, flerta com a poesia. E, dessa forma, me concede a tão falada licença poética. Que, no caso, seria uma forma de permissão para habitar o lirismo, permanecer num quase estado de devaneio, contemplativo e solitário. Não desconectado do real, mas como se pairasse acima dele. Ou na sua via paralela. O estado de melancolia não é ermo como a alguns pode parecer. É bastante habitado. Por música, poesia, cinema, literatura. Arte, numa palavra. Sim, ela inspira os artistas. Vinícius já cantou que todo o grande amor só é bem grande se for triste e o poeta só é grande se sofrer. Portanto, tire o seu sorriso do caminho que eu quero passar com a minha dor! Quando se está em estado de melancolia frases edificantes e discursos otimistas soam tão ridículos quanto livros de auto-ajuda. Coisas do tipo siga em frente, não desista nunca do seu sonho e etc. provocam no máximo um risinho de canto de boca. Chega-se a bloquear amigos que postam esse tipo de mensagens nas redes sociais... E o mais difícil: Sair da cama pela manhã. É mesmo necessário? Não posso continuar dormindo até meio-dia? Não há nada que eu possa fazer para mudar as coisas e essa cama está tão quentinha... Melancolia não tem cor, é toda trabalhada no preto e branco. Sim, normalmente a melancolia está relacionada ao frio. À chuva. Ao céu plúmbeo coberto de nuvens carregadas. À falta de horizontes. De perspectivas. De esperança. De sonhos. De ilusão. É quando a auto-estima anda tão baixa que a gente pisa nela ao se deslocar. E não há nada que se possa fazer. A não ser esperar que ela passe. Tomando drinques, bien sûr.
Na foto juventude, uísque & melancolia aos dezoito anos em Soledade.

sexta-feira, 22 de agosto de 2014

NOVELA DE RÁDIO

Semana passada assisti à pré-estreia do excelente Caros Ouvintes, espetáculo escrito e dirigido por Otávio Martins, no qual minha amiga Agnes Zuliani dá um show de interpretação. O elenco é bastante afinado, todos estão muito bem em cena. Mas Agnes e Eduardo Semerjian cumprem a terefa com dose extra de competência, compondo seus personagens com tal riqueza de detalhes que lhes conferem, mais do que brilho, humanidade. Desde então fiquei com esse tema na cabeça: O rádio. A era do rádio. E, claro, as novelas de rádio. Fiquei tentando lembrar do filme de Woody Allen, no qual Denise Dummond interpretava Carmen Miranda. Lembrei também da excelente biografia da Pequena Notável escrita por Ruy Castro. A memória, quando acionada, traz à tona coisas nas quais nunca mais havíamos pensado, é impressionante. Por exemplo, o espetáculo Certo Dia Numa Estação de Rádio, a que assisti em Porto Alegre nos anos oitenta, com Dilmar Messias e a saudosa Claudia Meneghetti. E o espetáculo que dirigi também na capital gaúcha, chamado Beija-me a Bouca, Amor! Nele os atores Zé Adão Barbosa e Pilly Calvin interpretavam uma novela de rádio ao vivo no palco... Minha infância foi bastante marcada pelo rádio. Já contei aqui no blog que não dormia sem ouvir o Clube dos Namorados, da Rádio Farroupilha, no meu rádio portátil da Luluzinha... Mas o que mais me veio à lembrança nesses últimos dias foi uma novela de rádio. Eu fui criança nos anos setenta e, por incrível que pareça, na pequena Soledade onde eu vivia, no interior do Rio Grande do Sul, ainda cheguei a acompanhar uma novela de rádio com minha mãe. Naquele ano, acho que 1971, as minhas aulas eram à tarde e todas as manhãs, um pouco antes do almoço, por volta das onze e meia, sintonizávamos a Radio Cristal de Soledade para acompanhar nossa novela: O Egípcio. Que, se não me engano, era de autoria de Ivani Ribeiro. Enquanto minha mãe preparava o almoço eu roía as unhas com o ouvido colado no rádio acompanhando as aventuras da mocinha Mineia e seu galã Radamés, sempre tentando se livrar das maldades do vilão Marduk. Lembro do medo que sentia do terrível labirinto do Minotauro, onde o vilão prendia suas vítimas. Nunca esqueci que no dia do último capítulo, um sábado, eu tinha aula das dez da manhã até o meio dia e minha mãe me deixou faltar à aula para não perder o desfecho da trama! Dá para entender porque me transformei num compulsivo noveleiro... Mas então é isso: Não percam Caros Ouvintes, em cartaz no Grande Auditório do MASP até dezembro. É uma bela homenagem àquele tempo glorioso. Na foto, Agnes Zuliani na pele da enfezada Dona Ermelinda Penteado.

quarta-feira, 20 de agosto de 2014

ALAMEDAS

As ruas do bairro onde moro em São Paulo, embora não sejam plantadas de álamos, recebem o nome de alamedas. Meu apartamento fica na Alameda Franca que, por uma questão de cedilha, não é França, lugar onde adoraria viver. Franca é uma cidade do interior do estado, assim como o são Lorena, Itu, Campinas e outras tantas alamedas do Jardim Paulista. Lembro que quando ainda não morava em São Paulo e vinha aqui passear, essas alamedas costumavam me impressionar. Eu via vasos de flores ao longo das calçadas, pequenas boutiques e bistros que me encantavam. Tinha um quê de europeu que eu já intuía que iria gostar. E pensava: Quero, um dia, morar aqui... Por uma grande coincidência, um dos lugares que mais me atraía, o Ritz, fica na mesma Alameda Franca, onde moro há dezoito anos. E que continuo frequentando com o mesmo entusiasmo de há quase trinta anos, quando o conheci. Quando eu ainda frequentava a noite, quase tudo de mais legal rolava por aqui. Na Alameda Itu ficava o Massivo. Na Bela Cintra, a Rave. Na própria Franca resiste, até hoje, o impávido Gourmet. Mas a Rua da Consolação reunia todo o fervo, de alto a baixo, da Alameda Santos até a Oscar Freire. Tinha o Pitomba, o Allegro, o The Cube, a Espanhola, o Ultralounge nos dois lados da rua e o saudoso Bar Supremo, que tinha no subsolo o Supremo Musical, onde assisti a shows memoráveis. As drag queens, no auge do hype, desciam a Consolação no capô dos carros. Inesquecível a Alma Smith com seus bordões: "Quem for gay que me olhe!" Ou então: "Quantos?"... Sem falar na minha amiga Léia Bastos, também conhecida como Alexandre, que vinha me visitar montada e o porteiro anunciava: É o Seu Léia! Até hoje perambulo por essas alamedas todas. Às vezes feliz, às vezes triste. Outras só perambulando, mesmo. Quando virem um senhor grisalho, baixinho, flanando no quadrilátero entre a Estados Unidos, a Paulista, a Rebouças e a Nove de Julho, podem chamar, serei eu. E sentaremos à mesa de um café para conversar. Tomando drinques, bien sûr!
Na foto, a fachada do Ritz, um clássico na Alameda Franca desde 1981.

quinta-feira, 14 de agosto de 2014

DESENCAIXADOS

Não tem aqueles dias em que está tudo igual, tudo certo, tudo na mesma, mas que nada se encaixa? Pois é. Nesses dias eu percebo que o que não se encaixa sou eu. Eu é que estou desencaixado. Um grande sentimento de inadequação parece me separar do resto da humanidade. Do país. Da cidade. Como pode? Até ontem estava tudo bem. Nada de significativo aconteceu. Pois talvez seja esse exatamente o problema. A ausência de eventos significativos. Vejo as pessoas todas à minha volta mobilizadas, engajadas, lutando por seus ideais, defendendo seus pontos de vista, sustentando suas opiniões e brigando por suas certezas. E como as pessoas tem certezas, é impressionante! Mesmo as que dizem não ter. A morte do ator Robin Williams me deixou meditabundo. Um pouco mais do que normalmente já sou. Ele, com certeza (olha ela aí), era um desencaixado. Quanto mais penso sobre isso, mais me dou conta de que essa inedaquação é interna. Às vezes não há nenhum motivo exterior para que ela se manifeste. O dia está lindo, o sol brilha, o céu está azul, você está em um trabalho maravilhoso, que te realiza profissionalmente e, ainda por cima, dá dinheiro, você tem alguém que te ama e que você ama também e de repente, do nada, ela surge. A i-na-de-qua-ção. Que merda. Conversando com meu amigo Gê Comini, aquele que já citei aqui no blog, com quem troco ideias sobre amenidades como a arte e o sentido da vida, conversando com ele sobre isso chegamos à conclusão de que é uma questão de química. Algum fator interno altera a química do organismo e faz com que a gente se sinta um extraterrestre. Eu nunca fiz terapia, nunca consultei um psiquiatra, mas sinto que é mais ou menos por aí. Ontem, by the way, o dia foi cinza, chuvoso e frio. Começou logo pela manhã com a notícia da morte do candidato à presidência Eduardo Campos, aos quarenta e nove anos, em um acidente aéreo. E encerrou com a morte do historiador Nicolau Sevcenko. Hoje o dia continua cinza, chuvoso e frio. Aí também não há química que se equilibre...
Na foto, Eu, Você, Nós Dois, obra de Gê Comini, também autor do título do post.

domingo, 10 de agosto de 2014

SENTIMENTO ILHADO

Retomando antigos discos de vinil, de há muito guardados no armário, escuto coisas que vem totalmente ao encontro do que sinto, que creio, que vivo. Arranjos de cordas que calam fundo no peito, torcem, dóem, friccionam. Quando eu não te vejo eu perco o rumo, canta La Ro Ro. Quando a gente tenta de toda maneira dele se guardar - geme Fagner - ele volta a incomodar. Estava lá, guardado no fundo do armário do peito, da memória do coração. Volta com tudo, feito furacão. Morto e amordaçado. Gal previne: É preciso estar atento e forte. Palavras, calas, nada quis. Estou tão infeliz. Recorro a tudo o que posso, do aço dos meus olhos ao fel das minhas palavras. Ne me quittes pas, implora Maysa em bom francês. Sirvo mais vinho enquanto Cazuza é feliz em Ipanema e enche a cara no Leblon. Eu ando tão down... Na porta, lentas luzes de neon. Aliterações contidas na canção. Figuras de linguagem. Quero ficar no teu corpo feito tatuagem. Elis não grava mais. Dommage... Há interatividade em ouvir LPs. Não se pode ficar jogado no sofá esperando que o aparelho faça tudo. É preciso levantar para virar o disco, trocá-lo, escolher outro álbum para ouvir na sequência. Percebo agora que a vida sem riscos e chiados é bastante sem graça... E que só uma palavra me devora: Aquela que meu coração não diz.
Nas fotos, a velha Billie na nova vitrola e a capa de A Cena Muda, de Bethânia.

terça-feira, 5 de agosto de 2014

A VÍRGULA E A CRASE

Tenho muita pena da vírgula e da crase. Quase ninguém tem a menor noção de quando usá-las nem de para quê elas servem. Por outro lado, elas parecem ser muito amadas: São usadas aos montes, sobretudo onde jamais deveriam estar. Avisos de condomínios são bastante ilustrativos do que estou querendo dizer. Como o que está colado essa semana no elevador do meu prédio: "A taxa condominial, encontra-se na portaria, para ser paga. Atenciosamente, à administração". Se a taxa está na portaria para ser paga, por que a vírgula a separá-la da portaria? E se ela está lá para ser paga, poque outra vírgula separando-a do pagamento? E o que dizer da administração, que refere-se a si própria como "à administração"? Tenho uma relação quase intuitiva com sinais ortográficos e de pontuação. E, claro, dicas inesquecíveis que trago na manga. Como essa, do professor Edson de Oliveira, dos meus tempos do Colégio Mauá, em Porto Alegre: "Antes de machão, crase não". No entanto, o que vejo de "à domicílio" por aí não está no gibi... Quando estava na Terça Insana, a Grace me mandava os releases que escrevia para que eu os corrigisse. E eu sempre brincava dizendo que tinha de passá-los por uma peneira de vírgulas, pois vinham pesados pelo excesso delas... Eu devo ser uma pessoa muito chata mesmo para me importar tanto com isso. Mas, se me importo, o que fazer? Na foto, Le Point Virgule, o pequeno teatro do Marais, em Paris, totalmente dedicado ao humor.

quarta-feira, 30 de julho de 2014

LUA MORENA

Esse é o nome da pousada onde estamos hospedados aqui na praia de Canoa Quebrada. Fico me perguntando como pode a lua ser morena mas, obviamente, não encontro resposta. Coisas do Ceará. Desde que cheguei no estado tenho me feito várias perguntas. Como, por exemplo, o que leva uma pessoa a pintar um Romero Brito sem ser ele próprio. É que artistas locais passam na praia vendendo telas que reproduzem obras desse pintor. Aliás, aqui vale perguntar também o que leva uma pessoa a pintar um Romero Brito mesmo sendo o próprio... Mas a beleza que nos cerca é inebriante. A pousada fica no alto do penhasco de frente para o mar aberto. Logo ao lado verdadeiras muralhas de falésias recortam-se contrastando sua cor avermelhada com o azul do céu e do mar. O sol nasce das águas em frente ao nosso bangalô. Tomamos café da manhã no terraço da piscina que também fica de frente para o mar, como todo o resto. Às quatro horas da tarde há um verdadeiro engarrafamento de para-pentes no céu. Hoje pela manhã, na praia, um deles fez um vôo razante e tocou minha mão com a dele, giving me five... E os dias se sucedem entre nasceres e pores de sol, noites estreladas e passeios sem fim. Dizem que aqui só existem duas estações: Verão com vento e verão sem vento. Estamos no verão com vento e está perfeito. Nem consigo imaginar como seja o sem. Canoa Quebrada, diga-se, também está perfeita. Imagine consertada...
Na foto, o sol nasce em frente à minha humilde residência.

segunda-feira, 21 de julho de 2014

LAILA, A MUSICAL

De tempos em tempos sou surpreendido por um artista de muito talento que se destaca no mar de obviedades e repetições em que navegam as artes cênicas nacionais. No último fim de semana fui, muito receoso e com dois pés atrás, assistir ao espetáculo Elis, A Musical. Sou daqueles fãs empedernidos de Elis Regina, dos que choraram muito na sua morte e continuam cultuando sua estrela até hoje. Mas tão empedernido que me recusei até mesmo a assistir sua filha Maria Rita cantando seu repertório. Assim mesmo, fui. Achando que iria detestar e que esse seria mais um show de imitações, com atores representando arremedos grosseiros e caricatos de artistas de renome. Mais um na onda de shows de covers que assola o "musical" brasileiro (aspas intencionalíssimas). Me enganei redondamente, graças a Deus! Esse não é o caso do excelente Elis, A Musical, em cartaz no Teatro Alfa, em São Paulo, um espetáculo de refinado bom gosto. Luz, direção, roteiro, o espetáculo começa e todas as figuras são assim: Desenhos de luz, agrupamentos de pontos, de partículas, um quadro de impulsos, um processamento de sinais. Mas no meio de tudo se destaca o talento excepcional da protagonista Laila Garin. Laila não imita, ela cria a sua própria Elis com sensibilidade e competência. E quando canta, cai dentro, malandro! (para citar a Pimentinha). Que deleite assistir à apaixonante performance dessa excelente atriz e cantora. Laila brilha com luz própria e não por cantar Elis com perfeição. Às vezes sua voz nem soa parecida com a da Pimentinha, mas é tão bom de se ouvir, que nem precisa. Laila é um passarinho, um canário, o sabiá de Tom Jobim. Soube por um amigo da produção que o espetáculo irá se apresentar em Porto Alegre. Espero que os gaúchos a recebam com a reverência que ela merece. Uma forma nebulosa feita de luz e sombra. Como uma estrela. Laila é uma estrela.

terça-feira, 15 de julho de 2014

LIVROS

Tenho um relação bastante estreita com esses objetos, se é que assim se pode chamá-los. Desde a mais tenra idade, Lobato, Éxupéry, Druon, Veríssimo, Alencar. Até uma idade bastante avançada, vivia bem mais através deles do que da vida em si, a dita real. Com o tempo os fui acumulando, enchendo estantes, armários, gavetas, prateleiras. Hoje penso que devem ser passados adiante. Depoi que os leio, guardo por um certo tempo e então os doo. Do verbo doar. Não doer. A doação deve ser feita sem dor. Com amor, de coração aberto. E desejando as melhores transformações possíveis nas vidas de quem os ler. É claro que nem tudo pode ser doado. Clarices, por exemplo, jamais. Irão todos comigo para a fogueira. Um Gabeira autografado aqui, um ou outro Mario Quintana acolá, toda regra tem suas exceções. Do mais, desapeguei. Admiro meu amigo Odilon que os abandona em locais públicos para que outras pessoas os encontrem e leiam. Eu os doo para uma instituição que faz bazares com eles e usa a renda para ajudar crianças doentes. Adoro a ideia de que viajem, circulem, transmitam seus conteúdos, suas ideias, inspirações nos mais diversos lugares, cidades, países. Os virtuais não me seduzem. Prefiro, como cantou Caetano, "amá-los do amor táctil que votamos aos maços de cigarros. Domá-los, cultivá-los em aquários. Em estantes, gaiolas, em fogueiras. Ou lançá-los para fora das janelas". Deixando espaços livres para que novos livros venham preenchê-los. Nas fotos, o autógrafo do "colega e amigo" Quintana e o meu preferido desde sempre A Descoberta do Mundo, de Clarice.

segunda-feira, 7 de julho de 2014

COM TEATRO É MELHOR

A vida com teatro é muito melhor. Ainda que os espetáculos sejam longos, cansativos, lentos, arrastados, mal feitos ou até mesmo sem graça quando deveriam ser engraçados. Mesmo o mau teatro é melhor do que nenhum teatro. Digo isso porque, nos últimos dias, assisti a uma verdadeira maratona de espetáculos de teatro. Meu amigo Odilon Henriques, que mora em Salvador, veio passar uma semana comigo e, durante esse tempo, assistimos a seis espetáculos. Dos mais variados estilos, propósitos e qualidades. Vimos do musical ao drama psicológico, passando pela comédia, pelo poético, pelo absurdo, pela memória, enfim, um leque de possibilidades de dramaturgia. Rimos muito, inclusive quando não era para rir, nos emocionamos, nos divertimos, ficamos constrangidos e até choramos. Como em Salvador não há muitas opções, quando vem a São Paulo meu amigo faz questão de ir ao teatro todos os dias. Ele já morou aqui e costumava ser meu parceiro mais frequente nas plateias. E realmente tem coisas que só ele para assistir comigo. Sim, gostamos até mesmo do trash... De tudo a que assistimos, há dois espetáculos que considero imperdíveis e aproveito para recomendar: O primeiro é o belíssimo Ou Você Poderia Me Beijar, que acompanha o relacionamento de um casal gay ao longo de décadas, e o segundo é Quem Tem Medo de Virginia Woolf, de Edward Albee, com a brilhante interpretação de Zezé Polessa. Hoje meu amigo voltou para sua casa na Bahia e me deixou com a agradável impressão de que a vida, com bastante teatro, é de fato muito melhor... Na foto, Zezé Polessa bebe todas como a irascível Martha, de Quem Tem Medo de Virginia Woolf.

quinta-feira, 3 de julho de 2014

A ÓPERA DA LUA

Quarta-feira, 02 de julho de 2014, uma tarde verão em pleno inverno de São Paulo. Vou com meu amigo Odilon Henriques, que mora em Salvador e está passando comigo uma semana de suas férias, ao bairro da Barra Funda para visitar A Ópera da Lua, a mais recente exposição dos artistas Otávio e Gustavo Pandolfo, internacionalmente conhecidos como Os Gêmeos. Passamos a porta de entrada. O calor, o trânsito, o cansaço do longo dia batendo pernas pela capital, o banho vencido, as angústias, tristezas, inquietações, ansiedades, inseguranças, desassossegos, tudo fica do lado de fora e é imediatamente substituído pelo mais puro lirismo. Poesia visual. Seres amarelos vestidos das mais variadas estampas. Listras. Poás. Paetês. De repente, novos universos nos são propostos e facilmente somos levados por eles. Por aqui. Por ali. Espia aqui. Entra ali também. Olha lá no alto! Gente, muita gente circula entre as obras, os espaços, instalações. Mais do que contemplar as obras, parecem todos interessadíssimos em fotografá-las. Usam a exposição como cenário para seus clics que, claro, serão postados nas redes sociais. Por um momento quase desisto, deixo para voltar em um dia mais calmo. Quando do nada sou fisgado por uma imagem que me paralisa. De súbito, fico todo arrepiado e choro ao tentar comentar com meu amigo. No alto de um farol, um homem dorme sob a luz do luar. O farol é pequeno, o homenzinho deitado sobre ele é ainda muito menor e o resto é mar banhado pela luz da lua. Vou me afastando e percebo que essa belíssima imagem, da qual jamais esquecerei, está pintada sobre uma velha porta, com os buracos onde ficava a fechadura ali expostos também, fazendo parte da obra e acrescentando a ela ainda mais poesia. Que bom. Muito obrigado. De repente, no meio da tarde, sou feliz outra vez. Mesmo que para depois, saindo desse universo mágico, o calor, o trânsito, o banho vencido, as angústias, tristezas, inquietações, ansiedades, inseguranças e desassossegos me acompanhem de volta pra casa para sonhar com a lua banhando o mar sobre o farol. Ao som da ópera de Otávio e Gustavo. Imperdível. Até 16 de agosto no Galpão Fortes Vilaça. Vai! Na foto, cedo à interação proposta pela dupla.

quarta-feira, 18 de junho de 2014

CHORAR

Não sei quanto a quem está me lendo, mas eu tenho dificuldade para chorar. Meu choro é trancado. Adoraria ser uma manteiga derretida e chorar por qualquer bobagem. Assim não sentiria o aperto que às vezes sinto no peito. Sou daqueles que precisam de ajuda para chorar. O novo livro do escritor Fabricio Carpinejar se chama Me Ajude a Chorar. Ainda não tive o prazer de ler, aliás, nunca li nenhum livro desse autor, mas adorei o título. Chorar, pelo menos para mim, lava realmente a alma. Nos últimos dias chorei a morte do cantor Jimmy Scott. Um grande artista que tinha, entre outras tantas qualidades, a de me fazer chorar. Agora só me resta Antony Regarty (experimente ouvir If it Be Your Will com ele). E, claro, as gravações de Jimmy. Assim como as de Elis Regina, que já me fez chorar muito, inclusive quando morreu prematuramente. Ao contrário do que muitos possam pensar, eu fico muito feliz quando consigo chorar. Com ou sem complemento. Chorar pencas, chorar piscinas, ou simplesmente chorar. Intransitivamente. E não apenas coisas tristes me levam às lágrimas. Coisas muito belas ou singelas, também. A cena do vôo livre, no filme Os Intocáveis, ao som de Nina Simone, por exemplo, me fez chorar. Em A Grande Beleza, quando Jap Gambardella encontra Fanny Ardant andando de noite na rua, chorei também. Aos que como eu tem certa dificuldade em verter lágrimas recomendo: Lancem mão de aditivos ajutórios. E não me refiro a drogas ou álcool. Apenas Arte. Da melhor qualidade. Pode ser música, cinema, literatura ou mesmo um belo quadro ou escultura. Diante de uma obra prima é quase impossível conter-se... Na foto, Antony Regarty, que sempre me faz chorar.

segunda-feira, 16 de junho de 2014

PENSAMENTOS NA PAULISTA

Sempre que ando na Avenida Paulista fico pensando na diversidade humana que por ali transita. E o que me parece mais incrível é a convivência concomitante de tipos às vezes tão díspares. Executivos ultra-alinhados cruzam com hippies que, sentados na calçada, confeccionam o seu artesanato em couro, conchas e durepox. Aliás, os hippies se perpetuam de maneira quase inacreditável em meio ao avanço tecnológico das grandes metrópoles. E com toda a velocidade da informação eles continuam curtindo numa boa o barato de ser e estar. Por seu lado os executivos, que passam sem ao menos percebê-los, ocupados que estão em não perder as oscilações da bolsa de valores e as últimas cotações do dólar e do euro, seguem em seus bem cortados ternos pretos, retos, de três- botões-com- o- de- baixo- aberto, seus sapatos e óculos também pretos, portando as suas pastas pretas, seus laptops & tablets de última geração e seus celulares que fotografam, gravam, filmam, enviam e-mails e fazem contactos imediatos de terceiro grau. Será que os hippies achariam graça nessas engenhocas modernas, digo, gadjets? E os executivos, apreciariam adquirir uma carranca de durepox? Acho que a convivência concomitante a que me referi no início não chegaria a tanto... Obviamente a fauna urbana da Paulista não se restringe aos tipos acima citados. Tem também os office-boys, os músicos, performers, as estátuas vivas, os camelôs, a polícia montada, as bichas montadas, os ciclistas, o pessoal do green peace, as crianças pedindo, os manifestantes, os black blocs e, claro, o cover do Elvis Presley, meu preferido desde sempre. Mais recentemente, juntaram-se à fauna local os torcedores estrangeiros que vieram para a copa. Isso sem falar nas profissões, cada vez mais diversificadas e com nomes estrangeiros: São personal trainers, hair designers, personal stylists, personal organizers… As putas continuam sendo putas, confirmando a tese de que trabalham na mais antiga das profissões. Estão concentradas do lado de lá da Rua Augusta, o lado do centro, onde costumam provocar, nos sábados à noite, engarrafamentos de mais de quarenta saunas mistas de extensão. Mas voltando à mais paulista das avenidas, ela segue em frente com sua fauna exuberante, sempre disposta a receber gente das mais diversas tribos e etnias. Quer dizer, segue em frente dependendo do trânsito! Tem dias que não segue de jeito nenhum... Nas fotos, três momentos da Paulista extraídos do meu instagram.